A Constituição Federal de 1988 estabeleceu no art. 14 diversos requisitos a serem cumpridos por todos aqueles que almejam disputar cargos eletivos, tais como o da idade mínima, filiação partidária e alistamento eleitoral. Também estabeleceu algumas restrições que impossibilitam pessoas, que se enquadram em determinadas condições, de se candidatarem a cargos eletivos. São as conhecidas inelegibilidades constitucionais. Dispôs os § 4º, 5º e 7º que são inelegíveis os inalistáveis, os analfabetos, os cônjuges e os parentes consanguíneos ou afins até o segundo grau ou por adoção do Presidente da República, de Governadores ou de Prefeitos, salvo se já titulares de cargos eletivos e candidatos à reeleição.
A Carta de 1988 dispôs no § 9º do art. 14 que Lei Complementar estabeleceria outros casos de inelegibilidade, com a finalidade de proteger a probidade administrativa e assegurar a moralidade para o exercício de mandato eletivo, considerado a vida pregressa do candidato e a normalidade e legitimidade das eleições contra o uso do poder econômico e abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta e indireta, o que foi feito por meio da Lei Complementar 64/90, de 18 de maio de 1990.
O princípio da moralidade para o exercício do mandado eletivo é um dos mais importantes do Direito Eleitoral, pois com base nele, as candidaturas de cidadãos ímprobos e desonestos podem ser barradas pela Justiça Eleitoral. Pinto (2014, p. 9), abordando sobre a importância das inelegibilidades e sobre os princípios da moralidade e o da probidade para o exercício do mandato, afirma:
Na verdade, aqueles que terão por missão conduzir o destino do Estado, interferindo de forma muito marcante na vida dos cidadãos, não podem apresentar ameaça à harmonia social e aos objetivos de prosperidade, igualdade e justiça almejados pelos residentes no seu território. Cabe, assim, à Constituição e ao legislador infraconstitucional não apenas explicitar os requisitos que cada pessoa deve preencher para ser considerada ‘elegível’, mas igualmente relacionar as ‘qualidades negativas’ geradoras de inelegibilidade, caso, entre outros, por exemplo, do condenado por órgão judicial colegiado pela prática dos crimes reputados como ameaçadoras à paz social. A inelegibilidade, assim, é instrumento de enorme utilidade para a proteção da sociedade, impedindo que pessoas, notoriamente ameaçadoras da probidade na Administração Pública, possam chegar ao comando do Poder Político.
A Lei Complementar 64/90, de 18 de maio de 1990, estabeleceu várias hipóteses de inelegibilidades, ou seja, definiu diversas situações geradoras da perda da capacidade eleitoral passiva, que é a perda do direito do cidadão de se candidatar a cargo eletivo. As inelegibilidades são os impedimentos ao exercício da capacidade eleitoral passiva, impossibilitando os cidadãos de serem escolhidos para ocupar cargo eletivo (GOMES, 2013, p.159).
Os Ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade 29 e 30 entenderam que:
11. A inelegibilidade tem as suas causas previstas nos §§ 4º a 9º do art. 14 da Carta Magna de 1988, que se traduzem em condições objetivas cuja verificação impede o indivíduo de concorrer a cargos eletivos ou, acaso eleito, de os exercer, e não se confunde com a suspensão ou perda dos direitos políticos, cujas hipóteses são previstas no art. 15 da Constituição da República, e que importa restrição não apenas ao direito de concorrer a cargos eletivos (ius honorum), mas também ao direito de voto (ius sufragii). Por essa razão, não há inconstitucionalidade na cumulação entre a inelegibilidade e a suspensão de direitos políticos. (ADC 29, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 16/02/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-127 DIVULG 28-06-2012 PUBLIC 29-06-2012 RTJ VOL-00221- PP-00011)
Marcos Ramayanna (2012, p. 79) afirma que as inelegibilidades se dividem em inatas e cominadas. A inelegibilidade inata é quando as condições de elegibilidade não são corretamente preenchidas pelo candidato a cargo eletivo.
As inelegibilidades cominadas se dividem em simples e potenciada (eleição futura). Sobre a cominada simples e a cominada potenciada, Adriano Soares da Costa (2009, p. 156-157, grifo do autor) afirmou:
A inelegibilidade cominada simples é a perda da elegibilidade para ‘essa eleição’, vale dizer, para a eleição na qual foi declarada a prática do ato reprochado como ilícito. Sua decretação tem por escopo mondar o ius honorum do candidato, impedindo a sua candidatura, ou a sua diplomação, ou o exercício do seu mandado eletivo obtido por meio ilícito. [...] A inelegibilidade cominada potenciada é a sanção aplicada ao nacional pela prática de algum ilícito, de natureza eleitoral ou de outra natureza, ao qual a lei atribui efeitos eleitorais.
Uma das inelegibilidades cominadas é aquela descrita no art. 1º, inciso I, alínea g da Lei Complementar 64/90, que versa sobre a inelegibilidade em decorrência da desaprovação das contas públicas pelos órgãos competentes.
Art. 1º São inelegíveis: I - para qualquer cargo: g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem-se nos 5 (cinco) anos seguintes, contados a partir da data da decisão.
Esse dispositivo estabeleceu que os detentores de cargos ou funções públicas, que tivessem contas desaprovadas pelos órgãos competentes, seriam inelegíveis. No caso dos prefeitos ordenadores de despesas, o Tribunal Superior Eleitoral passou a ter um entendimento de que somente o Poder Legislativo teria a competência para julgar os chefes do Poder Executivo, como se vê na ementa:
RECURSO ESPECIAL RECEBIDO COMO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. IMPUGNAÇÃO. JULGAMENTO DAS CONTAS DE PREFEITO. COMPETÊNCIA DA CÂMARA MUNICIPAL. PRONUNCIAMENTO DO TRIBUNAL DE CONTAS MUNICIPAL É MERO PARECER PRÉVIO. IRRELEVÂNCIA DA DISTINÇÃO ENTRE CONTAS DE GESTÃO E CONTAS DE EXERCÍCIO FINANCEIRO. INELEGIBILIDADE AFASTADA. LC 64/90, ART. 1º, INCISO I, LETRA g.
1. O julgamento das contas de prefeito municipal é de competência da Câmara Municipal, constituindo o pronunciamento do Tribunal de Contas mero parecer opinativo.
2. Irrelevante a distinção entre contas de gestão e contas de exercício financeiro, ambas de responsabilidade do prefeito municipal.
4. Recurso a que se nega provimento. (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 20201, Acórdão nº 20201 de 19/09/2002, Relator(a) Min. JOSÉ PAULO SEPÚLVEDA PERTENCE, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 20/09/2002 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 14, Tomo 4, Página 189)
Umas das mais importantes decisões sobre o tema foi, por ter fortes argumentos contra e a favor da competência dos Tribunais de Contas para julgarem contas de chefes do Poder Executivo ordenadores de despesas, foi a proferida em sede do Recurso Especial Eleitoral nº 29535 no TSE:
ELEIÇÕES 2008. REGISTRO DE CANDIDATO. REJEIÇÃO DE CONTAS. TRIBUNAL DE CONTAS. CÂMARA MUNICIPAL. COMPETÊNCIA. RECURSO PROVIDO. REGISTRO DEFERIDO.
1. A Câmara de vereadores é o órgão competente para apreciar as contas de prefeito municipal.
2. A desaprovação das contas pelo Tribunal de Contas não é suficiente para que se conclua pela inelegibilidade do candidato.
3. Recurso especial provido. (Recurso Especial Eleitoral nº 29535, Acórdão de 22/09/2008, Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 22/9/2008)
No julgamento desse recurso o Ministro Relator Marcelo Ribeiro entendeu que os Tribunais de Contas não tinha competência para julgar contas de prefeitos ordenadores de despesas e sim apenas o Poder Legislativo, conforme trecho de seu voto:
De fato, o art. 71 da Constituição Federal distingue as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos, definindo que, na primeira hipótese, caberá ao Tribunal de Contas da União apenas a apreciação, ou seja, o juízo consultivo, e na segunda circunstância, lhe competirá o julgamento. Pela leitura do dispositivo constitucional invocado, observa-se que a mencionada distinção levou em conta a qualidade da pessoa que presta as contas. Em outras palavras, as contas prestadas pelo Presidente da República serão sempre julgadas pelo Congresso Nacional, com parecer prévio do TCU, e aquelas apresentadas por pessoa diversa, que exerça a função de administrador, ou que seja responsável por dinheiro, bens e valores públicos, serão julgadas pelo TCU. Assim, ainda que fosse possível a aplicação do art. 71 à espécie, esta circunstância não afastaria a competência exclusiva da Câmara Municipal, pois, conforme já esclarecido, o critério utilizado para definir a competência foi a qualidade da pessoa, e, na hipótese dos autos, as contas foram prestadas pelo próprio Chefe do Poder Executivo Municipal. No caso dos autos, as contas referentes ao exercício de 2005, prestadas pelo ora recorrente na qualidade de prefeito do Município de Catingueira/PB, foram desaprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado, porém não foram objeto da apreciação pela Câmara Municipal, órgão competente para o julgamento das contas de gestão de prefeito municipal.
Segundo o Ministro Relator Marcelo Ribeiro, o critério para definir a competência dos Tribunais de Contas é a qualidade da pessoa que fará a prestação de contas.
O Ministro Carlos Ayres de Britto proferindo voto-vista e abrindo divergência do Relator, entendeu que se o prefeito for ordenador de despesas, o mesmo seria submetido a julgamento pelos Tribunais de Contas. Afirmou o Ministro em seu voto:
Com efeito, a própria utilização do vocábulo ‘anualmente’, no inciso I do art. 71 da Carta Magna, permite a interpretação de que, sob tal competência, serão julgadas somente as contas anuais/globais prestadas, obviamente, pelo Chefe do Poder Executivo, na qualidade de governo ou autoridade de uma determinada pessoa jurídica federada. Em outras palavras, são as contas prestadas em bloco, atuando o prestador de contas como Chefe de Governo, responsável pela administração pública e m geral. Já a ausência, no inciso II do mesmo artigo, de qualquer exceção ou distinção entre "administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores
públicos" leva à seguinte conclusão: todo aquele que atua como gestor de uma tópica, de uma pontual, de uma particularizada dotação orçamentária, inclusive o Prefeito Municipal, estará sujeito a julgamento pelo Tribunal de Contas. 7. Ora, quisesse o Texto Constitucional, no seu inciso II do art. 71, excepcionar da competência da Corte de Contas para o julgamento das contas de gestão do Chefe do Poder Executivo, agindo este como ordenador de despesas, bastaria uma objetiva ressalva quanto aos sujeitos mencionados no inciso I. Mas não o fez. Não o fez porque o real critério para a fixação da competência dos Tribunais de Contas nestes incisos é o conteúdo em si das contas em análise, e não o cargo ocupado pelo agente político. Portanto, quando o Prefeito Municipal desempenha a função de gestor direto de recursos públicos, praticando atos típicos de administrador e m apartado, essas contas serão submetidas à apreciação da Corte de Contas, mediante o exercício de jurisdição administrativa própria, e não como órgão meramente opinativo (inciso II do art. 71, c.c. art. 75 da Constituição Federal de 1988).
Em 04 de junho de 2010, foi sancionada, pelo então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei Complementar 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, que acrescentou hipóteses de inelegibilidades infraconstitucionais ao direito brasileiro e alterou a Lei Complementar 64/90.
A conhecida Lei da Ficha Limpa surgiu em decorrência de um anseio popular, que exigia que se levasse em consideração a vida pregressa dos candidatos. O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), organização da sociedade civil, integrado por 50 entidades nacionais de diversos segmentos, elaborou um projeto de Lei de Iniciativa Popular, que teve o apoio de um milhão e trezentos mil pessoas que subscreveram o projeto, nos termos do art. 61 da Carta de 1988, e que tramitou nas duas casas do Congresso Nacional e ao final de sua tramitação, foi sancionada em 04 de junho de 2010, recebendo a numeração de Lei Complementar Nº 135, de 4 de junho de 2010. (MCCE, online)
A Lei da Ficha Limpa modificou várias disposições da Lei Complementar 64/90 e ampliou o tempo de inelegibilidade de cinco para oito anos. Um dos dispositivos modificados foi o art. 1º, inciso I, alínea g, que trata da inelegibilidade decorrente de desaprovação de contas públicas:
Art. 1º São inelegíveis: I - para qualquer cargo: g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem-se nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição.
A redação da nova alínea g foi inspirada pelo entendimento do Ministro Carlos Ayres de Britto nos autos do Recurso Especial Eleitoral nº 29535 no TSE, onde entendeu que os Tribunais de Contas são competentes para julgar prefeitos ordenadores de despesa.
O dispositivo acima aplica o disposto no inciso II do art. 71 da Carta de 1988 a todos os ordenadores de despesas, incluindo os mandatários, ou seja, os chefes do Poder Executivo. Significa que se os Chefes do Poder Executivo ordenarem despesas, suas contas de gestão serão julgadas pelos Tribunais de Contas.
Mesmo após a redação da Lei da Ficha Limpa, o Tribunal Superior Eleitoral continuou entendendo que os Tribunais de Contas não possuem competência para julgar contas de gestão de chefes do Poder Executivo, como se vê na ementa abaixo:
Registro. Inelegibilidade. Rejeição de contas. Órgão competente.
1. Nos termos do art. 31 da Constituição Federal, a competência para o julgamento das contas de Prefeito é da Câmara Municipal, cabendo ao Tribunal de Contas a emissão de parecer prévio, o que se aplica, inclusive, a eventuais atos de ordenação de despesas.
2. A ressalva final constante da nova redação da alínea g do inciso I do art. 1º da Lei Complementar n° 64/90, introduzida pela Lei Complementar n° 135/2010 - de que se aplica "o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição" -, não alcança os chefes do Poder Executivo.
3. Os Tribunais de Contas só têm competência para julgar as contas de Prefeito, quando se trata de fiscalizar a aplicação de recursos mediante convênios (art. 71, VI, da Constituição Federal).
Recurso ordinário não provido.(Recurso Ordinário nº 75179, Acórdão de 08/09/2010, Relator(a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 08/09/2010)
No âmbito dos Tribunais Regionais Eleitorais, prevalece o entendimento de que os Tribunais de Contas são competentes para julgar contas de gestão de chefes de Poder Executivo que agem na qualidade de ordenador de despesas. Nesse sentido segue ementa do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará:
ELEIÇÕES 2012. RECURSO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. IMPUGNAÇÃO. REJEIÇÃO DE CONTAS DE GESTÃO. PREFEITO. ÓRGÃO COMPETENTE. TCM. PRECEDENTES DO STF E DESTE REGIONAL. IRREGULARIDADES INSANÁVEIS. VIOLAÇÃO À LEI 8.429/92. APLICAÇÃO DA ALÍNEA "G", INCISO I, ART. 1º DA LC 64/90. PRECEDENTES DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL E DESTE REGIONAL. DESPROVIMENTO DO APELO.
1. O recorrente, candidato ao cargo de vereador, quando responsável pela Prefeitura Municipal de Itatira, teve suas contas de gestão julgadas como irregulares pelo Tribunal de Contas dos Municípios (Processo 10552/09), referente ao período de 04 de abril a 31 de dezembro de 2008.
2. A maioria dos Ministros do STF têm negado, em decisões monocráticas, o pretendido efeito suspensivo a reclamações interpostas por prefeitos que pretendem ver reconhecida a falta de competência dos Tribunais de Contas para julgar contas de gestão (STF - Precedente: Rcl 13401, Relatora Min. Carmen Lúcia, DJE-055 publicado em 16/03/2012). Este Regional tem seguido este posicionamento (TRE/CE. Precedentes: RE 2142 e RE 4481, julgados, respectivamente, em 08/08/2012 e 10/08/2012). Reconhecimento da competência do Tribunal de Contas para julgamento das contas de gestão de Prefeito.
5. Configuração de ato doloso de improbidade administrativa, nos termos do art. 10 da Lei 8.429/92, resultando na inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea "g" da LC 64/90. Precedente do TSE. - Apelo desprovido (RECURSO ELEITORAL nº 19589, Acórdão nº 19589 de 13/08/2012, Relator(a) MARIA IRACEMA MARTINS DO VALE, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Tomo 139, Data 13/08/2012)
Depois da vigência da Lei da Ficha Limpa, muitos candidatos passaram a ingressar com Reclamações no STF, questionando a competência dos Tribunais de Contas para julgarem contas de gestão.
Alguns ministros do STF, de forma individual, já se manifestaram acerca do tema. Nas Reclamações nº 10.551, 10.499 e 10.445, respectivamente os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello, entenderam que compete exclusivamente ao Poder Legislativo o julgamento de contas do Poder Executivo, seja contas de governo ou contas de gestão.
Já nas Reclamações nº 15.902, 14101, 14374 e 11484, respectivamente os Ministros Luiz Fux, Carmem Lúcia, Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski entenderam que os Tribunais de Contas têm competência para julgar contas de gestão de Chefes do Poder Executivo, que agem na qualidade de ordenadores de despesas.
1 A Constitucionalidade do Art. 1º, inciso I, alínea g, da LC 64/90.
A Lei Complementar 135/2010, que alterou vários dispositivos da Lei Complementar 64/90, entre eles o art. 1º, inciso I, alínea g, foi submetida ao Controle de Constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, onde nos autos das Ações Declaratórias de Constitucionalidade n º 29 e 30 e na Ação Direta de Inconstitucionalidade, n º 4578, julgadas em conjunto, foram declaradas constitucionais as hipóteses de inelegibilidade instituídas pelas alíneas "c", "d", "f", "g", "h", "j", "m", "n", "o", "p" e "q" do art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/90, introduzidas pela Lei Complementar nº 135/10.
No caso da inelegibilidade por desaprovação de contas públicas, a maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal entendeu que a nova redação dada pela Lei Complementar 135/2010, a alínea g do inciso I do art. 1º da Lei Complementar 64/1990 era constitucional. Ficaram vencidos os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes. O Ministro Dias Toffoli entendeu que:
A parte final da alínea g, ora em discussão, ao determinar a aplicação do inciso II do Portanto, quando a alínea ‘g’ do inciso I do art. 1º da LC 64/90, com a redação dada pela LC 135/2010, estabelece que deve ser aplicado o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição, ‘a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição’, não se pode deixar de considerar o disposto no art. 71, I, da Constituição, o qual, conforme firme jurisprudência desta Corte, fixa a competência do Congresso Nacional – e, no âmbito dos Estados e dos Municípios, das Assembleias Legislativas e das Câmaras Municipais, respectivamente – para julgar as contas do Chefe do Poder Executivo, sejam elas contas anuais ou as contas de gestão.
A interpretação realizada por Dias Toffoli, nesse ponto, foi acompanhada pelo Ministro Gilmar Mendes, que afirmou:
Portanto, quando a alínea ‘g’ do inciso I do art. 1º da LC 64/90, com a redação dada pela LC 135/2010, estabelece que deve ser aplicado o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição, ‘a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição’, não se pode deixar de considerar o disposto no art. 71, I, da Constituição, o qual, conforme firme jurisprudência desta Corte, fixa a competência do Congresso Nacional – e, no âmbito dos Estados e dos Municípios, das Assembleias Legislativas e das Câmaras Municipais, respectivamente – para julgar as contas do Chefe do Poder Executivo, sejam elas contas anuais ou as contas de gestão. Assim, acompanho, nesse ponto, o voto do Ministro Dias Toffoli, para dar interpretação conforme a Constituição à parte final dessa alínea ‘g’, no sentido de que os Chefes do Poder Executivo, ainda quando atuam como ordenadores de despesa, submetem-se aos termos do inciso I do art. 71 da Constituição.
O Ministro Gilmar Mendes, ao acompanhar o voto do Ministro Dias Tofolli, usou o instituto da interpretação conforme a constituição, afirmando que a interpretação que deveria dada a parte final da alínea g do inciso I do art. 1º da LC 64/90, com a redação dada pela LC 135/2010 era que a palavra mandatários não alcançava os Chefes do Poder Executivo.
Uma definição sobre o que seja a interpretação conforme a Constituição foi dada por Guilherme Marinoni (2013, p.1137-1138), onde este afirmou que:
A interpretação conforme a Constituição, ao contrário do que pode fazer supor o seu nome, não constitui método de interpretação, mas técnica de controle de constitucionalidade. Constitui técnica que impede a declaração de inconstitucionalidade da norma mediante a afirmação de que esta tem um sentido – ou uma interpretação – conforme à Constituição.
Por sua vez, o próprio Gilmar Mendes (2004, p. 179-180, grifo do autor) conceituou o instituto como:
Instrumento situado no âmbito do controle de constitucionalidade e não apenas uma simples regra de interpretação – como o STF enfatizou em decisão exemplar -, o princípio da interpretação conforme a Constituição consubstancia essencialmente uma diretriz de prudência política ou, se quisermos, de política constitucional, além de reforçar outros cânones interpretativos, como o princípio da unidade da Constituição e o da correção constitucional. Com efeito , ao recomendar – nisso se resume esse princípio -, que os aplicadores da Constituição, em face de normas infraconstitucionais de múltiplos significados, escolham o sentido que as torne constitucionais e não aquele que resulte na sua declaração de inconstitucionalidade, esse cânone interpretativo ao mesmo tempo que valoriza o trabalho legislativo, aproveitando ou conservando as leis, previne o surgimento de conflitos, que se tornariam crescentemente perigosos caso os juízes , sem o devido cuidado , se pusessem a invalidar os atos da legislatura.
Tanto Gilmar Mendes, quanto Dias Toffoli, propuseram aos demais integrantes do Supremo Tribunal Federal que fosse reconhecida a incompetência dos Tribunais de Contas para julgarem contas de gestão de chefes do Poder Executivo, mas o demais integrantes da Corte entenderam pela competência dos Tribunais de Contas.
Djalma Pinto (2014, p. 89) discorrendo acerca do voto do Ministro Dias Tofolli e do resultado das Ações Declaratórias de Constitucionalidade n º 29 e 30 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade, n º 4578 afirmou que:
Por maioria, no entanto, todos os dispositivos da Lei da Ficha Limpa foram declarados constitucionais, nos termos do voto do ministro Joaquim Barbosa, que não ressalvou o entendimento esposado pelo Ministro Dias Tofolli de não submeter os chefes do Poder Executivo, mesmo quando atuarem como ordenadores de despesa, ao julgamento dos Tribunais de Contas. Nem o novo entendimento da alínea g nem a decisão vinculante do STF, em controle concentrado de constitucionalidade, tornaram mais pacífica a aplicação desse dispositivo.
As Ações Declaratórias de Constitucionalidade 29 e 30 foram impetradas respectivamente pelo Partido Popular Socialista e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no Supremo Tribunal Federal, com fundamento na Lei n º 9.868, de 10 de novembro de 1999, e no artigo 102, inciso I da Constituição Federal.
O Supremo Tribunal Federal tem como função máxima a realização do controle concentrado de constitucionalidade, garantindo assim, que leis ordinárias e leis complementares estejam em total compatibilidade com nossa Carta Magna. Por tal motivo, somente o STF pode julgar originariamente, a ação declaratória de constitucionalidade conforme o disposto no Art. 102, inciso I, alínea a da Constituição Federal. Dispõe o parágrafo único do art. 28 da Lei n º 9.868, de 10 de novembro de 1999 que a declaração de constitucionalidade tem eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.
Sobre a finalidade da Ação Declaratória de Constitucionalidade, Alexandre de Moraes (2007, p. 760) afirmou que: “consiste em típico processo objetivo destinado a afastar a insegurança jurídica ou o estado de incerteza sobre a validade da lei ou ato normativo federal, busca preservar a ordem jurídica constitucional”.
Ao julgar das Ações Declaratórias de Constitucionalidade n º 29 e 30 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade, n º 4578 entendeu o Supremo Tribunal Federal pela constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, especialmente sobre a constitucionalidade da alínea g do inciso I do art. 1º da Lei Complementar 64/1990, com a redação dada pela Lei Complementar 135/2010, que mandou aplicar o disposto no inciso II do art. 70 da Carta de 1988 a todos os ordenadores de despesas, inclusive aos mandatários, inciso esse que trata das competências dos Tribunais de Contas para julgar as contas dos administradores.
Diante do julgamento do Supremo Tribunal Federal, em que pese à autonomia dos julgadores de Tribunais Regionais Eleitorais e do Tribunal Superior Eleitoral, não se justifica julgados divergentes do que foi decidido pela Suprema Corte.
2 Posições Doutrinárias sobre o Art. 1º, inciso I, alínea g, da LC 64/90
Após a vigência da Lei da Ficha Limpa, e no tocante a inelegibilidade decorrente de desaprovação de contas públicas, houve várias interpretações na doutrina. Uns entenderam que a nova redação do Art. 1º, inciso I, alínea g possibilitou os Tribunais de Contas julgarem as contas de gestão de chefes do Poder Executivo que atuam na qualidade de ordenadores de despesas, enquanto outros entenderam que a nova redação não permitiu o julgamento de contas de chefes do Poder Executivo e sim o julgamento das contas dos presidentes do Poderes Legislativos Municipais.
Um dos integrantes do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e um dos idealizadores e redatores do projeto de Lei de Iniciativa Popular, que deu origem a Lei da Ficha Limpa, o juiz maranhense Marlon Reis (2012, p. 270), afirmou:
No caso dos ordenadores de despesas, aí incluídos os Chefes do Poder Executivo que agiram nessa qualidade, o órgão cujo pronunciamento faz surgir a inelegibilidade é o Tribunal de Contas. Nessa hipótese, torna-se irrelevante eventual manifestação do Poder Legislativo (Congresso Nacional, Assembleias Legislativas, Câmara Legislativa e Câmaras de Vereadores) no sentido da rejeição ou acolhimento dessas contas. Frise-se: a inelegibilidade dos Chefes do Poder Executivo que atuarem como ordenadores de despesa é estabelecida a partir da decisão do Tribunal de Contas, sendo irrelevante posterior pronunciamento favorável ou desfavorável da Câmara.
Luiz Carlos dos Santos Gonçalves (2012, p. 104) seguiu o mesmo entendimento de Marlon Reis, onde afirma:
Dessa forma, o texto legislativo vigente atribui ao Tribunal de Contas o exame das contas dos mandatários (presidentes, governadores e prefeitos!) que agirem como administradores de dinheiros, bens e valores públicos, mesmo que os recursos sejam da própria unidade federativa. Retira, portanto, das Casas Legislativas (Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmara de Vereadores) espaço de apreciação das contas de gestão dos chefes do Poder Executivo. Nesses casos, a decisão dos Tribunais de Contas será definitiva, salvo invalidação ou suspensão judicial.
Edson de Resende Castro (in CASTRO; OLIVEIRA; REIS, 2010, p. 226-227, grifo do autor) em excelente artigo sobre o tema afirmou que:
Mas com a Lei Complementar n º 135, de 4 de junho de 2010, que conferiu a redação atual à inelegibilidade aqui tratada, desnecessária a discussão – para efeitos eleitorais – que se desenvolveu no STF e no TSE, sobre ser ou não os Tribunais de Contas o órgão julgador do agente político, quando ordenando despesas, exatamente porque agora a alínea ‘g’ faz expressa referência à atribuição do art. 71, II, da CF, como sendo a decisão irrecorrível causadora da inelegibilidade, inclusive quando relativa a mandatários que houverem agido na condição de ordenadores de despesa. De fato, a nova disposição legal, ao determinar a aplicação do ‘inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição’, impõe como órgão competente, para o efeito da inelegibilidade, o Tribunal de Contas, que neste particular não emitirá parecer e sim julgamento.
Mesmo em que a ampla maioria da doutrina tenha o entendimento de que os Tribunais de Contas têm competência para julgar contas de gestão de chefes do Poder Executivo, há alguns doutrinadores que discordam desse posicionamento, a exemplo de Marcos Ramayana (2012, p. 98):
Assim, no que tange ao disposto no art. 71, II da CRFB, não se pode considerar como ordenador de despesas o Prefeito, para efeito de seu julgamento pelo Tribunal de Contas visto que a competência para apreciação de suas contas é da Câmara Municipal.
Rodrigo Pires Ferreira Lago (2010, online), acompanhando o voto do Ministro Gilmar Mendes nas ADCS 29 e 30, manifestou-se a respeito da incompetência dos Tribunais de Contas para julgar as contas de prefeitos ordenadores de despesas, afirmando:
Há manifesta inconstitucionalidade na expressão ‘sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição’, inserida no art. 1°, I, g da LC 64/90 pela LC n° 135/10, em face do disposto no arts. 31, caput e §§, e 71, I, e 75 todos da Constituição da República. Recomenda-se a aplicação da técnica de decisão de interpretação conforme, sem redução do texto, para assentar que esse dispositivo não alcança as contas prestadas pelo Presidente da República. Deve-se assentar ainda que, quanto aos governadores e prefeitos, o dispositivo não se aplica quando em jogo o controle externo da respectiva esfera de poder, ou seja, quando se tratar de recursos do próprio ente federado governado. No âmbito de cada controle externo, o respectivo chefe do Poder Executivo é julgado tão só pelo Poder Legislativo, sendo o tribunal de contas mero órgão auxiliar, cujo parecer exige pronunciamento qualificado para ser contrariado, mas não prescinde de um julgamento político.
Victor Aguiar Jardim de Amorim (2012, online) entendeu que do ponto de vista eleitoral, o julgamento das contas de chefes do Poder Executivo é exclusivamente do Poder Legislativo Municipal:
Com base nas considerações ora apresentadas, é possível concluir que: a) para fins de declaração de inelegibilidade, há que se reconhecer a competência para o julgamento das contas de Prefeito é exclusivamente da Câmara Municipal, não importando se se trata de contas anuais, de gestão, de atos isolados, ou, ainda, de caso em que este tenha atuado como ordenador de despesas, cabendo ao Tribunal de Contas apenas a emissão de parecer prévio; b) para fins de apuração de responsabilidade administrativa e civil, será o Tribunal de Contas competente para julgar as contas de gestão de Prefeito quando atuar na qualidade de ordenador de despesa, formando-se o respectivo título executivo extrajudicial em caso de rejeição de contas para a viabilização da reparação patrimonial ao Erário (art. 71, §3º, CF)
Fabiana Augusta de Araújo Pereira (2011, online) critica a parte da doutrina que não reconhece a competência dos Tribunais de Contas para julgar contas de gestão de chefes do Poder Executivo, afirmando a mesma que:
Concretamente, no entanto, parcela da doutrina e jurisprudência tem se posicionado no sentido da restrição do âmbito de atividades desempenhadas pelas Cortes de Contas. Com a devida vênia, não parecem ponderar os efeitos nocivos dessa constante limitação da competência dos Tribunais de Contas. Exemplo disso é a persistente dúvida acerca do órgão responsável pelo julgamento das contas do Prefeito Municipal que acumula as funções de ordenador de despesas. Ora, a Constituição Federal da República Brasileira expressa claramente a função do Tribunal de Contas de julgar as contas dos administradores e responsáveis por haveres públicos, dentre os quais está o ordenador de despesas. Inobstante, respeitadas vozes se erguem no sentido de que, sendo o Prefeito o ordenador de despesas, apenas a Câmara Municipal, auxiliada pelo Tribunal de Contas, poderá julgar suas contas. Afasta-se o julgamento técnico das contas de gestão do Prefeito ordenador de despesas em favor de um único julgamento eminentemente político do Poder Legislativo pelo simples fato de o ordenador de despesa ser o Prefeito Municipal, como se o cargo político aportasse qualquer imunidade perante o julgamento do Tribunal de Contas. [...] Com efeito, admitir a competência da Câmara Legislativa para julgar contas de gestão é impedir o desenvolvimento e o aprimoramento do Direito no controle externo e impedir a fiscalização dos atos do Prefeito que, desejando, acumule as funções de ordenador de despesa; é subestimar o alcance do inciso II do artigo 71 da Magna Carta e rebaixar o Tribunal de Contas à condição de mero pareceirista, quando, em verdade, a Instituição é fruto de grande labor em favor do Estado Democrático de Direito; é negar ao Tribunal de Contas o exercício da função para o qual foi criado.
Podemos observar que não há unanimidade entre a doutrina no tocante ao reconhecimento da competência dos Tribunais de Contas para julgar contas de gestão de chefes do Poder Executivo, que atuam na qualidade de ordenadores de despesa, embora a maioria se posicione pelo reconhecimento dessa competência. Conforme o disposto no art. 1º, inciso I, alínea g, da LC 64/90 com a redação dada pela Lei Complementar 135/2010, o julgamento desfavorável de contas de gestão de chefes do Poder Executivo pelos Tribunais de Contas acarretarão a estes o impedimento de disputarem cargos eletivos.
3 Posições dos Tribunais sobre o Art. 1º, inciso I, alínea g, da LC 64/90.
A Lei Complementar 135/2010, conhecida como “Lei da Ficha Limpa” modificou a Lei Complementar 64/90, acrescentando várias hipóteses de inelegibilidade infraconstitucional ao Direito Brasileiro e alterando a redação de vários dispositivos da Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar 64/90).
Essa Lei derivou de uma campanha popular que exigiu que se considerasse o passado dos candidatos a cargos eletivos. Em abril de 2008, o MCCE lançou esse movimento em sua página na internet, significando uma insatisfação da sociedade a atitudes e ação de vários candidatos, que não obedeciam as diretrizes do nosso ordenamento jurídico. Foi elaborado por vários juristas uma redação de um projeto de lei, que ao final teve a assinatura de hum milhão e trezentas mil assinaturas, sendo o número suficiente para ser protocolizada na Câmara dos Deputados como um projeto de Lei de Iniciativa Popular, conforme art. 61 da Carta de 1988. Ao final de sua tramitação nas duas casas do Congresso Nacional, a mesma foi sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 04 de junho de 2010. (PINTO, 2014)
Um dos itens modificados da Lei Complementar 64/90 pela Lei Complementar 135/2010 foi o art. 1º, inciso I, alínea g, dispositivo que trata da inelegibilidade por desaprovação das contas públicas, sejam contas de governo ou contas de gestão. Esse dispositivo mandou aplicar o disposto no art. 70, inciso II da Constituição Federal a todos os ordenadores de despesas, inclusive aos mandatários que agem nessa condição, reconhecendo assim a competência dos Tribunais de Contas para julgar contas de gestão de Chefes do Poder Executivo, que agem na qualidade de ordenadores de despesas.
Diante da nova redação, que não valeu para as eleições de 2010 por força do princípio da anualidade, vários candidatos a cargos eletivos nas eleições de 2012 passaram a se utilizar do instituto da Reclamação Constitucional no Supremo Tribunal Federal para questionar as decisões de Tribunais de Contas que desaprovavam contas públicas de chefes do Poder Executivo e ingressaram com recursos eleitorais no Tribunal Superior Eleitoral.
O Tribunal Regional Eleitoral do Ceará tem um entendimento de que há competência dos Tribunais de Contas para julgar contas de gestão de chefes do Poder Executivo:
ELEIÇÕES 2012. RECURSO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. IMPUGNAÇÃO. REJEIÇÃO DE CONTAS DE GESTÃO. PREFEITO. ÓRGÃO COMPETENTE. TCM. PRECEDENTES DO STF E DESTE REGIONAL. IRREGULARIDADES INSANÁVEIS. VIOLAÇÃO À LEI 8.429/92. APLICAÇÃO DA ALÍNEA "G", INCISO I, ART. 1º DA LC 64/90. PRECEDENTES DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL E DESTE REGIONAL. DESPROVIMENTO DO APELO.
1. O recorrente, candidato ao cargo de vereador, quando responsável pela Prefeitura Municipal de Itatira, teve suas contas de gestão julgadas como irregulares pelo Tribunal de Contas dos Municípios (Processo 10552/09), referente ao período de 04 de abril a 31 de dezembro de 2008.
2. A maioria dos Ministros do STF têm negado, em decisões monocráticas, o pretendido efeito suspensivo a reclamações interpostas por prefeitos que pretendem ver reconhecida a falta de competência dos Tribunais de Contas para julgar contas de gestão (STF - Precedente: Rcl 13401, Relatora Min. Carmen Lúcia, DJE-055 publicado em 16/03/2012). Este Regional tem seguido este posicionamento (TRE/CE. Precedentes: RE 2142 e RE 4481, julgados, respectivamente, em 08/08/2012 e 10/08/2012). Reconhecimento da competência do Tribunal de Contas para julgamento das contas de gestão de Prefeito.
5. Configuração de ato doloso de improbidade administrativa, nos termos do art. 10 da Lei 8.429/92, resultando na inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea "g" da LC 64/90. Precedente do TSE. - Apelo desprovido (RECURSO ELEITORAL nº 19589, Acórdão nº 19589 de 13/08/2012, Relator(a) MARIA IRACEMA MARTINS DO VALE, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Tomo 139, Data 13/08/2012)
Outro tribunal que se manifestou favorável à competência dos Tribunais de Contas para julgar contas de gestão de chefes do Poder Executivo, foi o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, conforme acordão abaixo:
Recursos Eleitorais. Eleições 2012. Prefeito. Registro de Candidatura Indeferimento. Transferência voluntária de verbas federais. Chefe do Poder Executivo. Desaprovação de contas. Tribunal de Contas da União. Julgamento. Competência. Inelegibilidade reconhecida. Erros de julgamento da sentença. Provimento parcial de ambos os recursos. Indeferimento do pedido de registro de candidatura de Arnaldo França Vianna.
10 – Legítima opção político-legislativa resultante na aprovação da Lei Complementar nº 135/10, diploma cuja constitucionalidade foi integralmente confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (ADC nº 29 e nº 30 e ADI nº 4578, apreciadas na sessão de julgamento de 16/02/2012).
14 – No tocante às contas de gestão, após o exame individualizado de cada um dos processos do TCE-RJ, verifica-se que o respectivo enquadramento na causa de inelegibilidade restou inviabilizado em razão da precária documentação juntada aos autos, não sendo possível perquirir a natureza e a gravidade das irregularidades que ensejaram as desaprovações das contas. Inelegibilidade rejeitada. (RECURSO ELEITORAL nº 52437, Acórdão de 25/09/2012, Relator(a) EDSON AGUIAR DE VASCONCELOS, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Volume 17:30, Data 25/09/2012 )
Embora a maioria dos Tribunais Regionais Eleitorais entendendo que compete aos Tribunais de Contas o julgamento das contas de gestão de Prefeitos, o Tribunal Superior Eleitoral mantém um entendimento contrário, ou seja, o entendimento do TSE é que não gera inelegibilidade o julgamento de contas de gestão pelos Tribunais de Contas de chefes do Executivo, conforme a ementa abaixo:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO.
1. Acolhem-se os embargos para assentar que é imprópria a modificação do quadro fático em sede de recurso especial.4. Segundo entendimento deste Tribunal, à exceção das contas relativas à aplicação de recursos oriundos de convênios, a competência para o julgamento das contas prestadas pelo prefeito, inclusive no que tange às de gestão relativas a atos de ordenação de despesas, é da respectiva Câmara Municipal. 5. Não há omissão no acórdão embargado quanto à analise das irregularidades apontadas no parecer prévio do Tribunal de Contas do Estado, pois o Tribunal Regional Eleitoral mineiro assentou que as contas do exercício de 1997 foram aprovadas pela Câmara Municipal de Abre Campo. 6. Embargos de declaração acolhidos parcialmente, mas sem efeitos modificativos. (Embargos de Declaração em Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 26692, Acórdão de 08/08/2013, Relator(a) Min. LAURITA HILÁRIO VAZ, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 26/8/2013, Página 138 )
Tendo em vista que, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal julgou constitucional a Lei da Ficha Limpa, é criticável esse posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral, que continua não reconhecendo a competência dos Tribunais de Contas para julgar contas de gestão de prefeitos que ordenam despesas.
Após a vigência da Lei da Ficha Limpa, várias Reclamações foram interpostas no Supremo Tribunal Federal por prefeitos que tiveram contas de gestão desaprovadas e estavam inelegíveis. O Ministro Gilmar Mendes, que tem o entendimento de que apenas o Poder Legislativo pode julgar o prefeito, mesmo sendo ordenador de despesas, entendeu na Reclamação 14.561 que:
Decisão: As contas públicas dos Chefes do Executivo devem sofrer o julgamento - final e definitivo - da instituição parlamentar, cuja atuação, no plano do controle externo da legalidade e regularidade da atividade financeira do Presidente da República, dos Governadores e dos Prefeitos Municipais, é desempenhada com a intervenção “ad coadjuvandum” do Tribunal de Contas. A apreciação das contas prestadas pelo Chefe do Poder Executivo - que é a expressão visível da unidade institucional desse órgão da soberania do Estado - constitui prerrogativa intransferível do Legislativo, que não pode ser substituído pelo Tribunal de Contas, no desempenho dessa magna competência, que possui extração nitidamente constitucional. A regra de competência inscrita no art. 71, inciso II, da Carta Política - que submete ao julgamento desse importante órgão auxiliar do Poder Legislativo as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta - não legitima a atuação exclusiva do Tribunal de Contas, quando se tratar de apreciação das contas do Chefe do Executivo, pois, em tal hipótese, terá plena incidência a norma especial consubstanciada no inciso I desse mesmo preceito. (Rcl 14561 MC, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 28/09/2012, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 02/10/2012 PUBLIC 03/10/2012)
Por sua vez o Ministro Luiz Fux, que tem o entendimento de que o Tribunal de Contas, seja do Estadual, Municipal ou dos Municípios, pode julgar o prefeito ordenador de despesas, entendeu na Reclamação 15.902 que:
Com efeito, os Prefeitos Municipais não atuam apenas como chefes de governo, responsáveis pela consolidação e apresentação das contas públicas perante o respectivo Poder Legislativo, mas também, e em muitos casos, como os únicos ordenadores de despesas de suas municipalidades. E essa distinção repercute na atuação fiscalizatória das Cortes de Contas. Assim, quando estiver atuando como ordenador de despesas, compete ao Tribunal de Contas o julgamento das contas dos Prefeitos Municipais, apurando a regular aplicação de recursos públicos, consoante o art. 71, inciso II, da CRFB/88. Em caso de inobservância dos preceitos legais, cabe à Corte de Contas aplicar as sanções devidas pela malversação de tais verbas. Como corolário, não se atribui a competência das Câmaras Municipais para o julgamento definitivo acerca das contas públicas, seja pela sua subserviência ao Executivo Municipal, seja pelo esvaziamento da atuação das Cortes de Contas. Decerto, o pensamento oposto vulnera a função precípua da Corte de Contas – apurar eventuais irregularidades na gestão da coisa pública –, permitindo a perpetuação de fraudes e corrupções pelos Municípios ao longo do país. Se ficar configurado que o Prefeito titulariza a competência, específica e individualizada, de administrar a aplicação dos recursos públicos em sua municipalidade, como é o que se verifica no caso dos autos, franqueia-se ao Tribunal de Contas a possibilidade de proceder ao julgamento das contas municipais, com caráter de definitividade. Destarte, afasta-se a incidência, em tais casos do art. 71, inciso I, da Constituição de 1988, na medida em que se encontra adstrito aos aspectos mais gerais relacionados à execução do orçamento (contas políticas ou de governo). (Rcl15902 MC, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/07/2010, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-121 DIVULG 24/06/2013 PUBLIC 25/06/2013)
José Jairo Gomes (2013, p. 203, grifo nosso) critica esses posicionamentos do Tribunal Superior Eleitoral, de alguns Tribunais Regionais Eleitorais e de Ministros do STF, que, mesmo após o julgamento das ADCS 29 e 30 pela Suprema Corte, continuam entendendo que os Tribunais de Contas não podem julgar contas de gestão de Chefes de Poder Executivo:
De todo criticável a exegese pretoriana, porquanto labora claramente em equívoco. Em primeiro lugar, dado seu perfil constitucional, o Tribunal de Contas não é mero órgão auxiliar, mas, sim, uma das mais relevantes instituições vocacionadas à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração Pública. Seus membros gozam de iguais garantias, prerrogativas, impedimentos e vantagens da Magistratura (CF, art. 73 § 3 º). Demais, ao ordenar pagamentos e praticar atos concretos de gestão administrativa, o Prefeito não atua como agente político, mas como técnico, administrador de despesas públicas. Não haveria, portanto, razão para que, por tais atos, fosse julgado politicamente pelo Poder Legislativo. (grifo nosso)
Nesse sentido, Thales Tácito Cerqueira e Camila Cerqueira (2013, p. 896) sobre o resultado do Recurso Especial Eleitoral 12.061/2012, afirmaram que:
E a última notícia do TSE neste particular, que foi um retrocesso à própria decisão do STF na ADI 4.578 e ADC 29, considerou constitucional toda a Lei da Ficha Limpa, mas que de certa forma adotou posicionamento do STF antes mesmo do Julgamento da Ficha Limpa. A questão era saber se, até o Poder Legislativo (no caso, a Câmara de Vereadores) votar as contas de gestão com base no parecer do Tribunal de Contas, estaria ou não inelegível o candidato, considerando que a Câmara não tem prazo constitucional para tal julgamento. A decisão que se viu no Respe 12.061/2012, a nosso sentir, foi realmente um retrocesso.
A decisão do TSE a que se referem Thales Tácito Cerqueira e Camila Cerqueira é de relatoria do Ministro Dias Toffoli:
Inelegibilidade. Rejeição de contas. Órgão competente.1. Nos termos do art. 31 da Constituição Federal, a competência para o julgamento das contas de Prefeito é da Câmara Municipal, cabendo ao Tribunal de Contas a emissão de parecer prévio.2. A ressalva final constante da nova redação da alínea g do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90, introduzida pela Lei Complementar nº 135/2010 - de que se aplica "o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição" -, não alcança os chefes do Poder Executivo.3. Os Tribunais de Contas só têm competência para julgar as contas de Prefeito, quando se trata de fiscalizar a aplicação de recursos mediante convênios (art. 71, VI, da Constituição Federal).Recurso especial não provido. (Recurso Especial Eleitoral nº 12061, Acórdão de 25/09/2012, Relator(a) Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI, Relator(a) designado(a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 25/09/2012)
Desse modo, pode-se observar que não há unanimidade na doutrina e nem na jurisprudência quanto à questão da competência dos Tribunais de Contas para julgar as contas de gestão de prefeitos ordenadores de despesas.
A tese de que os Tribunais de Contas são competentes para julgar contas de gestão de chefes do Poder Executivo é a que mais é aceita pela maioria da doutrina e amolda-se perfeitamente ao disposto do art. 70, inciso II, combinado com o art. 75, ambos da Constituição Federal de 1988. Caso o Tribunal de Contas desaprove as contas de gestão de chefes do Poder Executivo, ele ficará inelegível à luz da Lei da Ficha Limpa.
O Tribunal Superior Eleitoral, ao julgar um Agravo Regimental no ano passado, modificou o entendimento e aceitou a tese de que a competência para o julgamento das contas prestadas por prefeito, quando atuante na qualidade de ordenador de despesas (contas de gestão), é dos tribunais de contas, a teor do art. 71, II, da CF/88, conforme as ementas abaixo:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2014. DEPUTADO ESTADUAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, G, DA LC 64/90. REJEIÇÃO DE CONTAS PÚBLICAS. JULGAMENTO. COMPETÊNCIA. IRREGULARIDADES INSANÁVEIS. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DESPROVIMENTO.
1. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar as ADCs 29 e 30 e a ADI 4.578, reconheceu a constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade instituídas ou alteradas pela LC 135/2010.
2. Consoante o entendimento firmado pelo Tribunal Superior Eleitoral para as Eleições 2014, a competência para o julgamento das contas prestadas por prefeito, quando atuante na qualidade de ordenador de despesas (contas de gestão), é dos tribunais de contas, a teor do art. 71, II, da CF/88.
4. Agravo regimental desprovido.
(Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº 41351, Acórdão de 25/09/2014, Relator(a) Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 25/9/2014 )
ELEIÇÕES 2014. RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. DEFERIMENTO. ART. 1º, I, G, DA LC Nº 64/1990 (REDAÇÃO DADA PELA LC Nº 135/2010). JULGAMENTO DAS CONTAS DE GESTÃO DOS PREFEITOS MUNICIPAIS. COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS, E NÃO DAS CÂMARAS MUNICIPAIS. REGIME JURÍDICO DA ATIVIDADE FISCALIZATÓRIA. EXAME DO CONTEÚDO DAS CONTAS. REPÚDIO A ARGUMENTOS ANCORADOS NO ASPECTO FORMAL E SUBJETIVO DE QUEM PRESTA AS CONTAS. EXEGESE LITERAL DO ART. 71, II, DA LEI MAIOR. PREFEITO. ORDENAÇÃO DE DESPESAS. FUNÇÃO MERAMENTE ADMINISTRATIVA. EQUIPARAÇÃO AOS DEMAIS ADMINISTRADORES DE RECURSOS PÚBLICOS. DESCARACTERIZAÇÃO DA FUNÇÃO DE AGENTE POLÍTICO. ARGUMENTOS CONSEQUENCIALISTAS. MAIOR EFICIÊNCIA NA REALIZAÇÃO DOS GASTOS PÚBLICOS. ADEQUAÇÃO DAS CONDUTAS ÀS DIRETRIZES NORMATIVAS BALIZADORAS DA ATUAÇÃO DOS RESPONSÁVEIS PELA GESTÃO DAS DESPESAS PÚBLICAS. INTERPRETAÇÃO INEQUÍVOCA DA CLÁUSULA FINAL DA ALÍNEA G. DECLARAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DO REFERIDO PRECEITO NAS ADCs Nº 29 E Nº 30. PRESUNÇÃO IURIS ET DE IURE. EFICÁCIA ERGA OMNES E EFEITO VINCULANTE. REJUGALMENTO DA MATÉRIA PELOS DEMAIS ÓRGÃOS JUDICIAIS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. SEGUNDO AGRAVO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. NÃO CONHECIMENTO.
1. O regime jurídico-fiscalizatório da tomada de contas dos Prefeitos reclama a leitura sob um viés material, atinente ao conteúdo das contas prestadas (i.e., se anuais ou de gestão), e não meramente formal e subjetivo (i.e., pelo simples fato de ser o chefe do Poder Executivo) (FERRAZ, Luciano. Controle da Administração Pública: elementos para a compreensão dos Tribunais de Contas. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999, p. 143-152).
2. O Prefeito, ao atuar como ordenador de despesas, não desempenha função eminentemente política, mas, ao revés, sua atuação diz respeito diretamente ao funcionamento da máquina administrativa municipal, equiparável, bem por isso, aos demais administradores de recursos públicos. Consectariamente, não se coaduna com a leitura constitucionalmente adequada da fiscalização das suas contas que a responsabilidade específica e individualizável do Prefeito pela execução de despesas públicas recaia única e exclusivamente sobre a Câmara Municipal.
3. A exegese literal das disposições constitucionais evidencia que não cuidou o constituinte, desde logo, de excepcionar os chefes do Poder Executivo do âmbito de incidência do inciso II do art. 71, aludindo apenas e tão somente a "administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos".
4. O processo de tomada de decisões por órgãos judiciais não pode prescindir de uma análise consequencialista, máxime porque a decisão mais adequada a determinado caso concreto é aquela que, dentro dos limites semânticos da norma, promove os corretos e necessários incentivos ao aperfeiçoamento das instituições democráticas, e a repercussão dos impactos da decisão na realidade social.
5. O consequencialismo como postura judicial reclama eficiência administrativa, na medida em que o julgamento das contas pontuais (i.e., de gestão) do Executivo municipal pela Corte de Contas tende a gerar os incentivos corretos, promovendo com maior eficiência a realização dos gastos públicos e adequando as condutas dos Prefeitos às diretrizes normativas balizadoras da atuação dos responsáveis pela gestão das despesas públicas.
6. A cláusula final da alínea g ("[...] aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição") é inequívoca em asseverar que as Cortes de Contas são a autoridade competente para julgar as contas dos Prefeitos, nas hipóteses em que eles atuarem na qualidade de ordenadores de despesa (i.e., contas de gestão).
7. A Suprema Corte é a única instância judicial autorizada a realizar o rejulgamento da matéria, adstrita às hipóteses, "[de] mudanças no ordenamento constitucional, na situação de fato subjacente à norma ou até mesmo na própria percepção do direito que deve prevalecer em relação a determinada matéria" (BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, p. 264).
8. A causa de inelegibilidade veiculada na alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90, na novel redação dada pela LC nº 135/2010, recebeu a chancela de sua constitucionalidade no julgamento das ADCs nº 29 e nº 30, ambas de minha relatoria.
9. O pronunciamento da Suprema Corte, nas ADCs nº 29 e nº 30, deve ser compulsoriamente observado por juízes e Tribunais, posto ser revestido de eficácia erga omnes e efeitos vinculantes, não se revelando possível proceder-se a reduções teleológicas no âmbito de incidência das disposições declaradas constitucionais.
10. In casu, ao afastar-se o chefe do Executivo municipal do âmbito de incidência da parte final da alínea g, o Tribunal Superior Eleitoral procede a uma redução teleológica que não se coaduna com o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADCs nº 29 e nº 30: o alcance subjetivo do efeito vinculante interdita a reanálise da questão constitucional decidida pelo Supremo Tribunal por juízes e Tribunais, o que, na espécie, importa a alteração da orientação que prevalecia nesta Corte Superior, de que competiria às Câmaras Municipais, e não às Cortes de Contas, o julgamento das contas de gestão dos Prefeitos.
11. Agravos protocolados na mesma data, porém em horários diferentes. Preclusão consumativa quanto ao último.
12. Primeiro Agravo Regimental desprovido e Segundo Agravo Regimental não conhecido.
(Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº 52802, Acórdão de 23/10/2014, Relator(a) Min. LUIZ FUX, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 23/10/2014 )
CONCLUSÃO
Reconhece-se por fim que caso um prefeito ordenador de despesa, tenha suas contas de gestão desaprovada pelo Tribunal de Contas, e que configure atos dolosos de improbidade administrativa, ele ficará inelegível para as eleições que se realizarem-se nos 8 anos seguintes à data da decisão, de acordo com a alínea g do inciso I do art. 1º da Lei Complementar 64/1990, com a redação dada pela Lei Complementar 135/2010 e com base no entendimento so Supremo Tribunal Federal nos autos das ADCs nº 29 e nº 30 e na recentíssima orientação do Tribunal Superior Eleitoral
REFERÊNCIAS
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CASTRO, Edson Rezende de. Curso de Direito Eleitoral. 6. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012.
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COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
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GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Direito Eleitoral. 2. ed. São Paulo: Atlas,2012
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PINTO, Djalma; PETERSEN, Elke Braid. Comentários à Lei da Ficha Limpa. São Paulo: Atlas, 2014.
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