Resumo:
Vive-se na Era da Informação e com a Revolução tecnológica as pessoas passaram a realizar mais atividades no âmbito digital como compras online e acesso as redes sociais. Assim, com essa mudança de hábito social é necessária a adequação e atualização do ordenamento jurídico vigente quanto à herança de bens digitais. Com isso busca-se analisar a ausência legislativa quanto à herança digital, o que está sendo feito diante da ausência de lei, quais as medidas que as pessoas vêm tomando em vida quanto a destinação dos bens online, ou seja, a possibilidade de se fazer um inventário digital, o dissenso quanto ao tratamento de bens de valor econômico e afetivo, o respaldo que esse tema tem em leis já existentes, o aparente conflito entre direito sucessório e os direitos à privacidade e a intimidade do de cujuse o diferente tratamento que se dá para a inclusão de bens digitais na sucessão legítima e testamentária.
Palavras-Chave: Sucessão; Herança Digital; Projeto de lei.
1. Introdução
Com o estudo da história da humanidade percebe-se que o homem a partir do momento que constituiu uma família foi construindo um legado com seus entes familiares, e após a morte todos os seus bens iam com ele para a sepultura devido à crença de que esses bens lhe seriam ainda úteis. Mas com o passar do tempo, e com a mudança da perspectiva social o legado agregado em vida começou a ser direito transmitido para aqueles com quem este conviveu, ou seja, para seus familiares.
E novamente com a pós-modernidade e o avanço tecnológico dos meios de comunicação fizeram com que a vida digital tornasse cada vez mais presente na vida do indivíduo. E com isso instiga-se uma mudança jurídica para poder acompanhar essa alteração de perspectiva social. Isso se deve ao interesse que algumas pessoas apresentaram quanto ao que remanesce das relações virtuais, principalmente ao que se refere ao pós-mortem.
Esse trabalho tem como escopo estudar o direito sucessório aliado aos bens presentes na nuvem, ou seja, internet, que se configura na herança digital, a falta de tratamento acerca dos bens online já que apenas cita os bens materiais pouco se importando com os bens imateriais e a necessidade da legislação acompanhar as situações que advém do avanço tecnológico. A observância da iniciativa de algumas empresas em disponibilizar o serviço de tutela as informações que os usuários pretendem preservar, não se perdendo caso faleçam, deixando em vida os responsáveis para acesso posterior, ou seja, um inventário digital. Já para aqueles que não acessam essas empresas a única alternativa viável encontrada é recorrer a outros dispositivos normativos que tangenciam o tema.
Entrando na esfera material do tema discute-se se deve ser feito essa diferenciação quanto aos bens digitais afetivos e econômicos porque se revela de tão grande importância das memórias pessoais e os bens econômicos. E com o acesso a essas informações pessoais vem à tona a problemática de essas ações atingirem ou não a privacidade e intimidade do ser humano, mesmo que esse não esteja em vida. Na legislação quanto à sucessão testamentária há um consenso e esses bens online podem ser incorporados, porém a grande questão vem na sucessão legítima quando a vontade do de cujus não foi exprimida em um documento legal.
2. Materiais e Métodos
Para a compilação de informações a cerca do tema herança digital foi consultado diversos sites, devido ao tema ser incipiente. Esses endereços digitais trouxeram informações através de casos concretos e enquetes. Além disso, analisou-se o projeto de lei n.4099/12 que dispõe sobre a adequação do Código Civil a realidade digital.
3. Fundamentação Teórica
A herança digital é tema do projeto de lei n.4099/12 proposto pelo Deputado Jorginho Mello (PR) que visa acrescentar um parágrafo único ao art. 1788 do Código Civil de 2002 que descreve serem transmitidos aos herdeiros todos os conteúdos de contas ou arquivos digitais de titularidade do autor da herança. Esse projeto é necessário porque sana problemas que surgiram com a utilização dos bens online porque nesse século é visível a expansão da tecnologia na vida das pessoas e novas relações vão surgindo, porém a lei foi feita num determinado tempo para sanar as dificuldades que se encontravam na sociedade. Sabe-se que a lei transcende seu tempo e consegue regular muita das situações sociais que venham a surgir, porém vivemos na Era da informação, e mais do que isso, da informação digital. Nem mesmo o legislador preveria que o âmbito digital fosse ganhar tanta importância em tão curto espaço de tempo, e por isso a utilidade e necessidade da relação sucessória se adequar a realidade atual.
Isso também se deve a procura da tutela jurisdicional quanto ao acesso aos arquivos digitais que o de cujus deixou e que para o herdeiro seria de grande valor sentimental e econômico, e isso culminou em sentenças divergentes porque não há previsão em lei quanto à destinação dessa informação e cada juiz julgou segundo sua convicção interpretando a norma que tratava sobre o tema. Uma das discussões são as informações sentimentais como fotos, mensagens e as informações de cunho econômico como livros, músicas, e tudo o mais que se compra e que ficam armazenados na nuvem, muitos questionamentos quanto à necessidade em se permitir o acesso dessas informações de valor sentimental seria a real necessidade de se ter acesso a estas. Bem, como se sabe poucas pessoas revelam suas fotos atualmente e muitas destas estão armazenadas em e-mails, redes sociais e no próprio computador. Deve-se considerar que a memória, se não for preservada e permitida o acesso, acaba por se extinguir e isso viola o direito das pessoas porque devido à mudança da sociedade e principalmente com a revolução tecnológica esta está cada vez mais condicionada ao mundo virtual.
Algumas pessoas já estão se antecipando e fazendo um inventário digital que nada mais é que deixar em testamento esses bens digitais, isso não cria dúvida alguma porque o que consta no testamento deve ser seguido contanto que se respeite a parte cabível dos herdeiros necessários. O problema está quando estas não deixam nada por escrito, e devido à ausência de legislação quanto a esses bens digitais, eles seguem o destino previsto por muitos sites nos termos de condição e uso, em que se aceita muitas vezes sem ler, como por exemplo, o facebook que altera a página do usuário falecido para um memorial em que nada pode ser modificado. Como muitas pessoas nem sequer pensaram nisso, o mais comum é não deixar previsto em testamento cabendo ao juiz decidir sobre o fato, muitos entendem que caso o usuário faleça sem deixar nada expresso deve-se primeiramente procurar o site para ver se obtém as informações por via extrajudicial, caso contrário ao recorrer ao judiciário este executa a empresa que disponibilize esses bens. Outros entendem que esses bens não são passíveis de sucessão e, portanto deveriam seguir o fim que lhes foi programado pela empresa que prestou o serviço. É preciso acrescentar que o projeto de lei modifica no que se refere à sucessão legítima, quando a pessoa não deixa em vida o testamento sendo cabível, a partir da alteração, transmitir aos herdeiros os bens inseridos na nuvem.
Outra situação que evidencia a preocupação com o destino desses bens está na atitude de algumas pessoas de contratarem serviços de empresas especializadas em armazenar essas informações e até mesmo escolherem guardiões, pessoas responsáveis pelas informações caso o usuário faleça. Com a preocupação crescente de pessoas pelo seu legado virtual surgiram algumas empresas que fornecem esse tipo de serviço. São elas: Brevitas, no Brasil, do idealizador Luiz Gigante que possui 500 usuários, Entrustet, dos Estados Unidos, do empresário Nathan Luestig que tem 5000 usuários e o My Wonderful Life do idealizador Sue Krukopt que possui em torno de 10.000 usuários. Esses sites oferecem garantias quanto ao armazenamento de dados e até mesmo tem a possibilidade de remanejamento desses dados caso a empresa venha a fechar.
Um exemplo emblemático é o da inglesa Kelly Harmer, que após sofrer um acidente de carro resolveu fazer um testamento no qual incluiu bens que só existem on-line. O mais impressionante é o valor estimado de seu patrimônio digital que chegava a cerca de R$ 27 mil. Harmer, longe de ser uma exceção inglesa, de acordo com uma pesquisa do Centro para Tecnologias Criativas e Sociais, do Goldsmiths College (Universidade de Londres), revela que 11% dos entrevistados (grupo de 2.000 britânicos) já colocaram ou planejam colocar em seus testamentos seus bens on-line. Além disso, a pesquisa apurou um valor estimado de R$ 6,2 bilhões como a soma dos bens on-line dos britânicos, havendo um equivalente de R$ 540 de propriedade digital por adulto.
O parágrafo único do referido projeto de lei não deixa dúvidas de que os bens digitais serão adquiridos pelos herdeiros por meio da herança, mas aí se encontra outra adversidade que é o cuidado que se deve tomar ao ceder essas informações para os reais herdeiros, isso deve ser feito com bastante competência para não gerar problemas, lembrando que se lida com a vida das pessoas que muitas vezes está totalmente armazenada na rede e a disponibilização dessas informações deve ser feito com cautela. Quanto àquele que optar por dispor no testamento que não querem que suas informações, provavelmente muitas vezes de valor sentimental e foro íntimo, sejam acessadas pela família, pode fazê-lo sem problemas.
Nesse ponto, há controvérsias quanto ao acesso a essas informações, no caso, de valor afetivo, pelos familiares questionando o confronto com a privacidade que este indivíduo tinha e que deveria ser mantido post mortem. Entretanto, fazendo uma comparação com o que ocorre com os bens materiais de valor sentimental isso ocorre sem questionamentos sendo que da mesma forma muitos desses bens de foro íntimo podem ser encontrados quando forem separados os pertences dessa pessoa e isso de forma alguma é visto como uma violação ao direito de intimidade. Então, porque com os bens imateriais seria feito tal distinção e impedimento quanto ao acesso, devido a este aparente confronto que não se dá na vida real e, portanto também na vida digital.
4. Considerações Finais
Diante do exposto infere-se a necessidade de uma mudança no corpo normativo frente às modernidades dessa nova era tecnológica. Além de ser considerada uma adequação, deve ser vista como uma forma de afastar injustiças possíveis decorrentes de disparidades nas decisões judiciais. Trata-se de considerar a observância dos bens on-line não apenas como benéficas aos herdeiros, mas também como uma forma de respeito para com os bens e lembranças do de cujus. Além disso, não se trata apenas de lutar pela preservação das lembranças de um familiar, mas também para a perpetuação de bens de natureza imaterial juntamente aos materiais que já são considerados e protegidos legalmente.
5. Referências Bibliográficas
BRASIL. Plenário. Projeto de lei PL 4099⁄2012. Altera o art. 1.788 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que "institui o Código Civil". Disponível em:. Acesso em: 31 março. 2014.
BRITÂNICOS incluem senhas em testamento e deixam 'herança digital'. Disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2011/10/britanicos-deixamaherdeiros-herancas-digitais.html>. Acesso em: 31 março.2014.
HERANÇA digital já chegou ao Brasil. Disponível em:. Acesso em: 31 março.2014.
LIMA, Isabela Rocha. Herança Digital: direitos sucessórios de bens armazenados virtualmente. Universidade de Brasília Faculdade de Direito. Brasilia.2013. Disponível em: <http://bdm.bce.unb.br/bitstream/10483/6799/1/2013_IsabelaRochaLima.pdf>. Acesso em: 31 março.2014.
LUÍS, Leonardo. Bens digitais guardados na nuvem estão entrando em testamento. São Paulo. Folha de São Paulo. 02 nov.2011. Disponível em:http://www1.folha.uol.com.br/tec/1000237-bens-digitais-guardados-na-nuvem-estao-entrando-em-testamentos.shtml. Acesso em: 31 março. 2014.
MEDINA, José Miguel Garcia. Herança digital e os bens guardados na nuvem. 03 nov.2011. Disponível em: <http://professormedina.com/2011/11/03/heranca-digitaleos-bens-guardados-na-nuvem/>. Acesso em: 31 março. 2014.
POMPEU, Carolina. Herdeiros poderão ter acesso a arquivos digitais de falecidos. 05 out. 2012. Disponível em: <http://www2.câmara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITO-E-JUSTIÇA/427252-HERDEIROS-PODERAO-TER-ACESSO-A-ARQUIVOS-DIGITAIS-DE-FALECIDOS.html>.Acesso em: 17 Abr. 2014.
ZEGER, Ivone. Heranças virtuais: Quem ficará com sua empresa virtual? E o acervo pessoal?. Revista Jurídica. Disponível em:. Acesso em: 31 março.2014.