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As doutrinas de prevalência da substância sobre a forma diante do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional

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01/02/2003 às 00:00
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IV – A possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica no Código Tributário Nacional

Dentre as teorias de prevalência da substância sobre a forma, merece destaque a doutrina da desconsideração da personalidade jurídica. Conforme iremos explicar, é necessária a análise de sua aplicação no direito tributário, o que já esclarece alguns equívocos referentes à inserção destas teorias no direito tributário pátrio. Bem disse Alfredo Becker, diante das normas tributárias alteradas a cada dia e dos conflitos entre as teorias interpretativas tratar-se, o nosso ordenamento jurídico tributário, de um manicômio jurídico. Mas, sejamos mais um a adentrar com uma lanterna nesta escuridão.

No que se refere à teoria da desconsideração, o que ocorre é que o nosso ordenamento jurídico reconhece a autonomia da pessoa jurídica, mas, para que esta ficção não seja desviada em proveito pessoal daqueles que detenham poderes de mando ou gestão na sociedade, existe em nosso ordenamento jurídico privado mecanismos legais que expressam a assunção de responsabilidade em defesa dos credores das pessoas jurídicas.

A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica devido ao mau uso, abuso do poder ou desvio do seu objeto social, com a conseqüência de se ignorar a distinção do patrimônio desta pessoa daquele que possuam os seus sócios-gerentes, caracteriza a figura da disregard doctrine, com possivel precedente na Alemanha, com "a chamada teoria da soberania, elaborada pelo alemão HAUSSMANN e desenvolvida da Itália por MOSSA" [22]. As teorias que apóiam a desconsideração da personalidade jurídica são:

a)teoria do ultra vires, caracterizando a ocorrência de ato de gestão fora dos limites impostos à sociedade pelas cláusulas do objeto social. Esta teoria é criticada no sentido de vincular os atos negociais da empresa apenas ao objeto social estipulado no contrato, sendo que são comuns as possibilidades de necessidade de alterações daquele objeto anteriormente fixado, muitas vezes percebidas quando do momento de realização do próprio ato negocial.

b)doutrina dos atos próprios, segundo a qual haverá responsabilidade da empresa por dívida alheia somente no caso de insolvência do devedor originário, observando-se que "não se reconhece a desconsideração quando envolver imputação de atos jurídicos e seus efeitos. E isso pela concepção de que a personificação nenhuma pertinência tem com a imputação de direitos e deveres" [23]. Observa-se aqui que não se pode confundir a imputação de atos a determinada pessoa com o reconhecimento de existência de uma nova pessoa no lugar daquela que existia apenas aparentemente.

c)teoria da aparência que explica que se pode desconsiderar a pessoa jurídica mesmo quando esta não existe realmente, sendo apenas uma fachada ou aparência. Neste sentido, Lamartine discorda da aplicação da citada teoria, por entender que "a atribuição de atos e efeitos jurídicos a outrem não é uma desconsideração, porquanto, só é possível "desconsiderar" aquilo que existe" [24].

Nas relações entre o ente tributante, sujeito ativo da relação jurídica tributária e o contribuinte, sujeito passivo, alguns juristas entendem que, quando ocorrer a hipótese do artigo 135 do CTN, ou seja, quando forem detectados atos dos representantes com abuso de poder ou infração à lei, ao estatuto ou ao contrato social em prejuízo dos créditos referentes às obrigações tributárias, estar-se-ia diante de uma hipótese de desconsideração da personalidade jurídica aplicável ao direito tributário.

Mas, vejamos o que diz o artigo 135 do CTN:

"São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poder ou infração à lei, contrato social ou estatutos:

"I – as pessoas referidas no artigo anterior;" (pais, tutores, curadores, administradores de bens de terceiros, inventariantes, síndicos, tabeliães e outros ali especificados)

"II – os mandatários, prepostos e empregados;

"III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado."

Como dissemos outrora, este ramo do direito é regido, dentre outros, pelo princípio da estrita legalidade, ramificado pelos princípios da tipicidade e da segurança jurídica e que garantem ao contribuinte que somente haverá o sacrifício de parcela de sua riqueza individual em prol do Estado caso haja previsão legal, prevendo todos os aspectos desta relação, dentre eles a determinação do sujeito passivo (contribuinte ou responsável legal) obrigado a efetuar respectivo recolhimento pecuniário.

A doutrina da desconsideração da personalidade jurídica possui os contornos próprios já explicados e a sua aplicação no direito tributário pátrio é severamente questionada.

A hipótese de se confundir os patrimônios da empresa com os dos sócios deve ocorrer apenas nos casos em que, além da expressa previsão legal, se configure efetivamente a fuga da obrigação tributária de forma irregular e ilegal, observados o tipo empresarial, o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório e somente na hipótese de, com a responsabilização pessoal e patrimonial dos membros das empresas, haver a possibilidade de correção dos desvios encontrados.

Porém, os nossos juristas, por várias vezes, citam a teoria da desconsideração da personalidade jurídica como sendo aplicável ao direito tributário e com fundamento legal no citado artigo 135, como podemos ver nas seguintes ementas:

"EXECUÇÃO FISCAL-SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA-PENHORA DE BENS DE PATRIMÔNIO PESSOAL DE SÓCIO QUE NÃO EXERCEU FUNÇÃO DE DIREÇÃO - ART. 135, III DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. I - A teoria da desconsideração da personalidade jurídica para coibir a fraude a credores há de ser utilizada, no direito brasileiro, de acordo com os precisos termos dos arts. 16 do Decreto lei 3.708 e 135 do Código Tributário Nacional. Vale dizer, somente os sócios que tenham deliberado contra as regras contratuais ou legais, com excesso de poderes, podem ser responsabilizados pessoal e ilimitadamente pelas obrigações sociais e tributárias. II- É impossível a penhora dos bens do sócio que jamais exerceu a gerência, a diretoria ou mesmo representasse a empresa executada.

"DECISÃO: Dar provimento ao recurso do primeiro apelante julgar prejudicado o recurso do segundo apelante." (grifos nossos) (Ref. Apelação cível n.º 3675195/DF – Acórdão n.º 81247 – 3.ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Julg. Em 24/11/1995. Rel. Des. Nancy Andrighi. Publ. DJ/DF 19/12/1995, p. 19.351).

"TRIBUTARIO - MANDADO DE SEGURANCA - AGENTE DE RENDAS QUE SE NEGA A FORNECER CERTIFICADO DE REGULARIDADE CADASTRAL - EMPRESA SUPERLATIVAMENTE MAJORITARIA DA IMPETRANTE (99,98% DAS COTAS SOCIAIS) COM DEBITOS TRIBUTARIOS PENDENTES - DESCONSIDERACAO DA PESSOA JURIDICA - ORDEM DENEGADA - APELO DESPROVIDO.

"I- A doutrina da disregard of legal entity tem acentuada aplicação no terreno no direito tributário, para coartar a sonegação e evasão de impostos, quando se usa a personalidade da sociedade comercial como anteparo.

"II- Se a empresa devedora do fisco continua a existir apenas como cotista da impetrante, que passou a operar em seu lugar; se a ligação entre ambas é tão estreita e visceral, que não se pode fugir a suspeita de que se trata de um único organismo, provido de duas faces: uma real, outra aparente ou simulada; se o que a segunda apresenta de novo é apenas a denominação social, isto e, face postiça com que se pretende dissimular a fisionomia real da primeira; se o que os acionistas da empresa devedora pretendem não é criar nova forma de atividade, mas um aparência ou simulacro, a cuja sombra possa mover-se o organismo real, então, o ato administrativo que procura resguardar os interesses da fazenda pública, negando o certificado de regularidade cadastral, para impedir a participação dissimulada da inadimplente em licitações públicas, com base em instruções normativas, nada tem de abusivo ou lesivo.

"Decisão: unânime." (Ref. Apelação cível – Acórdão n.º 12.735 – Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná – Rel. Juiz Munir Karam – Publ. 09/09/1996)

Uma vez detectada a tentativa, por parte do contribuinte, em se furtar à obrigação de recolher o crédito tributário legalmente constituído, deve-se observar que, na hipótese do artigo 135, o que se prevê é tão somente a responsabilização pelos atos praticados com excesso de poder ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto e dentro dos lindes das conseqüências de referidos atos, não tratando, ainda, de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica que levanta o véu da pessoa jurídica para atingir, de forma ilimitada, o patrimônio dos sócios-gerentes ou administradores até a quitação total do débito.

Para melhor esclarecer, Marçal Justen Filho explica que: "a regra do artigo 135 do Código Tributário Nacional não teve origem nas concepções indicadas como ‘teoria da desconsideração da personalidade jurídica" [25]. Segundo o autor, esta regra de direito tributário não dispõe apenas das sociedades personificadas, abrangendo outras situações distintas como o caso dos mandatários e sendo, portanto, um gênero de condutas abusivas e não a espécie prevista em lei de desconsideração da personalidade jurídica em virtude, fundamentalmente, de um resultado fraudulento. Acrescenta ainda que "A tipicidade característica do direito tributário excluí a incidência da desconsideração, quando inexista expressa previsão normativa" [26], do que podemos concluir pela inaplicabilidade da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário pátrio por inexistência de lei específica, prevendo os seus aspectos.

A inclusão desta doutrina no direito tributário pátrio demandaria, além de expressa previsão legal, que os seus elementos fossem definidos na norma, bem como os conceitos do que seria excesso de poder, infração à lei ou ao estatuto no âmbito tributário ou a adoção destes institutos do direito privado com interpretação literal, isentando do aplicador a discricionariedade.

Observando agora a regra inserida no Código Tributário Nacional por intermédio da Lei Complementar n.º 104, de 10 de janeiro de 2001 que diz:

"Artigo 116.(...)

"Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os elementos a serem estabelecidos em lei ordinária".

Podemos perceber que referido dispositivo também não trata da figura da desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário, pois não insere na legislação tributária os elementos ou aspectos necessários para que se levante o véu da pessoa jurídica adentrando no patrimônio dos sócios e, sim, a possibilidade de não serem consideradas, para fins de subsunção à norma jurídica tributária, as formas com as quais foram realizados pelo contribuinte atos e negócios em virtude das razões referentes à substância destes atos e negócios a serem delimitadas por meio de lei específica.

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Esta hipótese que, tanto quanto o citado artigo 135 não é caso de desconsideração da pessoa jurídica pode, porém, tomar os contornos de outra teoria de prevalência da substância sobre a forma, o business purpose test, o que veremos no capítulo seguinte.


V – A teoria do teste de finalidade negocial no direito comparado e sua aplicação no direito tributário pátrio com base no parágrafo único do artigo 116 do CTN

Nos países de common law os casos criam a jurisprudência. São os leading cases, casos de relevância para a sociedade e cujas decisões servirão de parâmetro para os julgamentos semelhantes que surgirem daí em diante. Um destes julgados inseriu a teoria do teste de finalidade negocial ou o business purpose test nas decisões norte-americanas e inglesas, teoria há pouco tempo positivada no direito fiscal alemão. Um dos relevantes casos norte-americanos foi o Betts v.Ohio Pub. Employees Retirement System, decidido pela Suprema Corte de Apelação dos Estados Unidos em 23 de junho de 1989, no qual observou-se que: "that plans [492 U.S. 158, 159] adopted prior to the ADEA’s enactment need not be justified by any business purpose, and defined ‘subterfuge’ to mean ‘a scheme, plan, strategem,or artifice of evasion" [27], ou seja, os atos adotados pelo mandatário da empresa não justificaram o objetivo empresarial, considerados como sendo estratégias, artifícios ou subterfúgios que visavam apenas evitar ou reduzir a tributação.

Hermes Marcelo Huck define o business purpose test como teste que "desconsidera o negócio juridico ou ato praticado sem que neles se detecte finalidade econômica ou negocial senão a de não pagar ou reduzir impostos" [28]. Os ditames do parágrafo único do artigo 116 do CTN que, como vimos, prevêm a possibilidade da autoridade administrativa desconsiderar atos ou negócios realizados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária ou a natureza de seus elementos constitutivos, à primeira vista, se amoldam a este instituto do teste de finalidade negocial. Adentramos agora na análise de sua compatibilidade com o nosso sistema jurídico-tributário.

As alterações incluídas pelo parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional adotam termos de outras áreas do Direito, conforme veremos a seguir. Primeiramente, tenhamos em mente outro dispositivo sobre normas de interpretação e integração da legislação tributária expresso no Código Tributário Nacional:

"Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias".

Ao dizer, o parágrafo único do artigo 116, que a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos, deve se recordar que, conforme o artigo 81 do Código Civil, "Todo ato lícito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, se denomina ato jurídico", o que é considerado sinônimo de negócio jurídico [29] e para o que se requer ainda agente capaz, declaração de vontade isenta de vícios por erro, dolo, coação, fraude ou simulação, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei. Portanto, somente referidos atos se encontram sob alcance do inovado dispositivo legal.

Quanto ao termo dissimular, este se distingue de simular, do Aurélio: "Simular é fingir o que não é; dissimular é encobrir o que é". Para o artigo 102 do Código Civil, a simulação ocorre nos atos jurídicos:

"I – quando aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas das a quem realmente se conferem ou transmitem;

"II – quando contiverem declaração, confissão, condição, ou cláusula não verdadeira;

"III – quando os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados".

E a dissimulação como instituto de Direito Civil é considerada uma espécie relativa de simulação pois, segundo Silvio Rodrigues, "encontram-se dois negócios: um, simulado, ostensivo, aparente, que não representa o íntimo querer das partes; outro, dissimulado, oculto, que justamente constitui a relação jurídica verdadeira" [30]. Portanto, podemos perceber que a intenção do inovador dispositivo é a de desconsiderar os atos ou negócios simulados, alcançando os atos, negócios ou qualquer dos elementos que originaram a sua composição e que estavam dissimulados, ocultos, escondidos ou disfarçados, os verdadeiros fatos imponíveis geradores de imposição tributária.

Observamos em seguida que, o nosso direito positivo, diferentemente do direito positivo alemão que já estudamos em capítulo anterior, não adota as teorias do critério econômico e do abuso de forma nas relações entre os contribuintes e o fisco, entendimento que é incompatível com o parágrafo 1.º do artigo 108 do CTN pois, segundo Wilhelm Hartz:

"O Brasil está entre os países que não podem adotar o critério econômico e a regra do abuso de forma, enquanto vigorar a norma do § 1.º, do artigo 108, do Código Tributário Nacional, que veda o uso da analogia, quando dele resulta obrigação tributária não prevista em lei" [31].

Ocorre porém que, o critério econômico na apreciação dos atos e negócios dos contribuintes, que está muito próximo do critério do abuso de direito ou de formas, com ele não se confunde. Em vários países se possibilita ao Fisco opor-se aos negócios privados revestidos de caráter abusivo, conforme observa Marco Aurélio Greco:

"Na França, o abuso de direito em matéria fiscal está previsto no artigo 64 do Livre des Procédures Fiscales; na Austrália, a Section 260 do Income Tax Assessment Act, de 1936 contém a figura inibidora das práticas elisivas, na Alemanha, desde o R.A.O. de 1919 (parágrafo 10), há figura visando neutralizar as práticas elisivas em dispositivo que, à época, fazia menção à interpretação econômica e que sofreu sucessivas modificações, sendo a mais recente em 1977 onde se faz menção ao abuso de formas ou de estruturas de outros ramos do Direito; na Itália, encontra-se em debate a criação de uma norma geral anti-elisão; na Holanda há norma específica similar" [32].

Quanto à interpretação dos fatos imponíveis e sua qualificação como sendo ou não ato de planejamento tributário, Marco Aurélio Greco, após descartar a interpretação da elisão fiscal pela lógica-bivalente de Aristóteles como sendo absoluta, informa a necessidade de uma lógica mais abrangente e complexa, citando a explicação de Ricardo Mariz de Oliveira de que:

"a simples afirmação da licitude da conduta não é suficiente para assegurar a subsistência das operações realizadas pelo contribuinte. Incluem-se os requisitos da inexistência de simulação nos atos ou negócios jurídicos realizados e o elemento temporal, consistente em tais atos serem anteriores à ocorrência do fato gerador do tributo" [33].

O parágrafo único do artigo 116 não prevê utilização do critério econômico de tributação, o que demandaria ao Fisco considerar o resultado econômico almejado e obtido pelo contribuinte e advindo do ato simulado e, sim, o critério jurídico de abuso de direito ou de formas, preconizando a própria forma simulada deste ato negocial e sua finalidade única de burlar a regra de incidência tributária para obter os resultados mediatos de evitar, reduzir ou retardar a tributação sem se amoldar a nenhuma finalidade empresarial ou contratual.

Desta forma temos que: o instituto do business purpose test, oriundo do regime de common law, para que seja inserido no direito tributário pátrio deve ser positivado.

Observamos ainda que a interpretação teleológica da norma é regra acatada pela doutrina pátria quando se requer um tratamento mais justo para a parte mais fraca que, no direito tributário, é o contribuinte, e quando se pretende atender aos princípios constitucionais, principalmente o da segurança jurídica. Agora, a interpretação teleológica do ato ou negócio, para que seja utilizada pelo Fisco na sua função fiscalizadora e arrecadadora, deve ser positivado e observar os conceitos de direito privado que devem constar na lei em sentido estrito prevendo todos os aspectos da relação e respeitando, principalmente, o conceito já existente de ato simulado e ato dissimulado no direito privado e antes explicado.

A dificuldade estará, portanto, na utilização de critérios que não sejam abstratos ou subjetivos na delimitação, por meio da lei ordinária, a ser editada conforme prevê o parágrafo único do artigo 116, dos elementos a serem considerados no processo de detecção de forma inequívoca pela administração pública, dos fatos geradores ou seus elementos que estavam encobertos por atos ou negócios simulados, desqualificando-os ou requalificando-os conforme a hipótese de incidência tributária. Isto somente poderá ocorrer, repetimos, observados os conceitos adotados do direito privado e quando o ato simulado tinha por finalidade única ocultar o ato dissimulado que deixara de sofrer a tributação ou a sofrera de forma reduzida ou postergada para momento futuro.

Com isto, após esta longa porém não exaustiva exposição sobre o assunto, podemos perceber que a norma contida no acréscimo ao artigo 116 do Código Tributário Nacional, que intenciona incluir em nosso ordenamento jurídico tributário figura similar ao business purpose test, regulamentando a desconsideração por parte do Fisco, dos atos e negócios realizados pelo contribuinte antes da ocorrência do fato gerador e cuja finalidade seja exclusivamente o ocultamento do fato tributável dissimulado ou o disfarce de um ou alguns de seus elementos, não é incompatível com os princípios constitucionais tributários ou com a própria Lei Complementar 5.172, de 25 de outubro de 1966.

A estrita legalidade, a tipicidade e a segurança jurídica no amparo das obrigações do sujeito passivo tributário e as regras de interpretação previstas no CTN, nos artigos 107 a 112 devem, porém, prevalecer na hipótese da regulamentação pela lei ordinária inserir critérios econômicos ou subjetivos na apreciação da finalidade do ato negocial ou deixar ao aplicador da lei, ao apreciar o planejamento tributário, indevida e inaceitável discricionariedade.

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Sobre a autora
Lais Vieira Cardoso

Analista judiciária do TRT da 15ª Região, professora universitária do Centro Universitário Moura Lacerda, Mestre em Direito das Obrigações Público e Privado pela UNESP de Franca e especialista em Direito Tributário pela PUC Campinas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Lais Vieira. As doutrinas de prevalência da substância sobre a forma diante do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3684. Acesso em: 22 dez. 2024.

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