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Ação civil pública em matéria tributária

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4. DO POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL ACERCA DA MATÉRIA

A doutrina pátria ainda não deu a devida atenção ao tema em tela. Não existem, atualmente, obras específicas a respeito do uso da ação civil pública em matéria tributária, sendo a questão objeto de rápida análise em obras do porte de curso. Apenas alguns artigos publicados em revistas especializadas tratam da questão de maneira satisfatória, objeto de tanta polêmica nos tribunais.

Ao tratar do tema em análise, os autores se posicionam em duas correntes, a que admite o uso da ação civil pública em matéria tributária e a que não admite esse uso.

Dentre os autores que admitem o uso da ação civil publica em matéria tributária estão nomes de peso, do quilate de Ricardo Lobo Tôrres. Tal autor elenca a ação civil pública entre as ações que os contribuintes podem se valer para ver repelido o direito ao não pagamento de tributo inconstitucional, baseando o seu entendimento no disposto no art. 81 da Lei nº 8.078/90.(13)

Ana Lúcia Amaral e Luiza Cristina Fonseca Frischeisen possuem o mesmo entendimento do Prof. Lobo Tôrres, externado em Tese apresentada no 12º Congresso Nacional do Ministério Público, realizado em Fortaleza-CE, entre 26 e 29 e maio de 1998. As ilustres procuradoras da república, ao admitir que o Ministério Público tem legitimidade para a defesa dos interesses individuais homogêneos em matéria tributária por meio de ação civil pública, fazem alusão ao art. 127 da Constituição Federal, que estabeleceu como funções institucionais do Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.(14)

Entre outros autores que admitem o uso da Ação Civil Pública em matéria tributária estão o Prof. Dr. Welber Barral(15) e James Marins(16).

Doutra banda, entre os autores que não admitem o uso da ação civil pública em matéria tributária estão nomes como Hugo de Brito Machado(17), Francesco Conte(18) e Ives Gandra da Silva Martins(19).

Diferentemente do divergente posicionamento doutrinário, a questão parece estar pacificada nos pretórios pátrios. Depois de um período de discordância, os tribunais, com raras exceções, acabaram por concordar em afastar a possibilidade de utilização de ação civil pública em matéria tributária.

No Superior Tribunal de Justiça, ambas as turmas da primeira seção, a quem cabe o julgamento de questões relativas a tributos de modo geral, impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsórios, já tornaram remansosa a jurisprudência a respeito do tema. No mais recente julgado acerca da questão, REsp. nº 252.803, julgado em 27 de agosto de 2002 e publicado no DJU de 14/10/2002, a turma decidiu pela proclamação da tese da ilegitimidade do Ministério Público para pleitear, em sede de ação civil pública, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou a defesa de direitos divisíveis para impedir a cobrança de tributos. No mesmo sentido, temos os seguintes precedentes: EDREsp. 134.979/GO e REsp. 177.804/SP, ambos da Primeira Turma; e REsp. 113.326/MS, REsp. 115.500/PR, REsp. 200.234/SP e AGA 197.150/GO, todos da Segunda Turma.

O Supremo Tribunal Federal também já pacificou a questão. No recentíssimo julgamento do Agravo Regimental no RE 248.191/SP, julgado em 01/10/2002 e publicado no DJU de 25/10/2002, a segunda câmara daquela egrégia corte decidiu que o Ministério Público não tem legitimidade para aforar ação civil pública para o fim de impugnar a cobrança de tributos ou para pleitear a sua restituição, alegando não haver, entre o sujeito ativo (poder público) e o sujeito passivo (contribuinte) relação de consumo. Com o mesmo entendimento temos como precedentes os RE nº 195.056/PR e RE nº 213.631/MG, ambos julgados pelo plenário em 09/12/1999.


CONCLUSÃO

A partir da análise feita acerca das funções da ação civil pública, seu objeto e seu disciplinamento legal pudemos chegar à conclusão que ela é meio processual inadequado para tratar matéria tributária, seja no sentido de afastar cobrança de tributo inconstitucional ou de pleitear a restituição de valores indevidamente recolhidos.

E uma avaliação sumária, a ação civil pública não constitui via processual idônea para o questionamento da legalidade ou da constitucionalidade de tributos, sendo errônea a sua proposição com esteio nos art. 1º, V ou 21 da Lei nº 7.347/87, seja porque inexistente, na espécie, direitos difusos ou coletivos indivisíveis a serem resguardados, seja porque relação tributária não se compara com relação de consumo, seja porque a ação civil pública, ao argüir a inconstitucionalidade de um tributo estaria fazendo às vezes de ação direta de inconstitucionalidade, usurpando a competência do STF para seu julgamento, seja por último, porque seu uso está expressamente vedado pelo parágrafo único da aludida lei, com redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35.

Muito embora o Ministério Público e os outros entes legitimados para a proposição de ação civil pública tenham, clara e exclusivamente, ao propor ação para afastar a cobrança de tributo indevido, o propósito de beneficiar e proteger os contribuintes, aviltados, por diversas vezes, com leis flagrantemente inconstitucionais instituidoras ou majoradoras de tributos, os preceitos legais que regem aquele instrumento devem ser respeitados, sob pena de serem transformados em letra morta, desacreditando todo o conjunto legal que lhe alicerça.

Certa feita, em entrevista à Gazeta Mercantil publicada em 09/04/1987, o ex-Ministro da Fazenda Francisco Dornelles prolatou a célebre frase: "Fui autor, e não fui preso, de vários tributos inconstitucionais, pois em época de emergência a gente cria mesmo". O contribuinte, nos dias hoje, está quase órfão de um instrumento que, coletivamente, lhe confira proteção, caso o Estado, em sua sanha arrecadadora, crie tributos que firam a Constituição Federal. A ação direta de inconstitucionalidade, dado o seu rol de legitimados tão exíguo, dada a sua demora no julgamento pelo STF, abarrotado de processos, anda deixando o contribuinte, já tão desprotegido e vulnerável, a ver navios.

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NOTAS

(1) MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 23 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 155-156.

(2) CAPELLETTI, Mauro. Le pouvoir des juges. Paris: Economica, 1990, p. 58.
(3) MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 46-47.

(4) FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Direitos difusos e coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 9.

(5) ANTUNES, Colaço. A Tutela dos Interesses Difusos em Direito Administrativo: para uma Legitimação Procedimental. Coimbra: Almedina, 1989, p. 35.

(6) NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil e Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor, 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 1864.

(7) TÔRRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 1993, p.186.

(8) MUZZI FILHO, Carlos Victor. Impropriedade da Ação Civil Pública em Matéria Tributária. Tese apresentada ao XXVI Congresso Nacional de Procuradores do Estado, Campos de Jordão, SP, 1998, p. 5.

(9) MACHADO, Hugo de Brito. Ministério Público e Ação Civil Pública em Matéria Tributária. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 52, jan. 2000, p. 87.

(10) CONTE, Francesco. Notas Sobre o Descabimento da Ação Civil Pública em Matéria Tributária. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 30, mar. 1998, p. 40.

(11) TOGNOLO, Osmar. Ação Civil Pública em Matéria Tributária. Disponível em:. Acesso em: 7 out. 2002.

(12) MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e o Controle de Constitucionalidade: estudos de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1998, p.379-381.

(13) Op. cit, p. 302.

(14) AMARAL, Ana Lúcia; FRISCHEISE, Luiza Cristina Fonseca. Legitimidade do Ministério Público para Defesa dos Interesses Individuais Homogêneos em Matéria Previdenciária e Tributária. Disponível em:. Acesso em: 7 out. 2002.

(15) BARRAL, Welber. Notas sobre a Ação Civil Pública em Matéria Tributária, Revista de Processo, São Paulo, v. 80, p. 151/154, 1996.

(16) MARINS, James. Ações Coletivas em Matéria Tributária. Revista de processo, São Paulo, v. 76, p. 97/105, 1995.

(17) Op. cit., p. 84-90.

(18) Op. cit., p. 36-45.

(19) MARTINS, Ives Gandra da Silva. Ação Civil Pública é Veículo Imprestável para Proteção de Direitos Individuais Disponíveis. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 707, p. 19-32, set. 1994.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL, Ana Lúcia; FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Legitimidade do Ministério Público para Defesa dos Interesses Individuais Homogêneos em Matéria Previdenciária e Tributária. Disponível em:. Acesso em: 7 out. 2002.

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TÔRRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 1993.

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Sobre o autor
Vinícius Caldas da Gama e Abreu

advogado em Goiânia (GO), pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Goiano de Direito Tributário e Universidade Católica de Goiás

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ABREU, Vinícius Caldas Gama. Ação civil pública em matéria tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3610. Acesso em: 19 abr. 2024.

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