Pena de morte no Brasil: uma discussão sem ter o que ser discutido

09/02/2015 às 12:50
Leia nesta página:

O presente artigo versa sobre a (não) aplicação da pena de morte em nosso país, onde pessoas influenciadas pela mídia anseiam por justiça retributiva a qualquer custo.

Não podemos negar que nos tempos atuais de violência descabida e incontrolada, o instituto em pauta é, tido por  muitos, uma das alternativas para saná-la.

Entretanto, para entendermos um pouco mais sobre a pena de morte, temos que ter uma visão um pouco mais além do “fator morte”, ou seja, aquilo que o precede e, também, analisar friamente se tal instituto resolverá o nosso problema da violência. Ressalto a palavra “friamente” pelo motivo que vou expor no parágrafo seguinte.

Temos que deixar de lado o populismo circense que a massa adquire pela mídia, por influências de pessoas irresponsáveis que a representam e que prestam (des)serviços ao nosso povo (em sua grande maioria, marionetes sociais).

Pois bem, temos que analisar a pena como uma sanção punitiva, imposta pelo Estado, cuja finalidade nada mais é do aplicar ao condenado (estamos falando de pena no sentido amplo e, por este motivo, o condenado é aquele que está obrigado a cumpri-la, independentemente da forma imposta) a punição retributiva, promover sua readaptação social e prevenir que se pratique novas agressões à coletividade.

Aqui há o claro conflito de duas justiças: a retributiva e a restaurativa. Sabemos, sem sombra de dúvidas, que a retributiva impera, não só na forma positiva do ordenamento como, também, na forma subjetiva de cada um de nós.

É inerente do ser humano a satisfação de “vingança” por um ato “injusto” praticado contra ele (nós).

Logo, a análise da pena com a finalidade de aplicar a “readaptação social” (justiça restaurativa) se torna, no mínimo, contraditória quando “olhamos” para dentro de nós mesmos.

Para os que não possuem conhecimento técnico-jurídico, a pena de morte é vedada em nosso país, salvo uma única exceção, como veremos no dispositivo constitucional descrito abaixo:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLVII - não haverá penas:

a)     de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

Corroborando o dispositivo citado, o também previsto no artigo 60, parágrafo 4º (que estabelece as cláusulas pétreas), IV, de nossa Constituição Federal, temos:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II - do Presidente da República;

III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

IV - os direitos e garantias individuais.

Com o disposto positivado em nossa Carta Magna, a falsa ideia de que é simples instituir a pena de morte no Brasil vai por água abaixo. Os juristas televisivos, além de equivocados em suas manifestações, acabam por alienar o povo em uma utopia permanente. Pena de morte no Brasil, como o texto diz, não pode nem ser objeto de deliberação.

Voltemos ao início do texto. Será que a pena de morte resolveria o “nosso” problema?

Em uma breve pesquisa sobre as penas de morte instituídas ao longo da história, um fato me chamou muito a atenção na maioria delas. Seja a forma que tenha sido aplicada a pena (de morte), sempre tinha uma “sanção” para quem se equivocava na sua aplicação. Sim, havia (e há) equívoco!

Esta “sanção”, muitas vezes, tinha o caráter de resgatar a “honra” do condenado (agora morto) por um erro de julgamento. Um beijo (do julgador) no rosto de um boneco representando o condenado no caso de enforcamento; uma cerimônia no lugar que o condenado tenha sido morto por decapitação, também, sendo representado por um boneco, onde, a cabeça era “recolocada” no intuito de resgatar a moral da pessoa morta erroneamente, são alguns dos casos que temos como exemplo para demonstrar que uma injustiça feita é, nada mais, uma injustiça perpétua no caso da pena de morte.

Por mais que exista uma sanção para quem aplica a pena de morte, seja a sanção como for, a vida do condenado foi ceifada. Em chulas palavras: já era!

Algumas pessoas (acredito que muitas) vão argumentar que o fator morte inibiria a prática de alguns delitos punidos com ela (a morte). Não é a minha visão. Para os cristãos, desde Caim e Abel a morte alheia não inibe ninguém.

Imaginemos, hoje, hipoteticamente, se a pena de morte fosse introduzida em nosso ordenamento jurídico. Será que teríamos capacidade para julgar e executar, de forma “justa e correta” o condenado a morte? Vou deixar a resposta para a subjetividade de cada um.

Muitas coisas que vemos e ouvimos nem sempre é o que parece ser. Muito se fala que nossas leis não prestam, são ultrapassadas, ineficientes...

Nossas leis são boas, são exequíveis e acredito que se a política criminal instaurada no Brasil fosse realizada e executada, permanentemente, por pessoas representantes da máquina estatal e, também, por aquelas contribuem para a sua evolução (o povo), o propósito com que foi criada, a situação “social/criminal” no Brasil seria outra.

É um jogo de poderes, onde, um transfere para o outro o próprio reconhecimento da falência governamental.

Instituir a pena de morte no Brasil (ainda que fosse possível em face de nossa Constituição) sem antes buscar uma reforma educacional, social e política é o mesmo que ir a um discurso de mudo sem saber a linguagem dos sinais (libras). Você sabe que ele está ali, porém, não sabe o que ele quer dizer.

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Sobre o autor
Denis Caramigo Ventura

Denis Caramigo Ventura: Advogado criminalista especialista em Crimes Sexuais; www.caramigoadvogados.com.br E-mail: [email protected] Facebook: Denis Caramigo Ventura Twitter: @deniscaramigo Instagram: @deniscaramigoventura

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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