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As lacunas da lei causadas pelo paradoxo léxico da publicidade e da propaganda

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24/11/2016 às 16:43
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Analisam-se as dificuldades causadas pela falta de definição léxica dos termos publicidade e propaganda por parte da legislação brasileira.

1. JUSTIFICATIVA

A Publicidade e a Propaganda são áreas da comunicação nas quais o Brasil é reconhecido mundialmente como competente produtor de seus serviços relacionados.

Como consequência de sua vasta atividade, a legislação brasileira estabelece regras básicas para a realização destes serviços, dispostas no formato de Leis e Códigos. Porém, o desconhecimento e a falta de discussão acerca do conceito epistemológico de tais ciências por parte de comunicadores e profissionais do direito, pode gerar ambiguidades que são prejudiciais a uma prática democrática, tanto da atuação das mencionadas áreas como da aplicação da justiça.

Este artigo será desenvolvido a fim de analisar a existência de tais enfermidades de processo.


2. OBJETIVOS

2.1      Geral

- Distinguir e conceituar Publicidade e Propaganda através das óticas científicas da Comunicação e do Direito;

- Analisar a aplicação de tais conceitos na Legislação brasileira;

2.2      Específicos

- Apresentar as enfermidades acerca da precária distinção de Publicidade e Propaganda;

- Analisar a aplicação de tais conceitos por parte dos magistrados e profissionais de direito brasileiros.


3      METODOLOGIA

Serão analisadas obras que possuam a distinção acerca de tais conceitos, referenciando autores das áreas mencionadas

  Em seguida, será realizada uma análise da aplicação de tais conceitos em Leis e Códigos brasileiros, como o Código de Defesa do Consumidor e Lei Eleitoral, observando a visão da ótica judiciária referente a tal.


4      PUBLICIDADE X PROPAGANDA

  Ao contrário do que se crê por senso comum, ou até mesmo de como entendem alguns estudiosos, os termos “Publicidade” e “Propaganda” estão longe de poderem ser conceituados como os “gêmeos da comunicação”.

  Ao realizar tal pesquisa, me deparei com conceituações diversas, algumas vezes conflitantes, interpeladas por cientistas e acadêmicos da área de análise, de forma que não seria satisfatório apresentá-las a partir de uma ótica única.

  Tal abordagem é positiva quando tomada a intenção analítica.  Devo frisar que não há um consenso na comunicação brasileira acerca da definição de tais, sendo que ao mesmo tempo, são conceitos tão presentes em nosso cognitivo que podem ser considerados por um argumento de autoridade, como um professor ou um estudioso, como óbvios.

  Portanto, é fundamental apontar que tais definições não tem o objetivo de serem interpretadas como uma verdade etimológica única, afinal como muito bem apontou Jean Jaques Rousseu em sua obra Emílio “Mesmo que os filósofos tivessem a possibilidade de descobrir a verdade, qual, de entre eles, se interessaria por ela? Cada um deles sabe muito bem que o seu sistema não tem mais fundamentos que os dos outros”.

  Deve-se então, interpretar esta pesquisa como um guia, que tem o objetivo de análise e exposição de pontuações acerca do tema, de forma que seu conteúdo expõe formulações intencionadas na compreensão, e não em uma objetificação da inalcançável e impossível verdade absoluta.

4.1      Conceituação e Classificação

  Podemos observar que, para a conceituação da Publicidade e da Propaganda, estudiosos dialogam em diversos cenários semânticos, de necessária interpelação para o entendimento da definição por eles apresentada. Para a melhor compreensão, os apartarei de acordo com tais, sendo que:

- Cenário Tecnocrático: Se pauta na realidade da técnica;

- Cenário Científico: Possui bases etimológicas e históricas;

- Cenário Social: Separa os conceitos por intenção frente a sociedade, ou seja, variando sua significação quando tem intenção de caráter político ou comercial;

- Cenário de Intensão Discursiva: Firma a contemplação com base na intenção e construção do discurso.

4.1.1       Cenário Tecnocrático

  No Brasil, o ensino da Publicidade & Propaganda prioriza sua fundamentação no mercado, pois é por este viés que grande parte da atividade na área se revela, o que faz com que esta ótica tenha uma abordagem de ensino que em alguns casos chega a engolir as outras diretrizes da Ciência da Comunicação.

  Este, que é o mais abordado nas universidades brasileiras, difere a Publicidade da Propaganda a partir de seus fins, lucrativos ou não-lucrativos.

Segundo Márcio Carbaca Gonçales, a atividade de Propaganda pode ser definida como o ato de propagar mensagens sem o fator comercial (GONÇALES, 2009). Em contraposição à esta característica financeira, há a publicidade:

“A publicidade deriva de público (do latim publicus) e é conceituada como a arte de tornar público, divulgar um fato ou uma ideia, já com objetivos comerciais, uma vez que pode despertar o desejo de compra, levando-o à ação”. (GONÇALES, 2009)

Já Kotler & Armstrong, defendem em sua obra “Princípios de Marketing”, justamente o contrário, sendo que para eles a Propaganda pode ser definida como qualquer forma paga de apresentação e promoção não pessoal de ideias, bens ou serviços, efetuada por um patrocinador identificado, enquanto a Publicidade seria a atividade para promover uma empresa, ou seus produtos, pela inserção de notícias (KOTLER & ARMSTRONG, 1998), ou como é comumente definida na comunicação, através da mídia espontânea (não paga).

Tal compreensão favorece a cognição mercadológica e seu aprofundamento leva a discussão da comunicação para o universo da tecnocracia, justamente por ter sua diferenciação baseada na techné. É, dessa forma, na técnica e em seus princípios que se evolui a análise.

4.1.2     Cenário Científico

Este patamar, que tem fundamentação etimológica e histórica originária, analisa com propriedade de compreensão semântica, através do amparo de base historiográfica para a construção conceitual.

Gonçales emerge neste cenário ao apontar a construção de sua significação.

“A publicidade (...) Deriva do latim moderno propagare, e significa “para ser espalhado”, ou “enterrar o rebento de uma planta no solo”. Propagare, por sua vez origina-se de pangere, que quer dizer “enterrar”, “mergulhar”, “plantar.” (GONÇALES, 2009)

A origem do termo surge, segundo o pesquisador, em 1622 quando o papa Gregório XV funda a Congregatio Propaganda Fide, ou Congregação para a Propagação da Fé; organização composta por um grupo de cardeais que tinha como objetivo a criação de seminários para a educação missionária, além da supervisão da propagação do cristianismo pelo mundo. (GONÇALES, 2009) Dessa maneira, conclui o significado da propaganda na propagação de mensagens ideológicas.

  Já a publicidade, tem seu signo fundamentado na derivação da palavra de origem latina publicus, conceituada como a arte de tornar público com objetivos comerciais, despertando o desejo de compra e levando o interpretante da mensagem à ação. (GONÇALES, 2009)

  Sendo esta uma interpretação semântica, é importante observar a construção linguística da palavra.

O sufixo -dade representa o traço semântico de ação ou resultado de ação (PEZATTI, 1990), desta forma, a “tradução” da palavra Publicidade pode ser apresentada como a ação intencionada para se fazer público. Há certa importância na interpretação significante da ação; é ela que dirige a necessidade de técnica pois, por exemplo, para se “fazer público” é necessária a persuasão. A partir desta lógica, a semântica reforça a interpretação de Gonçalves, pois o termo de origem em “propagação” proporciona o acesso a mensagem, enquanto o termo de sufixo –dade age de maneira a tornar público, ou seja, a etimologia do termo Propaganda oferece a mensagem ao interpretante, enquanto a semântica da Publicidade persuade através de ação comunicativa.

  Assim colocado, é possível afirmar que a interpretação científica favorece a análise construtiva necessária para a crítica da técnica.

4.1.3     Cenário Social

De acordo com Zander Campos da Silva (1976), há uma variação conceitual para o termo “propaganda”, que possui dois sentidos bem definidos; o sentido político e o sentido comercial; ou seja, é necessário o enquadre para a conceituação de termos, que segundo o autor podem ser aplicados de forma diferente nestes dois sentidos.

No sentido político, propaganda é a divulgação de doutrinas, opiniões, informações e afirmações baseadas em fatos, verdadeiros ou falsos, com o fim de influenciar o comportamento do público em geral ou de um grupo de pessoas consideradas como cidadãos. (SILVA,1976)

  Já no sentido comercial, tem o significado de divulgação de mensagens por meio de anúncios, com a finalidade de influenciar o auditório como consumidor.

Neste caso o termo “propaganda” desenvolveu-se como uma técnica do processo de venda em massa e assumiu nos países de língua latina o sinônimo de publicidade, podendo ser utilizada indiferentemente uma ou outra palavra. (SILVA,1976)

Com esta abordagem, o autor apresenta a publicidade e a propaganda como sinônimos para os países de língua latina, demonstrando os conceitos a partir de uma generalidade comunicacional.

Inclui atividades pelas quais mensagens visuais ou orais são endereçadas ao público com o fito de informá-lo e influenciá-lo tanto a comprar mercadorias ou serviços como para agir ou inclinar-se favoravelmente a ideias, instituições ou pessoas” (SILVA, 1976)

Esta interpretação surge a fim de satisfazer a contemplação de todas as significações acerca dos termos, sendo que dessa forma não ignora nenhum signo, apenas o condiciona a praça da mensagem, seu campo público e o auditório a que é direcionado.          

No entanto, ao contemplar todos os conceitos, ignora as peculiaridades das diferentes técnicas comunicativas, justamente por tratá-las como iguais.

4.1.4       Cenário de Intensão Discursiva

Para os estudiosos que esteiam suas compreensões neste cenário, não se torna suficiente a discussão limitada a lexicologia de Publicidade e Propaganda; segundo eles, é necessário compreender também a conceituação de Educação.

Tanto Perelman (2000) quanto Lasswell (1935) acreditam que a diferenciação entre o educador e o propagandista se dá a partir da controvérsia na relação de sua mensagem entre receptor e emissor.

O padre católico que ensina os preceitos da sua religião às crianças católicas da sua paróquia desempenha um papel de educador, ao passo que é propagandista se se dirige, com o mesmo objetivo, aos adultos membros de outro grupo religioso. (PERELMAN, 2000)

  O propagandista então é caracterizado como o portador de uma mensagem que necessita de técnicas atrativas para o convencimento de seu receptor, enquanto o educador é aquele incumbido por determinado grupo social como porta-voz de uma mensagem que coincide com os princípios por eles compartilhados, ou seja, o educador seria a voz de autoridade que propala o que se está inserido na relação moral e ética de determinado grupo.

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  Perelman ainda reforça que, assim como em todo discurso epidítico, é fundamental a cognição profunda acerca do tema propalado para que se justifique o uso da palavra sem que se seja inábil no uso desta.

Com efeito, já não é a própria causa nem o próprio ponto de vista que se defendem, mas sim o de todo o auditório: é-se, por assim dizer, educador deste último e se é necessário desfrutar de um prestígio prévio é para poder servir, com a ajuda da sua própria autoridade, os valores que se apoiam. (PERELMAN, 2000)

O papel dos discursos epidíticos é precisamente o de apelo à valores comuns, sendo que se tornam reforço a partir da mensagem de um argumento de autoridade.


5      VARIANTE

Há de se perguntar então qual a razão que motiva a controvérsia de conceituações e a vasta contemplação interpretativa presente no universo léxico da Publicidade e da Propaganda.

  Para Cassiano Ferreira Simões, a razão da variante pode ser abordada através dos pontos de vista histórico/linguístico, sendo que tal análise deve partir dos primórdios da implementação prática da atividade nos países de língua latina.

Do ponto de vista linguístico, é perceptível na língua inglesa a presença de três noções que precisam ser ajustadas às duas disponíveis nas línguas latinas em geral. (SIMÕES, 2006)

O Professor defende que, ao adaptar os conceitos da business school Norte-Americana, foram incorporados os significados de 3 termos da língua saxônica (advertising, publicity e propaganda) a apenas 2 termos presentes nas línguas latinas (publicidade e propaganda).

  Dessa maneira, a variante conceitual pode ser definida como uma enfermidade de tradução.

A tradução desses termos para a língua portuguesa começou pela palavra publicidade, que aparentemente recebeu o significado do termo publicity, e não pelo vocábulo propaganda. Se a tradução começasse pelo termo propaganda, os sentidos na língua inglesa dedicados tanto a publicity como a advertising acabariam por ser ancorados na palavra publicidade. Mas se, ao contrário, a tradução começa por qualquer motivo pelo termo publicidade, o vocábulo advertising passa a ser, por falta de um terceiro termo na língua portuguesa, traduzido como propaganda.  (SIMÕES, 2006)

  Essa enfermidade de tradução traz consigo o problema da falta de definição da propaganda ideológica, que não é abordada em nenhuma esfera da conceituação.

  Os conceitos originais da língua saxã podem ser encontrados no Dicionário de Marketing fornecido pela American Marketing Association, onde são bem definidos.

  De acordo com tal fonte, na origem saxã, a palavra advertising engloba tanto a mensagem política, quanto toda mensagem persuasiva comprada para exibição em qualquer mídia de massa

Advertising: The placement of announcements and persuasive messages in time or space purchased in any of the mass media by business firms, nonprofit organizations, government agencies, and individuals who seek to inform and/ or persuade members of a particular target market or audience about their products, services, organizations, or ideas[1] (American Marketing Association. Marketing Dictionary)

Já o termo publicity, é compreendido como qualquer comunicação ou informação não paga.

The non-paid-for communication of information about the company or product, generally in some media form.[2] (American Marketing Association. Marketing Dictionary)

A diferença entre os conceitos de língua saxã que tem suas fundamentações na techné, para os conceitos latinos, é o de que em nossa compreensão se avalia a finalidade lucrativa, enquanto na compreensão saxônica se considera a ação de compra do serviço de publicação.  

  No outro objeto léxico, o termo propaganda pode ser, à primeira vista, confundido com uma parte específica que seria abrangida pelo conceito de advertising, porém há um ponto importante que deve ser observado para a compreensão de seu signo.

  Esta lexicologia é definida como:

The ideas, information, or other material commonly disseminated through the media in an effort to win people over to a given doctrine or point of view.[3] (American Marketing Association. Marketing Dictionary)

Portanto, podemos observar que a alteridade entre uma mensagem categorizada como advertising e uma classificada como propaganda está no esforço de convencimento relacionado a ideias ou doutrinas.

  Por exemplo, uma agência governamental que comunica a respeito do andamento de uma ação política, com a finalidade de convencer seu público que tal ação está sendo realizada, está praticando advertising; de forma que pratica propaganda quando constrói uma mensagem defendendo que tal ação política ou as políticas de governo relacionadas a tal, representam o “melhor caminho” ou a realização do bem comum.   

  Dessa forma, a definição saxã engloba todo o universo semântico deste específico recorte comunicacional, de uma maneira que a língua latina, devido a sua construção exata, não é capaz.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACEDO, Guilherme Abagge. As lacunas da lei causadas pelo paradoxo léxico da publicidade e da propaganda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4894, 24 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36211. Acesso em: 25 abr. 2024.

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