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O orçamento público no Brasil:

uma visão geral

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01/02/2003 às 00:00
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LEIS ORÇAMENTÁRIAS

&nbsp        O processo de elaboração e discussão da proposta orçamentária desenvolve-se praticamente durante todo o ano, a fim de permitir sua execução a partir do início do exercício seguinte.

&nbsp        Pela Constituição Federal, cabe à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente, entre outros casos, sobre direito financeiro e orçamento ( art. 24, incisos I e II), sendo da União a competência para o estabelecimento de normas gerais (art. 24, § 1º da CF), o que não exclui a competência suplementar dos Estados (art. 24, § 2º da CF).

&nbsp        Visando ao estabelecimento das citadas normas gerais de Direito Financeiro, prevê a Constituição Federal brasileira, no § 9º do art. 165, a elaboração de uma lei complementar, cujo objetivo é dispor sobre "o exercício financeiro; a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual, e ainda estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta, bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos."

&nbsp        A despeito da determinação constitucional, a citada lei complementar ainda não foi elaborada. Para disciplinar a matéria tem sido observada a Lei nº 4.320/64, que, apesar de anterior à Constituição Federal de 1988, foi por esta recepcionada, estabelecendo, pois, normas de direito financeiro para a elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

&nbsp        Considerando as regras determinadas pela Constituição Federal e pela Lei nº 4.320/64 (e alterações posteriores), o orçamento da União é elaborado pelos três poderes da República [1] e consolidado pelo Poder Executivo. Apesar de não haver disposição expressa, ele precisa velar pelo equilíbrio, isto é, não pode fixar despesas em valores superiores às receitas previstas. Essa limitação obriga o governo a definir prioridades na aplicação dos recursos estimados e constitui, por assim dizer, o verdadeiro cerne do processo orçamentário.

&nbsp        As metas para a elaboração da proposta orçamentária são definidas pelo Plano Plurianual (PPA) e priorizadas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

&nbsp        Dispõe o art. 35, § 2º, inciso I do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que, até a entrada em vigor da lei complementar a que se refere o art. 165, §9º da CF, "o projeto do Plano Plurianual, para vigência até o final do primeiro exercício financeiro do mandato presidencial subseqüente, será encaminhado ao Congresso até quatro meses antes do encerramento do primeiro exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa."

&nbsp        A própria Constituição Federal estabelece no § 1º do art. 165 o conteúdo da lei que instituir o plano plurianual, dispondo, in verbis:

&nbsp        Art. 165 - (...)

&nbsp        § 1º - A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.

&nbsp        A finalidade do PPA, em termos orçamentários, é a de estabelecer objetivos e metas que comprometam o Poder Executivo e o Poder Legislativo a dar continuidade aos programas na distribuição dos recursos. O PPA precisa ser aprovado pelo Congresso até o final do primeiro ano do mandato do Presidente da República. O controle e a fiscalização da execução do PPA são realizados pelo sistema de controle interno do Poder Executivo e pelo Tribunal de Contas da União.

&nbsp        Funcionando, pois, como uma espécie de carta de intenções do governo, depois de aprovado, o Plano Plurianual (PPA) é válido para os anos seguintes do mandato.

&nbsp        A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), por sua vez, prioriza as metas do PPA e orienta a elaboração do Orçamento Geral da União, que terá validade para o ano seguinte. O projeto da LDO é elaborado pelo Poder Executivo e precisa ser encaminhado ao Congresso Nacional até oito meses e meio antes do encerramento do exercício financeiro (art. 35, § 2º, inciso II do ADCT). O projeto da LDO tem como base o PPA e deve ser devolvido pelo Congresso Nacional para sanção do Presidente da República até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa.

&nbsp        Com base na LDO, o Poder Executivo elabora a proposta orçamentária para o ano seguinte, com a participação dos Ministérios (órgãos setoriais) e das unidades orçamentárias dos Poderes Legislativo e Judiciário. Por determinação constitucional (art. 35, § 2º, inciso III do ADCT), o governo é obrigado a encaminhar o projeto de lei do orçamento ao Congresso Nacional até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro. Acompanha a proposta uma mensagem do Presidente da República, na qual é feito um diagnóstico sobre a situação econômica do país e suas perspectivas.

&nbsp        A lei orçamentária anual compreenderá [2], por seu turno, três orçamentos:

&nbsp        1 "o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;

&nbsp        2 . orçamento de investimentos das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;

&nbsp        3. o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público."

&nbsp        A integração destes três instrumentos implica a agregação da despesa pública, obtendo-se a integração programática do setor público federal, a discriminação dos objetivos e metas e a introdução de dados físicos para a mensuração dos projetos e atividades, ensejando o acompanhamento e a avaliação dos resultados.

&nbsp        Isto posto, resta por evidente a preocupação do constituinte originário em interligar planejamento e orçamento, sendo aquele representado pelo Plano Plurianual e este pela Lei de Diretrizes Orçamentárias e pela Lei Orçamentária anual.

&nbsp        Tal sistemática na elaboração do orçamento permite, assim, a vinculação das dotações orçamentárias a objetivos de governo. Esse enfoque possibilita obter uma visão daquilo que "o governo faz", o que tem significado bastante diferenciado do enfoque tradicional, que visualizava aquilo em que "o governo gasta".


NOVA VISÃO SOBRE O ORÇAMENTO

&nbsp        Como, de um modo geral, o crescimento do setor público está diretamente relacionado ao aumento da população, ao seu nível de renda per capita e à estrutura de faixa etária, fatalmente o Estado brasileiro teria mesmo que abandonar a posição de direção para efetivamente prestar, por sua conta, políticas e atividades de bem-estar. Isso porque, no Brasil, encontram-se presentes todos os fatores supracitados, os quais acabam por exercer pressão por serviços sociais básicos como assistência à saúde, à infância, educação, serviços de segurança etc.

&nbsp        A soma dos fatores de pobreza da população e da sua dependência cada vez maior em relação à prestação de serviços estatais, aliados, é claro, à já constatada realidade de que o Estado emprega muito mal seus recursos, causa, por conseguinte, uma constante ampliação do montante referente à despesa, forçando, cada vez mais, a busca de novas fontes de custeio, e, principalmente, de mecanismos eficazes de controle.

&nbsp        O fato é que o Estado parece dar sinais de não poder arcar com um valor tão elevado de sua despesa, sobretudo se comparado à disponibilidade de recursos em face de seu endividamento. A fim de conter esse processo, passou-se, então, a falar na redução do tamanho do Estado, na sua reorganização, visando à retomada da taxa de desenvolvimento sustentável.

&nbsp        Tais são as razões que levaram o Poder Executivo a enviar ao Congresso Nacional um conjunto de alterações em dispositivos da Constituição Federal que propõe:

&nbsp        - Restrição à criação de novos Estados e Municípios;

&nbsp        - Aperfeiçoamento no processo de elaboração dos orçamentos;

&nbsp        - Mudança na relação entre os Poderes Executivo e Legislativo e na fixação dos limites para operação de créditos dos Estados;

&nbsp        - Exigência de maior controle nos gastos com pessoal por parte dos três poderes.

&nbsp        Como resultado das reformas em andamento, atualmente temos os seguintes instrumentos que visam a garantir o equilíbrio das contas públicas e o atendimento de necessidades sociais básicas:

&nbsp        - Lei Complementar n.º 101, de 04 de maio de 2000 (Lei da Responsabilidade na Gestão Fiscal) - que estabeleceu limites para as despesas de pessoal: em nível da União - 50% da receita corrente líquida federal; em nível dos Estados e Distrito Federal - 60% e em nível dos municípios - 60%;

&nbsp        - O acompanhamento sistemático das despesas de Pessoal e Encargos Sociais foi aperfeiçoado, assegurando-se com essa medida que os gastos com admissão e benefícios de pessoal não assumam montantes incompatíveis com a arrecadação;

&nbsp        - No âmbito da Lei de Diretrizes Orçamentárias é estabelecido valor mínimo para aplicação na área da saúde;

&nbsp        -Dispositivo Constitucional determina a aplicação mínima de 25% da receita tributária na área da educação;

&nbsp        - Foram estabelecidos parâmetros disciplinadores do gasto com os Poderes Legislativo e Judiciário;

&nbsp        O efeito esperado com tais mudanças é duplo: maior eficiência na gestão das políticas públicas e possibilidade de se ajustar o dispêndio às necessidades de retomada dos investimentos em áreas hoje carentes de expansão e modernização, em particular de elevado interesse social.

&nbsp        Mas, tais medidas seriam inócuas se não houvesse uma reformulação no instrumento de asseguramento dos gastos, qual seja, o orçamento. Daí a necessidade de estabelecer medidas para que a lei orçamentária não apenas sirva como uma peça meramente contábil, mas sim como ferramenta para a execução e controle dos gastos públicos.

&nbsp        Para tanto, de grande importância são os critérios de classificação das contas públicas, pois são utilizados para facilitar e padronizar as informações a serem obtidas. Pela classificação é possível visualizar o orçamento por poder, por instituição, por função de governo, por programa, por projeto e/ou atividade, ou, ainda, por categoria econômica.

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&nbsp        Várias são as razões por que deve existir um bom sistema de classificação no orçamento, a saber:

1) facilitar a formulação de programas;

&nbsp         2) proporcionar uma contribuição efetiva para o acompanhamento da execução do orçamento;

&nbsp         3) determinar a fixação de responsabilidades e

&nbsp         4) possibilitar a análise dos efeitos econômicos das ações governamentais.

&nbsp        A lei nº 4.320/64 estabelece a obrigatoriedade de classificação segundo critérios, dentre os quais o da classificação por categoria econômica, cuja importância refere-se ao impacto das ações de governo na conjuntura econômica do país. Ela possibilita que o orçamento constitua um instrumento de importância para a análise e ação de política econômica, de maneira a ser utilizado no fomento ao desenvolvimento nacional, no controle do déficit público etc.

&nbsp        A moderna visão de gestão fiscal responsável não concebe, pois, o planejamento apenas dos quantitativos financeiros das ações, mas também dos quantitativos físicos que irão reverter em benefício do cidadão/contribuinte, introduzindo parâmetros de custos destas ações, o que acaba por exigir mudança de postura por parte de governantes e dirigentes.

&nbsp        Nesse sentido, deve-se tomar como premissa básica a transparência na realização dos gastos, segundo referenciais de eficiência e eficácia, aliada à sua seletividade e otimização, tudo a fim de cumprir os objetivos e metas do Estado brasileiro (aqueles a que se referem o Art. 3º da Constituição Federal).

&nbsp        A elaboração de uma proposta orçamentária eficiente e condizente com os ditames legais recomenda, necessariamente:

&nbsp        - a compreensão da importância dos instrumentos (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias, e Lei Orçamentária Anual);

&nbsp        - a precisão, padronização e agilização das informações gerenciais dos processos de elaboração e execução que subsidiam a tomada de decisões e que irão repercutir sobre todo o ciclo orçamentário, evitando-se, com isso, excessivas correções e desvios.

&nbsp        - o entendimento de que a metodologia de trabalho a ser seguida pelos governantes deve ser consistente com o equilíbrio das contas públicas e com as metas a serem alcançadas pela administração que, em última instância, se entende como o atendimento dos reclamos da sociedade.

&nbsp        Assim, a mudança na sistemática orçamentária traz importantes modificações de cunho metodológico, introduzindo elementos que evidenciam a transparência de suas ações e contínua prestação de contas, não apenas no sentido financeiro, mas no de prover informações, discutir alternativas, exibir custos e resultados de suas ações, criando no setor público uma cultura de respeito à sociedade.


CONCLUSÃO

&nbsp        O período de estabilidade econômica e o déficit fiscal vieram reforçar a importância do papel do orçamento público, que deixou de ser apenas um instrumento de controle financeiro para desempenhar importante papel no processo reformulação do Estado.

&nbsp        O orçamento público é instrumento de planejamento das ações governamentais e dele constam todas as receitas passíveis de serem arrecadadas num determinado exercício e sua destinação, pelas ações explicitadas nos diversos projetos e atividades.

&nbsp        Em períodos de crise, em que os recursos se tornam mais escassos e as despesas maiores, e não havendo a desculpa dos altos índices de inflação, fica mais evidente o tamanho do déficit público. Ao mesmo tempo em que se recorre a iniciativas que promovam o aumento da arrecadação, exige-se, de outro lado, que o processo decisório de alocação desses recursos seja aperfeiçoado, para que todas as prioridades sejam atendidas e não haja descontinuidade nas ações de prestação de serviços básicos.

&nbsp        O estabelecimento de limites de dispêndio leva os órgãos executores da política governamental a racionalizarem suas despesas, minimizando custos, através da redução de quantitativos físicos ou financeiros, negociando preços mais atrativos, enfim, toda uma reformulação da visão na consecução do gasto.

&nbsp        Desse modo, além de instrumento de planejamento na formulação das ações de políticas públicas o orçamento passa a ser ferramenta para a ação gerencial do Estado, visto que introduz novos conceitos e indicadores que permitem avaliar a eficácia e a efetividade da prestação dos serviços públicos.

&nbsp        Não há, portanto, como se pensar em planejamento sem se aperfeiçoarem os orçamentos para que eles reproduzam fielmente os planos de governo e as políticas públicas. Para tanto é necessário ter em vista uma efetiva cobrança de resultados pela sociedade das ações desenvolvidas pelos governos, as quais devem ser aferidas em termos de benefícios que lhe foram prestados, sem esquecer, é claro, da importância de promover a responsabilização dos "gerentes do poder" em caso de má gestão na realização dos gastos.

&nbsp        O destaque que se tem dado para os indicadores pretende chamar a atenção para o fato de que o momento não concebe mais dissociar o planejamento financeiro das respectivas metas físicas. Não é possível empregar recursos em algo que não reverta benefícios, ou, o que é pior, que reverta benefícios em favor apenas dos detentores do poder.

&nbsp        Essa mudança de modelo de planejamento, orçamento e gestão exige maior responsabilidade e racionalidade no processo de alocação dos recursos, impondo um novo padrão de cultura na administração pública, pautada em transformações qualitativas que passam, é claro, pela modernização da máquina governamental e da legislação correlata.

&nbsp        Assim, o processo de mudança não se refere apenas à revisão do processo orçamentário e financeiro, mas principalmente à adoção de um código de boas condutas dos administradores públicos, que com suas ações revertam benefícios em favor da população, propiciando não só o equacionamento da questão fiscal, como também a elevação no nível de satisfação da sociedade quanto ao atendimento de suas necessidades.


NOTAS

&nbsp        01. Ao Poder Judiciário, por meio do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores, e ao Legislativo compete a elaboração de suas propostas. Também ao Ministério Público da União, por meio do Procurador Geral da República, cabe a formulação de sua proposta orçamentária. Tais propostas serão consolidadas pelo Poder Executivo e encaminhadas ao Congresso para discussão e votação.

&nbsp        02. Conforme o disposto no Art. 165, § 5º, incisos I a III da Constituição Federal brasileira.


BIBLIOGRAFIA

&nbsp        Livros Consultados:

&nbsp        BASTOS, Celso Ribeiro - Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário - 2ª edição, Saraiva: 1992.

&nbsp        SILVA, José Afonso da - Curso de Direito Constitucional Positivo - 11ª edição, Malheiros Editores, 1996.

&nbsp        MACHADO, Hugo de Brito - Curso de Direito Tributário - 11ª edição, Malheiros Editores, 1996.

&nbsp        MORAES, Alexandre de - Direito Constitucional - 4ª edição, São Paulo: ATLAS, 1998.

&nbsp        TORRES, Ricardo Lobo - Curso de Direito Financeiro e Tributário - Renovar, 2ª edição, 1995.

&nbsp        GIACOMINI, James - Orçamento Público - São Paulo: editora ATLAS, 1999.

&nbsp        Legislação:

&nbsp        CUSTÓDIO

, Antonio Joaquim Ferreira - Constituição Federal Interpretada pelo STF - 3ª edição, São Paulo: Editora Oliveira Mendes, 1998.

&nbsp        Lei nº 4.320/64, inserida no Código Tributário Nacional da editora Revista dos Tribunais.

&nbsp        Endereços dos sites pesquisados na Internet:

&nbsp        Site da Associação Brasileira de Orçamento Público:

&nbsp        www.abop.org.br/

&nbsp        Site oficial do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão do governo federal brasileiro:

&nbsp        www.planejamento.gov. br/

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Sobre o autor
Alysson Maia Fontenele

juiz de Direito no Acre

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONTENELE, Alysson Maia. O orçamento público no Brasil:: uma visão geral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3738. Acesso em: 17 abr. 2024.

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