Medida provisória e o princípio da anterioridade no Direito Tributário no Brasil

08/02/2015 às 22:38
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Artigo sobre a possibilidade de se legislar por meio de medida provisória no que se tange o direito tributário, haja vista a existência do princípio da anterioridade e as modificações que foram introduzidas em nosso ordenamento jurídico pela EC n°. 32.

1 INTRODUÇÃO

No ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal de 1.988 implementou, através de seu artigo 62,a possibilidade do Chefe do Poder Executivo exercer a função atípica de legislar, utilizando para isso as chamadas Medidas Provisórias. Este estudo analisa a possibilidade da utilização desse instrumento normativo para a implementação de novos tributos ou mesmo para a majoração daqueles já estabelecidos.

Tendo em vista a criação de tal poder normativo destinado ao Chefe do Executivo, foi se analisando através do tempo que sua utilização estava sendo feita maneira equivocada. Para tanto, a fim de sanar tais irregularidades foi sancionada a Emenda Constitucional n°. 32, que tratou de matérias de ordem tributária em sede de Medidas Provisórias, introduzindo o § 2°. ao artigo 62 da Constituição Federal.

2 MEDIDA PROVISÓRIA E A EMENDA N°. 32/2001.

 

A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu artigo 62 uma nova figura jurídica, a chamada medida provisória, nos seguintes termos:

"Art.62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.

Parágrafo único. As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes." (artigo com redação anterior à EC 32/2001)

Este instrumento com força de lei, realizado pelo Presidente da República nos casos de relevância e urgência, deveria ser utilizado somente em casos excepcionais, pois se trata uma função atípica do Poder Executivo.

O que se percebeu foi que tal função passou a ser utilizada de maneira abusiva, gerando insegurança em nosso ordenamento, principalmente no que tange à ordem tributária. Para isso foi necessária a criação da Emenda Constitucional n°. 32/2001, passando o artigo 62 ter a seguinte redação:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:

I – relativa a:

a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;

b) direito penal, processual penal e processual civil;

c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;

d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º;

II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro;

III – reservada a lei complementar;

IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.

§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.

§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.

§ 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional.

§ 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais.

§ 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.

§ 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional.

§ 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados.

§ 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional.

§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.

§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.

§ 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto.

A nova redação do artigo 62 traz, portanto, várias diferenças de limitações materiais e formais. O critério de relevância e urgência foi mantido, porém, quanto à limitação material, os incisos I até IV do § 1° trouxeram vedação quanto à criação de medidas provisórias atinentes a tais matérias. E no que se diz respeito a limitações formais, foi implementada a necessidade da conversão em lei no prazo de 60 dias, prorrogáveis por uma única vez e a proibição de reedição na mesma sessão legislativa.

 

 3 PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE

  

O princípio da anterioridade é especialmente abordado no direito tributário. Sua previsão está no artigo 150, III, b da Constituição Federal de 1.988, vedando à União, Estados, Distrito Federal e aos Municípios a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei que instituiu ou aumentou tais contribuições.

A principal modificação e limitação realizada pela Emenda Constitucional n°. 32/2001 foi a introdução do § 2°, o qual impossibilitou a criação de medida provisória que implique a instituição e majoração de impostos, com exceção dos previstos no art. 153, I (impostos incidentes sobre importação), II (impostos incidentes sobre a exportação), IV (impostos sobre produtos industrializados), V (impostos sobre operações de crédito, cambio e seguro ou relativos a títulos e valores mobiliários) e 154, II (impostos instituídos em caso de guerra ou sua iminência),  que somente produzirão efeitos no exercício financeiro seguinte e se houver sido convertida em lei até o ultimo dia no exercício do qual a medida foi editada, contemplando também desta maneira o princípio da anterioridade e suas exceções.

Segundo SACHA CALMON (1999, p. 195), o princípio da anterioridade:

“...expressa a idéia de que a lei tributaria seja conhecida com antecedência, de modo que os contribuintes, pessoas naturais ou jurídicas, saibam com certeza e segurança a que tipo de gravame estarão sujeitos no futuro imediato, podendo dessa forma organizar e planejar seus negócios e atividade”.

                        Portanto, este princípio procura dar segurança aos contribuintes, sejam pessoas naturais ou jurídicas, associando a “não-surpresa tributária”, para que aqueles não sejam surpreendidos com novos tributos pelo não conhecimento da nova lei e sua verdadeira função, sedimentando regras tributárias claras, estáveis e seguras (CORRAZZA, 2001, p. 168).

Tendo em vista que as medidas provisórias devem ser editadas em caso de relevância e urgência, passa a existir ao Chefe do Poder Executivo uma margem de discricionariedade, fato que inequivocamente se direciona a certa insegurança jurídica. Resta, assim, definida uma incompatibilidade entre essas medidas e os tributos.

Em relação ao princípio da anterioridade e as medidas provisórias MISABEL DERZI (1999, pag. 104) diz:

“...afeta a lei tributária, caracteriza-a, especializa-a, tornando-a incompatível com o procedimento, regulado no art. 62, das medidas provisórias, as quais antecipam a eficácia à existência da própria lei, em que podem ser convertidas. A anterioridade não é aspecto acidental ou facultativo, mas propriedade jurídica essencial à lei tributária, que cria tributo novo ou majora os já existentes’”.

A incompatibilidade também é demonstrada no art. 3° do Código Tributário Nacional (Lei 5.172, de 25 de outubro de 1.966), dispositivo informador de que tributos são cobrados por lei e as medidas provisórias tem apenas “força de lei”.

Outra incompatibilidade diz respeito aos tributos que são cobrados por atividade administrativa vinculada, já que as medidas provisórias apresentam certo grau de discricionariedade pelo Chefe do Executivo. Assim, fica patente um conflito entre uma atividade eminentemente vinculada e uma atitude discricionária. Não é possível, portanto, a instituição e a majoração de tributos pelas medidas provisórias, por se utilizarem de métodos subjetivos.

É ainda imprescindível mencionar que as alterações trazidas ao artigo 62 se referem única e exclusivamente aos impostos. Não existe previsão de aplicação às outras espécies tributárias, fato que gera uma nova discussão, tendo em vista que os tributos são um gênero, dos quais decorrem várias espécies.

Ora, o princípio da anterioridade tributária aponta vetores para um ramo do Direito, qual seja o Direito Tributário. De certa forma, a anterioridade vige para todas as espécies tributárias e a Emenda Constitucional 32/2001 trouxe exceções apenas aos impostos. Ademais, como demonstrado, apenas a determinados impostos. Ficaram, portanto, excluídos outros impostos, as taxas, contribuições de melhoria e demais contribuições.

Aspecto ainda relevante a ser ora colacionado está na questão da conversão em lei da referida medida provisória. É cediço que o novo texto constitucional não exige que a lei resultante da medida provisória tenha sido publicada até 31 de dezembro. Basta que a medida provisória tenha sido convertida em lei pelas Casas do Congresso Nacional. Partindo-se do pressuposto que uma lei só existe e, assim, cria, modifica e extingue direitos, quando publicada, é discutível se pensar no respeito ao princípio da anterioridade tributária sem que a lei tenha efetivamente sido publicada no exercício anterior àquele em que se inicia a cobrança dos tributos referidos no artigo 62 da Constituição federal de 1.988.

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4 CONCLUSÃO

 

Efetuadas as considerações fáticas e de direito sobre o tema que ora se aborda, é possível perceber que as medidas provisórias, quando inicialmente permitidas pelo texto constitucional, acabaram por gerar desequilíbrios e controvérsias entre os três poderes. No âmbito do direito tributário em especial, claramente se diagnosticou a necessidade de controlar o poder concedido ao Chefe do Executivo para legislar em função atípica. A Emenda Constitucional 32/2001 trouxe uma regra bastante didática, de fácil leitura e aplicação.

Todavia, ainda assim existem ponderações importantes no tema, como o presente trabalho buscou evidenciar. Inicialmente, o princípio da anterioridade corre em paralelo com o princípio da publicidade. Este não é só um dos princípios gerais do Direito, mas sim um princípio específico inclusive da Administração Pública, constante do rol presente no artigo 37 da Lei Maior brasileira. Fica, portanto, nebuloso se pensar que basta a conversão em lei da medida provisória até o último dia do exercício financeiro para legitimar a instituição ou majoração de novos tributos.

A bem da verdade, tendo em vista a natureza invasiva dos tributos na vida dos contribuintes, melhor seria se as medidas provisórias não pudessem sequer dispor sobre matérias de tributação. A própria legislação tributária é clara e seus princípios específicos são incisivos no sentido da necessidade de previsão constitucional e instituição pela Lei em sentido estrito. Quando se pensa nas medidas provisórias como exercício de função atípica do Chefe do Executivo, fato é que um controle maior se faz imprescindível.

 

BIBLIOGRAFIA

ABREU, Vinícius Caldas da Gama e. Princípio da anterioridade, princípio da capacidade contributiva e sua correta aplicação ao imposto sobre a renda. Jus Navegandi, março de 2003. Disponível em: . Acesso em: 12 março. 2013.

BALEEIRO, Aliomar. Curso de Direito Tributário Brasileiro. [atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi]. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

CARAM, Danilo Theml. Decreto-lei e Medida Provisória: evolução (enfoque tributário). Jus Navigandi, abril de 2002. Disponível em:  < http://jus.com.br/revista/texto/2934/decreto-lei-e-medida-provisoria-evolucao>. Acesso em: 12 mar. 2013.

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2001.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

MENDES, Danielle Patrícia Guimarães. A medida provisória sobre matéria tributária em face da Emenda Constitucional n° 32. Jus Navigandi, julho de 2002. Disponível em: . Acesso em: 12 mar. 2013.

MORAES, Luciana Furtado de. Medidas provisórias e matéria tributária. Jus Navegandi, dezembro de 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/6164/medidas-provisorias-e-materia-tributaria/3>. Acesso em: 12 março. 2013.

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Sobre o autor
Mateus Maciel César Silva

Advogado - Bacharel em Direito pela Faculdade Toledo Prudente Centro Universitário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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