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Da prescrição trabalhista.

Da absoluta desnecessidade de argüição para a sua concessão

01/02/2003 às 00:00
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Não tem o presente trabalho a intenção de esgotar o assunto, porém fazer uma breve análise do instituto da prescrição aplicado ao Direito do Trabalho.

A prescrição, no dizer de ORLANDO GOMES (1), vem a ser o modo pelo qual um DIREITO se extingue pela INÉRCIA (2), durante CERTO LAPSO DE TEMPO, de seu titular, que fica sem AÇÃO própria para assegurá-lo.

Deflui da definição retro que para ocorrer a prescrição devem concorrer pelo menos dois elementos: a inércia do titular de um direito e o decurso de tempo, ou seja, o não exercício de um direito, pelo seu titular, em um determinado tempo que a lei (3) estabelece como prazo para conservá-lo, gera a presunção de seu desinteresse em o manter (4), podendo afirmar-se, em consonância com a doutrina alemã, que a pretensão (5) é atingida diretamente pela prescrição, fulminando-a.

É sabido, ainda, que a prescrição é instituto de ordem e interesse público (6), sendo uma medida de política jurídica ditada no interesse da harmonia social e segurança jurídica.

O instituto da prescrição TRABALHISTA (7) tem seu fundamento básico na Carta Magna, onde está estabelecido, no art. 7°, inc. XXIX (8), que possuem os trabalhadores direito de "ação quanto aos créditos resultantes da relação de trabalho, COM prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho". (9)

Ante a clareza do texto podemos afirmar que o trabalhador poderá, através medida judicial própria, pleitear créditos trabalhistas que possua, que lhe serão devidos, de forma retroativa, pelos cinco anos anteriores à data da propositura da reclamatória trabalhista (10), sendo certo, ainda, que o seu ajuizamento também tem o prazo prescricional de dois anos, contados da data da extinção do seu contrato de trabalho (11).

Em outras palavras: o legislador constituinte derivado estabeleceu que o trabalhador tem garantido seu direito aos créditos resultantes da relações de trabalho, porém FIXOU o prazo prescricional de cinco anos como prazo máximo para receber esses créditos, isto é, estabeleceu que quando o trabalhador for buscar os seus créditos resultantes das relações de trabalho, eles sofrerão os efeitos do tempo. (12)

E como procedeu o legislador para FIXAR esse prazo prescricional? Inseriu ele no texto sob análise a preposição COM (13), logo após uma vírgula, o que faz com que a mesma tenha por significado, como colocado no texto, o restringir o conteúdo principal (direito de buscar os créditos resultantes da relação de trabalho), vele dizer, estabeleceu um acessório, um limite temporal ao amplo direito de buscar créditos resultantes da relação de trabalho, fixando um prazo retroativo à data do ajuizamento da reclama laboral, no qual os seus direitos serão concedidos, o que nos leva a afirmar, sem medo de errar, que se o empregado propuser uma medida judicial (no prazo de até dois anos do encerramento do seu contrato de trabalho), objetivando receber algum crédito junto ao seu empregador, lhe devido HÁ MAIS DE CINCO ANOS da data da propositura da referida medida judicial (reclamatória trabalhista), o mesmo estará AUTOMATICAMENTE prescrito (14), DEVENDO o juiz, de ofício, por ser o instituto da prescrição de ordem e interesse públicos, declarar prescritos quaisquer créditos anteriores aos retroreferidos cinco anos.

Vejamos o por quê da afirmação retro. Da rápida análise da norma em apreço, e creio não prescinda de um aprofundamento maior, face a clareza do texto constitucional, para chegar à conclusão a que chegamos, podemos observar alguns aspectos relevantes, que nos parecem absolutamente irrefutáveis:

(1) reúne a norma em apreço as características fundamentais para ser considerada um princípio constitucional (15), pois tem as funções fundamentadora, orientadora de interpretação e de fonte subsidiária, conforme enumeradas por CANOTILHO (16), sem se esquecer que, em assim sendo considerada, ela, a norma, que princípio é então, tem o condão de indicar qual a posição que os agentes jurídicos devem tomar em relação à mesma, inclusive como poderes de revogar normas anteriores e invalidar as posteriores que lhes sejam irredutivelmente incompatíveis (17)* (18);

(2) é, sem sombra de dúvida, uma norma auto-aplicável, pois além de não remeter à legislação infraconstitucional para a sua regulamentação, ela se basta por si só;

(3) é uma regra, malgrado de cunho constitucional, porém empregada somente na esfera do Direito do Trabalho, o que leva a considerarmos que, se é a mesma auto-aplicável e se se basta por si só, o que parece não caber qualquer questionamento, não necessita ir em outro ramo do direito buscar subsidiariedade para a sua aplicação, até porque, imaginando-se que o fosse, teria a norma subsidiária em apreço caráter infraconstitucional, portanto de cunho inferior à sob análise, o que lhe veda estabelecer outras regras para a sua aplicação quando ela, a norma constitucional, não as necessita, pois é auto-aplicável;

(4) é a norma constitucional em epígrafe de direito material, porém com efeitos processuais, o que nos permite afirmar, também, ser a sua aplicação de interesse e ordem pública (19), aplicando-se, no caso, o art. 267, § 3º, e 301, § 4º, do CPC, de que seja a prescrição cognoscível de ofício pelo julgador, independentemente de qualquer iniciativa do demandado;

(5) em nenhum momento ficou estampado que o direito nele estabelecido, para ser aplicado, deve ser argüido pela parte a quem aproveita, não podendo, destarte, norma inferior fincar essa condição em nosso ordenamento jurídico (20);

(6) se há um crédito de natureza trabalhista, ele está sujeito ao prazo prescricional estabelecido na Constituição Federal, pois assim o quis o legislador constituinte (21), que quis dar ao instituto da prescrição trabalhista um tratamento diferenciado, não mais se utilizando da legislação infraconstitucional para que o mesmo fosse aplicado;

Assim, entendo estarem inadequados à nova intenção do legislador constituinte, por absoluta incompatibilidade, o Enunciado 153 TST (22) e as decisões judiciais que entendem necessária a argüição da prescrição pelo reclamado para que os direitos prescritos do reclamante não lhe sejam concedidos, o que significa dizer que se os créditos do trabalhador, anteriores a cinco anos da data da propositura da reclamatória trabalhista, não foram considerados prescritos pelo Juiz, basta uma simples petição para que assim seja decidido, esteja onde estiver o processo.


Notas

01. GOMES, Orlando, Iniciação ao Direito do Trabalho, São Paulo, LTr, 14ª ed., 1989;

02. "Igualmente aos fenômenos que integram a natureza, os direitos subjetivos, e porque não dizer os objetivos também, desfrutam de um "período de vida", mediante o qual são exercitados e defendidos, e em função de determinados fatores acabam por desaparecer. Várias são as formas pelas quais os direitos encontram o seu deadline, a saber: a) quando há cumprimento ou adimplemento da obrigação; b) quando há declaração de nulidade do ato que deu origem ao direito; c) pela perda do objeto; d) pela modificação do objeto, tornando-se este impossível ou ilícito; e) pela renúncia; f) pela decadência e prescrição" (trecho retirado do artigo O INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO, da lavra do advogado pernambucano José Adolfo Vacemberg Paulino)

03. a prescrição somente por lei pode ser estabelecida;

04. Dormientibus non succurrit jus ;

05. "Perdido o prazo do exercício da ação, o direito subsiste como um corpo sem alma, porque a ação que garantiria sua tutela não foi exercida em tempo hábil. Na verdade, a prescrição não atinge nem o direito de ação - que é autônomo - nem o próprio direito material que poderá, eventualmente, ser satisfeito pelo credor tangido por mera responsabilidade moral.... Importa ressaltar que a perda da pretensão em virtude de incidência da prescrição não implica a perda do próprio direito subjetivo. A prescrição impede apenas que o titular da pretensão prescrita possa fazê-la valer por intermédio de uma ação judicial. Isto significa que, se eventualmente o devedor entender de pagar o débito, poderá fazê-lo, recebendo-o legitimamente o credor. E se, num segundo momento, o devedor, percebendo que pagou a dívida prescrita, tentar repeti-la - pedir de volta o que pagou - não o poderá, pois satisfez o que realmente devia, mas que não podia ser judicialmente reclamado (in site DJi, verbete prescrição);

06. Clóvis Beviláqua afirma que a prescrição é uma regra de ordem de harmonia e paz, imposta pela necessidade da certeza das relações jurídicas. O interesse do titular do direito, que ele foi o primeiro a desprezar, não pode prevalecer contra o interesse mais forte da paz social, que acrescenta: o grande fundamento da prescrição é o interesse público, a estabilidade das relações jurídicas (in BEVILÁQUA, Clóvis, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, Rio de Janeiro, Liv. Francisco Alves, 1951);

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07. não se está a falar aqui sobre o mesmo instituto, porém aplicado na esfera civil ou tributária, que têm normas legais próprias, o que sugerem uma interpretação diferenciada;

08. com a nova redação da Emenda Constitucional n° 28, de 25/05/2000;

09. para alguns este inciso derrogou o art. 11 da CLT, enquanto para outros tornou inconstitucional esse artigo celetista;

10. nome dado à ação trabalhista;

11. alguns autores afirmam que este prazo para ajuizamento da ação seria de decadência e não de prescrição;

12. já se afirmou alhures que "O decurso de tempo é um acontecimento natural de importância inigualável para o Direito";

13. prep. lat. cùm exprime idéias de ´companhia, sociedade, junção no tempo ou no espaço, qualificação, maneira de ser ou de estar, acompanhamento e conseqüência, instrumento´; rege complemento de verbos que implicam ´convergência, junção ou divergência, oposição´; esses diversos sentidos são valores contextuais da prep. com que, como el. estruturador, precede um determinante (voc., snt., oração) e o relaciona a um determinado (voc., snt., oração), para definir, entre os el. inter-relacionados, noções de adição, associação, simultaneidade, convergência ou indicar modo, meio; no lat. a prep. cum rege abl.; por indicar modo e meio, desenvolve, nas línguas român., a função específica de introduzir o el. instrumental; f.hist. 1273 cu, sXIII com, sXIII co (in Dicionário Houais);

14. "Para a completa compreensão dos signos na estrutura da linguagem, deve-se ter em mente que é uma entidade lógica, dotada de suporte físico, correspondente a matéria concreta pela qual se exterioriza, um significado que é o seu equivalente no mundo exterior e uma significação, que é a idéia ou noção que elaboramos em nossa mente do objeto representado. Quanto ao significado, este encontra-se intimamente unido ao suporte físico, sendo seu correspondente no mundo exterior, tomando-se por base direito como sistema de linguagem enquanto ciência, não se restringe este apenas ao texto da lei, mas a todo estudo tendo por temática a interação do homem na sociedade, correspondendo a todo e qualquer objeto de existência concreta ou imaginária, presente ou passado, de produção natural ou artificial" .

15. JOSÉ LUIZ FERREIRA PRUNES, no seu livro "A prescrição no direito do trabalho", LTr, São Paulo, 1990, afirma que "em qualquer hipótese as reivindicações ficam limitadas à propositura da ação até dois (2) anos após a ruptura do contrato. Isto em razão da prescrição apontada pelo então vigente art. 11 da CLT, como o novo princípio indicado pela Constituição";

16. apud ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 4ª ed. Malheiros, São Paulo, 1999, p. 46;

17. apud ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 4ª ed. Malheiros, São Paulo, 1999, p. 47;

18. GEORGE MARMELSTEIN LIMA, juiz federal substituto no Ceará, em artigo publicado na Internet sob o título "As funções dos princípios constitucionais", afirma que "serve o princípio como limite de atuação do jurista. Explica-se: no mesmo passo em que funciona como vetor de interpretação, o princípio tem como função limitar a vontade subjetiva do aplicador do direito, vale dizer, os princípios estabelecem balizamentos dentro dos quais o jurista exercitará sua criatividade, seu senso do razoável e sua capacidade de fazer a justiça do caso concreto. Nesse mesmo compasso, pode-se dizer que os princípios funcionam também como fonte de legitimação (padrão de legitimação constitucional) da decisão. Vale dizer: quanto mais o magistrado procura torná-los eficazes, mais legítima será a decisão; por outro lado, carecerá de legitimidade a decisão que desrespeitar esses princípios constitucionais. Em outras palavras: os princípios são as imposições deontológicas que legitimam as decisões. Assim, é correto dizer que os princípios podem ser vislumbrados em distintas dimensões: fundamentadora, interpretativa, supletiva, integrativa, diretiva e limitativa";

19. é consabido que as regras processuais são de ordem pública, fixadas em lei, pelo que somente por essa via é que deve o magistrado orientar-se;

20. como a prescrição é matéria de interesse e ordem pública, contra ela, pois, não ocorre a preclusão, podendo o juiz examiná-la mesmo sem a provocação de qualquer das partes;

21. A prescrição alcança apenas os efeitos patrimoniais representados pelas prestações anteriores ao período prescritivo fixado no ordenamento jurídico.

22. Enunciado n.º 153: "Não se conhece de prescrição não argüida na instância ordinária".

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Sobre o autor
Jorge Luiz Braga

advogado em Cuiabá (MT), pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá, pós-graduando em Gestão Empresarial pela UFMS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Jorge Luiz. Da prescrição trabalhista.: Da absoluta desnecessidade de argüição para a sua concessão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3692. Acesso em: 23 dez. 2024.

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