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Geração de emprego x assistencialismo.

Um pequeno passeio sobre o Direito Constitucional

01/01/2003 às 00:00
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O Brasil da era FHC, não só no governo central, mas também no estadual e municipal, tem tentado, por meio de vários programas sociais a eliminação da fome, da pobreza e da miséria de maneira geral. Vale gás, bolsa escola, cheque alimentação são alguns desses vários programas, criados pelas três esferas de governo deste país [1], no intuito de minimizar os efeitos do desemprego e da defasagem salarial em face da patente e notória inflação (que, diga-se de passagem, o governo central faz questão de não ver). No entanto, o orçamento é previamente definido, e por orçamento entenda-se não só receitas, mas também despesas. As primeiras devem atender aos critérios da razoabilidade e, evidentemente, discriminação da origem ou fonte; as segundas, ao critério da motivação. A principal fonte de receita do Estado é o tributo que, além de garantir as receitas estatais serve também como fator de distribuição de riqueza [2]. É de se ver, contudo, que tal qual a máxima de Lavoisier, não é possível "rodar a maquininha" e gerar o dinheiro necessário para cobrir todos os gastos governamentais, pois, "na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma" [3]. E é aí que se toca no cerne da questão. Como combater o problema crucial da população e, concomitantemente, atender às demais necessidades sociais como limpeza urbana, saúde, educação, segurança etc?

Começaremos a tentar esclarecer alguns pontos consideráveis por meio da função básica do Estado e as funções do Estado moderno (leia-se Estado atual).

Quando o elemento humano [4] se reúne em determinado território e se organiza politicamente, com soberania e independência, temos o que denominamos de Estado. A primeira atividade a ser tomada por dita organização é identificar e sanar as causas que podem levar à dissolução dessa nação. É daí que se estabelece que as três funções básicas do Estado são saúde, educação e segurança, pois são elementos mínimos e essenciais à sua preservação – entenda-se esses três elementos essenciais na mais ampla acepção. No entanto, a experiência nos tem mostrado que esse Estado mínimo, cumpridor somente dos deveres básicos, pode ser, talvez, suficiente para sua preservação (teoria da qual não compartilhamos), mas não o é no sentido de garantir a sua prosperidade. É a partir daí que as idéias liberais sugeridas pela Revolução Francesa de 1789 começam a esmaecer. O Estado do século XX [5] percebe que não pode se ausentar e deixar que a parcela do seu elemento humano não politizado seja revestida de total e absoluta autopoiese [6], regulando os demais tipos de relações sociais não abrangidos pelos três elementos básicos. O Estado, então, ressurge com os institutos regulamentadores tal qual conhecemos hoje, como Bancos Centrais [7] que interferem diretamente na política monetária, previdência pública garantindo assistência aos trabalhadores, aposentados e desempregados de maneira geral entre outros além de, no presente momento, estarmos a assistir não mais às políticas assistenciais, necessárias à correta prosperidade estatal, mas políticas assistencialistas, que não raras vezes vêem sendo usadas como uma espécie de "evolução" dos cabos eleitorais, o que ficou claro, por meio das propostas (que há bem pouco tempo chamavam-se de promessas) nessa campanha eleitoral [8], feitas pelos candidatos. Mas o que fazer, então, para combater a pobreza?

Como fundamento do Estado brasileiro, insculpido no documento que descreve a Constituição, temos como fortes valores imprescindíveis a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF/88, art. 1.º, III e IV). Dignidade da pessoa humana, no que diz respeito à sua manutenção financeira, consiste em realizar, pelo trabalho, o seu sustento e o de sua família, o que vem a ser ratificado no mesmo diploma, um pouco mais adiante (CF/88, art 7.º IV), no momento em que dispõe os elementos mínimos que o menor salário a ser pago nesse país deve proporcionar. Não é fora de propósito, assim, entender que fundamento é base, arcabouço sobre o qual se firma a estrutura do Estado e que, portanto, é dever absoluto e inconteste do governo promover o que o seu próprio elemento humano definiu como fundamental o inserindo no texto Constitucional [9]. O que queremos dizer é que assistência é dar ao trabalhador condições de suprir necessidades impossíveis de previsão e, portanto, de se criarem instrumentos capazes de as impedirem. Deste modo, diverge substancialmente de assistencialismo, que é dar ao que não trabalha meios de sustentação. Fica claro, assim, que o que se deve dar à pessoa humana é dignidade, e esta, por meio do trabalho. Creio que devemos ter em mente que salário é espécie de renda, renda gera consumo, consumo gera aumento de produtividade [10] e aumento de produtividade é sinônimo de aumento de riqueza. É patente, então, que emprego e empreendedorismo são necessários à prosperidade estatal.

Mas quem deve, afinal, gerar emprego e empreendedorismo? Seria função essa precípua do Estado? É evidente que sim, mas tão evidente é que não poderia ser, também, sempre de maneira direta. O Estado deve empreender somente quando é conveniente ou necessário para a nação e não haja condições do particular o fazer (CF/88, art. 173), ademais sua função deve ser prioritariamente reguladora – acreditamos que desse modo se apresenta a expressão máxima da livre iniciativa. O Estado brasileiro exige lei específica que autorize a instituição de empresa pública ou sociedade economia mista (CF/88, art. 37, XIX e 173), entendemos, destarte, que não poderia ser por nenhum outro instrumento normativo como, por exemplo, medida provisória, a citada autorização, pois o legislador constituinte foi expresso ao dizer "lei específica". Se nota aqui que mesmo sendo discricionário o conceito de conveniência, esbarra a autorização de instituição de empresa pública ou sociedade de economia mista no crivo do parlamento brasileiro, representantes do povo e dos Estados membros da federação (CF/88, art. 44, 45 e 46). Essa é, portanto, a forma direta de empreender. O Estado pode, ainda, criar condições para o empreendedorismo por meio de dois instrumentos principais, são eles: a) incentivos (CF/88 art. 46, § 2.º e incisos, 151, I, 174), que têm o fito de propiciar o desenvolvimento e a criação de atividades produtoras de bens e serviços onde há carência deles e, com isso, gerar riqueza e renda e b) a concessão de serviços públicos como limpeza urbana, conservação do patrimônio público, prestação e ampliação dos serviços de transporte etc. Segundo o ordenamento constitucional a concessão de serviços públicos deve ser contratada por meio de licitação, que somente poderá estabelecer normas gerais de contratação que estabeleçam qualificações técnicas e econômicas para a correta prestação dos serviços (CF/88, art. 22, XXVII, 37, XXI).

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Quais seriam, então, as conseqüências diretas do empreendedorismo estatal? A imediata geração de renda, seja por meio de salário, no caso direto, seja em forma de salário e lucro, na maneira indireta acarretando, inclusive (acreditamos), um ciclo "vicioso" benéfico não só ao povo, como elemento constitutivo do Estado, mas ao próprio Estado ontologicamente entendido, pois o aumento de produtividade como elemento multiplicador de riqueza e renda é instituto de elevação patrimonial e de consumo (o que beneficia o povo), ou seja, principais fatos geradores de tributos de maneira geral (o que beneficia o Estado). E ainda teríamos, em segundo plano (nem por isso menos importante), uma ampliação da quantidade e da qualidade dos serviços públicos prestados pelo Estado.

Contudo, surge uma importante questão sobre a adoção de uma proposta como essa. Os valores usados pelo Estado para a prestação de assistencialismo, se desviados para o empreendedorismo e geração de emprego, seriam equivalentes nos seus benefícios imediatos? Entendemos que a resposta a essa pergunta deve passar prioritariamente pela administração pública. Há infinitas combinações da forma de uso do erário, portanto, é a competência administrativa e a consciência dos problemas sociais por parte dos administradores públicos que irá definir a viabilidade ou não de propostas nesse sentido.

Para finalizar este ensaio, gostaríamos de acrescentar que entendemos ser uma das principais causadoras da desastrosa política brasileira a perpetuação potestativa neste país. Não queremos, de maneira alguma, ir contra institutos como a re-eleição de cargos públicos, pois entendemos que não se coloca planos sérios aplicáveis a toda uma nação num espaço de três anos [11]. O que questionamos é a manutenção de ideologias políticas que há quatro séculos vêem mostrando tímidos resultados (senão meramente evolução histórica). É o revezamento de ideologias que informam a maturidade política de uma nação.


Notas

1. Não importa, neste ensaio, se tais programas são desenvolvidos em conjunto ou separadamente entre os três entes estatais.

2. Sobre a distribuição de riqueza consulte sobre a curva de Lorenz no site: www.gestiopolis.com/recursos/experto/catsexp/pagans/eco/36/lorenz.htm.

3. Lei de conservação das massas ou Lei de Lavoisier.

4. Os autores de Teoria Geral do Estado e de Ciência Política divergem sobre se o elemento humano formador do Estado seria o povo, a população ou a nação, não obstante, nosso objetivo, nesse ensaio, não é discutir a posição desses autores.

5. Principalmente após a crise econômica ocorrida no ano de 1929 nos Estados Unidos, o gerara um desequilíbrio financeiro mundial.

6. Nesse sentido, sociedade que se auto-regulamenta.

7. Este instrumento de regulação da política monetária já existia em alguns países antes do Séc. XX, mas o seu formato atual, como órgão mais independente e com o monopólio da política monetária é mais recente.

8. Eleições Brasileiras aos cargos de deputados estaduais e do Distrito Federal, deputados federais, renovação de 2/3 do Senado Federal, governadores estaduais e do Distrito Federal e presidente da República no ano de 2002.

9. Por meio de representantes eleitos, cujos quais formaram a Assembléia Nacional Constituinte, e que promulgaram a Constituição do Brasil em outubro de 1988.

10. Não sem a intervenção do Estado, pois se assim fosse, ao invés de aumento de produtividade poderíamos ter somente expansão generalizada da moeda (inflação).

11. Não sendo caso de re-eleição, no primeiro ano de governo na esfera federal usa-se o orçamento elaborado pelo seu antecessor.

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Sobre o autor
Ricardo Siqueira Waihrich

servidor do Superior Tribunal de Justiça

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WAIHRICH, Ricardo Siqueira. Geração de emprego x assistencialismo.: Um pequeno passeio sobre o Direito Constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3621. Acesso em: 19 abr. 2024.

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