8. A INJUSTA SOBERANIA DO CONSELHO DE SENTENÇA
Sob o que trata tais temas, focalizados diante o âmbito de tudo o que já fora expressado, têm-se a entender que a soberania, que tem um conceito fluido, mas faz-se necessária, que é dada ao Conselho de Sentença é injusta, compromete a Justiça e é mais vulnerável a erros de decisão.
Sábias são as palavras de Sérgio Habib:
“Evidentemente que em todo julgamento, há muito do que somos, e as nossas experiências, na clássica visão de Ortega y Garret, razão pela qual não se pode alcançar jamais um julgamento inteiro isento, de ponto de vista da absoluta imparcialidade. A neutralidade é incompatível com a natureza humana, repleta de pessoalidade, até porque, quando julgamos alguém, o fazemos com nossos achaques e desvios, com as nossas culpas e decepções, com as nossas vicissitudes e anseios, mas também com nossa esperança e com os nossos ideais”
(pg. 24).
Embora este autor defenda a arte de julgar dos sete jurados, tal doutrina em destaque é perfeitamente compreensível nesta dificuldade de julgar.
Não quer dizer que o magistrado seja melhor do que os jurados na arte do julgar e nem que os erros sejam menores, de forma a pensar em ajustes numéricos. Quer-se concluir que um juiz togado estudou a ciência do Direito por quatro ou cinco anos em uma instituição de ensino, teve que ter, no mínimo, mais três anos de experiência jurídica, foi submetido a provas de concursos públicos com diversas fases por própria e espontânea vontade, foi submetido a cursos para se tornar um magistrado, tendo ainda que iniciar a carreira como substituto, para, depois, assumir determinada vara.
Ou seja, para o juiz togado, existiu toda uma preparação na arte de julgar, diante comprovação de conhecimentos jurídicos para ocupar um cargo público, diferentemente dos jurados, que são pessoas escolhidas de acordo com seu histórico idôneo na sociedade a qual vivem.
É injusto que a Constituição Federal da República Democrática do Brasil delegue poderes inerentes a julgamento de crimes contra a vida a sete jurados presumidamente leigos. É muito poder para pouca preparação de uso deste poder.
Corroborando com Sérgio Habib, realmente é impossível realizar um julgamento sem certa emoção ou comoção, principalmente nos crimes dolosos contra a vida, mas a lei assim dispõe, o caminho da Justiça assim o exige. A impessoalidade do julgamento é o ponto primordial para que este seja publicado e efetivado, ao passo que a instituição do Júri Popular, após todo o conjunto das ideias aqui demonstradas, faz-se crer que as características do bom julgamento estão cada vez mais longínquas.
Delegar tamanho poder diante uma sociedade dominada de influências externas tira a imagem das metas traçadas pelo Direito Penal e Procedimental Penal.
Assim sendo, a injusta soberania dada ao Conselho de Sentença merece reformas ou extinção, pois não compromete um julgamento justo e isento de impessoalidade e carece de maior preparação diante os jurados que ali estão para decidir a vida de um suposto inocente ou suposto culpado.
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante o exposto e apresentado, conclui-se que o procedimento do Tribunal do Júri, analisando especificadamente a atuação do Conselho de Sentença, merece ser melhor discutido, pois é um risco à busca da Justiça.
A Constituição da República Federativa do Brasil delega e reconhece a instituição do Júri, em seu artigo 5º, XXXVIII, com a organização que lhe deu o atual Código de Processo Penal, dando poderes ao Conselho de Sentença de julgar os crimes cuja tutela vem dispor sobre o maior bem constitucional e humanístico considerável; qual seja, a vida.
Desta feita, se a vida é o bem mais tutelado constitucionalmente considerável, os crimes dolosos contra ela são os mais graves que possa existir no ordenamento pátrio, ou seja, delega-se a sete homens leigos a competência de julgar os suspeitos que cometem estes crimes.
Leigos, no sentido de não estarem preparados para a arte de julgar, pois o importante para a existência do processo penal é a existência de um suspeito, a parte ré, que é um dos sujeitos do processo. Os procedimentos penais são instaurados para concluir sobre a condenação ou não de réus suspeitos de determinado fato, portanto, o mínimo de conhecimento exigido para os sete homens leigos seria o exercício da arte de julgar a pessoa ré em seus atributos vinculados ao fato pelo qual a ela são imputadas questões suspeitas.
Levando em conta todo esse conjunto de situações relativas aos jurados em si, conclui-se que não existe um preparo útil e necessário para que eles exerçam sua atividade de julgar como manda os preceitos morais e jurídicos dos princípios aplicados ao Direito.
O caráter da impessoalidade, que deveria ser o mais analisado e o mais trabalhado para a obtenção de um interdito condenatório ou absolutório justo, não se vê na sistemática do Conselho de Sentença, haja vista que alguns dos jurados, talvez a maioria deles, sequer conheça tal importância para votar “sim” ou “não”. Isto se dá em razão de várias influências que os jurados sofrem internamente e externamente ao julgamento.
Internamente, nota-se um grande repúdio da sociedade em ser jurado e o medo que estes possuem de ficarem frente a frente com suspeitos de crimes dolosos contra a vida. O próprio medo presencial em plenário já tira totalmente a impessoalidade e a seriedade do jurado, componente do Conselho. Embora a lei trate tal serviço público como idôneo e todas as qualidades amplamente defendidas no ordenamento pátrio, dificilmente existirá pessoas não vinculadas ao Direito que se interessariam sempre serem juradas.
Externamente, tais pressões são mais visíveis, destacando-se a Mídia e a comoção social, que geram uma pressão imensurável, uma afronta à impessoalidade dos membros do Conselho de Sentença, que miscigenados com o despreparo com a arte de julgar, são fáceis de serem induzidos, difícil de explanar a estes sobre temas jurídicos penais e diversificadas teses de defesa, comprometendo a justiça e o direito de punir do Estado, de forma a cumprir o que realmente importa nos procedimentos penais: a condenação dos culpados e a absolvição dos inocentes.
O Procedimento do Júri é bastante organizado, muito bem pautado, possuidor de uma história de vislumbrada riqueza, mas é um sistema que carece de análises, carece de melhores trabalhos e não serve para embasamento dos pilares da Justiça.
O que se vê nas salas em plenário é uma disputa de teses, julgamentos totalmente ligados à situação emotiva do fato e ao histórico de vida social do réu suspeito, uma verdadeira peça teatral cujos julgadores, presumidamente, sequer conhecem as origens deste teatro.
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Notas
1 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo. Saraiva, 2003. V.1. p.88.
2 OLIVEIRA, Eugênio Pacceli de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro. Lumem Juris Editora. 2011. 15ªEd. P.8.
3 FERNANDES, Stanley Botti. Da fundamentação racional do jus puniendi. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 976, 4 mar. 2006. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/8070/da-fundamentacao-racional-do-jus-puniendi>.
4 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 5ªEd. São Paulo. Saraiva. 2013.
5 MOREIRA, Rômulo de Andrade. Direito processual penal. Salvador. Juspodivm. 2007. P.95.
6 GOMES, Luis Flávio. Qual a diferença entre a plenitude da defesa e a ampla defesa?. Portal Terra, São Paulo, ano 2011, 1 dez. 2011. Disponível em: <https://atualidadesdodireito.com.br/lfg/2011/12/01/qual-a-diferenca-entre-a-plenitude-de-defesa-e-a-ampla-defesa/>
7 SILVA, Rodrigo Faucz Pereira e Silva, p.62.
8 MARREY, Adriano, et al. Júri: teoria e prática: comentários de doutrina e interpretação judiciária: roteiros práticos, questionários, jurisprudência. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p.111.
9 SILVA, Rodrigo Faucz Pereira e Silva, p.88.
10 SILVA, Rodrigo Faucz Pereira e Silva, p.118.
11 Artigo 472 do Código de Processo Penal.
12 O autor refere-se ao artigo 482, parágrafo único, do Código de Processo Penal.
13 FERREIRA, A. B. H. Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Positivo, 2010.
14 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Colaboradores da Justiça. Disponível em: https://www.tjmg.jus.br/portal/conheca-o-tjmg/a-justica/colaboradores-da-justica/.
15 INSTITUTO GUTEMBERG. Ética, paixão jornalística x compaixão humana: Vítimas de tragédias sofrem uma revitimação com o assédio dos repórteres. Disponível em: https://www.igutenberg.org/etica10.html.