Artigo Destaque dos editores

O princípio da razoabilidade e as exigências da Lei nº 8.212/91 quanto aos benefícios do art. 195, § 7º, da CF/88 às entidades de assistência social

Exibindo página 3 de 3
01/02/2003 às 00:00
Leia nesta página:

CONCLUSÃO

Como é possível perceber o intuito deflagrado neste estudo foi de delimitar a aplicação do princípio da razoabilidade a uma situação específica, que é a concessão do benefício de isenção das contribuições para a seguridade social às entidades que prestam serviços de assistência social, o que não impede, todavia, que essas considerações sejam estendidas a outros casos onde também haja a colisão de normas jurídicas.

Procurou-se, nesta linha de raciocínio, fazer uma abordagem da importância dos princípios nos ordenamentos jurídicos contemporâneos, inclusive e especialmente o brasileiro, dando ênfase à razoabilidade, que deve revestir todos os atos do Poder Público, sob pena de inconstitucionalidade, dado que referido princípio goza de status constitucional.

Denota-se, assim, que a influência dos doutrinadores representantes da moderna Teoria Geral do Direito (pós-positivistas, segundo pensamento de Bonavides), em especial Ronald Dworkin e Robert Alexy, esse último dando inegável impulso à aplicação do princípio da razoabilidade, tem sido de inestimável valor para o amadurecimento do direito como ciência, bem como da solução dos casos concretos que se colocam no dia a dia à apreciação do Judiciário.

Através desse princípio, de larga aplicação, é possível encontrar-se solução para a mais variada gama de situações, dado o seu alto grau de abstração, sendo que neste caso a sistemática utilizada por Alexy (máxima da proporcionalidade) desempenha papel de relevo na evolução da aplicabilidade do princípio.


NOTAS

01. A despeito da Constituição Federal, em seu artigo 195, §7º, estabelecer que as entidades filantrópicas serão isentas do pagamento da contribuição social, atendidas das exigências da lei, deve-se dizer que se trata de limitação ao poder de tributar, o que por via de conseqüência, tem como denominação mais correta a palavra imunidade. Outro ponto importante a respeito do tema, e que não será abordado neste artigo diz respeito a qual tipo de norma é o adequado para a regulamentação dos requisitos necessários para o gozo do benefício constitucional, sendo que o entendimento doutrinário mais abalizado pende para a conclusão de que somente a lei complementar (CTN, art. 14) tem competência para a matéria. Todavia, como existe entendimento não menos expressivo, especialmente na jurisprudência dos juízos monocráticos federais, no sentido de que é a Lei 8.212/91 o diploma ato a regular a matéria, exsurge o interesse prático do presente trabalho, à luz do princípio da razoabilidade.

02. Segundo o doutrinador alemão, para a Teoria Imperativista sobre a norma, deve-se reconhecer como seu núcleo central a noção da vontade, que inclusive em termos históricos desfrutava de inegável prestígio. Existe, portanto, uma relação de superioridade de vontades, entre aquele que ordena (detentor da vontade geral) e aquele que deve se submeter a determinado comportamento ou conduta traçada pela norma, sempre em caráter impositivo.

03. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1980, p. 60.

04. Hermenêutica e argumentação, uma contribuição ao estudo do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 13

05. Introdução do estudo do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 117

06. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 39.

07. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

08. Ronald Dworkin foi responsável por verdadeira evolução no estudo da Teoria Geral do Direito, ao combater o positivismo de Hart, que somente admitia que as normas eram dotadas de textura aberta, mas não conferia o peso necessários aos princípios como informadores do Direito.

09. A incredulidade de Kelsen quanto à questão do valor no direito mostra-se patente e inescondível quando demonstra sua concepção do direito, que deve encontrar na norma todas as respostas para os problemas que surgirem do relacionamento social, não conferindo elasticidade de interpretação jurídica.

10. O autor italiano defende a teoria da positividade dos princípios de modo que sejam aplicáveis como se regras fossem, ou seja, ressaltando a importância de sua eficácia interpretativa.

11. A influência do racionalismo é traço marcante dessa escola, sendo o Código de Napoleão, promulgado em 1804 como o seu maior exemplo. Com efeito, dada a simplicidade de relações sociais da época, a codificação francesa pôde, por um longo período de tempo. A principal intenção da escola era a criação de sistema normativo que fosse de amplitude tal que evitasse a indesejável obscuridade, a ambigüidade a incompatibilidade entre dispositivos, e ainda a redundância da lei, vale dizer, a perfeição externada através das leis.

12. Op. cit.

13. Comte entende que a sociologia é a única ciência todos os fenômenos nela verificados, dado que se fundamenta nos fatos, deixando de lado a ideologia metafísica. Sua obra faz alusão ao que será tardiamente denominado de sociologia jurídica.

14. Referidos autores, de incontestável expressão, desenvolveram uma teoria a respeito da normatividade dos princípios, bem como de sua aplicação, especialmente nos casos difíceis, que causaram uma evolução na Teoria Geral do Direito, pois conferiu-se-lhes a condição de normas valores, com positividade maior nas Constituições do que nos Códigos, ou seja, seu peso deriva da norma suprema.

15. Os conflitos são inevitáveis, seja entre regras e regras, princípios e princípios, ou ainda, entre princípios e regras, sendo que, exsurge de forma clara da doutrina do autor em questão a prevalência de que desfrutam os estes em relação àquelas.

16. Conforme ensinamento de Alexy, outra importância distintiva entre princípios e regras, reside no fator qualitativo, sendo que os primeiros encontram-se, nesta hipótese comparativa, em nível superior.

17. Interpretação e aplicação da Constituição. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 210.

18. Pode-se dizer, neste passo, que ainda havia um certo receio da intervenção do Poder Judiciário nos demais atos da Administração, especialmente do Legislativo, pois conforme a concepção vigente à época, não havia legitimidade para essa fiscalização, razão pela qual a incidência desse princípio recaía tão somente nos processos judiciais, ou seja, onde o Judiciário teria legitimação para atuar.

19. Apesar deste dispositivo constitucional não fazer menção explícita ao princípio da razoabilidade, extrai-se de seu conteúdo que se trata de uma proteção aos direitos do cidadão, que devem ter assegurado o direito de verem suas pretensões apreciadas pelo Judiciário, especialmente quando verificados os casos de excesso. Nada obstante, cumpre registrar que alguns diplomas legais nacionais já prevêem expressamente a respeito da razoabilidade, como é o caso do artigo 111, da Constituição do Estado de São Paulo, bem como a Lei 9.784/99, art. 2º.

20. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 356.

21. In: BONAVIDES, Paulo Curso de direito constitucional. Op. cit , p. 356

22. Op. cit., p. 215

23. Como dito, para Dworkin as regras ou são aplicáveis ou não, ao passo que os princípio regem-se pelo elemento peso, verificado de diferentes modos para cada caso concreto. Contudo, em havendo colisão de regra com princípio, inegável a posição do autor, bem como o seu acerto, no sentido de privilegiar o segundo com relação ao primeiro.

24. In: Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, p. 91.

25. Torna-se importante, para os objetivos deste estudo, uma abordagem a respeito dos princípios que inspiraram o legislador ao prever o benefício para as instituições de assistência social que estivessem desenvolvendo serviços destinados à área da saúde e educação especialmente, posto que isso será fundamental para a verificação da existência ou não da razoabilidade dos dispositivos de lei que prescrevem as exigências para a concessão da isenção.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

26. In: Curso de Direito Constitucional Tributário. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 716.

27. Op. cit., p. 522.

28. A menção a referida controvérsia já foi feita acima, todavia, nunca é demais lembrar que o entendimento mais adequado seria de que o Código Tributário Nacional é o diploma legal apto a regulamentar a matéria, sendo importante a demonstração da ausência da razoabilidade no artigo 55 da Lei 8.212/91 justamente para corroborar essa tese.

29. In: Mendes, Gilmar Ferreira. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 248.

30. O juiz Hércules foi uma figura criada por Dworkin quando trata das soluções para os denominados casos difíceis, onde a atividade cognoscitiva não se restringe tão somente à aplicação ou não das regras, mas a interpretação de princípios como forma de encontrar a solução mais correta dentre as diversas disponíveis, sendo que Hércules sempre encontra a única correta, na real acepção da palavra. No caso em exame existem princípios de natureza constitucional que propugnam pelo acesso dos cidadãos à saúde e à educação, em especial, ao passo que uma lei de natureza infraconstitucional (ordinária), passa a fazer exigências totalmente descabidas e desproporcionais, dissonantes do fim pretendido pelo legislador.

31. Mendes, Gilmar Ferreira. Op. cit., p. 247.

32. Idem, ibidem, p. 250.


BIBLIOGRAFIA

ALEXY, Robert. Teoria dos derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Constitucionales, 1993.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.

Camargo, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação, uma contribuição ao estudo do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, 1992.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

DWORKIN, Ronald. Império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

_____. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceitos de princípios constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.

FERRAZ JR., Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1980.

_____. Conceito de sistema no direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976.

_____. Introdução ao estudo do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994.

Grau, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002.

JHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. 14. ed. Trad. João Vasconcelos. São Paulo: Forense, 1994.

KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Trad. José Florentino Duarte. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1979.

_____. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. Coimbra: Armênio Amado Editor, 1979.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, [s.d.].

Mendes, Gilmar Ferreira. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.

RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. 5. ed., Coimbra: Armênio Amado, Editor Sucessor, 1974.

Reale, Miguel. O direito como experiência. São Paulo: Saraiva, 1992.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Gustavo Passarelli da Silva

Advogado e Professor de Direito Civil e Direito Processual Civil na Universidade Federal do Estado de Mato Grosso do Sul - UFMS, Universidade Católica Dom Bosco - UCDB, Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal - UNIDERP, em cursos de graduação e pós-graduação, de Direito Civil na Escola Superior do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul e Escola da Magistratura do Estado de Mato Grosso do Sul. Especialista em Direito Processual Civil e Mestre em Direito e Economia pela Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro - UGF/RJ, Doutorando em Direito Civil pela Universidad de Buenos Aires - UBA. Diretor-Geral da Escola Superior de Advocacia/ESA da OAB/MS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Gustavo Passarelli. O princípio da razoabilidade e as exigências da Lei nº 8.212/91 quanto aos benefícios do art. 195, § 7º, da CF/88 às entidades de assistência social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3747. Acesso em: 23 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos