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As lacunas da lei causadas pelo paradoxo léxico da publicidade e da propaganda

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24/11/2016 às 16:43

Resumo:


  • O Brasil é reconhecido como produtor competente de serviços de Publicidade e Propaganda, mas enfrenta desafios na definição e aplicação de suas leis e códigos devido ao desconhecimento epistemológico dessas ciências por comunicadores e profissionais do direito, resultando em ambiguidades prejudiciais à prática democrática.

  • Publicidade e Propaganda são termos frequentemente confundidos, mas possuem distinções importantes que variam conforme a perspectiva científica, tecnocrática, social e de intenção discursiva, sendo essencial entender suas definições para aplicação correta na legislação e na prática jurídica.

  • A legislação brasileira, como o Código de Defesa do Consumidor e a Lei Eleitoral, carece de clareza na definição de Publicidade e Propaganda, o que gera inconsistências e dificuldades interpretativas que podem afetar a qualidade democrática e a eficácia da justiça.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

6      A PUBLICIDADE E A PROPAGANDA NO AMBIENTE JURÍDICO BRASILEIRO

  Não é desconhecido no senso comum brasileiro o direito do cidadão a uma mensagem condizente com os princípios éticos em que a sociedade se funda. O brasileiro está bem ciente de que estará amparado pela lei no caso de, por exemplo, ser apanhado em uma situação na qual se veja lesado por uma mensagem que oferecia um preço inferior ao valor de venda de um estabelecimento em questão, e por diversas vezes, o cidadão lesado, caso consultado a respeito de tal caso, dirá que foi vítima de “propaganda enganosa”.

  Não é incomum, nem necessária a conceituação inequívoca por parte de um leigo. A partir do ponto que o cidadão compreende que houve a lesão e que tem a possibilidade de buscar seus direitos, o papel democrático não se torna necessariamente enfermo por questões de cognição técnica. Porém, quando a compreensão léxica, etimológica e conceitual de determinado ponto jurídico não é fundamentalmente compreendida pelo atuante letrado que vem a fazer parte do processo jurídico, não se pode dizer que tal ação jurídica, quando enquadrada neste determinado cenário, representa qualidade democrática. O mesmo pode ser considerado verdadeiro e, com maior agravante, se a ciência jurídica não oferecer a base teórica que ampare o atuante jurídico.

  Segundo André Luiz Cavalcanti Cabral em seu ensaio “Aspectos jurídicos da Publicidade”:

O disciplinamento da publicidade em nosso ordenamento jurídico não está codificado, num codex, ou mesmo sistematizado em um microsistema jurídico. Não existe um diploma legal exclusivamente destinado à publicidade, ou que se ocupe de abordar as diversas matérias relacionadas à questão publicitária. O que temos são diversos dispositivos legais constantes em diplomas vários e tratantes de matérias específicas. (Cabral, 2003)      

   Se destacam no Brasil o Código de Defesa do Consumidor, para o que se tem de relacionado a aspectos comerciais, e a Lei Eleitoral, em determinada abordagem para o que se relaciona com a comunicação política.

6.1          Código de Defesa do Consumidor

Este códex instituído pela Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de [1990] estabelece, como presente em seu artigo primeiro:

O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias. (Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de [1990]. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.  Art. 1°)

  O código, considera como consumidor, “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.” (Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de [1990]. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.  Art. 2°) Portanto, nota-se que destina seu amparo aos cidadãos envolvidos em relações comerciais, e estabelece desta forma sua normação. 

  Na Exposição de Motivos relacionada ao mencionado, não se faz clara a base léxica adotada pelos legisladores, nem quais princípios teóricos ou definições foram utilizados para a determinação dos termos por eles mencionados e adotados, ponto que seria positivo se explicitado já que o termo “Publicidade” se mostra referenciado nos artigos; Art. 6º - IV; Art. 30; Art. 33; Art. 35; Art. 35 – I; Art. 36; Art.37; Art. 37 § 2°; Art. 37 § 3°; Art. 55. § 1°; Art. 60; Art. 60 § 1°; Art. 63; Art. 67; Art. 68; e Art. 69.

  O que se demonstra, é que tal documento normativo foi apresentado pelo Congresso Nacional, o qual obteve a consultoria acerca de eventuais alterações fornecida por uma comissão designada para tal, e do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, porém ambas as comissões foram formadas integralmente por profissionais da área do direito, os quais dificilmente possuem conhecimento técnico suficiente para definir conceitos de Ciência das Comunicações. Ou seja, pela estrutura adotada para a formulação de tal código, dá-se a impressão de que não se julgou necessário, ou de que negligenciou-se a importância do fator léxico de tais termos. 

  Embora não se explicite qual o universo de definições foi adotado para a elaboração do códex, é notável que sua compreensão se dá a partir do Cenário que identifiquei como Tecnocrático, já que ao condicionar o termo Publicidade à relação comercial, enquadra o mesmo na definição de Gonçalves (2009).

  Também é possível identificar este cenário na sanção imposta a partir de determinado descumprimento, a qual é definida pelo código como “imposição de contrapropaganda” (Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de [1990]. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.  Art. 55°, inciso XII).

  Este ponto em si pode gerar então uma dúvida que dificulta a prática democrática. Afinal o que seria a contrapropaganda?

Como não há a determinada definição, temos de recorrer a um raciocínio lógico. Já que se pode supor que a definição do termo Publicidade se enquadra no Cenário Tecnocrático, também pode ser verdadeira a lógica de que se mantém neste universo léxico a definição de Propaganda, e por consequência a de contrapropaganda. Desta maneira assim se constrói o significado da sanção por se tratar de uma “contra mensagem” que supostamente não gera uma nova relação de compra entre fornecedor e consumidor.

Porém, também é verdadeiro afirmar que, caso o significado seja compreendido neste cenário tecnocrático, a definição de propaganda impõe que a si não seja incorporado fator comercial (Gonçalves, 2009). Desta maneira, uma defesa pode ser construída na afirmação de que a execução de pena seria impossível, já que ao realizar a retratação não há como o fazer sem que se atinja o valor de marca e uma diminuição significativa das atividades comerciais causada pela lesão na relação fornecedor X consumidor. Embora se trate de uma sanção, e que seu objetivo seja justamente a correção de atitude lesiva, a ausência de significado de contrapropaganda gera uma lacuna na lei, deficiência que não seria existente no caso da nomeação da sanção ter sido imposta como “contrapublicidade”.    

Embora esta colocação seja hipotética, e que tal defesa possa ser considerada como ação de má fé, é necessário que os códigos que amparam o Estado Democrático de Direito sejam fundamentados a partir de tais considerações, pois uma legislação não pode oferecer buracos que permitam interpretações errôneas, a não compreensão, ou até mesmo a utilização danosa de seus próprios conceitos contra si, ainda mais quando tal enfermidade pode ser facilmente resolvida com esclarecimentos e apontamentos acerca do que, e de como, se é interpretado e definido o léxico adotado.       

6.2      Código Eleitoral

O Código Eleitoral Brasileiro em vigência tem suas origens em diversas formas de legislação eleitoral, sendo que historicamente foi derivado de 5 diferentes códigos, os quais sofreram uma série de alterações até se atingir o atual texto.

Dessa forma, não se torna adequado apontar uma única Exposição de Motivos que especifique as razões de tais atribuições, o que torna mais difícil a análise acerca da intenção léxica do que se é adequado referente a Publicidade e a Propaganda.

O que é possível apontar é que nas 58 menções ao termo propaganda, suas classificações são dirigidas a mensagens de cunho político, as quais amparam o cidadão e o servidor público nesta determinada categoria.

A primeira vista, poderíamos afirmar que a definição estaria enquadrada no que chamei aqui de Cenário Social, porém tal afirmação não seria verdadeira dado o ponto ao qual o Art. 303. se refere à peças comunicacionais através da terminologia de Publicidade

Majorar os preços de utilidades e serviços necessários à realização de eleições, tais como transporte e alimentação de eleitores, impressão, PUBLICIDADE. (LEI Nº 4.737, DE 15 DE JULHO DE 1965.. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.  Art. 303°)  

  Não é possível observar um padrão léxico, o que agrava a enfermidade de texto no que se diz respeito a sua interpretação.

  Se analisarmos o Art. 243, que define o que não será tolerado a partir dos princípios do código, é que tal problema se torna mais evidente. Por exemplo, a Lei determina que não será tolerada qualquer propaganda “que perturbe o sossego público, com algazarra ou abusos de instrumentos sonoros ou sinais acústicos” (LEI Nº 4.737, DE 15 DE JULHO DE 1965. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.  Art. 243° - IV).

  No entanto, ao que se refere o termo propaganda neste artigo? Se não há a definição, o que pode ser considerado como propaganda?

No caso de compreender como qualquer comunicação de cunho político, se enquadrando então no conceito de Silva (1976), diversas práticas comumente utilizadas em campanhas eleitorais deveriam ser consideradas ilegais.

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Por exemplo, no caso do código considerar uma ação de marketing em ambiente público como propaganda, os carros de som que circulam pelo país anunciando as mensagens políticas seriam ilegais; no caso de um filme de veiculação televisiva ser considerado propaganda, as peças de candidatos que formulam suas mensagens através do entretenimento, como ocorre com os nomeaados pela imprensa de “candidatos de piada”, seriam ilegais; porém, tais práticas não são somente permitidas como são apresentadas em meios de comunicação do exterior, como características do processo eleitoral brasileiro.

Tal paradoxo pode ser observado em quase todos os pontos do mencionado artigo. Apenas nos debates presidenciais de 2014; o candidato Levy Fidelix violou o  Art. 243 inciso  III, que define que não será tolerada propaganda de incitamento de atentado contra pessoa ou bens; ao estimular uma maioria heterossexual a reprimir ou “enfrentar” (SIC) a minoria homossexual[4]; e o candidato Aécio Neves violou o Art. 243 inciso IX  que explicita que não será admissível “caluniar, difamar ou injuriar quaisquer pessoas, bem como órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública” ao associar a totalidade do Partido dos Trabalhadores com a prática de corrupção[5]

Este mencionado inciso IX do Art. 243 sofreu tantas violações que os próprios candidatos tomaram a iniciativa da construção de sítios[6] na internet para o esclarecimento e defesa contra calúnias e difamações propagadas por seus adversários.    

Pode-se dizer que medidas foram tomadas, como no caso de Levy Fidelix, que a cassação da candidatura foi proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil[7], porém, o texto do códex está longe de poder ser considerado como ideal.

Prova disso são as instruções do Tribunal Superior Eleitoral, publicadas a cada eleição realizada, os quais indicam a forma como deverá ser interpretada a Lei Eleitoral na eleição em questão.

Em termos mais concretos, podemos observar a ação movida contra o Sr. Vereador Leonel José Pereira, na 24º seção eleitoral da cidade de Palhoça, condenado por “propaganda eleitoral antecipada” a pena de multa.

A defesa alegou que a ação realizada pelo Agravante, da distribuição de panfletos informativos, não configurava propaganda, e ainda:

O Agravante aduziu em todo o fundamento da demanda, a não interpretação plena do artigo 36-A, ESPECIALMENTE O inciso IV da Lei nº 9.504/97 (TRE-SC – 24ª Zona Eleitoral - 5921.2012.624.0024 – Palhoça - Juíza: Alexandra Lorenzi da Silva  - D. 09/12/2013)

O processo se desenvolveu na discussão acerca da definição de propaganda, o qual, em nenhum dos recursos, foi considerada satisfatória ou descaracterizada por parte dos argumentos de defesa, embora a parte tenha a cada recurso, trazido decisões diferentes sobre o que seria propaganda. A decisão processual se fundamentou, porém, sem que o tribunal superior entrasse no mérito da questão por considerar que os requisitos para recurso não foram preenchidos.

Pode-se observar então que, além de existirem divergências acerca da conceituação de propaganda no meio jurídico brasileiro, não há uma concordância acerca de uma fonte de autoridade sobre o assunto.   

Desta forma, é possível observar que é mais nociva a falta de especificação léxica na Lei Eleitoral, do que é no Código de Defesa do Consumidor, e que tal explicitação se faz extremamente necessária para a evolução democrática.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACEDO, Guilherme Abagge. As lacunas da lei causadas pelo paradoxo léxico da publicidade e da propaganda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4894, 24 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36211. Acesso em: 22 dez. 2024.

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