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Inserção de dados falsos em sistema de informações (art. 313-A) e modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações (art. 313-B)

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01/01/2003 às 00:00
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INTRODUÇÃO

A Administração Pública compreende as funções legislativas, executivas e judiciárias do Estado, e é nesse caráter que a lei a ela se refere no Título XI do Código Penal (Dos Crimes Contra a Administração Pública). Prevê a lei no referido título os crimes contra a Administração em Geral. A objetividade jurídica desses crimes é o interesse da normalidade funcional, probidade, prestígio, incolumidade e decoro da Administração Pública. Assim, pretende o legislador proteger o normal desenvolvimento da máquina administrativa em todos os setores de sua atividade, no sentido do bem-estar e do progresso da sociedade. De forma secundária, o diploma legal penal também protege interesses particulares, então, neste caso, a tutela penal também se estende ao bem particular lesado pelo funcionário público.

Desta forma, proíbe-se, pela incriminação penal, não só a conduta ilícita dos agentes do poder público, os funcionários público, como as dos estranhos, o particulares, que venha, de forma comissiva ou omissiva, causar ou expor a perigo de dano a função administrativa, legislativa e judiciária.

A intenção de proteger as funções desempenhadas da máquina administrativa foi ainda reforçada com a alteração advinda da Lei n. 9.983, de 14 de julho de 2000, que ampliou o conceito de funcionário público (art. 327, §1º), tornando evidente o propósito de tutelar a adequada prestação de serviços públicos.

Todavia, o legislador não foi totalmente feliz ao elaborar a Lei n. 9.983/2000, pois perdeu a oportunidade de proceder a uma desvinculação do Código Penal, de criar tipos autônomos, editando uma lei específica, criminalizando as condutas que entendesse dever sofrer a sanção penal [1]. Com a edição desta lei, o legislador procurou avançar criminalizando outras condutas que, de alguma maneira, pudesses aumentar o rombo dos cofres da Previdência Social. Nesse ponto a lei se antecipou a outros diplomas legais tipificando condutas praticadas por meio da informática, facilitando assim o trabalho do operador do direito.

O Direito Positivo é um sistema em que as normas vigentes se encontram entrelaçadas no qual estão estabelecidas as diversas modalidades de integração normativa que, sempre e necessariamente, consideram a hierarquia estabelecida pela Constituição Federal. Conforme entendimento de Antonio Lopes Monteiro, o legislador procurou harmonizar os tipos penais específicos protetores dos bens jurídicos relacionados com a Previdência Social, pois parece ter sido este o objetivo do projeto que transformou na Lei n. 9.983/2000 [2].

A Lei n 9.983/2000 foi publicada no Diário Oficial da União de 17 de julho de 2000, e de acordo com o seu art. 4º entrará em vigor noventa dias após essa data, assim, a vacatio legis é razoável para que todos tomem conhecimento e os operadores do direitos também tenham tempo de estudá-la e assimilá-la para bem aplicá-la ao caso concreto. A lei elenca no seu art. 1º os dispositivos acrescentados à Parte Especial do Código Penal, utilizando-se da fórmula determinada pela Lei Complementar n. 95, de 26 de fevereiro de 1998, ou seja, acrescentou letras, A, B etc. Na verdade, a lei utilizou essa forma porque no primeiro caso criava um tipo igual ou semelhante ao já existente, mantendo portanto o mesmo número do artigo, enquanto no segundo aproveitou-se da descrição típica já existente acrescentando parágrafos ou incisos.


CAPÍTULO I

1. DOS CRIMES FUNCIONAIS

Os chamados delitos funcionais pertencem à categoria dos crimes próprios, que só podem ser praticados por determinada classe de pessoas em face de a norma incriminadora exigir uma condição ou situação particular. São os que só podem ser cometidos por pessoas que exercem funções públicas. Damásio de Jesus adota a denominação delicta in officio, isto é, crimes dos que realizam a atividade estatal, cujo exercício pode ser efetivado a qualquer título, definitivo ou precário, ainda que sem qualquer remuneração, como ocorre nas hipóteses de convocação de particulares pelo Estado, citando-se como exemplo, os jurados [3].

Os crimes funcionais possuem uma distinção realizada pela doutrina, assim, por sua vez podem ser:

a)delitos funcionais próprios

b)delitos funcionais impróprios

Julio Fabbrini Mirabete faz a seguinte distinção: os primeiros tem como elemento essencial a função pública, indispensável para que o fato constitua infração penal. Sem ela a conduta seria penalmente irrelevante. O crimes funcionais impróprios são os que se destacam apenas por ser o sujeito ativo funcionário público, então se o agente não estivesse revestido dessa qualidade o crime seria outro [4].

Os delitos funcionais próprios (típicos) são aqueles que o Código Penal denomina crimes praticados por funcionários público contra a administração em geral (arts. 312 a 326). Entretanto, nem todos os delitos funcionais típicos estão definidos no Capítulo I do Título XI. Assim, o rol dos artigos 312 e seguintes não esgota o elenco. Outros há espalhados pelo diploma legal, em que a qualidade de funcionário público do sujeito ativo aparece como elementar ou circunstância qualificadora.

Os tipos penais dos artigos 313-A(inserção de dados falsos em sistema de informações) e B (modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações), que se encontram no Capítulo I, são delitos próprios e, portanto, chamados de crimes funcionais, já que são praticados pelas pessoas físicas que se entregam à realização das atividades do Estado. Dentro da classificação geral dos delitos, os crime funcionais estão inseridos na categoria dos crimes próprios, porque a lei exige uma característica específica no sujeito ativo, ou seja, ser funcionário público.

2. ASPECTOS PROCESSUAIS

O Código de Processo Penal estabelece, em seus artigos 513 a 518, rito especial para a apuração dos crimes funcionais. Entretanto, de forma equivocada, trata esses crimes como crimes de responsabilidade, que, em verdade, significam outra coisa, ou seja, infrações de caráter político-administrativo, sujeitas a sanções da mesma natureza (perda do cargo, de função, dos direitos políticos etc.) e submetidas à jurisdição política (Senado, Câmara dos Deputados, Assembléias Legislativas e Câmara Municipais) [5]. Salienta-se, assim, que o rito do Código de Processo Penal refere-se a crimes funcionais, e não a crimes de responsabilidade.

Conforme preceitua o artigo 514 do Código de Processo Penal, o juiz, antes de receber a denúncia, deve notificar o funcionário público para que este ofereça defesa preliminar, por escrito, em um prazo de 15 (quinze) dias. A falta dessa formalidade, para parte da jurisprudência, acarreta nulidade absoluta do processo pela não observância de princípio constitucional do devido processo legal. Para outra parte, no entanto, trata-se de mera nulidade relativa, que depende de prova do prejuízo pelo funcionário público. Após essa fase, o juiz receberá ou rejeitará a denúncia.

Recebida a denúncia, o rito será sempre o da reclusão (rito ordinário), ainda que o crime seja apenado com detenção. Ao prolatar a sentença, se houver condenação por crime funcional, o juiz deverá atentar para o disposto no artigo 92, I, a, do Código Penal, que estabelece como efeito da condenação a perda do cargo, função pública ou mandado eletivo quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a 1 (um) ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública. Ressalta, ainda, o parágrafo único do artigo 92, que tal efeito não é automático, devendo ser motivadamente declarado na sentença.

3. CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO

3.1. FUNCIONÁRIO PÚBLICO PARA EFEITOS PENAIS

Dispõe o artigo 327, caput, do Código Penal: Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce o cargo, emprego, ou função pública.

Para efeitos penais, o conceito de funcionário público é diverso do que lhe dá o Direito Administrativo. Para o diploma legal, é funcionário público quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. Para a caracterização, como afirmam Celso Delmanto e Damásio de Jesus, é desnecessária a permanência ou remuneração pelo Estado. Assim, ainda que a pessoa não seja empregada nem tenha cargo no Estado, ela estará incluída no conceito penal de funcionário público, desde que exerça, de algum modo, função pública [6].

O que caracteriza a figura do funcionário público, permitindo distinção em relação aos outros servidores, é a titularidade de um cargo criado por lei, com especificação própria, em número determinado e pago pelos cofres da entidade estatal a que pertence. O emprego público refere-se à admissão de servidores para serviços temporários, contratados em regime especial ou pelo disposto na CLT (exs.: mensalistas, contratados, tarefeiros). A função pública abrange qualquer conjunto de atribuições públicas que não correspondam a cargo ou emprego público (exs.: jurados, mesários).

Verifica-se que o funcionário público, diante do Direito Penal, caracteriza-se pelo exercício da função pública. Portanto, o que importa não é a qualidade do sujeito, de natureza pública ou privada, mas sim a natureza da função por ele exercida.

Desta feita, são funcionários públicos o Presidente da República, os Prefeitos, os Vereadores, os Juízes, Os Delegados de Polícia, escreventes, oficiais de justiça, etc. Não são funcionários públicos os concessionários de serviço público, curadores, tutores nomeados, inventariantes, síndicos de falência etc, pois apenas exercem um múnus público, em que prevalece um interesse privado.

3.2. FUNCIONÁRIO PÚBLICO POR EQUIPARAÇÃO

Preceitua o §1º do artigo 327 do Código Penal, com nova redação determinada pela Lei n. 9.983/2000: Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

As entidades paraestatais, não se confundem com as autarquias, órgãos do próprio Estado e que realizam atividades públicas típicas. As paraestatais são pessoas jurídicas de direito privado, cuja criação é autorizada por lei, constituída por patrimônio público ou misto (público e particular), com o fim de concretização de atividades, obras ou serviços de interesse social, sob disciplina e controle do Estado. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro as entidades paraestatais são "pessoas privadas que exercem função típica (embora não exclusiva do Estado), como as de amparo aos hipossuficientes, de assistência social, de formação profissional. Podem ser incluídas todas as entidades integrantes do chamado do terceiro setor, o que abrange as declaradas de utilidade pública, as que recebem certificado de fins filantrópicos, os serviços sociais autônomos, as organizações sociais e as organizações da sociedade civil de interesse público" [7]. Para Damásio de Jesus a expressão paraestatal é equivocada, pois dá sentido de entidade localizada além do Estado, fora da Administração ou paralela ao Estado. Na verdade, a norma pretende referir-se à Administração Indireta, composta pelas autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas, uma vez que a parte final do dispositivo se ocupou de integrar os vinculados às pessoas jurídicas constituídas pela iniciativa privada [8]. No mesmo sentido encontra-se Guilherme de Souza Nucci [9]

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O artigo 327, com a sua nova redação, passou a abranger no conceito de funcionário público os particulares que trabalham em empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. Se a atividade é usufruída pela comunidade (o serviço é da Administração, ainda que realizado indiretamente por particulares), são equiparados a funcionários públicos os seus prestadores, entretanto, se a atividade é destinada a atender a demanda da própria Administração (o serviço é para a Administração), não são equiparados os funcionários da empresa privada contratada. Maria Sylvia Zanella Di Pietro diz que a empresa prestadora de serviço contratada é aquela que celebra contrato com a Administração Pública, para a consecução de fins públicos, segundo regime jurídico de direito público. Já a empresa conveniada é aquela que celebra ajuste com o Poder Público para a realização de objetivos de interesse comum, mediante mútua colaboração [10].

Na ausência de definição legal de que seja atividade típica da Administração Pública Julio Fabbrini Mirabete considera como "toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer corretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público". Nessa categoria estão as empresas de coleta de lixo, de energia elétrica e iluminação pública, de serviços médicos e hospitalares, de telefonia, de transporte, de segurança etc., desde que contratadas ou conveniadas com o Estado (União, Estados e Municípios) [11]. Para Damásio de Jesus o exercício de atividade típica da Administração Pública consiste na produção de bens, serviços ou utilidades para a população, e ainda conclui, que excepcionalmente, o Poder Público explora atividade própria da iniciativa privada (atividade econômica) e o faz por meio de pessoas jurídicas que a lei cria ou autoriza que sejam criadas na forma do direito privado [12].

Neste sentido, conclui-se que funcionário público por equiparação quanto à vinculação funcional ou empregatícia pode ser:

a)vinculado ao poder público de forma indireta (art. 327, §1º, 1ª parte, CP);

b)vinculado diretamente à empresa privada e ao poder público por contrato ou convênio (art. 327, §1º, parte final, CP):

b.1) pessoa física incumbida do exercício de função em entidades da Administração Pública Indireta (autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, coligadas ou incorporadas);

b.2) pessoa física vinculada a empresa ou particular que, por contrato ou convênio, se obriga a prestar serviços públicos.

Desta feita, fica excluída do conceito legal a pessoa física que mantém vinculação contratual com a Administração Pública para realizar atribuição que não lhe seja típica.

Com relação a equiparação do parágrafo em tela, há duas correntes quanto a sua aplicação ao sujeito ativo e passivo:

1ª corrente) Restritiva: a equiparação só incide sobre a figura do sujeito ativo do delito.

2ª corrente) Extensiva: a equiparação se estende ao sujeito ativo e passivo do crime.

Damásio de Jesus entende ser correta a 1ª corrente, visto que a norma se encontra no final do Capítulo dos delitos cometidos por funcionário público contra a Administração em geral. Se o legislador quisesse que fosse aplicável aos delitos cometidos por particulares contra a Administração em geral o teria colocado no final do Capítulo II. Além disso, o §2º, que também contém uma equiparação, impõe aumento de pena aos autores de crimes previstos no Capítulo I, permitindo a interpretação de que tal equiparação somente serve para os sujeitos ativos dos crimes, excluindo-se a figura do sujeito passivo [13]. Celso Delmanto também entende ser a 1ª corrente a exata, pois limita a causa de aumento aos autores dos crimes previstos neste Capítulo, demonstrando que tanto a equiparação do antigo §1º como a do §2º devem ficar limitadas ao sujeito ativo [14].

Por força dos princípios da reserva legal e da anterioridade (art. 5º, XXXIX e XL, CF e art. 1º, CP), a ampliação dada a este §1º pela Lei 9.983/00 não retroagirá.

3.3. CAUSA DE AUMENTO DE PENA

O §2º do artigo 327 da codificação repressiva dispõe: A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

Este §2º permite duas interpretações [15]:

a) limitada: este parágrafo contém uma equiparação e uma figura qualificada, mas ambas limitadas aos ocupantes de certas funções em órgãos, empresas e fundações ligadas ao poder Público. Assim, as pessoas expressamente indicadas podem ser agentes de crimes contra a Administração (e sofrendo penas aumentadas), mas os funcionários não qualificadas das mesmas entidades não ficam equiparados a funcionários públicos. Para Damásio de Jesus esta é a posição correta.

b) ampliativa: todos os funcionários das entidades arroladas no §2º estão equiparados também a funcionários públicos, mas a causa de aumento de pena prevista neste parágrafo é aplicável, tão-só, aos servidores qualificados nela expressamente indicados.

Essa causa de aumento de pena é aplicável aos artigos em estudo 313- A (inserção de dados falsos em sistema de informações) e 313-B (modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações).

3.4. CONCURSO DE PESSOAS

È possível que terceiro não funcionário público responda por crime funcional, como co-autor ou partícipe. O artigo 30 do Código Penal determina a comunicação das circunstâncias de caráter pessoal, quando elementares do crime, a todas as pessoas que dele participarem. Então, a elementar do crime funcionário público comunica-se aos demais que não possuem essa qualidade, desde que tenham praticado o crime juntamente com funcionário público, e que tenham conhecimento de sua presença na figura do autor principal. O co-autor ou partícipe deve ter dolo, ou seja, vontade e consciência para agir com o funcionário público.

Desta forma, é preciso que a circunstância ser funcionário público esteja abrangida no dolo do terceiro, portanto, é preciso que ele saiba que atua com funcionário público. Se não souber, praticará outro tipo penal.

Conforme entendimento de Damásio de Jesus, não é preciso que o terceiro conheça com pormenores técnicos a situação funcional do autor principal. Nesse ponto, vale o dolo eventual, bastando que saiba que o executor primário exerce um serviço de natureza pública [16].

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Sobre a autora
Rejane Calatayud

advogada, pós-graduada em direito penal pela FMU e pós-graduada em Aperfeiçoamento em Direito Público e Privado pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALATAYUD, Rejane. Inserção de dados falsos em sistema de informações (art. 313-A) e modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações (art. 313-B). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3614. Acesso em: 21 nov. 2024.

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