Após onze anos, Rubens Barrichello será indenizado por uso indevido de imagem em campanha publicitária de 2004.

Uso de imagem alheia, ou alusão à pessoa tipifica dano moral

17/03/2015 às 18:07
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Após mais de uma década, Rubinho será indenizado pela agência de publicidade que fez campanha para a Velog, logística da falida Varig


 Nunca o ditado “A Justiça tarda, mas não falha” se encaixou tão bem numa situação, como no julgamento do REsp 1.432.324-SP, pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Esse processo, que teve origem em 2004,  diz respeito a um pedido de indenização feito pelo ex-piloto de Fórmula 1 Rubens Barrichello , pelo uso indevido de seu nome e de sua imagem em campanha publicitária produzida pela Full Jazz Comunicação e Propaganda para a Varig Logística S/A- Velog. Para quem não sabe, Velog era o serviço de entrega de malotes da Varig Logística, que teve a falência decretada em 2012.
 A peça publicitária, divulgada em 2004 apresentava uma criança de macacão vermelho – mesma cor da Ferrari, equipe em que Barrichello atuava na época – em um carro de brinquedo também vermelho, com a frase: "Rubinho, dá pra ser mais Velog?" Rubinho Barrichello processou a agência de propaganda e sua cliente, acusando-as de fazer alusão jocosa à sua carreira esportiva, de forma a ridicularizá-lo, além de usar indevidamente sua imagem.
 Na época, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que o uso do apelido do piloto não configurou ofensa aos seus direitos de personalidade e tampouco gerou a obrigação de indenizar, por se tratar de pessoa de grande notoriedade.
 O piloto recorreu ao STJ alegando que o fato de ser uma personalidade pública não autoriza empresa alguma a usar seu nome e imagem em campanha publicitária sem contrapartida financeira. Sustentou também que a publicidade não autorizada configura violação do direito de personalidade quando apresenta características capazes de identificar a pessoa, mesmo que não haja menção expressa a seu nome. Para respaldar seu pedido, usou o enunciado 278 da IV Jornada de Direito Civil, que interpreta o artigo 18 do Código Civil. Diz esse enunciado:
 “A publicidade que divulgar, sem autorização, qualidades inerentes a determinada pessoa, ainda que sem mencionar seu nome, mas sendo capaz de identificá-la, constitui violação a direito da personalidade.”
 Na ótica do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino,  “os danos morais por violação do direito de imagem decorrem exatamente do próprio uso indevido da imagem, não havendo necessidade de demonstração de outros prejuízos, conforme entendimento uniforme do STJ.” E ele deixou claro que a campanha publicitária tinha fim lucrativo e explorou a imagem do piloto, apesar de não utilizar seu nome completo, ao colocá-lo no contexto de sua atividade esportiva e chamá-lo pelo apelido.
 Acompanhando o voto do relator, a Terceira Turma, por unanimidade determinou que o tribunal paulista prosseguisse no julgamento da apelação e fixasse o valor da indenização devida por danos extrapatrimoniais.
 O voto do relator, Ministro Sanseverino, é o seguinte:
Eminentes Colegas, o presente recurso especial merece provimento.
Inicialmente, é importante delimitar a questão principal versada nos autos eletrônicos na forma consignada no acórdão recorrido, verbis:
O autor é conhecido piloto de automobilismo e apontou que as rés utilizaram-se indevidamente de seu nome e sua imagem em campanha publicitária; diante do alegado, pediu indenização por danos morais (fls.02/09), o que foi afastado pela sentença de fls. 290/292 e 297.
A propaganda questionada, veiculada pela mídia impressa e televisiva, está nos autos (fls. 63, 130 e 131) e não contém o nome completo do autor, tampouco a sua imagem.
No anúncio mencionado há foto de uma criança em um carro de brinquedo com a frase: "Rubinho, dá pra ser mais velog?".
A vinculação com o autor é, contudo, inegável, usando a propaganda o apelido pelo qual o requerente é conhecido pelos fãs do automobilismo, em contexto relacionado ao esporte, ainda que de forma indireta. (fls. 280/281)
Consta, ainda, que a criança da propaganda estaria usando um macacão vermelho, mesma cor da equipe de Fórmula 1 do autor, na época da veiculação da publicidade.
O acórdão recorrido, porém, concluiu no sentido da manutenção da sentença de improcedência por entender que o nome e a imagem do autor seriam de domínio público, tendo-se divulgado apenas o nome da empresa recorrida e o seu serviço, não o nome do recorrente. Aduziu que deveriam prevalecer as garantias constitucionais relativas à liberdade de expressão e informação.
Afirmou o Tribunal, ainda, que o uso com intuito meramente ilustrativo, "sem a intenção de macular a imagem ou reputação, ou mesmo de obtenção de lucro pelo uso do nome do autor, bem como considerando tratar-se de figura
pública de reconhecimento geral, não se caracteriza ofensa aos direitos da personalidade e, portanto, ausente a obrigação de indenizar" (fl. 282).
Partindo-se desse conteúdo fático delimitado pelo acórdão recorrido, a conclusão a ser alcançada é diametralmente oposta, tratando-se de hipótese clara de dano ao direito de imagem.
Conforme já aludido, o próprio acórdão recorrido concluiu, analisando a campanha publicitária, que a "vinculação com o autor é, contudo, inegável, usando a propaganda o apelido pelo qual o requerente é conhecido pelos fãs do automobilismo, em contexto relacionado ao esporte, ainda que de forma indireta" (fl. 281).
Esta Corte possui o entendimento uniforme no sentido de que os danos morais por violação do direito de imagem decorrem exatamente do seu próprio uso indevido, sendo prescindível a comprovação da existência de outros prejuízos por se tratar de modalidade de dano in re ipsa.
A esse respeito, relembrem-se os seguintes julgados desta Corte:
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. DIREITO À IMAGEM. ATLETA. UTILIZAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO PARA PROMOÇÃO DE EVENTO. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS
CONSTITUCIONAIS. NÃO CABIMENTO. AUSÊNCIA DE FINS LUCRATIVOS. IRRELEVÂNCIA. DANO MORAL. PROVA.DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. DOUTRINA.
1. Compete ao Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial, a análise da interpretação da legislação federal, motivo pelo qual se revela inviável invocar, nesta seara, a violação de dispositivos constitucionais, porquanto matéria afeta à competência do STF (art. 102, inciso III, da Carta Magna).
2. A obrigação da reparação pelo uso não autorizado de imagem decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo e não é afastada pelo caráter não lucrativo do evento ao qual a imagem é associada.
3. Para a configuração do dano moral pelo uso não autorizado de imagem não é necessária a demonstração de prejuízo, pois o dano se apresenta in re ipsa.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido. (REsp 299.832/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/02/2013, DJe 27/02/2013 - grifo nosso)
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. DANO À IMAGEM. DIREITO À INFORMAÇÃO. VALORES SOPESADOS.
OFENSA AO DIREITO À IMAGEM. REPARAÇÃO DO DANO DEVIDA. REDUÇÃO DO QUANTUM REPARATÓRIO. VALOR EXORBITANTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A ofensa ao direito à imagem materializa-se com a mera utilização da imagem sem autorização, ainda que não tenha caráter vexatório ou que não viole a honra ou a intimidade da pessoa, e desde que o conteúdo exibido seja capaz de individualizar o ofendido .
2. Na hipótese, não obstante o direito de informação da empresa de comunicação e o perceptível caráter de interesse público do quadro retratado no programa televisivo, está clara a ofensa ao direito à imagem do recorrido, pela utilização econômica desta, sem a proteção dos recursos de editoração de voz e de imagem para ocultar a pessoa, evitando-se a perfeita identificação do entrevistado, à revelia de autorização expressa deste, o que constitui ato ilícito indenizável.
3. A obrigação de reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não sendo devido exigir-se a prova da existência de prejuízo ou dano. O dano é a própria utilização indevida da imagem.
4. Mesmo sem perder de vista a notória capacidade econômico-financeira da causadora do dano moral, a compensação devida, na espécie, deve ser arbitrada com moderação, observando-se a razoabilidade e a proporcionalidade, de modo a não ensejar enriquecimento sem causa para o ofendido. Cabe a reavaliação do montante arbitrado nesta ação de reparação de dano moral pelo uso indevido de imagem, porque caraterizada a exorbitância da importância fixada pelas instâncias ordinárias. As circunstâncias do caso não justificam a fixação do quantum reparatório em patamar especialmente elevado, pois o quadro veiculado nem sequer dizia respeito diretamente ao recorrido, não tratava de retratar os serviços técnicos por este desenvolvidos, sendo o promovente da ação apenas um dos profissionais consultados aleatoriamente pela suposta consumidora.
5. Nesse contexto, reduz-se o valor da compensação.
6. Recurso especial parcialmente provido" (REsp 794.586/RJ, Rel.Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 15/3/2012, DJe 21/3/2012 - grifo nosso).
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO À IMAGEM. PUBLICAÇÃO DE FOTO SEM
AUTORIZAÇÃO. PROVEITO ECONÔMICO. LOCUPLETAMENTO INDEVIDO. DANO MORAL. PROVA. DESNECESSIDADE.
DIVULGAÇÃO COM FINS EDITORIAIS. SÚMULA 7/STJ. QUANTUM INDENIZATÓRIO. VALOR RAZOÁVEL. AGRAVO REGIMENTALDESPROVIDO.
1. 'Em se tratando de direito à imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo de cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano. O dano é a própria utilização indevida da imagem, não sendo necessária a demonstração do prejuízo material ou moral' ((REsp 267.529/RJ, Relator o Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ de 18/12/2000).
2. Tendo o Tribunal de origem, diante do contexto fático-probatório dos autos, reconhecido que a publicação tinha fins comerciais, a questão não pode ser revista em âmbito de Recurso Especial, ante o óbice da Súmula 7 desta Corte.
3. A orientação pacificada no Superior Tribunal de Justiça é de que o valor estabelecido pelas instâncias ordinárias a título de indenização por danos morais pode ser revisto tão somente nas hipóteses em que a condenação se revelar irrisória ou exorbitante, distanciando-se dos padrões de razoabilidade, o que não se evidencia no presente caso.
4. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no AREsp
148.421/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 19/9/2013, DJe 25/10/2013 - grifou-se).
Com efeito, o enunciado normativo do art. 18 do Código Civil é bastante claro, verbis:
Art. 18 - Sem autorização, não se pode usar nome alheio em propaganda comercial.
Corroborando esse entendimento, amolda-se perfeitamente ao caso o Enunciado nº 278, da IV Jornada de Direito Civil que, analisando o art. 18 do Código Civil, concluiu o seguinte:
A publicidade que divulgar, sem autorização, qualidades inerentes a determinada pessoa, ainda que sem mencionar seu nome, mas sendo capaz de identificá-la, constitui violação a direito da personalidade.
Na doutrina, Andréa Barroso Silva, analisando o direito à imagem, com ênfase nas chamadas pessoas públicas, esclarece o seguinte:
Conforme defende Ricardo Pinto, não se pode considerar que pelo fato de uma figura pública autorizar a divulgação de certos fatos de sua vida privada, tenha renunciado à proteção legal da inviolabilidade da mesma, passando a ser lícita a divulgação de outros fatos posteriores ou anteriores à sua vida privada. Afirma, ainda, o autor, que a jurisprudência francesa expressamente considera que a tolerância de uma pessoa perante a imprensa não faz presumir uma permissão definitiva para futuras revelações, que caracterizar-se-ão como violação de seu direito à reserva da vida privada, raciocínio integralmente aplicável ao direito à imagem.
Como destaca Mota Pinto, "com a decisão de divulgação ou não da sua imagem ou de factos relativos à sua vida privada, o titular regula as suas relações para com outras pessoas no comércio jurídico, actuando no exercício da sua autonomia privada", e prossegue concluindo que a limitação ou condicionamento produz efeitos na exata medida dessa decisão, exercendo o titular sua autodeterminação e explorando, muitas vezes, economicamente, informações protegidas".
Sendo assim, entende-se que o comportamento tolerante das figuras públicas não legitima a divulgação de sua imagem indiscriminadamente pelos meios de comunicação, que devem sempre respeitar o direito à imagem legalmente tutelado, devendo em casa caso se avaliar se estão presentes ou não as situações excepcionais que legitimam a limitação da autodeterminação pessoas sobre a própria imagem. (Direito à imagem, o delírio da redoma protetora - Direitos da Personalidade/ Jorge Miranda, Luiz Rodrigues Junior, Gustavo Bonato Fruet, organizadores. São Paulo: Atlas, 2012. p. 302-303)
No presente caso, não há qualquer dúvida de que a publicidade foi veiculada, com fins lucrativos, divulgando-se o apelido do autor, amplamente conhecido do público em geral, em um contexto que indicava claramente a sua
atividade (criança, em um carro de brinquedo, com um macacão na mesma cor que o autor usava em sua equipe de Fórmula 1), ainda que sem mencionar o seu nome completo, mas levando o consumidor a prontamente identificá-lo.
Enfim, merece acolhida a irresignação recursal para se julgar procedente a demanda indenizatória. Deixo apenas de proceder ao imediato arbitramento da indenização por danos extrapatrimoniais, pois foram veiculados outros pedidos na petição inicial, que devem ser apreciados pelo tribunal de origem, prosseguindo no exame da apelação.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, reformando o acórdão recorrido e determinado o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que, prosseguindo no julgamento da apelação, sejam apreciados os demais pedidos constantes da petição inicial, inclusive o arbitramento da indenização por danos extrapatrimoniais.
É o voto.

 Este é um caso similar ao do palhaço Tiririca, que travestindo-se de Roberto Carlos e fazendo uma paródia de uma música do cantor usada em sua campanha eleitoral, acabou processado pelo cantor, pelo autor da música e pela Emi Songs do Brasil Edições Musicais Ltda e recebeu, em primeira instância a seguinte sentença prolatada pelo juiz Marcio Teixeira Laranjo da 21ª Vara Cível do Forum Central:

Julgada Procedente a Ação
Pelo exposto, julgo PROCEDENTE o pedido da presente ação para a condenar os réus a se absterem de utilizar a obra musical "O Portão" em seus anúncios eleitorais, mantendo a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, e no pagamento de indenização por danos materiais pelo uso e alteração da letra da obra, a ser apurada em liquidação por artigos. Por força da sucumbência, condeno os requeridos no pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% do valor da condenação. Para efeito de recolhimento do preparo recursal, deverá ser adotado o valor da causa atualizado. P. R. I.
   
 Vejam,a jurisprudência em vigor, apesar dos cuidados que tem com o abuso de processos por danos morais, entende que não há necessidade de citar nome para que seja configurado o dano. Basta que os elementos presentes levem à identificação da pessoa para que seja estabelecido o dano moral. É aí que Rubinho acerta e Tiririca “enfia o pé na jaca”, uma vez que segundo Fabrício Zamprogna Matiello, autor do livro “Dano moral, dano material e reparação”, dano é “qualquer ato ou fato humano produtor de lesões a interesses alheios juridicamente protegidos”.

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Sobre a autora
Maria Luísa Duarte Simões

Formada em jornalismo pela Universidade Metodista do Estado de São Paulo, onde também cursei Publicidade e Propaganda e Teologia. Mais tarde, depois de ganhar 3 Prêmios Esso, 1 Prêmio Telesp, 1 Prêmio Remington e 1 Prêmio Status de contos, resolvi me dedicar à carreira jurídica. Para tanto fiz a Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, onde me formei em 1985. Fiz pós graduação em Direito Penal na Faculdade do Largo São Francisco, sob a supervisão do prof. Dr. Miguel Reale Júnior. Hoje dedico-me a criticar as coisas erradas, elogiar as certas e ironizar aquelas que se travestem de corretas, mesmo sendo corruptas. Sou sua vigilante diária das traquinagens governamentais e da sociedade em geral. Sou comprometida com a verdade, o que muitas vezes vai me fazer dizer aquilo que você não que ouvir.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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