CONSIDERAÇÕES FINAIS
A individualização da pena privativa de liberdade se dá na fase de execução, principalmente, através da progressão de regimes e da liberdade condicional, o que não é assunto controvertido.
Em análise ao processo legislativo da lei de crimes hediondos, percebemos que esta lei foi, como tantas outras, aprovada às pressas, sem uma análise extensiva por parte dos legisladores, que o fizeram em um momento de clamor popular pela diminuição da criminalidade devido a seqüestros de pessoas influentes que vinham acontecendo. O que, infelizmente resultou, diante de tudo isto, foi uma lei que seguiu o clamor de penas mais rígidas para condenados por certos crimes por elas rotulados. Por outro lado, sob o ponto de vista jurídico, principal com relação ao assunto, evidencia um fracasso, por contrariar, em certos artigos e ou incisos, toda a história da pena (que se mostra contrária a penas severas como as impostas por estas lei) além de ir de encontro também a princípios fundamentais constitucionais relacionados a pena (individualização, proporcionalidade e humanidade).
Não obstante a conclusão acima mencionado, a respeito dos assuntos alvo de nossa explanação chegamos a conclusões diversas.
Cientes de que o mais importante princípio constitucional relevante é o princípio da individualização no reportamos a Carta Magna, que é clara ao garantir que "a lei regulará a individualização da pena".
Diante desta primaz determinação constitucional e considerando que no ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal é hierarquicamente superior a todo o restante da legislação, concluímos pela inconstitucionalidade da impossibilidade de progressão de regimes para os condenados por crimes hediondos. A Lei de Crimes Hediondos ao determinar o regime integralmente fechado aos condenados por estes crimes e não esta regulando este direito fundamental e sim o vedando, o que revela a incontinência do artigo segundo, parágrafo primeiro, de Lei em comento como e Carta Magna de nosso país.
Por outro lado, apesar de entendermos contrário ao princípio da humanidade da pena, devemos concluir pela constitucionalidade do livramento condicional extraordinário, pois este instituto, concedido somente após dois terços de pena cumpridos, não demonstra uma proibição da individualização, pois inclusive os demais requisitos subjetivos remanescem, demonstrando sim que a Lei de Crimes Hediondos, conforme determina a Constituição, está regulando o direito a individualização da pana privativa de liberdade.
Ambos os institutos, ainda se demonstram contrários ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e ao Pacto de São José da Costa Rica, por que o regime integral fechado e a concessão de liberdade condicional somente após um longo período em regime fechado (dois terços de cumprimento de pena) podem ser caracterizados como "penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes".
Não obstante ao anterior exposto, devemos ainda concluir sobre a posição do Poder Judiciário brasileiro que se mostra divergente em suas decisões conforme o tipo de crime hediondo a que o réu está sendo julgado.
Diante disto, os crimes de tortura, de formação de quadrilha ou bando com o intuito de prática da prática de crime hediondos e crimes hediondos que envolvam relações internacionais (como o tráfico internacional de drogas e entorpecentes), são merecedores da concessão de progressão de regimes e, as vezes, de livramento condicional extraordinário.
Finalmente, concluímos a presente abordagem com a certeza de que o regime integralmente fechado para os condenados por crimes hediondos é inconstitucional e que o livramento condicional extraordinário é, formalmente, constitucional, sendo que, porém, ambos ferem os pactos internacionais relativos a direitos humanos, transformando-se pois em agressões a aspectos principiológicos que devem reger o Estado Democrático de Direito e de per si, a declaração de inconstitucionalidade da legislação referencial. Além disto o Judiciário, ao aplicar uma lei que possui tamanhas imperfeições e inconstitucionalidades, fechando os olhos para isto, está levando a constituição à marginalidade por decidir como base em jurisprudências formadas e não baseando-se no sistema jurídico nacional, que agrega princípios de ordem internacional e, principalmente, a observância de um Direito humanista e eficaz, não meramente repressivo e sujeito à influências de grupos de interesse específico.
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Notas
1. Brasil, Lei 8.072, de 25 de julho de 1990.
2. Constituição da República Federativa do Brasil/1988, artigo 5º, inciso XLIII.
3. Os projetos mencionados, tem base no Diário do Congresso Nacional, publicados entre as datas de 28 de setembro de 1989 e 29 de junho de 1990.
4. O tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na época era regulado apenas pela chamada Lei 6.368, de 21 de outubro 1976, que ficou conhecida como Lei de Tóxicos ou Lei Antitóxicos..
5. Franco, Alberto Silva. Crimes Hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, pg. 75.
6. Defensora pública em Minas Gerais e professora de prática jurídica na Faculdade de Direito de Varginha.
7. Bemfica, Thaís Vani. Ob. cit., pg. 6/7.
8. Regulado pela lei 9.455/97;
9. Regulado pelas leis 3.368/76 e atualmente 10.409/02;
10. O terrorismo é regido pela Lei de Segurança Nacional, número 7.170/83.
11. Homicídio da atriz Daniela Perez, filha de Glória Perez, que teve como autores o ator Guilherme de Pádua e sua esposa. Daniela e Guilherme, faziam parte do elenco de uma novela da Rede Globo de televisão, em apresentação na época do homicídio.
12. Lei 2.899/56, artigos 1º, 2º e 3º.
13. Artigo primeiro, incisos I a VII – B e parágrafo único, da lei 8.702/90.
14. Artigo 5º, XXXIX e XL.
15. Há posições contrárias, as quais defendem a possibilidade de aplicação da lei de crimes hediondos a condenados por crimes ocorridos antes do início de sua vigência. Esta posição se dá por entenderem os doutrinadores que os princípios citados ser referem ao direito penal, e, como a lei de crimes hediondos teria caráter processual penal, não seria possível a aplicação dos referidos princípios. Porém, não consideramos a referida posição adequada. Dentre os doutrinadores que defendem esta tese: Prado, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro – parte geral. 2º ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, pg. 355; Mirabete, Júlio Fabrini. Execução Penal, Comentários à Lei 7.210 de 1984, 9º ed. - São Paulo: Atlas, 2000, pg. 297.
16. Voto vencido em: ApCrim nº APR1567995/DF Publ. DJU 22.05.1996 p. 7.982.
17. RECURSO ESPECIAL 282393/MG, Publ. DJU 12.02.2001, p. 149.
18. Advogado criminal em Salvador/ Ba, ex-porfessor da UFBA, pós-graduado em Direito Público UFPE e Mestrando em direito UFPE. Fonte: Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal. V.3, n.15, ago-set de 2002 – Porto Alegre: Síntese, pg. 16.
19. HC76004-7/RJ, 1ª Turma do STF, Rel. Min. Ilmar Galvão. j. 19.05.1998, un., DJU 21.08.98, p. 02 e HC 74.780/RJ, 2ª Turma do STF, Rel. Min. Maurício Corrêa. j. 11.11.1997, consecutivamente.
20. Conceito segundo: Luft, Celso Pedro. Mini Dicionário da Língua Portuguesa. 3º ed. – São Paulo: Ática/Scipione, pg. 361.
21. STJ- RE265321/GO, DJU 12.02.2001, p. 149; STJ- HC12768/RS, DJU 23.10.2000, p. 152; STJ - RE90171/SP, SEXTA TURMA, DJU 12.08.1997, p. 36287 e RT VOL.:00745 PG:00528; STJ- RE91852/MG, DJU 05.05.1997, p. 17139 e RT VOL.: 00742 PG:00591; STJ-RE92640/ES, DJU 03.03.1997, p. 4719 e LEXSTJ VOL.:00095 JULHO/1997 PG:00342; STJ-RO em HC 5115/RN, DJU 20.05.1996 p. 16742; STJ - RE 59288/SP, DJ 23/10/1995 PG:35720 e RSTJ VOL.:00076 PG:00268
22. STJ – RE 90171/SP, Publ. DJU 12.08.1997, p. 36287 e RT VOL.:00745 PG:00528.
23. STF - HC69657/SP; STF - HC 76479, DJU 08.05.98, p. 4; STF - HC 78124, DJU 18.12.98, p. 51; STF - HC 71031, DJU 10.06.94, p. 14789; STF - HC 71206, DJU 24.06.94, p. 16636; STF - HC 71182, DJU 26.08.94, p. 21891; STF - HC 71653, DJU 10.03.95, p. 04881; STF - HC 71994, DJU 09.06.95, p. 17231; STF - RE 187567, DJU 06.10.95, p. 33146; STF - HC 72567, DJU 23.02.96, p. 03624; STF - HC 72363, DJU 31.10.96, p. 42014; STF - HC 74566, DJU 07.03.97, p. 05403; STF - HC 70616, DJU 04.04.97, p. 10519; STF - HC 74697, DJU 27.06.97, p. 30229; STF - HC 76217, DJU 06.03.98, p. 04; STF - HC 76949, DJU 14.08.98, p. 06; STF - HC 76608, DJU 09.10.98, p. 02; STF - HC 77076, DJU 20.11.98, p. 03; STF - HC 77132, DJU 27.11.98, p. 08; STF - HC 77828, DJU 27.11.98, p. 10; STF - HC 78166, DJU 16.04.99, p. 06; STF - HC 78247, DJU 21.05.99, p. 04; STF - HC 78417, DJU 21.05.99, p. 11.
24. Mirabete, Júlio Fabrini. Execução Penal, Comentários à Lei 7.210 de 1984, cit., pg. 297.
25. Gonçalves, Victor Eduardo Rios. Crimes hediondos, tóxicos, terrorismo, tortura. São Paulo: Saraiva, 2001, pg. 12.
26. Manual de Direito Penal brasileiro, p. 801. Obra citada por: Prado, Luiz Regis. Ob. cit., pg. 355, nota 22.
27. HC 74.689-6/SP, DJU 27.06.97, p. 30.228. Sobre o assunto Marco Aurélio publicou duas matérias que ressaltam a inconstitucionalidade do instituto: "Os Crimes Hediondos e o Regime de Cumprimento da Pena" (suplemento "Direito e Justiça", publicado pelo Jornal Correio Braziliense, na edição de 7-12-92); "Da Inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25-7-1990" (Revista Brasileira de Ciências Criminais — publicação oficial do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais — Editora Revista dos Tribunais, ano 2, nº 8, outubro/dezembro de 1994.
28. Informação capturada em http://www.stj.gov.br/webstj, na data de 24/09/2002, às 22:40.
29. STJ – Resp 19.420-0 – DJU DE 07.06.1993, p. 11.276. No mesmo sentido com votos vencidos: RT 745/527 e 735/507, RHC 5.118 – DJU 09.09.1996, p. 32.410 e RHC 5106 – DJU 17.02.1997.
30. RE 48719/SP, SEXTA TURMA do STJ, Rel. LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, DJU 17.10.1994, p. 27921.
31. Barros, Carmen Silvia de Moraes. A individualização da pena na execução penal – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001pg. 149/150.
32. Costa Júnior, Paulo José. Comentários ao Código Penal. 6º ed. –São Paulo: Saraiva, 2000. Pg. 148.
33. Bemfica, Thaís Vani. Ob. cit., pg. 34.
34. RE 186572/RS, DJU 15.05.2000 p. 00209. No mesmo sentido (STF): HC77001-1/SP, DJU 21.08.98, p. 03; HC77503/MS, j. 22.09.1998; RE 252548/MG, DJU 18.09.2000 p. 00153; RE207963/MG, DJU 19.06.2000 p. 00170, RESP 244744 GO 2000/0001172-0, DJ DATA:19/06/2000 PG:00198, RESP 221408 RS 1999/0058624-7DJU 19.06.2000 p. 00177, RE186572/RS, DJU 15.05.2000 p. 00209. No mesmo sentido (STJ): HC 13408/BA, DJU 12.02.2001, p. 145; HC 12768/RS, DJU 23.10.2000, p. 152; HC11255/MG, DJU 25.09.2000, p. 117; RE 253256/RS, DJU 25.09.2000, p. 132.
35. Barros, Carmen Silvia de Moraes. Ob. cit., pg. 176, nota 68.
36. Jesus, Damásio E. de. Reincidência específica e livramento condicional. São Paulo: capturado em www.jusnavigandi.com.br, na data de 20/05/2002, às 10:26.
37. Monteiro, Antônio Lopes. Crime Hediondos. São Paulo: Saraiva, 1995.
38. Mirabete, Júlio Fabrini, Código Penal Interpretado, São Paulo: Atlas, 2000, pg. 468, nº 83.4.
39. Noronha, E. Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1998, pg. 291.
40. Código penal, artigos 63 e 64.
41. No mesmo sentido: ApCrim 98.03.085753-3/SP, TRF3, DJ 08.06.1999 p. 490; ApCrim 98.03.038323-0/SP, TRF 3, DJ 14.09.1999 p. 543; ApCrim 98.03.066412-3/SP TRF3, DJ 22.02.2000 p. 680; HC 0115407-9, TRF1, DJ 27.04.92, p. 10.261; ApCrim 0408948-9, TRF4, DJ 23.08.90; RCCR 446568-2, TRF4, DJ 08.03.95, p. 11.881.
42. Apelação Criminal nº 96.03.091239-5/SP (00048892), 5ª Turma do TRF da 3ª Região, Rel. Juiz André Nabarrete, Revisora Juíza Ramza Tartuce. j. 09.11.1999, Publ. DJ 15.02.2000 p. 650.
43. Posição expressa verbalmente pelo eminente doutrinador em palestra proferida, sobre o tema "Juizados Especiais Criminais", em 08 de novembro de 2002, na cidade de Lagoa Vermelha/RS, no II Encontro Jurídico/ Universidade de Passo Fundo/ Campus de Lagoa Vermelha/ Faculdade de Direito.