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Marketing multinível.

Entendendo a coisa para não ser enrolado

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4 – Marketing Multinível é sempre golpe?

Pois é, esta é a questão que deveria ter ocupado a atenção dos senhores Deputados na elaboração de um PL sobre o marketing multinível. Eles, mais do que ninguém, deveriam preocupar-se com a poupança pública. Mas, parece que desviar a atenção dos políticos para outras coisas, a exemplo dos seus próprios ganhos, é mais fácil do que estes manterem-se preocupados com o dinheiro da população. Mas, deixemos estas questões de lado porque alguém poderia fazer ilações maldosas sobre isto...

A resposta à pergunta feita no título deste subitem, depende de que sejam esclarecidos diversos fatores. O mais importante de todos diz respeito ao seguimento do dinheiro. Para seguir o dinheiro, vamos colocar a questão de como e porque o marketing multinível pode ser um excelente e sério negócio. Vamos exemplificar o caso.

Digamos que alguém tenha investido muito dinheiro numa fazenda de criação de ostras. Esta fazenda é muito grande e já se iniciou o trabalho de agregação de impurezas para que a ostra produza pérolas. Este trabalho, aliás, se faz com grande habilidade na Índia e no Sri Lanka. Pois bem, digamos que a fazenda das madrepérolas exista e esteja toda “fertilizada”. O problema é que há um longo tempo de espera para a maturação no negócio. Afinal de contas, as ostras precisam de tempo para produzirem madrepérolas de beleza ímpar.

Mas, depois de tudo pronto, o tempo de espera para a colheita é muito dilatado e o proprietário enfrenta dificuldades financeiras de fluxo de caixa. Normalmente para resolver seus problemas poderia: a) vender o negócio; b) emprestar dinheiro dos bancos ou c) lançar ações da empresa no mercado de ações.

Infelizmente, todas estas alternativas não são boas e nem vem ao caso esclarecer tal afirmativa. Então, alguém pode sugerir ao fazendeiro madreperólico que recrute divulgadores por meio do marketing multinível. Os divulgadores conseguiriam proceder adiantamento de dinheiro que se haveria de realizar no futuro. Seria uma forma de receber os recursos financeiros adiantadamente e também de conseguir dinheiro para investimentos na produção. Só que isto também é difícil porque, o valor das pérolas precisa ser alto o suficiente para atrair pessoas que não sejam vendedores profissionais (representantes comerciais). Como o valor das pérolas é alto, seria possível estipular valores elevados de comissões.

Estas comissões se fariam tanto com base naquilo que o divulgador vender quanto sobre as vendas feitas por terceiros, no caso novos divulgadores. Digamos, para fins de exemplo, que as comissões pagas sejam de 20% e que o lote mínimo de pérolas seja vendido a R$ 3.000,00 (três mil reais). Para cada lote vendido a receita do divulgador (chamemo-lo de primus) seria de R$ 600,00. E, digamos que, caso haja nova venda, a receita seja de 40% sobre o que o novo divulgador (chamemos de secundus) venha a obter. Se este último faz uma venda de R$ 30.000,00, recebe este R$ 6.000,00 e o primeiro divulgador recebe R$ 2.400,00. E se um novo divulgador, chamemo-lo de tertius fizesse uma nova venda, de R$ 30.000,00, receberia este R$ 6.000,00, secundus receberia R$ 2.400,00 e primus receberia R$ 840,00. E, para aumentar a cadeia até o quarto nível, para uma venda de R$ 60.000,00 feita pelo quartius, as comissões seriam de R$ 12.000,00 para quartius, R$ 4.800,00 para tertius, R$ 1.920,00 para secundus e R$ 768,00 para primus.

Bacana, não é? Há uma objeção e uma observação a serem feitos aí. A objeção é a de que primus estaria recebendo um valor muito pequeno em comparação com os outros abaixo dele. Mas, o que precisa ser considerado é que a recepção de valor pequeno se faz sobre uma venda. O tal primus estaria recebendo seus valores de todos os outros vendedores. Haveriam, muitos quartius vendendo de sorte que ele estaria recebendo sobre as vendas de todos. Agora, a segunda observação a ser feita é a de que não faltaria dinheiro para pagar os divulgadores porque, observe bem, ser o valor das entradas muitas vezes superior às saídas. E, as entradas de receita servem para pagar o trabalho dos divulgadores. O fazendeiro de ostras, vai estar com os cofres cheios em pouco tempo e poderá pagar, com folga as comissões sobre as vendas efetuadas.

Mas, lembremo-nos que o caso é de prestar atenção ao dinheiro. É o caminho do dinheiro que importa. Então, a pergunta que devemos fazer é, exatamente, qual é o valor em termos percentuais é possível que possa ser suportado para o pagamento das comissões sobre vendas? Evidente que o lote de pérolas, no valor de R$ 3.000,00 tem um determinado custo de produção e de reprodução do negócio. A arrecadação de dinheiro deve pagar, tanto os custos de produção das ostras (ou seja, pagar os investimentos feitos na fazenda de ostras) quanto bancar os lucros do empreendimento e a permanência do negócio. Ou seja, apenas determinado percentual da receita total pode ser empregada para a paga das bonificações. E este percentual não pode ser ultrapassado sob pena de introduzir para o fazendeiro de ostras, prejuízo futuro.

Só que isto pode não ficar claro na época da enchente de dinheiro, quando muitos estão comprando os títulos dos lotes de ostras a serem comercializadas no futuro. Neste ponto, de enchente de dinheiro, o fazendeiro pode pensar que o dinheiro recebido resolverá todos os seus problemas presentes e futuros. Mesmo que não seja por si evidente, é possível perceber que a paga das comissões em cadeia (os chamados binários ou pernas) se fará com aumento do percentual abocanhado das pérolas a serem colhidas no futuro. Se a cadeia de pagamentos for muito longa (binários infinitos), o valor das comissões pode (e comumente acontece) ultrapassar o valor do bem vendido.[33] Ou seja, o dinheiro se desloca do bem vendido para o bolso dos elementos que se encontram no topo da cadeia de marketing.

Note-se bem, sobre a fazenda das ostras, que utilizamos a expressão “alguém pode sugerir” para que houvesse adoção do marketing multinível. Isto nos abre um novo horizonte de reflexão ao se perceber que os lucros ou o filé mignon do empreendimento podem não ficar realmente com o fazendeiro de ostras e sim, com os que sugerem a adoção do esquema ao proprietário. Isto significa que, muito provavelmente, primus haveria de ser um dos que tenha indicado o sistema ao fazendeiro. Afinal de contas, ele pode ser um consultor de negócios que apresenta ao fazendeiro a solução dos seus problemas. No futuro, quando for a época da colheita, quem haverá de se tornar responsável pela paga dos títulos emitidos será, exatamente o empresário fazendeiro. E, primus, seja qual for o número de tais pessoas nesta condição, simplesmente pode desaparecer. Afinal de contas, teriam tais consultores ajudado o empresário a captar dinheiro. Mas, não pertenceriam ao quadro de proprietários da fazenda.[34]

Veja só que interessante. No caso do boi gordo, o proprietário das fazendas era ele próprio o gerenciador do negócio. Mas, ele poderia ter sido apenas o dono da fazenda e o negócio poderia ter sido gerenciado por primus diversos que, tão logo desfeito o negócio do boi gordo, poderiam partir para outros negócios que mantivessem o multinível funcionando. Então, surge a figura do estelionatário que se utiliza tanto de empresas quanto de clientes desta empresa para manterem um esquema de altos ganhos. O problema é que a responsabilização criminal e civil (restituição de valores) se dará sobre os proprietários da empresa e não sobre os gerentes ou consultores do negócio.[35]

É muito melhor ser estelionatário deste tipo. E mais chique e pode significar aumentos consideráveis de renda pela exploração de diversos sistemas piramidais além do que, é bem possível escapar ileso dos problemas futuros com a justiça. Isto porque, o Direito Penal tem grandes dificuldades de enquadramento típico para este indutor do golpe. Em geral, as responsabilidades se apuram contra o dono do negócio que seria enquadrado como estelionatário. Os indutores não aparecem. Teriam de ser, também, enquadrados como estelionatários, no exato e rigoroso sentido do conceito. E, o Código Penal tipifica que a prática é de “obter, para si ou para outro, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.”

Ora, se nem os ilustres Deputados conseguiram ver no marketing multinível que o caso estava perigosamente deslocado em direção ao estelionato, como é que se pode esperar que a população em geral consiga perceber o problema? Aliás, observe-se que o crime econômico de estelionato, depende de que os 4 elementos do tipo estejam evidenciados. E, o problema consiste, exatamente em reunir todos estes 4 elementos de prova típica na relação do marketing multinível. O agente passivo do delito é o investidor do esquema, aquele que, induzido por ardil, compra o produto ou serviço vendidos. Havendo produto ou serviço entregue, fica mais difícil enquadrar o tipo porque o cidadão investidor torna-se cúmplice de ocasião (outro inocente útil) da ação engendrada por outros. Trata-se de um crime tão desconsiderado no Brasil, que falar em 171 (refere-se ao artigo do Código Penal) é quase sinônimo de ninharia, de crime de menor repercussão, de, apenas, malandragem.

Distribuir cheques furtados ou sem fundos é também crime de estelionato, evidentemente. Como também é crime da mesma natureza aproveitar-se da boa fé das pessoas para furtar Este, o furto, é um crime menos sofisticado exceto, é claro, tratar-se de Arsène Lupin, o ladrão de casaca dos romances de Maurice Leblanc. A sofisticação do marketing multinível é impressionante e, sob a carapuça da respeitabilidade se perpetuará o estelionato que se pretende legalizar e normatizar.[36]

E, os senhores Deputados, estão a fazer exatamente isto. Preocupam-se em regulamentar algo que beira e namora, perigosamente, o estelionato, o nascido camaleão, sob o falso argumento de que, estando regulamentado, haveria de deixar de ser uma atividade ilegal e criminosa. O fato de haver produto ou serviço não elimina os problemas do marketing multinível nem o torna diferente da pirâmide e do estelionato. Pirâmide é um método de angariar fundos e isto está na essência do marketing multinível. Mas, a pirâmide, entendida a partir do conceito de exponencial, se encontra intrincada nos serviços financeiros bancários. Se encontra na base do sistema capitalista. Então, pretender acabar com o aproveitamento de uns sobre o trabalho alheio é uma pretensão que transcende a discussão posta neste artigo e se espraia para o campo da discussão social e política. Foge de nossos objetivos no espaço restrito que se nos dá o papel. Então, de algum modo é preciso encontrar o ponto de legitimidade e legalidade entre os mundos da licitude e ilicitude absolutas. É preciso encontrar o ponto de relatividade da ilicitude. Quem sabe, se Al Capone tivesse contado com a assessoria parlamentar brasileira, poderia ter regulamentado a sua atividade mafiosa sem precisar ir para a prisão.


5 – O que é necessário fazer

De tudo isto, parece ser o caso de não haver qualquer salvação para o marketing multinível. Não! Se esta foi a impressão que se tem até aqui, é preciso desfazer e colocar as coisas de volta no rumo certo. Primeiro, vamos explicitar sob que condições o marketing multinível pode funcionar. Depois, vamos explicitar nos pontos de abordagem o que se deveria fazer para frear a expansão golpista e estelionatária no Brasil. Vamos, pois, às condições de viabilidade do marketing multinível e de prevenção ao golpismo.

O marketing multinível como visto, pode ser uma alternativa criativa importante para que sejam alavancados recursos da poupança pública com o fim de estimular o crescimento das empresas. De modo especial, pode ser uma alternativa ao seleto grupo das empresas que apostam no mercado acionário ou a outras tantas que se vêm obrigadas a recorrer aos empréstimos bancários. Mas, tudo isto somente tem sentido se o centro das atenções for, de fato, a empresa. O que for vendido pertence à empresa que assume as responsabilidades de repasse de bonificações aos seus divulgadores. Mas, mesmo que assim proceda, o foco deve estar na empresa. Isto significa que o fazendeiro de ostras tem limite máximo possível a pagar a título de prêmios a seus divulgadores. Este limite máximo tem de estar de antemão calculado, razão pela qual é necessário o trabalho e responsabilidade de economista.

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Digamos que o limite do que se possa pagar para o caso que demos de exemplo, seja de 40% sobre o valor do lote. Isto significa que a totalidade dos valores desembolsados a título de marketing multinível em todos os seus níveis pode atingir até, no máximo, R$ 1.200,00. O que disto passar foge ao interesse da empreendimento porque haveria deslocamento de recursos da empresa para o bolso dos divulgadores.

Então, o que é preciso verificar é, seguramente, se o total máximo de bonificações é suficientemente atrativo para o marketing multinível. Admitamos bonificações de 20% sobre as vendas diretas e de 40% sobre as vendas de terceiros. Teríamos um esquema piramidal, com limite de restrição imposto. Ou seja, a pirâmide não seria infinita e sim, finita e restrita. Veja a Tabela 2 que pressupõe vendas de lotes de R$ 3.000,00 para os diversos níveis.

Líder

Bonificações

600,00

segundo

240,00

600,00

Terceiro

96,00

240,00

600,00

quarto

38,40

96,00

240,00

600,00

Quinto

15,36

38,40

96,00

240,00

600,00

sexto

6,14

15,36

38,40

96,00

240,00

600,00

sétimo

2,46

6,14

15,36

38,40

 96,00

240,00

600,00

oitavo

0,98

2,46

6,14

15,36

38,40

96,00

240,00

600,00

nono

0,39

0,98

2,46

6,14

15,36

38,40

96,00

240,00

600,00

décimo

0,16

0,39

0,98

2,46

6,14

15,36

38,40

96,00

240,00

600,00

undécimo

0,06

0,16

0,39

0,98

2,46

6,14

 15,36

38,40

96,00

240,00

600,00

Totais

999,96

999,90

999,74

999,34

998,36

995,90

989,76

974,40

936,00

840,00

600,00

% com.

33,33%

33,33%

33,32%

33,31%

33,28%

33,20%

32,99%

32,48%

31,20%

28,00%

20,00%

Tabela 2: Pirâmide com limite restritivo

Observe atentamente os dados da Tabela 2. Há, nesta tabela, um sistema de rede em diversos níveis. O primeiro (líder) que faz a venda recebe comissão de 20% (R$ 600,00) sobre o lote das ostras que vendeu e passa a receber 40% sobre o valor percebido pelas vendas do segundo e assim sucessivamente. Note-se que o valor das comissões é sempre calculado sobre o valor percebido pelas vendas feitas por aqueles que se encontram abaixo na linha piramidal. O diferencial para este modelo de rede é que há fixação de um limite restritivo, qual seja, o valor percebido a título de bonificação, no máximo, vai tender a 33,33% do valor do lote (em matemática, trata-se do conceito de limite das variações), ou seja, R$ 1.000,00 de comissões. Para as vendas realizadas pelo undécimo vendedor, recebe o líder R$ 0,06 e a tendência é o limite de R$ 1.000,00 em bônus, isto a realizar-se pelas vendas de, digamos, 12 lotes de pérolas distribuídos na linha de venda.

Isto quer dizer, em outras palavras, que, para o total de vendas de R$ 36.000,00 seriam repassados a título de comissão, no limite, R$ 10.800,00, valor este a ser distribuído entre todos os doze participantes da rede envolvidos com as vendas e que constam no exemplo da Tabela 2. O remanescente não pago a título de bonificações, ou seja, R$ 25.200,00, pertenceria à empresa para administrar o negócio e garantir a paga das pérolas aos compradores.[37]

Notou bem a questão? A empresa retém R$ 25.200,00 para si mas, apenas pequena parte deste dinheiro lhe pertence como valor disponível. Digamos que sua taxa de lucro líquido seja de 40%. Então, a empresa dispõe de R$ 25.200,00 dos quais lhe pertencem, como lucro, apenas R$ 10.080,00. O restante serve para pagar tanto a continuidade do negócio (produção de mais ostras ou seja, faz parte dos custos da produção) quanto as prevenções de reembolso dos investimentos feitos e garantias a serem suportadas por flutuações relativas ao valor futuro das pérolas. Mas, penso que não seja difícil perceber que o proprietário da fazenda de ostras vai pensar que o dinheiro que tem em mãos lhe pertence e que a paga dos clientes se vai dar com as pérolas a serem processadas no futuro. Gasta-se, então, dinheiro que foi apenas adiantado em vista de utilização futura. Pode ficar difícil ao operador do sistema perceber as relações temporais entre presente e futuro porque o dinheiro que tem em mãos é presente[38] e existe apenas como adiantamento de renda futura.

Isto tudo seria ruim para o marketing multinível? Provavelmente sim porque o interesse do líder (aquele que passa a ideia ao fazendeiro de ostras e inicia o processo de vendas) não é trabalhar com algum limite máximo de entrada. O esquema haveria de ser montado de forma tal que não haja limites nem nas receitas auferidas nem nos ganhos nos diversos níveis de vendas. As comissões incidiriam sempre sobre as vendas até o infinito (sob a forma de pontuação) e seriam pagas, não pelos reais valores de vendas efetuadas por estes novos divulgadores e sim, pela entrada de novos recursos pelas vendas efetuadas. Sem limite na bonificação, o limite vai ser dado pela receita e aí depende do volume de base da pirâmide.

Mas, isto estaria longe de significar o fim do marketing multinível. Pelo contrário. Se for admitido que o líder tenha grande capacidade para as vendas e que consiga recrutar boa equipe de vendedores, sua receita pode alcançar volume de dinheiro bastante elevado. Note-se que o grosso das comissões se realiza até a terceira geração no exemplo apresentado na Tabela 2. Então, o dinheiro passa pelo trabalho de vendas e de conquista de bons vendedores ou parceiros de vendas.

Também fica claro que o estabelecimento de tantos níveis quanto os propostos pela Tabela 2 não é interessante. Perde o sentido persistir a receber bônus por vendas distanciadas do líder do grupo. Por isso, ao invés de se pretender que o marketing multinível se faça a partir de grandes pirâmides de base infinita, é melhor, para a empresa (lembre-se do foco, da direção que deve o dinheiro seguir) ter pequenas pirâmides controladas em que, até o terceiro ou quarto níveis já ocorra o grosso da remuneração bonificadora. Para cada empresa, é preciso que haja o trabalho de se determinar os níveis máximos de bonificações e os níveis máximos da base das pirâmides. Um sistema multinível somente pode funcionar a longo prazo se for composto de múltiplas pirâmides de limite restringido. O foco não são os distribuidores e sim, a empresa. Este trabalho de planejamento econômico do multinível requer seja feito por economista, eis que os temas envolvidos são afetos à matéria própria de competência dos economistas. Esta situação não está contemplada nos PLs já citados.

Mas, quando se desloca o foco para as empresas, isto traz o (in)conveniente de evitar a cortina de fumaça em torno da remuneração do líder e de seus seguidores próximos. O líder somente vai ganhar muito dinheiro se conseguir, além de ele próprio vender muito, cooptar boa equipe de vendedores. E isso, nem sempre é fácil de se conseguir. De outro lado, trabalhar com muitos ou infinitos níveis na rede esconde outro truque (ardil) do multinível. Quando se fala em vendas do segundo, na verdade, poder-se-ia estar pensando em vendas de n novos divulgadores. Isto significa que o líder pode estar captando comissões de R$ 240,00 versus n divulgadores que ele tenha recrutado. Evidentemente que isto não é ruim, em absoluto. Apenas indica que teriam ocorrido vendas de n lotes de pérolas. As bonificações devem pagar-se, sempre, sobre as vendas efetuadas até o nível predeterminado pelo esquema de rede.

Em sendo assim, é muito mais conveniente encontrar formas de distribuir melhor as rendas percentuais entre os diversos níveis piramidais restritos. Para o exemplo apresentado na Tabela 2, caso houvesse uma diminuição percentual nas bonificações, o resultado financeiro pode ser visto na Tabela 3

lider

Bonificações

600,00

segundo

120,00

600,00

terceiro

24,00

120,00

600,00

quarto

4,80

24,00

120,00

600,00

Quinto

0,96

4,80

24,00

120,00

600,00

sexto

0,19

0,96

4,80

24,00

120,00

600,00

Sétimo

0,04

0,19

0,96

4,80

24,00

120,00

600,00

oitavo

0,01

0,04

0,19

0,96

4,80

24,00

120,00

600,00

nono

0,00

0,01

0,04

0,19

0,96

4,80

24,00

120,00

600,00

Totais…

750,00

750,00

749,99

749,95

749,76

748,80

744,00

720,00

600,00

%com.

25,00%

25,00%

25,00%

25,00%

24,99%

24,96%

24,80%

24,00%

20,00%

Tabela 3: Pirâmide com limite restritivo – diminuição das comissões

Observe agora, que a Tabela 3 estipula bonificação de 20% em paridade para as vendas diretas e para as vendas de terceiros. Veja que, em tal caso, as comissões se direcionam para o limite de 25% sobre cada lote, significando isto, R$ 750,00 de comissões contra receita originária de R$ 3.000,00. Evidente que isto produz alteração profunda na remuneração do líder. Mas, a vantagem perceptível é que as comissões estarão melhor distribuídas. Também fica claro que os níveis piramidais de remuneração diminuem; de 12, para 8.

Mesmo assim, o grande problema jaz, não no valor unitário percebido e sim, que este valor se multiplica por n, ou seja, se multiplica pela quantidade de pessoas abaixo do nível do líder. Se houver 1.000 pessoas vendendo o lote mínimo no terceiro nível, o líder recebe R$ 24.000,00 sobre tais vendas. E, se supusermos que o líder seja um vendedor convincente, poderíamos pensar em 500 pessoas no nível 2 e, digamos, 2.500 pessoas no nível 3 e 7.500 pessoas no nível 4. Observe que o multiplicador (fator da exponencial) não é fixo.

Os primeiros (nível 2) têm contato com o líder e são convencidos por ele a entrar no negócio. Mas, estes têm menor capacidade de convencimento e por isso ponderamos 1 para 5 (500 * 5 = 2.500) e, depois, 1 para 3 (2.500 * 3 = 7.500). Admitamos que estes 7.500 vendam um lote de pérolas cada um. O líder receberia renda de 7.500 * R$ 4,80 = R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais). Se os 2.500 venderem um lote de pérolas cada, a bonificação do líder será R$ 60.000,00 (sessenta mil reais). E, ainda, se os caras do nível 2 venderem também um lote cada um, o líder receberá outros R$ 60.000,00 (sessenta mil reais). É por isso que os “gargantas” do marketing multinível (MMN) apostam e defendem vigorosamente o sistema. Todo dia recebem bonificações daqueles que passam a trabalhar dentro do sistema.[39] Trata-se da maravilha da multiplicação do dinheiro. E, de onde ele vem? Simplesmente das vendas de 10.500 trabalhadores engajados, entusiasmadas e com vontade de vender o produto ou serviço que tem para vender.

Por isso, a grande questão é encontrar a fórmula adequada para que os ganhos dos distribuidores sejam limitados e que estes sejam melhor distribuídos.[40] Está será a melhor maneira de manter a empresa com adequada lucratividade e manter os divulgadores entusiasmados com o negócio e com as vendas. Mais uma vez, lembremo-nos do foco; é a empresa que importa e não o ganho dos divulgadores. O ganho dos divulgadores somente se torna principal quando se imaginar que o ganho deixe de vir da rentabilidade da empresa.

A priori, não é possível identificar, para a empresa hipotética das pérolas qual seria o suporte de bonificação máximo tolerável. Para cada caso, sempre haveria a necessidade do trabalho econômico de mensuração dos fatores de bonificação. Este trabalho se demanda porque é preciso que haja laudo de viabilidade do negócio e projeção de preço das pérolas na antecipação e na maturidade. Além disto é preciso calcular a perda estimada e também os investimentos necessários à reprodução do negócio. Vê-se, claramente, que no esquema de pirâmide com limite restritivo da Tabela 3, ocorre cessação de paga das comissões caso haja parada nas vendas. Se o líder parar de trabalhar, deixa de auferir a maior parcela dos seus ganhos que se dão pelas vendas diretas que faz. E o líder nada ganha depois do último nível. Por isso, a empresa precisa encontrar meios de conter a paga de comissões sem que haja trabalho. Não é preciso que haja um Projeto de Lei (PL) que imponha sobre o distribuidor o ônus de ter de trabalhar e de se esforçar. Tal fiscalização há de ser feita pelas próprias empresas.

Ainda considerando o caso das ostras e pérolas, é preciso ver que as ostras atualmente preparadas fazem parte de um determinado estoque que se pode colocar à venda. Evidentemente, no transcurso do tempo, o valor dos lotes de ostras mais recentes há de se alterar por conta dos descontos que se devem dar para o tempo de espera. Tudo isto requer que a fazenda tenha rigoroso controle de lotes e que as informações quanto aos lotes disponíveis e novos seja devidamente auditada, preferencialmente por especialistas da área. Além do economista, para o caso da pérolas, certamente que se demandaria os conhecimentos de um expert profissional da área de biologia marinha. Evidentemente, tais questões terão de ser definidas para cada empreendimento. Daí dizer que qualquer empreendimento de tipo multinível requer, pelo menos a presença e acompanhamento de economista e de outro profissional ou outros profissionais como se fizer necessário.

Outros pontos são importantes quando se analisa o sistema do marketing multinível. Muito provavelmente, o marketing multinível não poderá ser aplicado para a maior parte dos negócios disponíveis e que se dizem vinculados às vendas de rede. A Telexfree jamais poderia ser considerada empresa de marketing multinível. Era, apenas e no máximo, empresa perigosamente inclinada ao estelionato. Daí que vender coisas virtuais como propõe o PL que já analisamos é legislar e regulamentar o estelionato. Para que alguém entre no marketing multinível deve acreditar no produto vendido.[41] Deve, acreditar, por exemplo, que as pérolas têm o valor de mercado elevado e que o pagamento adiantado (!) de R$ 3.000,00 por lote é um bom preço e que será lucrativo com as vendas futuras.

Depois, deve acreditar que o valor das pérolas no momento da colheita compensará o investimento feito. Se não compensar, não haverá investimento e o dispêndio de dinheiro na aquisição do produto se fará por outras razões, muito provavelmente ligadas às vantagens que se anuncia pela entrada no sistema de divulgação.[42] O investimento, num sistema de multinível sério, siga o dinheiro (!), se faz no produto e não no esquema de rede.[43]

Então, perguntamos, quantos produtos existem à disposição para venda e que poderiam atender os refinados critérios econômicos de valorização do produto? Olha, o caso das ostras parece-nos um dos poucos que se pode compreender como viável para o marketing multinível. E mesmo este, a rigor do exemplo, nem tem produtos a oferecer; apenas, promessa de produto futuro. Por tal razão, todo empreendimento de rede e multinível deve contar com suporte profissional econômico-financeiro. Comprar rastreadores de veículos (BBom) ou mesmo tecnologia VoIP e serviços quaisquer não parece ser um tipo de investimento que atende a qualquer critério razoável de rentabilidade baseada na venda de produtos economicamente atrativos.[44] Depois, as comissões que se pagam têm de encontrar teto definido pela margem agregada ao preço do produto. Sem teto, se está no reino da fantasia ou, na pirâmide que realiza a paga das bonificações não a partir das receitas unitárias de margem econômica do produto vendido e sim pela entrada de novos integrantes ao sistema.

De tudo isto é possível chegar a algumas conclusões e sugestões concretas para a discussão política do marketing multinível.

  1. O marketing multinível apresenta vantagens interessantes do ponto de vista da captação, movimentação de recursos e alavancagem financeira. De fato, estas vantagens estão vinculadas à multiplicação de vendedores que se entusiasmam pelo produto ou pela promessa (implícita ou explícita) de ganhos elevados. Estes vendedores não apenas vendem como também são compradores dos produtos vendidos. Estes dois fatores combinados aumentam substancialmente a receita de quem se lança ao MMN.[45]

  2. O funcionamento do sistema é piramidal. Por isso é fundamental que o desenho da pirâmide seja sustentável e que haja controle e eficiência do dinheiro que entra para a empresa. A empresa deve ter transparência, especialmente com seus divulgadores e aqueles que pretendem vincular-se ao multinível. Do ponto de vista da sustentabilidade do empreendimento, é preferível prever um esquema de funcionamento de restrição piramidal do que um sistema de base alargada.[46]

  3. O foco de qualquer sistema de marketing multinível tem de ser a empresa. Qualquer desvio de foco gera empreendimentos de caráter aleatório, tendentes ao ilícito. A ilicitude, no caso, se dá pela formação de avançadas práticas estelionatárias.

  4. Qualquer empreendimento de marketing multinível precisa contar com regras de funcionamento. Este regramento difere muito do que se propõe nos PLs comentados no presente artigo. É inviável pretender regulamentar a prática do estupro ou de outro crime qualquer. As regras para o marketing multinível precisam atender os interesses de crescimento e manutenção das empresas; jamais o ganho dos divulgadores. Se este ganho dos divulgadores ocorrer, será em conseqüência do que produz e vende a empresa e não por atração de novos clientes e investidores. É preciso prever auditoria econômica regular nas empresas e, mais uma vez, requer-se trabalho do economista.[47]

  5. Qualquer empreendimento de marketing multinível deve contar com a chancela de um economista, da mesma maneira como ocorre com as postulações em JUÍZO que requerem a presença do advogado. Infelizmente, os textos dos PLs citados são toscos sobre o tema e pretendem que a chancela se faça pelos bancos, situação completamente inadequada e absurda; fora da competência atribuída às entidades de intermediação financeira e alheio à competência privativa da profissão de economista. Iniciado o empreendimento, é preciso que o negócio seja periodicamente auditado quanto à sua matriz econômica. E, insistentemente, isto se faz por economistas, conforme previsão legal de competência, e não por qualquer tipo de endosso bancário como pretende o PL 6667/2013 em seu artigo 2º.

  6. É preciso ter em mente que a experiência da Amway ensina que o marketing multinível encontra maior facilidade de operacionalização nos EEUU. Especialmente porque lá a legislação quanto ao trabalho não tem a tutela de uma justiça especializada do trabalho. Adaptar um esquema alienígena, se for feito, precisa contar com o necessário suporte quanto à terminologia[48] e enquadramento jurídico, razão pela qual melhor seria arquivar, por completa insuficiência, ambos os PLs e começar tudo de novo.

  7. Não é possível ter ilusões a respeito do marketing multinível. Trata-se de empreendimento que se aproxima perigosamente da ilegalidade e do estelionato. De fato, muitas pessoas não teriam hesitação em qualificar este tipo de empreendimento como algo mafioso. Não se pode brincar com a máfia nem pensar que a atividade da máfia seria boa se pudesse ser regulamentada.

  8. No exemplo dado no presente artigo, note o leitor, que se trata de uma fazenda de pérolas. Mas, também para este caso, no presente das vendas não há produto ou serviço vendido. Há, sim, uma relação fiduciária que deve encontrar formas de se viabilizar. Isto porque, até certo ponto, tratar-se-ia de encontrar um modo de preservar e manter os investimentos já feitos na fazenda de ostras (presumindo-se que esta já exista, tal qual apresentado) e também manter, preservar e valorizar os investimentos daqueles que adiantaram as rendas da produção futura.

  9. A pretensão de se estabelecer um fundo garantidor (artigo 2, §1º do PL 6667/2013) é completamente inócua se as bases do que seja um esquema piramidal não ficarem perfeitamente esclarecidas, situação que passa bem longe do que propõe o PL em comento. O problema não é de estabelecer um fundo porque isto apenas poderia postergar a quebra irremediável e aumentar o tamanho do rombo. O que funciona é a auditoria e laudo econômico em intervalos de tempo regulares. Estes laudos devem ser disponibilizados sem restrições aos interessados (divulgadores).

  10. Também insuficiente que o PL pretenda fundamentar a venda de qualquer coisa completamente irrelevante (produtos e serviços virtuais por exemplo) para torná-la suscetível de ser vendida via marketing multinível. Qualquer empreendimento deste tipo, para ser viável, necessita de análise de viabilidade econômica. Fora disso se estaria no mais completo caos da pirâmide sob pretexto de qualquer bugiganga.

Eventualmente, podemos ter esquecido alguma questão importante sobre o marketing multinível. Mas, do que foi exposto já se pode reclamar: a) que haja maior (tanto do ponto de vista quantitativo quanto qualitativo) discussão política sobre o problema; b) que haja maior zelo por parte da Polícia Federal e da Receita Federal sobre as atividades daqueles que são notórios empreendedores deste tipo de negócio (topo das pirâmides), especialmente considerando a proximidade com a atividade estelionatária e mafiosa; c) que o público em geral possa ser mais esclarecido, inclusive pela formação nos bancos universitários, sobre o funcionamento das pirâmides e funções exponenciais; d) que sejam respeitados e valorizadas pelo Legislativo (nem se deveria dizer isto !!!!) as competências profissionais definidas em lei e) que o Poder Judiciário se sinta prestigiado e valorizado por decisões como a proferida pela Juíza Thais Queiroz Borges Abou Khalil a respeito da Telexfree.[49]

O presente artigo se faz à vista do necessário esclarecimento sobre um tema que está em franca fervura. Em meio a muitas incompreensões e muito interesse (também no sentido pejorativo do termo), impende tratar com seriedade o multinível. Também se faz o artigo, em vista do debate político sobre questões que se podem considerar importantes e que constam listadas até nos motivos ensejadores dos PLs analisados. O Estado deve existir para o bem do seu povo e não para dar garantias de sucesso a quaisquer práticas fraudulentas e ardis dos mais diversos tipos, movidos por espertalhões e profissionais de ilusão da fé pública. Há que distinguir-se, cuidadosamente e tecnicamente, o trigo do joio sob pena de, em todos os níveis, adotar-se a prática de engolir sapos por lebres.

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Sobre os autores
Marcos Kruse

Perito Judicial Cível. Bacharel em Direito. Economista. Doutorando em Direito Civil pela Universidade Nacional de Lomas de Zamora (UNLZ) – Argentina.

Bárbara Cristina Kruse

Advogada e geógrafa. Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná, núcleo de Ponta Grossa e Mestre em Gestão do Território pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutoranda em Ciências Sociais e Aplicadas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KRUSE, Marcos ; KRUSE, Bárbara Cristina. Marketing multinível.: Entendendo a coisa para não ser enrolado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5118, 6 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36355. Acesso em: 25 abr. 2024.

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