Falhas graves que comprometem a instalação e funcionamento de um software – problema bem frequente nas aquisições de ERP - podem ser resolvidas amigavelmente entre os contratantes durante a implementação do novo sistema. Prazos e valores podem ser alterados, a fim de que o contrato seja preservado e o resultado seja alcançado.
Porém, se isso já não se mostrar viável - dada a gravidade dos problemas e a demora na solução - o caminho adequado será a rescisão do contrato e o ressarcimento na esfera judicial. Em certas situações, o histórico de erros e falhas desgasta a relação entre as partes a tal ponto que finalizar a implementação já não é mais do interesse da contratante. Neste caso, buscar o amparo do Poder Judiciário é menos custoso e mais vantajoso do que parece.
A rescisão pela via judicial pode superar até mesmo soluções alternativas como a arbitragem. Primeiro, porque o custo de uma ação é bastante inferior do que recorrer a uma câmara arbitral. Segundo, porque as provas de que a instalação não foi realizada por culpa da contratada serão determinantes para o sucesso da ação, o que depende muito mais das precauções tomadas durante a instalação do que do conhecimento técnico especializado de um árbitro. Dessa forma, as provas apresentadas pelo autor terão importância fundamental na rescisão do contrato, e se refletem diretamente numa decisão positiva ao final da ação.
Por isso, todo e qualquer registro de falhas e desentendimentos deve ser documentado ao longo da relação. Isso inclui desde os aditivos contratuais até os e-mails trocados durante a implementação do software, passando por atas de reunião, notificações, chamadas de suporte técnico e registro de erros. Também é importante demonstrar se houve necessidade de contratar novos profissionais, ou aumentar a jornada de trabalho, para corrigir os problemas surgidos no decorrer da instalação.
Quanto aos fundamentos jurídicos do pedido inicial, algumas teses consagradas da doutrina contratual justificam a rescisão do contrato e o ressarcimento dos prejuízos. A Teoria do Incumprimento Antecipado do Contrato, por exemplo, tem aplicação fundamental nos caso em que a rescisão é buscada antes do prazo final de implementação. São situações em que o contrato ainda não chegou no termo final, mas ao longo da relação se torna evidente que a fornecedora jamais será capaz de concluir a instalação no prazo contratado.
Desenvolvida por doutrinadores de renome como Judith Martins Costa, a tese autoriza a rescisão antecipada quando existem sinais claros e inequívocos de que a implementação do software não será bem sucedida. Esta quebra prematura do contrato, por culpa do fornecedor, obriga-o a indenizar as perdas e os lucros cessantes, inclusive se a contratante sofreu prejuízos nas vendas durante o período de instalação, quando for possível fazer esse levantamento.
Outra doutrina que justifica a rescisão é o cumprimento defeituoso do contrato. A tese é aplicável quando a prestação, embora entregue, não é satisfatória: o software não cumpre com a finalidade para a qual foi adquirido. Ou seja, apesar de concluída a instalação, o sistema não supre a necessidade da empresa, em razão de falhas e erros constantes. Neste caso, a adquirente tem o direito de buscar ressarcimento, seja na forma de um abatimento do valor pactuado, seja com a devolução dos valores pagos, caso não seja mais do seu interesse utilizar o novo sistema.
Contudo, a insatisfação do credor deve ser verificada com padrões objetivos, e compensada com indenização das perdas e danos. Não apenas a entrega defeituosa, mas também a demora na conclusão da instalação poderá tornar inútil a aquisição, o que justifica que a contratada seja condenada à restituição dos valores pagos, ao pagamento da multa prevista no contrato e ao ressarcimento dos prejuízos.
Nos tribunais brasileiros, encontramos inúmeros casos de rescisão de contratos de software, e alguns deles merecem ser mencionados. No processo nº 9192069-91.2009.8.26.0000, por exemplo, a existência de “bugs” no sistema e o atraso na finalização do projeto levaram à condenação das fornecedoras à restituição integral dos valores recebidos, bem como dos gastos efetuados com a migração dos dados ao sistema anterior. Nesse caso, tanto a fabricante do software quanto a empresa responsável pela instalação foram condenadas solidariamente.
Já no processo nº 0106311-45.2005.8.26.0000, o tribunal considerou que a cobrança da licença e manutenção do software está condicionada ao cumprimento adequado das suas funcionalidades. Como neste caso o software não atingiu os objetivos pretendidos, o contratante foi dispensado do pagamento.
Por fim, além de garantir o adequado funcionamento do software, o fornecedor deve também acompanhar o uso efetivo das licenças, sob pena de falhar no seu dever de cooperação. No processo nº 01936-3.2013.8.26.0002, julgado em São Paulo, a fornecedora perdeu o direito de cobrar dois anos de manutenção, em razão de a adquirente não ter instalado e muito menos utilizado o software.
Percebe-se, nos julgados acima, que buscar a rescisão do contrato e a indenização dos prejuízos pela via judicial - ao contrário do que prega o senso comum - é rápida e eficiente. A recuperação de créditos em razão do descumprimento da proposta técnica, dos termos do contrato ou do SLA (service level agreement) pode ser feita no Judiciário, sendo a solução mais adequada quando os problemas chegam a comprometer até mesmo a relação entre a TI e o departamento jurídico. Salva-se não apenas o contrato e os valores investidos, mas também o equilíbrio interno da equipe, imprescindível para o bom funcionamento da empresa.