Alienação parental: a proteção da criança e do adolescente à luz da garantia constitucional

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O presente trabalho tem como escopo a Alienação Parental, com ênfase na garantia constitucional de proteção integral à criança e ao adolescente, consubstanciada nos artigos 226 e 227 da Carta Magna de 1988, como também na Lei nº 12.318/2010.

INTRODUÇÃO

A convergência entre o Direito e a Psicologia é vital e indispensável para uma eficiente e promissora proteção das relações familiares.

Diante da prática comum da alienação parental no seio das relações em família, torna-se mais complexa a resolução do problema familiar retro citado.

Desta feita, o presente trabalho tem como escopo a Alienação Parental, com ênfase na garantia constitucional de proteção integral à criança e ao adolescente. Não obstante essa prática é realizada há algum tempo, apenas recentemente a discussão ao seu respeito começou a ganhar espaço.

No intento de garantir maior eficácia ao seu arcabouço legislativo, a Ciência Jurídica procura acompanhar as transformações pelas quais passa a sociedade, visto que a mesma como tal é fruto de mutações. Para melhor entender a Alienação Parental e as consequências da mesma, faz-se necessário uma breve passagem pela origem e evolução do instituto familiar, possibilitando compreender o contexto em que insere-se atualmente.

Outrossim, diante do aumento da ocorrência de tal conduta entre os genitores, por ocasião da dissolução da conjugalidade, é importante destacar como funciona esse fenômeno e como ele afeta os membros da família, gerando danos devastadores na criança ou adolescente.

Com efeito, isso nos leva a procurar entender como se dá sua prevenção e/ou repressão por parte do Estado, tendo em vista as consequências psicossociais geradas, merecendo destaque a tutela constitucional consubstanciada nos artigos 226 e 227 da Carta Magna de 1988, como também na Lei nº 12.318 de 2010, que dispõe especificamente sobre Alienação Parental.

A vertente metodológica desta pesquisa é de natureza qualitativa. Destarte, a pesquisa utiliza entrevistas com profissionais que militam na área explorada neste trabalho, visando permitir um aprofundamento prático, e não apenas teórico.

O método de abordagem utilizado é o dedutivo, partindo de uma premissa geral para uma particular. Já o método jurídico utilizado é o sistemático

Com base no objetivo geral, tal pesquisa é classificada como exploratória. Quanto ao procedimento técnico utilizado, é classificada como sendo bibliográfica.

A técnica de pesquisa é a de documentação indireta, por quanto consiste no recolhimento de informações sobre o campo de seu interesse. Daí a presente pesquisa ser basicamente centrada em análises a legislação e obras doutrinárias afetas ao tema. Como a matéria tem caráter interdisciplinar, utilizam-se obras contendo as opiniões de juristas, psicólogos e demais profissionais envolvidos no universo da alienação parental.

Não tem este trabalho a pretensão de esgotar todo o possível esclarecimento a respeito do tema ora proposto. Serão aqui abordadas a questão da autoridade parental, da dissolução do casamento ou união estável e a guarda compartilhada, bem como a importância do papel exercido por cada profissional ligado à resolução do problema, inclusive dos profissionais relacionados ao trato da saúde mental e psicológica.


1. ASPECTOS DA FAMÍLIA BRASILEIRA SOB A ÉGIDE DA LEGISLAÇÃO CIVIL E CONSTITUCIONAL

1.1. CONCEITO DE FAMÍLIA

A alienação parental e as consequências psicossociais que decorrem dela afetam diretamente o núcleo familiar, desfazendo-o. Desestrutura os genitores e com força maior, a criança ou adolescente alienado, verdadeira vítima dessa ação. A priori, deve-se procurar entender o instituto da família, que representa um dos pilares da sociedade, exercendo influência tal que merece especial tutela do Estado. O sociólogo Pedro Scuro Neto (2010, p. 43-44), analisando a família como um dos modelos sociais de conduta, afirma:

Com efeito, graças a modelos de conduta em todas as civilizações, as ideias de família, justiça, amor, etc. assumiram conteúdos sociais precisos no contexto de instituições ligadas por um elo comum – a norma, elemento que concede unidade ao sistema; [...] No entanto, no decorrer da vida, sobretudo na infância e na juventude, continuamos a aprender modelos sociais de conduta, que assimilamos e transformamos em regras, incorporando-os ao nosso próprio ser e modo de agir.

Logo, é no seio familiar que absorvemos os valores que se integrarão à nossa personalidade, e serão reproduzidos na convivência com os demais membros. Nessa perspectiva, à medida que é um dos pilares da sociedade, é indubitável o papel que assume no contexto da formação do sujeito.

O Direito de Família é, sem dúvida, aquele em que mais nos deparamos com sentimentos inerentes à pessoa humana. É inevitável não lidar com sentimentos, sejam eles positivos ou negativos. Sua atuação envolve aspectos relevantes da pessoa humana, trazendo à tona a vulnerabilidade do indivíduo e a necessidade de proteção pela ordem jurídica.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 17):

A família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do Estado.

É certo que a família não se trata de uma ficção, mas de uma realidade que não envolvem apenas alguns, mas sim todos os membros da sociedade. Em virtude de sua importância, a mesma recebe proteção do Estado, que busca resguardar esse pilar. O Código Civil de 2002 não define o que é família, e entre as muitas civilizações existe diversidade de conceito. Fica a cargo da doutrina sua tentativa conceitual. A importância da sua conceituação se dá para a análise sistemática da mesma, ao longo da história e o aspecto atual em que está contextualizada.

Cáio Mário da Silva Pereira (2004, p. 19), por sua vez, buscando conceituar a família, afirma:

Ao conceituar a família, destaque-se a diversificação. Em sentido genérico e biológico, considera-se família o conjunto de pessoas que descendem de tronco ancestral comum. [...] Na verdade, em senso estrito, a família se restringe ao grupo formado pelos pais e filhos. Aí se exerce a autoridade paterna e materna, participação na criação e educação, orientação para a vida profissional, disciplina do espírito, aquisição dos bons ou maus hábitos influentes na projeção social do indivíduo. Aí se pratica e desenvolve em mais alto grau o princípio da solidariedade doméstica e cooperação recíproca.

Conforme leciona o autor supramencionado, a família, em seu sentido estrito, liga-se à ideia de pais e seus descendentes e tem direta e imediata relação no desenvolvimento do menor.

Ainda na perspectiva conceitual, vejamos as lições de Silvio de Salvo Venosa (2010, p. 2):

Pode ainda ser considerada a família sob o conceito sociológico, integrado pelas pessoas que vivem sob um mesmo teto, sob a autoridade de um titular. Essa noção, sempre atual e frequentemente reconhecida pelo legislador, coincide com a clássica posição do pater famílias do Direito Romano, descrita no Digesto por Ulpiano.

É por meio dela que haverá o desenvolvimento dos hábitos do indivíduo, que determinará seus valores em seus diversos relacionamentos e consigo. Sua função não se restringe à criação material da criança ou adolescente, ou mesmo ao aspecto patrimonial, vai além. Repercutirá e influenciará tanto no psicológico como nas relações sociais dos mesmos. Nesse ínterim, muitas são as posições acerca do que seja a família, e é certo que ao longo da história seu conceito e suas características foram evoluindo, modificando-se, refletindo as novas faces da sociedade.

Observa com propriedade Pablo Stolze Glagiano e Rodolfo Pamplona Filho (2011, p. 43):

Posto isso, é forçoso convir que nenhuma definição nessa seara pode ser considerada absoluta ou infalível, uma vez que a família, enquanto núcleo de organização social, é, sem dúvida, a mais personalizada forma de agregação intersubjetiva, não podendo, por conseguinte, ser aprioristicamente encerrada em um único standard doutrinário.

Ainda que diversos os conceitos ou posições do que seja família, é sem dúvida o instituto que mais revela o íntimo da vida das pessoas. É a responsável pela continuidade cultural do ser humano, pela transmissão dos valores e formadora da base dos indivíduos em suas relações, daí sua importância para o Estado e a razão pela qual recebe tutela especial.

1.2. ORIGEM E EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA

A família é, sem dúvida, instituição mais antiga que o próprio Estado. Desde o surgimento da raça humana, a família existe, embora não nos moldes atuais. Desde a Antiguidade sua extensão tem se alterado.

Segundo Ana Carolina Brochado Teixeira (2009, p. 9-10):

O contexto histórico está diretamente atrelado às mudanças sucedidas no interior da família. O universo doméstico não vive de forma paralela ao “mundo” externo, seja no âmbito da economia, da política e da cultura. [...] O relacionamento dentro da família também não está isento das transformações havidas nas relações públicas e interprivadas, mesmo porque “a família é o elemento ativo; nunca permanece estacionária”.

Em seu estado primitivo, as relações entre os membros da tribo caracterizavam-se pela endogamia. A monogamia fez surgir o caráter patriarcal na família. Logo, o seu papel na sociedade passou a ser de uma família institucional, patriarcal, matrimonial, e assim, manteve-se por longo tempo.

A família nos moldes romanos, chefiada pelo pater famílias era deveras patrimonialista. As uniões matrimoniais não se fundamentavam no aspecto amor, pelo contrário, eram assentadas em interesses econômicos. O casamento legitimava a filiação, de maneira que o filho havido fora do casamento era punido. Todos do grupo eram submissos ao chefe de família, que detinha poder quase ilimitado e atribuições além das domésticas.

A família assumida pelo Código Civil de 1916 era legitimada e constituída por meio do matrimônio, reflexo da contribuição do Direito Canônico. “O Cristianismo condenou as uniões livres e instituiu o casamento como sacramento, pondo em relevo a comunhão espiritual entre os nubentes” (VENOSA, 2010, p. 4). O resultado dessa influência foi atribuir uma relação hierárquica em que a mulher e os filhos deveriam obedecer ao Chefe da família; esta, por sua vez, só se legitimava pela instituição do casamento que era reconhecidamente indissolúvel. Na medida que o casamento era visto como sagrado, qualquer versão que divergisse era recebida com total estranheza e preconceito.

Analisando o contexto em que se enquadrava a entidade familiar, Maria Berenice Dias (2010, p. 28), leciona:

Em uma sociedade conservadora, os vínculos afetivos, para merecerem aceitação social e reconhecimento jurídico, necessitavam ser chancelados pelo que se convencionou chamar de matrimônio. A família tinha uma formação extensiva, verdadeira comunidade rural, integrada por todos os parentes, formando unidade de produção, com amplo incentivo à procriação. Sendo entidade patrimonializada, seus membros eram força de trabalho. O crescimento da família ensejava melhores condições de sobrevivência a todos. O núcleo familiar dispunha de perfil hierárquico e patriarcal.

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E mais adiante, arremata:

Esse quadro não resistiu à revolução industrial, que fez aumentar a necessidade de mão-de-obra, principalmente para desempenhar atividades terciárias. Foi assim que a mulher ingressou no mercado de trabalho, deixando o homem de ser a única fonte de subsistência da família, que se tornou nuclear, restrita ao casal e a sua prole. Acabou a prevalência do caráter produtivo e reprodutivo da família, que migrou do campo para as cidades e passou a conviver em espaços menores. Isso levou à aproximação dos seus membros, sendo mais prestigiado o vínculo afetivo que envolve seus integrantes. (DIAS, 2010)

Com a Revolução Industrial, ocorre uma ruptura secular do modelo familiar até então conhecido. Sabe-se que desde a Antiguidade, a família era marcada pela ancestralidade, entretanto, com o novo contexto histórico, importantes mudanças ocorrem em seu universo, descaracterizando esse critério.

Conforme se vê, o caráter familiar vai mudando ao longo dos tempos, de modo que, não apenas os membros mudam suas atuações como também a própria razão de ser da família muda. Ao longo de toda a história, esse instituto vai ganhando inovadores aspectos que vão tornando-o mais abrangente. Pode-se notar que as transformações desempenhadas após a Revolução Industrial afetaram ativamente a família.

Desse modo, a instituição familiar nos moldes conhecidos desde a Antiguidade passou por grandes transformações. Houve uma verdadeira mudança de paradigmas. A desigualdade entre homens e mulheres cedeu espaço para a igualdade entre os mesmos e os interesses existenciais passaram a prevalecer. A mesma deixou de ter estrutura essencialmente hierarquizada e patriarcal. A realidade da família passou a ser vista com outros olhos. Logo, ocorreu um estreitamento do núcleo familiar que culminou no conseqüente advento de um grupo que prioriza o caráter afetivo entre seus membros. “A verticalidade das relações começa a ceder lugar à busca de uma horizontalidade que caracterizava a ‘família igualitária’” (TEIXEIRA, 2009, p. 28). E é exatamente na Constituição Federal de 1988 que visualizamos efetivamente esse novo horizonte.

1.3. A FAMÍLIA MODERNA E A CONSTITUIÇÃO DE 1988

Com o passar dos anos, a evolução da sociedade contribuiu para que o mecanismo familiar se alterasse. Se antes o funcionamento era patriarcal e hierarquizado, verticalizado, hoje não se vê tal. Não cabe mais somente ao pai o sustento da família, nem só à mãe as tarefas do lar, o comportamento dos membros mudou, é mais horizontal. A família com fins reprodutivos, patrimoniais deu lugar à família afetiva.

Segundo Pedro Scuro Neto (2010, p. 45), “quando em algum segmento da cultura as premissas mudam, o Direito tende a mudar também, se bem que não de modo fragmentado ou ao acaso, mas em sincronia com o resto da cultura”. Logo, diante de uma nova concepção de família, a ordem jurídica buscou acompanhar tal mudança, dispondo a Constituição Federal de 1988 de uma importante efetivação dos direitos fundamentais em tutela da família contemporânea.

Segundo Ana Carolina Brochado Teixeira (2009, p. 31):

O importante é que a família contemporânea, inscrita na Constituição Federal de 1988, não é apenas albergada pelo casamento. O art. 226. é uma enumeração meramente exemplificativa, abarcando em seu bojo inúmeras espécies de entidade familiares.

O fortalecimento dos laços afetivos familiares fez com que houvesse uma tutela constitucional de uma família igualitária. Visto que, com a saída da mulher para o mercado de trabalho, houve uma profunda alteração de seu papel, repercutindo na relação entre pai e filhos, e no papel de cada um destes na relação familiar.

Acerca da família moderna e dos novos fenômenos sociais, Silvio de Salvo Venosa (2010, p. 5), discorre:

A passagem da economia agrária à economia industrial atingiu irremediavelmente a família. A industrialização transforma drasticamente a composição da família, restringindo o número de nascimentos nos países mais desenvolvidos. A família deixa de ser uma unidade de produção na qual todos trabalhavam sob a autoridade de um chefe. Coube à ciência jurídica acompanhar legislativamente essas transformações sociais, que se fizeram sentir mais acentuadamente em nosso país na segunda metade do século XX, após a Segunda Guerra.

Urge esclarecer que, a Constituição Federal de 1988 vem afirmar com força maior a nova face do grupo familiar, preocupando-se com a dignidade de cada um de seus membros. Uma vez que o alicerce familiar passou a ser a valorização do aspecto afetivo, surge o que se pode chamar de família solidarista.

Segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2011, p. 62):

Hoje, no momento em que se reconhece à família, em nível constitucional, a função social de realização existencial do indivíduo, pode-se compreender o porquê de a admitirmos efetivamente como base de uma sociedade que, ao menos em tese, se propõe a constituir um Estado Democrático de Direito calcado no princípio da dignidade humana.

A Constituição Federal de 1988 tem demonstrado uma tendência à valorização da pessoa humana e do aspecto afetivo, resultado da queda das características institucionalista e patrimonialista da família. Sobre essa inovação constitucional, Ana Carolina Brochado Teixeira (2009, p. 34), afirma:

A própria Constituição Federal de 1988 traz em seu bojo sinais da família-instrumento e da democracia no interior da família, tais como a proteção à união estável (art.226, §3º) e às famílias monoparentais (art. 226, §4º); a igualdade de direitos entre homens e mulheres, no âmbito da conjugalidade (art. 226, §5º); a garantia da possibilidade da dissolução da sociedade conjugal independentemente de culpa (art. 226, §6º); o planejamento familiar fundados nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (art. 226, §7º); intervenção estatal na família para proteger seus integrante e inibir a violência doméstica (art. 226, § 8º).

Importante entender que, embora ao pensar em família venha à mente a figura de um homem, uma mulher e seus filhos, houve um alargamento conceitual. Hoje, com a Constituição Federal de 1988, pode-se falar em famílias. Não é mais pré-requisito o matrimônio, nem mais necessário que haja a figura do homem junto à mulher. Há um pluralismo de relações familiares que receberam especial tutela da Constituição, que conseguiu alcançar as significativas mudanças e evoluções da sociedade.

Acerca do pluralismo familiar, Maria Berenice Dias (2010, p. 41), afirma:

A Constituição Federal, rastreando os fatos da vida, viu a necessidade de reconhecer a existência de outras entidades familiares, além das constituídas pelo casamento. Assim, enlaçou no conceito de família e emprestou especial proteção à união estável (CF 226 § 3º) e à comunidade formada por qualquer dos pais com seus descendentes (CF 226 § 4º), que começou a ser chamada de família monoparental. No entanto, os tipos de entidades familiares explicitados são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa. Mas não só nesse limitado universo flagra-se a presença de uma família. Não se pode deixar de ver como família a universalidade dos filhos que não contam com a presença dos pais. Dentro desse aspecto mais amplo, não cabe excluir do âmbito do direito das famílias os relacionamentos de pessoas do mesmo sexo, que mantêm entre si relação pontificada pelo afeto, a ponto de merecerem a denominação de uniões homoafetivas. Apesar de posturas discriminatórias e preconceituosas, não é mais possível deixar de emprestar-lhes visibilidade. Dita flexibilização conceitual vem permitindo que os relacionamentos, antes clandestinos e marginalizados, adquiram visibilidade, o que acaba conduzindo a sociedade à aceitação de todas as formas de convívio que as pessoas encontram para buscar a felicidade.

Dessa forma, no atual quadro social, o principal suporte para a conceituação de família é o quesito afetividade. Afasta-se a visão única de família, e abre-se espaço para a visão pluralista da família. São novos elementos que compõem a realidade familiar.

Nessa linha, Cáio Mário da Silva Pereira (2004, p. 39), afirma:

Consolida-se a família socioafetiva em nossa Doutrina e Jurisprudência uma vez declarada a convivência familiar e comunitária como Direito Fundamental, a não-discriminação de filhos, a co-responsabilidade dos pais quanto ao exercício do poder familiar e o núcleo monoparental reconhecido como entidade familiar.

Com efeito, deixou-se de reconhecer apenas como família aquela que era concebida por união matrimonial. Não há mais referência à família legítima, nem a sacralização do casamento, muito menos cabível termo pejorativo e discriminatório para se referir aos filhos havidos de relações extramatrimoniais. As uniões homoafetivas passaram a requerer novas posturas dos profissionais do Direito, sendo reconhecidas como entidade familiar, assim como a união estável. O núcleo formado por um dos genitores e seus descendentes, também recebeu proteção do Estado, por tratar-se de outra realidade inegável da evolução familiar. As diversas formas de família encontradas na sociedade, fruto da evolução, antes alvo de cegueira do Estado, são destinatárias dessa proteção constitucional.

1.4. O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI N. 8.069/90)

O advento da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) tendo como escopo assegurar e proteger o menor procurou atender ao que dispôs a Constituição Federal em seu art. 227, in verbis:

É dever da família, da sociedade, e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988)

É fato que, a legislação que trata do menor vem evoluindo ao longo do tempo. No novo modelo familiar tutelado pela Carta Magna, temos a criança e o adolescente como alvos prioritários das garantias constitucionais. O menor, antes da Constituição cidadã, não dispunha de qualquer proteção. Ainda pior, era visto como objeto de direito, ficando a cargo do chefe da família as decisões acerca da sua pessoa. O Estatuto da Criança e do adolescente dispõe em seus artigos 3º e 4º:

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1990)

A respeito do diploma estatutário, Caio Mário da Silva Pereira (2004, p. 42), afirma:

Já antes disto, entretanto, o art. 227. da Constituição de 1988 enunciou princípio programático de proteção, ao dizer que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança ou adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

O Estatuto tem como balizador dos Direitos Fundamentais do Menor o Princípio da Proteção Integral, rompendo com o pensamento do antigo Código de Menores, e dando prevalência ao Melhor Interesse do Menor. Segundo esse princípio, a criança e o adolescente, como pessoas em desenvolvimento, devem gozar de condições prioritárias, não cabendo apenas ao Estado garantir seus direitos e destinar-lhes proteção, mas também à sociedade e à família. Este foi estabelecido pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil, e em seu art. 3º, inciso I, dispõe, verbis:

Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o melhor interesse da criança. (1989)

Não obstante esteja a dignidade da pessoa humana no ápice dos direitos fundamentais conferidos a todos constitucionalmente, a ordem jurídica veio tutelar especificamente a criança e o adolescente no caput do art. 227. da CF.

Segundo esse princípio, em meio a um conflito no qual esteja envolvida uma criança ou adolescente, o Estado deve garantir que os interesses destes venham prevalecer. Canotilho (2003, p. 1161) afirma que “princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização compatíveis com vários graus de concretização, consoante com condicionalismo fácticos e jurídicos”.

Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente, consubstanciado pelo texto constitucional, procura garantir proteção absoluta ao menor em virtude da sua condição peculiar. Diante da maior vulnerabilidade da criança e/ou adolescente, considera-se que os mesmos devem gozar de maior proteção.

Acerca do melhor interesse, Tânia da Silva Pereira (1999, p. 3), afirma:

Atualmente, a aplicação do princípio do best interest permanece como um padrão considerando, sobretudo, as necessidades da criança em detrimento dos interesses de seus pais, devendo realizar-se sempre uma análise do caso concreto.

Logo, sendo decorrência lógica desse princípio, e em respeito à pessoa em desenvolvimento, os casos envolvendo alienação parental devem ser tratados com cautela, sobretudo na averiguação da veracidade das afirmações, posto que o egoísmo que toma os genitores em tais situações não lhes permite enxergar os danos causados à sua prole.

Como sujeitos de Direitos Fundamentais, consagrando-se, ainda, a proteção integral, é necessário que atos de tal natureza sejam devidamente brecados pelo Estado, e que o mesmo procure sempre verificar se os responsáveis estão agindo como prevê a lei. Ademais, cada caso deve ser analisado com vistas a garantir o desenvolvimento sadio do menor, tanto psíquico quanto social, procurando-se sempre uma interpretação dirigida na aplicação do melhor interesse da população infanto-juvenil, que se encontra numa fase fundamental para a formação do indivíduo na sociedade.

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