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Agências regulatórias e o seu poder regulamentar em face do princípio da legalidade

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01/01/2003 às 00:00
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4.0 Controle Judicial do Poder Regulamentar

            O Estado de Direito pressupõe que toda ameaça ou lesão a direito deva ser suscetível de controle jurisdicional. É, por isso, princípio elementar o de que todo Estado sujeito à legalidade deve oferecer às pessoas os instrumentos processuais necessários para a salvaguarda de suas posições subjetivas quando violadas ou expostas a iminente agressão, sob pena de os direitos fundamentais não passarem a mera carta de intenções (27).

            De fato, em face do poder regulamentar atribuído às agências reguladoras, surge a possibilidade de que estas não só elaborem normas restritivas da liberdade de ação dos entes regulados, como também apliquem a estes sanções pelo descumprimento dos regulamentos.

            Nesse particular, é notável que, a menos que se admita a legitimidade da teoria da delegificação, e/ou a delegação limitada, com padrões de controle definidos pela lei instituidora, será difícil conciliar a experiência regulatória com os cânones tradicionais de sujeição à legalidade. Isso porque, fora dessa interpretação, toda atividade normativa da agência será tida como autônoma, e, portanto, passível de declaração de inconstitucionalidade por violação ao princípio da reserva legal. Nenhuma sanção imposta com base em tais fontes seria, em face da teoria tradicional, subsistente.

            Justamente em face do déficit democrático da imposição de obrigações apenas mediatamente segundo a lei é que se requer, em relação aos atos normativos regulamentares, uma expansão do controle jurisdicional.

            Será imperioso, nesse sentido, abrandar mais ainda o dogma da intangibilidade do mérito do ato administrativo, há tempos abalado com a possibilidade de controle do desvio de poder, e permitir ao Poder Judiciário que controle alguns outros aspectos tradicionalmente reputados pela doutrina administrativista como intocáveis (28) à luz do princípio da separação de poderes.

            Referimo-nos, basicamente, ao exame da proporcionalidade dos regulamentos nos casos em que o Poder Judiciário seja provocado para se pronunciar sobre eventuais excessos na aplicação de sanções (proporcionalidade concreta), ou, em sede de controle abstrato de constitucionalidade (no STF e TJs), para aferir a constitucionalidade da regulamentação à luz de tal princípio (proporcionalidade abstrata).

            O professor Luís Roberto Barroso (29) registra que o princípio da proporcionalidade equivale, nas suas linhas gerais, ao princípio do devido processo legal em sentido substancial (substantial due process of law). Destaca, ainda, que a diferença de nomenclatura é muito mais uma conseqüência da origem alemã do primeiro e americana do segundo do que propriamente um reflexo de suas essências.

            O sentido de proporcionalidade, nesta seção do texto, é o de eleição de meios adequados e necessários para a consecução do interesse público no âmbito da atividade regulada. É sinônimo, portanto, do mandamento geral da proibição de excesso por parte do ente regulador.

            Note-se que, em várias situações, diante da transgressão a um regulamento, o órgão regulador poderá escolher, dentro de uma margem de discricionariedade conferida a ele por lei, qual a sanção mais adequada a ser aplicada ao particular infrator no exercício do poder de polícia.

            Ao avaliar tal escolha em sede de controle jurisdicional, os órgãos judiciais deverão ater-se ao três parâmetros que são conhecidos como subprincípios (30) da proporcionalidade: a adequação; a necessidade; e a proporcionalidade em sentido estrito.

            A adequação (31) significa a eleição de uma restrição a direito idônea para a persecução de uma finalidade pública. A necessidade (32) consiste na inexistência de meio menos gravoso para o atingimento da finalidade. Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito (33) consiste em um balanço entre os benefícios coletivos hauridos com a imposição da medida restritiva e a sanção ou restrição imposta ao particular.

            Há, ainda, outro aspecto a considerar. Muitas vezes, verificar se determinada sanção ou restrição é proporcional passa pela avaliação de prognoses e de fatos realizada pelo ente ao qual se atribuiu o poder de elaborar as normas e, em última análise, consiste em avaliar a conveniência ou a oportunidade da atividade "legiferante".

            Para que se faça o adequado controle de constitucionalidade de um regulamento dessa natureza, é, pois, inviável que a análise permaneça no plano meramente lógico-abstrato, pois a mesma medida antes constitucional pode vir a tornar-se flagrantemente inconstitucional pela mudança dos fatos. Os motivos do legislador são, em suma, vinculantes e determinantes, razão pela qual a decisão judicial não pode se negar a analisá-los.

            É essa a síntese da questão por Gilmar Ferreira Mendes:

            "Em verdade, há muito vem parte da dogmática apontando para a inevitabilidade da apreciação de dados da realidade no processo de interpretação e de aplicação da lei como elemento trivial da própria metodologia jurídica. (...) Hoje, não há como negar a comunicação entre norma e fato (Komumunikation zwischen Norm und Sachverhalt), que, como ressaltado, constitui condição da própria interpretação constitucional". (34)


5.0 Conclusão

            A atribuição de poderes normativos às agências reguladoras decorre do reconhecimento da limitação do sistema representativo parlamentar em dar respostas rápidas e adequadas às complexas atividades econômicas e aos serviços públicos regulados na sociedade capitalista moderna. Trata-se de verdadeira ruptura com o modelo implantado no constitucionalismo, que se fundara basicamente na separação de poderes, com primazia da atividade legislativa, segundo a formulação de Monstesquieu.

            Para realizar-se uma nova fundamentação dessa aparente restrição ao princípio da legalidade, a doutrina desenvolveu a teoria da delegificação, por meio da qual se admite que a lei degrade uma disciplina legal para o nível hierárquico regulamentar, permitindo, assim, a sua regulação via atos administrativos normativos.

            Paralelamente a seu desenvolvimento, no direito comparado, especialmente, no norte-americano, tem-se afirmado que a possibilidade de delegação de funções legiferantes ao Poder Executivo é real, desde que se admita o controle dos preceitos regulamentares em face do devido processo legal em sentido substancial, ou, na nossa tradição, em face do princípio da proporcionalidade/razoabilidade. Tal controle jurisidicional, de certa forma, rompe com a nossa cultura de respeito à intangibilidade do mérito dos atos administrativos, mas é estritamente necessário em face da crise de legitimidade que se dá quando da instituição de sanções por meio de veículos normativos infralegais.

            De qualquer modo, a constitucionalização de um tal modelo de regulamentação requererá, por parte dos tribunais brasileiros, verdadeira atitude de construção jurisprudencial, e a compreensão do texto constitucional como aberto, polissêmico, e adaptável às novas necessidades da sociedade contemporânea.


6.0 Referências Bibliográficas

            ARAGÃO, Alexandre Santos de. As Agências Reguladoras Independentes e a Separação de Poderes: Uma Contribuição da Teoria dos Ordenamentos Setoriais. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, n.º 13, abril-maio, 2002.

            BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 3a Edição revista e atualizada. Rio de Janeiro: Saraiva, 2000.

            CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3a Edição. Coimbra: Almedina, 1999.

            FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 3a Edição, Revista e Atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

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            GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 6a Edição, revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2001.

            MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24a Edição, atualizada. São Paulo: Malheiros, 1999.

            MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 5a Edição, revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 1994.

            MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1998.

            MENDES, GONET et COELHO. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.

            NUSDEO, Fábio. Curso de Economia. 3a Edição, revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

            SCHWARTZ, Bernard. Direito Constitucional Americano. Trad. Carlos Nayfeld. Rio de Janeiro: Forense, 1966.

            SOUTO, Marcos Juruena Villela. Função Regulatória. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, n.º 11, fevereiro, 2002.

            SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito Econômico. São Paulo: Saraiva, 1980.

            TOJAL, Sebastião Botto de Barros. O Controle Judicial da Atividade Normativa das Agências Reguladoras.

            VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Temas de Direito Público. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.


Notas

            1. FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 3a Edição, Revista e Atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 253.

            2. SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito Econômico. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 300.

            3. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 6a Edição, revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 124 e ss.

            4. Idem, Ibidem, p. 168

            5. FONSECA, op. cit., p. 253

            6. NUSDEO, Fábio. Curso de Economia. 3a Edição, revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 113.

            7. GRAU, op. cit., p. 168 e ss. A intervenção direta, ou sobe o domínio econômico, é aquela em que o Estado atua como verdadeiro agente econômico, como empresário, ao passo que a intervenção indireta, ou sobre o domínio econômico, é a que se faz por meio de instrumentos normativos.

            8. FONSECA, op. cit., p. 255.

            9. ARAGÃO, Alexandre Santos de. As Agências Reguladoras Independentes e a Separação de Poderes: Uma Contribuição da Teoria dos Ordenamentos Setoriais. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, n.º 13, abril-maio, 2002, p. 28 e ss.

            10. Idem, Ibidem, passim.

            11. TOJAL, Sebastião Botto de Barros. O Controle Judicial da Atividade Normativa das Agências Reguladoras

            12. ARAGÃO, op. cit., p. 31.

            13. Idem, Ibidem, p. 32.

            14. Idem, Ibidem, p. 34.

            15. Idem, Ibidem, p.34.

            16. Idem, Ibidem, p. 34

            17. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3a Edição. Coimbra: Almedina, 1999, p. 251.

            18. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12a Edição, revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 297.

            19. MENDES, GONET et COELHO. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 200.

            20. VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Temas de Direito Público. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 450.

            21. ARAGÃO, op. cit., p. 47.

            22. Op. cit., p. 51.

            23. SCHWARTZ, Bernard. Direito Constitucional Americano. Trad. Carlos Nayfeld. Rio de Janeiro: Forense, 1966, p. 350.

            24. Tradução livre: "Todos os poderes legislativos conferidos por esta Constituição serão confiados a um Congresso dos Estados Unidos da América, composto de um Senado e de uma Câmara de Representantes."

            25. Idem., Ibidem, p. 349

            26. TOJAL, op. cit., p. 3.

            27. CANOTILHO, J. J., op. cit., p. 270.

            28. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24a Edição, atualizada. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 138. O autor sustenta que, no mérito dos atos discricionários, por causa da falta de padrões de legalidade, seria absurdo permitir que o juiz substituísse a valoração feita pelo administrador pela sua.

            29. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 3a Edição revista e atualizada. Rio de Janeiro: Saraiva, 2000, p 209 e ss.

            30. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1998, p. 25

            31. BARROSO, op. cit., p. 218

            32. Idem, Ibidem, p. 219.

            33. Idem, Ibidem, p. 219.

            34. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1998, p. 465.

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Sobre o autor
Alexandre Vitorino Silva

advogado em Brasília (DF), mestrando em Direito e Estado na UnB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Alexandre Vitorino. Agências regulatórias e o seu poder regulamentar em face do princípio da legalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3674. Acesso em: 5 nov. 2024.

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