Em sua coluna no jornal O Globo, do dia 19 de fevereiro de 2015, o jornalista Ancelmo Gois, atento aos fatos do cotidiano, chama a atenção de que, em breve, o “STF vai julgar outra causa histórica. É a que trata do chamado direito ao esquecimento.” Lembrou Ancelmo Gois que a família de Aída Curi morta em 1958 aos 18 anos, em Copacabana, reclamou do assunto ter sido lembrado no programa “Linha Direta”. Disse ainda Gois que o professor Daniel Sarmento, em parecer, diz que o “o uso do direito ao esquecimento contra a imprensa é prejudicial à memória coletiva e pode servir para poderosos apagarem fatos de suas vidas”.
A propósito, foi publicado o Enunciado nº 531, resultante da 6º Jornada Civil do Conselho da Justiça Federal, o qual declara o direito ao esquecimento, face a dignidade da pessoa humana, diante das inúmeras novas tecnologias de informações que geram danos irreparáveis ao direito fundamental à intimidade e à privacidade.
O instituto jurídico é aplicado, sobretudo, quando o fato é de extremo "informacionismo" gerando uma imagem negativa referente a pessoa no mundo virtual, trazendo a tona informações negativas pretéritas.
Para facilitar o entendimento, um exemplo claro é o de pessoas condenadas que cumpriram sua pena e estão quites com a Justiça, mas mesmo assim têm suas informações pessoas disponíveis na rede, criando enorme obstáculo ao objetivo principal da reprimenda Estatal que é a ressocialização do ex detento.
Diante disso, foi criado na VI Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal (CJF) o Enunciado nº 531, o qual apesar de não possuir natureza vinculativa, é a consagração da doutrina e da jurisprudência a respeito do assunto, haja vista que não estabelece regras, tão somente gera fundamento para decisões judiciais com base em princípios alinhados ao caso concreto onde o cerne da questão é a não obrigatoriedade de convívio com o passado.
O primeiro julgado que abordou o Direito ao Esquecimento foi o Resp. 1.334.097 - RJ (2012/0144910-7) onde a Turma reconheceu o Direito ao esquecimento a um homem inocentado pela justiça de ser coautor/partícipe da sequência de homicídios ocorridos em 23 de julho de 1993, na cidade do Rio de Janeiro, conhecidos como "Chacina da Candelária", fato abordado em programa televisivo da rede Globo (Linha Direta - Justiça), trazendo a tona o caso onde já havia sido inocentado das acusações
No caso em discussão concluiu-se que o homem inocentado pela acusação da prática de homicídio teve sua imagem e nome expostos de forma desnecessária e vinculando ao mesmo a imagem de culpado.
O artigo 5º da Constituição Brasileira garante a liberdade da manifestação do pensamento, desde que o mesmo não seja anônimo, além da livre expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. Ao mesmo tempo, determina que é “inviolável a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”.
Diante de duas situações diversas entre o que deve ser esquecido por ser privado e o que deve permanecer público, há uma série de acontecimentos dados em certo momento em que a liberdade de expressão pode se chocar com o direito de privacidade.
Por certo é necessário um juízo de ponderação de valores, em atenção ao principio da proporcionalidade, de forma a verificar-se a correta aplicação da vedação à censura e a questão da garantia da livre manifestação do pensamento.
Discute-se se a mera divulgação da imagem ou do nome da vítima não iria gerar abalo moral indenizável, pois “um crime, como qualquer fato social, pode entrar para os arquivos da história de uma sociedade para futuras análises sobre como ela evolui ou regride, especialmente aos valores éticos e humanitários”. Foi o que se discutiu no REsp 1.335.153, Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça.
Num caso prático, Gregory Sim, um homem de negócios de Richmond, foi flagrado fazendo sexo em uma viagem de trem para Londres. Os passageiros alarmados avisaram a policia, que o prendeu. A estória saiu no Daily Mail há seis anos. Ele pediu ao Google recentemente que seu deslize parasse de aparecer no buscador. Ele conseguiu, exercendo o direito ao esquecimento, que foi dado a qualquer cidadão europeu por uma sentença obtida por outro cidadão comum, Mario Costeja. Esse espanhol, cansado de aparecer como inadimplente nos resultados de busca do Google, exigiu que o buscador apagasse a informação. Cinco anos depois – em maio deste ano –, o Tribunal Europeu atendia a seu desejo.
O gigante da internet já recebeu mais de 90.000 pedidos. Metade obteve um sim como resposta, o que significa que cerca de 328.000 links não estão mais acessíveis com um simples clique.
A decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre o direito ao esquecimento é taxativa: “O operador de um motor de busca é obrigado a suprimir da lista de resultados exibida na sequência de uma pesquisa efetuada a partir do nome de uma pessoa as ligações a outras páginas web, publicadas por terceiros e que contêm informações sobre essa pessoa, também na hipótese de esse nome ou de essas informações não serem prévia ou simultaneamente apagadas dessas páginas web, mesmo quando a sua publicação nas referidas páginas seja, em si mesma, lícita”.
Mas o fato de não estar no Google não quer dizer que a notícia desapareceu.
Mister que se lembre que o Código Penal de 1969, em seu artigo 161, introduziu em nossa legislação o crime de violação da intimidade, em fórmula ampla, ao acolher proposta do Professor Paulo José da Costa Jr, assim tipificando crime: “Violar, mediante processo técnico, o direito a intimidade privada ou direito ao resguardo das palavras ou discursos que não forem pronunciados publicamente”. O crime seria punível com pena de detenção de até um ano ou pagamento não excedente a cinquenta dias-multa.
O anteprojeto Hungria punia, no artigo 161, a captação indevida de conversa privada, mediante processo técnico.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos(artigo XII) dispunha que: “Ninguém será sujeito a interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou em sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação.Todo o homem tem direito à proteção de lei contra tais interferências ou ataques”.
Aliás, o artigo 8º da Convenção Europeia para salvaguarda dos direitos do homem e das liberdades fundamentais(1950) declarou: “toda pessoa tem direito ao respeito de sua vida privada e familiar”.
Na doutrina brasileira, tem-se a lição do Professor Paulo José da Costa Jr., que publicou, em 1969, tese sob o título “Tutela penal da intimidade”, que, na segunda edição, tinha o título de “O direito de estar só”.
O tipo era previsto no Código de 1969, segundo lecionou Heleno Cláudio Fragoso(Lições de direito penal, parte especial, 7ª edição, pág. 253), e a conduta seria configurada, através do seguinte processo técnico:
a) O direito à intimidade da vida privada; ou
b) O direito ao resguardo das palavras ou discursos que não foram pronunciamentos publicamente.
Processo técnico é o emprego de qualquer instrumento que permita ver, registrar ou captar imagens e sons. Ora, se não se excluem o velho binóculo, as câmaras fotográficas, que se dirá os modernos aparelhos celulares, com suas câmaras....
O direito à vida privada é violado, fixando-se indevidamente cenas da vida íntima de uma pessoa. Mas não se exige que a vítima esteja em situação de particular intimidade.
Numa outra hipótese, a ação típica iria consistir em captar e transmitir palavras ou discursos que não foram pronunciados publicamente ou em divulgar palavras ou discursos. O crime não existiria se as palavras fossem pronunciadas publicamente.
Mas sempre seria exigível o dissenso da vítima.
O crime estaria consumado com a violação, com a indevida intromissão na esfera da vida privada, não se exigindo a divulgação.
Assim do que estava no Código Penal de 1969 o crime iria se consumar, na primeira modalidade, no simples ato de espionar(com emprego de processo técnico). Na segunda modalidade, o simples fato do registro da palavra ou discurso poderia configurar o crime.
A matéria parece estar longe de solução no direito positivo.
Em abril de 2014, foi sancionado o marco civil da Internet para definir direitos civis do cidadão ao mundo digital. Mas a lei não aborda, de forma específica, o direito ao esquecimento quando trata da privacidade. Mas o marco civil reforça que a remoção de links ou de qualquer conteúdo da web precisa ser avaliada pela Justiça, que tem o juízo de livre convencimento em cada caso concreto.