O presente artigo busca abordar como tema principal, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a sua concretude no âmbito do Ordenamento Jurídico Brasileiro sob o foco dos Direitos Humanos. Será analisado o status dessa Convenção como Emenda Constitucional. Serão analisadas algumas leis brasileiras que versam sobre os direitos relativos a pessoas portadoras de necessidades especiais, de qualquer espécie. Ao final irá ser discutido a respeito da evolução normativa e política acerca da temática envolvendo as pessoas com necessidades especiais.
Introdução
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada em Nova York, em 30 de março de 2007, aprovada pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo n º 186, de 9 de julho de 2008, e promulgada pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva em 25 de agosto de 2009, através do Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, passou a ter o status de Emenda Constitucional por força do no §3º art. 5º da Carta de 1988.
Um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana, que se encontra expresso no inciso I do Art. 1º da CF88. Por sua vez, conforme art. 3º, a construção de uma sociedade livre, justa, igualitária e a redução das desigualdades sociais, são alguns dos objetivos fundamentais do nosso país. Vale ressaltar que no âmbito das relações internacionais, conforme o art. 4º, o Brasil reger-se-á pela prevalência dos direitos humanos.
A Carta de 1988 reservou dispositivos específicos à temática Portadores de Deficiência, dispondo no §2º do art. 227 e no art. 244 que fossem criadas pelo Congresso Nacional normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadores de deficiência.
A Constituição Federal de 1988 dispôs no inciso XXXI do art. 6 º que o trabalhador portador de deficiência não poderia sofrer discriminação no tocante a salários e critérios de admissão no trabalho. No tocante ao acesso de empregos e cargos públicos, conforme o inciso VII do art. 37, a Carta de 1988 deixou a cargo de Lei Federal a definição de percentual mínimo obrigatório reservado vagas para pessoas portadoras de deficiência, bem como os critérios de admissão.
Outro direito expresso na Constituição de 1988 foi o da habilitação e o da reabilitação das pessoas portadoras de deficiência, bem como a promoção da integração destas com a vida comunitária, conforme inciso IV do art. 203. Esse mesmo dispositivo garantiu aos portadores de deficiência o recebimento de um salário mínimo, caso estes não comprovem possuir meios de prover sua subsistência, ou tê-la provida por sua família.
Metodologia
A metodologia a ser utilizada será fundamentada em um estudo descritivo baseado em pesquisa bibliográfica de natureza exploratória, por meio de Leis, Decretos, artigos jurídicos e livros, especialmente dos autores Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, Flávia Piovesan, Luiz Alberto David Araújo, George Salomão Leite, Sidney Madruga, Samir Dib Bachour, Carlos Henrique Bezerra Leite, José Blanes Sala, Internet, leis, doutrina e jurisprudência sobre o tema. Terá uma abordagem qualitativa, tendo em vista que buscar-se-á apresentar tema com base na doutrina e no ordenamento jurídico do nosso país.
Resultados e Discussão
A proteção internacional dos direitos humanos veio a surgir na seara internacional com mais força após o período da Segunda Guerra Mundial, tendo como marco referencial a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que foi aprovada através da Resolução 217 da ONU. Flávia Piovesan (2012, p. 37) discorreu acerca da concepção contemporânea de direitos humanos, afirmando que Essa concepção é fruto do movimento de internacionalização dos direitos humanos, que surge, no pós-guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos pelo nazismo.
Alguns dos principais princípios instituídos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos foram os direitos à vida, à igualdade, à não discriminação, à liberdade de locomoção e o direito ao trabalho. Tendo como base os princípios da Declaração Universal, a ONU em 30 de março de 2007 editou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Esta foi assinada e ratificada pelo Brasil, passando a ter o status de Emenda Constitucional por força do §3º art. 5º da Carta de 1988.
A construção histórica dos direitos humanos das pessoas com deficiência afirmou que essa foi dividida em quatro fases distintas. A primeira fase foi marcada pela intolerância em relação a essas pessoas. A segunda fase foi marcada pela indivisibilidade das pessoas deficientes. A terceira fase foi marcada por uma ótica assistencialista, pautada na perspectiva médica e biológica, com foco no indivíduo “portador de enfermidade” e a quarta fase, orientada pelo paradigma dos direitos humanos, com ênfase na relação da pessoa portadora de deficiência e do meio em que ela se insere. (PIOVESAN, 2012, p. 46)
A Convenção conceituou pessoas com deficiência como sendo aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
Os principais princípios estabelecidos no art. 3 º da Convenção são o respeito pela dignidade inerente, pela autonomia individual, pela liberdade do deficiente de fazer suas próprias escolhas, pela independência das pessoas com necessidades especiais, pela não discriminação e pelo respeito da diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade, pela igualdade de oportunidades e pela acessibilidade.
George Salomão Leite (2012, p. 60), afirmou que: “a dignidade humana é norma, e como tal deverá ser respeitada! A pessoa com deficiência é um ser humano, e como tal deve ser respeitada!”.
Segundo o art. 4º da Convenção, os Estados signatários terão que se comprometer a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência, devendo adotar diversas medidas políticas, legislativas, administrativas e judiciais para garantir esses direitos, como adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na Convenção e tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação baseada em deficiência, por parte de qualquer pessoa, organização ou empresa privada.
O Ordenamento Jurídico Brasileiro conta atualmente com várias disposições normativas sobre as pessoas portadoras de deficiências e necessidades especiais.
Uma das leis brasileiras que versam sobre Direitos das Pessoas com Deficiência é a Lei n º 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Ela estabeleceu normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação.
Um dos artigos dessa lei que protege o direito à mobilidade dos portadores de Necessidades Especiais é o Art. 7º, que estabelece a obrigatoriedade de reservar 2 % (dois por cento) das vagas em estacionamento regulamentado de uso público para serem utilizadas exclusivamente por veículos que transportem pessoas portadoras de deficiência ou com dificuldade de locomoção.
A Lei nº 12.587, de 03 de janeiro de 2012, sancionada pela Presidenta Dilma Rousseff, que instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, definiu no art. 5º, inciso I, como um dos princípios a acessibilidade universal e no art. 7º definiu como objetivos da política de mobilidade urbana reduzir as desigualdades e promover a inclusão social e proporcionar melhoria nas condições urbanas da população no que se refere à acessibilidade e à mobilidade, o que põe os portadores de necessidades especiais no centro dos objetivos e diretrizes das políticas públicas de acessibilidade e mobilidade urbana.
No caso da acessibilidade, temos produtos e equipamentos que auxiliarão os portadores de necessidades especiais na questão da mobilidade e acessibilidade. São chamados de produtos assistivos ou ajudas técnicas. Conforme art. 19 do Decreto 3.298, são considerados como ajudas técnicas os elementos que permitem compensar uma ou mais limitações funcionais motoras, sensoriais ou mentais da pessoa portadora de deficiência, com o objetivo de permitir-lhe superar as barreiras da comunicação e da mobilidade e de possibilitar sua plena inclusão social. José Blanes Sala (2012, p. 146) se referiu a tecnologia assistiva como: “serviços e recursos que visam proporcionar à pessoa com deficiência mais independência, qualidade de vida e inclusão social, por meio da aplicação de sua comunicação, mobilidade, controle de seu ambiente, habilidades, de seu aprendizado, trabalho e integração com sua família, amigos e sociedade”.
Outro direito essencial previsto na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência é o direito ao trabalho. Conforme art. 27 da Convenção, os Estados Partes salvaguardarão e promoverão a realização do direito ao trabalho, com o fim de proibir a discriminação baseada na deficiência com respeito a todas as questões relacionadas às formas de emprego, promover o emprego de pessoas com deficiência no setor privado, mediante políticas e medidas apropriadas, que poderão incluir programas de ação afirmativa, incentivos e outras medidas e assegurar que adaptações razoáveis sejam feitas para pessoas com deficiência no local de trabalho, entre outras medidas.
A Constituição Federal de 1988 dispôs no inciso XXXI do art. 6º que o trabalhador portador de deficiência não poderia sofrer discriminação no tocante a salários e critérios de admissão no trabalho e no tocante ao acesso de empregos e cargos públicos, conforme o inciso VII do art. 37, a Carta de 1988 deixou a cargo de Lei Federal a definição de percentual mínimo obrigatório reservado vagas para pessoas portadoras de deficiência, bem como os critérios de admissão. O art. 37, do decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999 dispôs que fica assegurado à pessoa portadora de deficiência o direito de se inscrever em concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador e que o candidato portador de deficiência, em razão da necessária igualdade de condições, concorrerá a todas as vagas, sendo reservado no mínimo o percentual de cinco por cento em face da classificação obtida.
Nesse contexto, o art. 93 da Lei 8.213 de 24 de julho de 1991 dispôs que a empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência Sobre o direito do Trabalho, Fernando Basto Ferraz e Thiago José Soares Felipe (2010, p.224) afirmaram: “Muito já se avançou do ponto de vista legal, no sentido de inserir a pessoa com deficiência no mercado de trabalho, combatendo, assim, a histórica discriminação que recebia no âmbito da sociedade.”.
Outro importante direito previsto na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi a Participação na vida política e pública. O art. 29 da Convenção dispôs que os Estados Partes garantirão às pessoas com deficiência direitos políticos e oportunidade de exercê-los em condições de igualdade com as demais pessoas, e deverão assegurar que as pessoas com deficiência possam participar efetiva e plenamente na vida política e pública, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos.
Atendendo a esses preceitos, o Tribunal Superior Eleitoral editou a Resolução nº 23.381, de 19 de junho de 2012, que instituiu o Programa de Acessibilidade da Justiça Eleitoral e dispôs no art. 2º que o Programa de Acessibilidade destina-se à implementação gradual de medidas para a remoção de barreiras físicas, arquitetônicas, de comunicação e de atitudes, a fim de promover o acesso, amplo e irrestrito, com segurança e autonomia de pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida no processo eleitoral.
Em 18 de novembro de 2011, foi publicado no Diário Oficial da União, o Decreto 7.612, de 17 de novembro de 2011, editado pela Presidenta Dilma Rousseff, que instituiu o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Plano Viver sem Limite. O Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência definiu no Art. 3º várias diretrizes do Plano Viver sem Limite como a garantia de um sistema educacional inclusivo e a garantia de que os equipamentos públicos de educação sejam acessíveis para as pessoas com deficiência, inclusive por meio de transporte adequado.
Conforme a cartilha elaborada pela Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (online) “O Brasil tem avançado na implementação dos apoios necessários ao pleno e efetivo exercício da capacidade legal por todas as pessoas com deficiência, ao empenhar-se na equiparação de oportunidades para que a deficiência não seja utilizada como impedimento à realização de sonhos, desejos e projetos.”.
Conclusão
Após a aprovação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e sua entrada no ordenamento jurídico brasileiro com o status de emenda constitucional, podemos observar que paulatinamente o nosso país, em termos de legislação e políticas públicas, tem avançado bastante na tentativa de garantir uma melhor qualidade de vida aos portadores de necessidades especiais. Um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana e um dos objetos fundamentais é promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Os portadores de necessidades especiais passaram a ter, no contexto da Convenção da ONU sobre os Direitos das pessoas com deficiência, vários direitos fundamentais reconhecidos, devendo os países que assinaram e ratificaram a convenção, adotarem medidas legislativas e administrativas para assegurar esses direitos aos portadores de necessidades especiais.
Em termos de legislação, avançamos muito para garantir que direitos básicos de cidadania possam ser usufruídos pelos portadores de necessidades especiais, como os direitos de acessibilidade, mobilidade e de participação na vida política. Para garantir ainda mais a efetivação dos direitos assegurados pela Convenção da ONU aos deficientes físicos, é preciso haver uma união dos governos e de toda a sociedade civil. Também é necessária uma maior atuação de órgãos como o Ministério Público e a Defensoria Pública, que podem utilizar o instituto processual da Ação Civil Pública, com base na Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989, destinado à proteção de interesses coletivos ou difusos das pessoas portadoras de deficiência.
Nos termos de políticas públicas, também avançamos, tanto que foi criada no âmbito da Presidência da República, a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que é um órgão integrante da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e atua na articulação e coordenação das políticas públicas voltadas para as pessoas com deficiência. Mas é preciso avançar ainda mais. É preciso que Estados e Municípios criem órgãos voltados à defesa dos direitos das pessoas com deficiência e estabeleçam políticas públicas no âmbito de suas circunscrições, conscientizando a população sobre a importância de assegurar esses direitos às pessoas portadoras de necessidades especiais.