O ditador fascista (“Generalíssimo”) Francisco Franco dá o pão que o povo espanhol merece. É isso que se ouve no filme O Labirinto do Fauno. De todo modo, o melhor da arte é que não há certo ou errado (apenas o muito errado, que é quando você é o único a não entender nada). No caso deste filme, a enteada de um capitão fascista é uma princesa; e será morta pelo padrasto. De um lado o militar e exímio torturador, assassino de crianças; de outro, a jovem menina que tem visões de um Fauno – uma figura mítica greco-romana. Deste ponto em diante, pode-se pensar tanto no realismo mágico – tão bem representado pelo gênio de Gabriel Garcia Márquez (a vaca comendo o tapete do ditador) – quanto nos sonhos ou expectativas das crianças (e dos adultos) em se livrar o mais rápido possível dos grilhões da opressão.
Também o enredo pode repercutir o imaginário popular em busca de liberdade e de justiça. A menina, orientada pelo Fauno, coloca embaixo da cama de sua mãe uma raiz de Mandrágora. A mãe está grávida de outro filho – aliás, já se sabe que será um menino (sem exame de ultrassonografia) – e tem sangramentos terríveis que podem ocasionar sua morte prematura. Talvez, até mesmo antes do nascimento do bebê. O capitão queria que fosse herdeiro de seu nome e do fascismo. Quando é fuzilado por rebeldes, na última cena, ficamos sabendo que o recém-nascido nem saberá quem foi seu pai. O povo deplora, despreza ditadores. Porque são degenerados.
Quanto à raiz, aprendemos com Maquiavel – o mesmo que escreveu O Príncipe; possivelmente, o livro menos compreendido de toda a Ciência Política – que, tanto a política quanto os remédios (pharmakón, em grego) podem ser bons ou maus; nunca neutros. Considerada a primeira comédia moderna, A Mandrágora (1518) narra a história de Calímaco que, movido por uma aposta, conhece e deseja ardentemente uma mulher casada. Para conquistá-la, com a ajuda de um embusteiro, um Frei inescrupuloso e da mãe da jovem casada, Calímaco se passa por médico e lhe receita um tratamento afrodisíaco, à base da planta Mandrágora.
Neste único romance (novela, na verdade) do florentino, encontramos um Maquiavel preocupado com a “moral”. Maquiavel e a personagem usam da sordidez política para atingir as finalidades superiores que são a razão de sua vida. A exemplo dos motivos que justificaram a sedução de Lucrécia por Calímaco: “Tua astúcia, a tolice de meu marido, a ingenuidade de minha mãe e a malícia de meu confessor me levaram a fazer o que, por mim, eu nunca teria feito; portanto, quero crer que isso tenha sido determinação do céu — e quem sou eu para recusar o que o céu quer que eu aceite?” (p. 102-3). Seria(á) imoral utilizar-se da sordidez de seu algoz para não ser vencido e, quem sabe, ainda obter algum benefício pessoal?
O que Maquiavel ensina nesse momento é que a razão, quando bem empregada, livra-nos das armadilhas postadas pela ingenuidade pessoal ou perversidade alheia. Como nosso momento inspira todos os cuidados com o veneno do fascismo (e sempre será pouco, como prudência política), cabe lembrar as últimas observações de Camus, em A Peste: “O bacilo da peste não morre nem desaparece nunca; talvez venha o dia em que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acordará seus ratos e os mandará morrer numa cidade feliz”.