O húngaro radicado no Estados Unidos, Thomas S. Szasz, representa um baluarte contra o domínio do saber/poder psiquiátrico, aplicado em larga escala, como forma de domínio do homem sobre o homem. O livro “A fabricação da loucura” (1971) de Szasz é anterior à “ A Verdade e as formas jurídicas”(1973) e de “Vigiar e Punir”(1975) ambos de Michel Foucault e que discutem o tema do domínio saber/poder empregados pela psiquiatria e pelo Direito.
A tese central de Szasz é : O tratamento especial (involuntário) é uma consequência de suas raízes no liberalismo clássico, baseadas nos princípios de que cada pessoa tem o direito ser dono de seu corpo e mente e de não sofrer violência dos outros, embora tenha criticado tanto o chamado "mundo livre" como os estados comunistas, por sua utilização de psiquiatria, e pela "drogofobia". Segundo Szasz, o suicídio, a prática da medicina, o uso e a venda de drogas, assim como as relações sexuais, devem ser privados, contratuais e fora da jurisdição do Estado.
Idéias polêmicas com entendimentos os mais ferrenhos e críticos. Em 1970, Szasz fundou, juntamente com George Alexander e Erving Goffman, a American Association for the Abolition of Involuntary Mental Hospitalization (AAAIMH), com o objetivo de abolir a intervenção psiquiátrica involuntária. Tema que é atual e que se confunde com a internação compulsória de usuários de drogas com internação psiquiátrica por maladie psíquica.
Chamou-nos a atenção o envolvimento de Szasz com Erving Goffman , envolvimento de contribuição acadêmica e disseminação das idéias para torná-las concretas como ocorreu com a AAAIMH, desfeita em 1980. O contato que tivemos com a obra de Goffman, se deu com Stigma [1], obra que se apresenta densa e que analisa temas como: o controle da informação, o controle social, o chamado comportamento desviante, o “eu” e o “outro” entre outros pontos.
Thomaz Szasz e Goffman se apresentam a tempo a este pesquisador. Ambos com uma visão ímpar dos controles de dominação , apresentam denúncias sob forma acadêmica sobre a manipulação institucionalizada do homem sobre o homem e que perdura por milênios. Manipulação que possui nomes como medicina, religião, política e todas elas legitimadas pelo Direito e pela psiquiatria.
A política, o modus operandi do “homem político” de Aristóteles, se alicerça no Direito que o legitima e o autoriza, todavia, o mimetismo dos interesses o conduz para caminhos estranhos e bem opostos à utopia democrática. O homem revoltado (expressão que tomamos emprestado de Albert Camus) é amordaçado, calado, trancafiado, drogado, manietado, torturado, dado como louco, individualizado, tudo sob a égide da psiquiatria e do Direito.
Szasz, Goffman, Howard Becker, Robert King Merton, Michel Foucault entre outros, contribuiram para um entendimento aprofundado da etiologia do domínio do homem sobre o homem. Szasz[2] denuncia o uso da força como forma de controle, seja no campo da psiquiatria seja no campo da legitimimação do discurso.
Na frase de Szasz, mesmo perplexo frente a comprovação das atitudes dos homens, entendemos que é possível explicar, justificar não. Sem contrariar o mestre, o holocausto(1939-1945) é explicável sob a ótica histórica, injustificável sob qualquer ótica. O papel da Criminologia, percebe-se, é extenso na compreensão dos fatos e condutas. Muito longe de ser uma ciência secundária do Direito, antes, é imperativo o diálogo com ela para perceber o homem, esse meio para o fim.
Temas atuais em Direitos Humanos é uma possibilidade de dialogar com formas arcaícas de compreensão do saber legitimado, a rigor , que passa pela chancela do Direito, como ciências dogmáticas que não abrem mão do poder institucionalizado.
Estudamos sob a égide da compreensão da Drª Carolina Lisboa a questãso do Direito Constitucional sem constituição. Em certo momento da sua tese de doutorado apresenta o caso Roe versus Wade de 1970 no Estado do Texas e que versa sobre a questão do aborto.
Caso capitaneado pelas advogadas Linda Coffee e Sarah Weddington, com a alegação de que a gravidez de Roe era fruto de aborto. Em uma decisão emblemática, a Corte Suprema Americana decide em 1973 a favor de Roe que entrega seu filho a adoção.
O aborto é um dogma, aqui no Brasil positivado no Código Penal de 1940. Exceção em três casos: anicefalia, estupro, risco iminente à vida da mãe. A dificuldade é que a Constituição americana possui mais de 200 anos, a nossa 25 anos.
Os temas atuais em Direitos Humanos, podemos listar:
- Homofobia.
- Aborto[3]
- Exploração e violência contra a mulher [4]
- Trabalho infantil[5]
- Prostituição.
- Liberação da maconha e outras drogas.
- Trabalho protegido pelos aspectos sociais.
- Direito à vida.
- Racismo.
- Xenofobia.
- Tortura.
- Desaparecimento forçado.
Temas debatidos em diferentes esferas, com pesquisadores de diferentes áreas, desde de Supiot e Villey até pesquisadores brasileiros como a Drª Carolina Lisboa, que nos mostram a dificuldade da matéria e a necessidade de seu estudo cada vez mais às claras e com a seriedade da delgada posição que se encontra.
Ao analisarmos os temas atuais em Direitos Humanos, nos aproximamos da “teoria dos direitos fundamenatais”. No caso brasileiro, o celebrado Artigo 5º da Constituição de 1988 que parece uma constituição por si mesmo.
Vivemos uma situação complexa que Thomas S. Szasz apresenta com uma vestimenta social, a saber, tempos modernos envoltos em roupas arcaicas e dogmáticas. O artigo 5º da Constituição celebra o direito à livre expressão do pensamento, incapaz , todavia, de erradicar o trabalho escravo positivado no artigo 149 do Código Penal getulista de 1940.
A OEA, a CIDH e “longa manus” são órgãos necessários para países “terceiro mundistas” que possuem fragilidade democrática. Quando observamos o engessamento das formas de poder. O Estado possui amplo poder de “vigiar e punir” , no dizer de Foucault.
Sigmund Freud em sua obra intitulada “O mal-estar da civilização”, obra do final dos anos 1920, prenunciava a situação frenética que nos encontramos. A civilização parece mais irracional que nunca, os Direitos Humanos são violados em larga escala, resulta em uma situação “esquizofrênica” no campo social e jurídica.
O apelo da obra dos cientistas sociais é para uma humanização do humano e que os direitos que lhe assistem( os humanos), saiam das folhas de papel. A criação de um órgão para defesa dos direitos humanos resulta da falta de consciência, pelo menos da maioria, desses direitos. Norberto Bobbio, político, jurista e filósofo faz críticas[6] a essa situação.
Almeja-se que o Direito rompa com o paradigma da verdade absoluta e aceite a interdisciplinaridade como meio de entender o humano dentro da fabricação da loucura criada por séculos de privações, cerceamentos, punições, expiações, fogueiras e inquisição, que ainda existem, velas, todavia, existem.
[1] GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 1988.
[2] “ O objeto da Psiquiatria é o conflito humano. Mas o conflito precisa ser arbitrado, controlado, solucionado. Por isso, o homem sempre achou necessário empregar vários métodos para lidar com antagonismos interpessoais e sociais. Todos esses métodos tem uma coisa em comum: o uso da força. No entanto, talvez porque os homens são homens e não animais, não podem apenas coagir, oprimir ou exterminar seus semelhantes; precisam também explicar e justificar a destruição”. In: Thomas S. Szasz : “A fabricação da loucura” (1971).
[3] Caso Roe versus Wade.
[4] Lei 11340/06
[5] Artigo 149 do Código Penal Brasileiro.
[6] Bobbio, Norberto . Sociedade e Estado na Filosofia Política Moderna, São Paulo, Brasiliense.