1 - Introdução
A validade da fonte do Direito está vinculada à autoridade do órgão estatal que a elabora, nos termos da Constituição Federal. Entende-se por fontes do Direito os seus focos ejetores, o conjunto de normas jurídicas, bem como os órgãos estatais propriamente ditos habilitados a produzirem tais normas. O Direito, visto sob a ótica de Miguel Reale [1], possui uma natureza tridimensional, formado por fatos, normas e valor. Os fatos são considerados as fontes reais ou materiais do Direito; as normas, as fontes formais; já o valor é a demonstração de ligação, a subsunção do fato à norma feita pelo operador jurídico através de métodos hermenêuticos válidos. "À pergunta: "Onde vamos conhecer o direito?" Ou à pergunta: "onde está o direito aplicável a determinado problema?" Responde-se: "Nas fontes". Portanto, fonte é a forma pela qual o direito se revela". [2]
O Direito é, assim, o princípio de adequação do homem à vida social: ubi societas, ibi ius. Quando o tomamos enquanto norma vigente em um determinado País, em um povo específico, durante certo lapso temporal, abrangendo a totalidade das leis votadas pelo poder competente e os regulamentos e demais disposições normativas em geral, denomina-se Direito positivo. Nesse contexto se insere a Constituição escrita.
Por outro lado, é inegável a influência do Direito natural enquanto fonte inspiradora do Direito positivo. O Direito natural é composto por princípios eternos e imutáveis, que estabelecem a idéia de justiça. Conforme Caio Mário [3], Hugo Grócio criou a escola jusnaturalista em oposição à positivista, que lhe parecia imperfeita e transitória. Hoje em dia retorna-se ao iusnaturalis após constatar-se que nenhum sistema de Direito positivo pode libertar-se de inspirações mais abstratas e elevadas. Entretanto, essa fonte inspiradora ideal e eterna não se confunde com a moral, pois a regra moral é ditada unilateralmente no sentido de realização do bem ou aperfeiçoamento individual, sem atribuir um poder ou uma faculdade, enquanto que a regra jurídica, quando limita ou obriga, concede correlatamente a exigibilidade de um procedimento, ou seja, é bilateral.
O complexo sistema do Direito comporta algumas considerações úteis ao presente trabalho. Assim, defrontamo-nos com o Direito Objetivo (ius est norma agendi) quando identificamos a norma de ação ditada validamente pelo poder público. Objetivamente considerado, o Direito é norma de comportamento, que se traduz num complexo de regras disciplinadoras de conduta. A norma será jurídica, integrante do Direito Objetivo, quando se revestir de uma ordem acompanhada por uma sanção.
Por outro lado, o Direito Subjetivo (ius est facultas agendi) constitui uma faculdade de exercer em favor do indivíduo o comando emanado do Estado. Trata-se do aspecto individual da norma, enquanto que o Direito Objetivo é seu aspecto social. Para a teoria da vontade de Windscheid, que aborda o tema em função do elemento volitivo, o direito subjetivo é definido como poder de ação assegurado pela ordem jurídica. Para a teoria mista, que enfoca elementos teleológicos e psicológicos, trata-se de poder da vontade de satisfazer interesses humanos em conformidade com a norma. Assim, é correto dizer em direito subjetivo fundamental de pagar tributos, ou seja, a faculdade de pagá-los como estabelecido em lei editada nos termos da Constituição.
2 - Fontes Materiais ou Reais.
Assim, temos como fontes materiais ou reais do Direito Tributário os fatos relevantes para essa disciplina jurídica, denominados de fatos geradores da obrigação tributária, além dos demais fatos sociais, dos costumes e da doutrina jurídica. São os suportes fáticos das imposições tributárias (vg. O cenário político, o patrimônio, a renda, os serviços, transferências, movimentações financeiras, etc [4].), que, após definidos em lei como suficientes ao nascimento da obrigação tributária, passam a se constituir em fatos tributáveis ou jurígenos. Fazem nascer a relação jurídico-tributária entre Fisco e contribuinte quando verificada sua ocorrência no mundo fenomênico. Esse vínculo jurídico possui natureza obrigacional de direito público, sendo que a atividade arrecadadora estatal é vinculada à Lei, concebida em seu em sentido estrito, pois a fonte substancial emana da consciência popular para conferir legitimidade aos atos do Estado.
Tendo em vista a supremacia constitucional, bem como a denominada hierarquia das leis, princípios esses implicitamente inseridos no sistema constitucional positivo, deve-se traçar rigorosamente os alcances das fontes formais do Direito para que seja preservada a ´ordem constitucional´, e, por conseguinte, os princípios constitucionais fundamentais [5].
3 Fontes Formais.
As fontes formais do Direito Tributário são as normas jurídicas consideradas em seu sentido amplo. O fato gerador, assim, não se confunde com a sua descrição abstrata formal, denominada hipótese de incidência, ou tipo tributário. Mas as fontes do Direito Tributário são mais amplas que a simples definição hipotética do fato jurígeno em lei, pois por fontes do direito entende-se o conjunto de normas positivas que integram o sistema jurídico-constitucional. Assim, devemos distinguir adequadamente lei e legislação, conceitos que desenvolveremos abaixo. Primeiramente, deve-se distinguir as fontes de conhecimento, o veículo normativo que contém as normas jurídicas (ius cognoscendi), das fontes de produção, o órgão ou poder competente para produzi-las – o poder legislativo (ius essendi).
O Código Tributário Nacional foi alçado à categoria das leis complementares pelo art. 146 da Constituição de 1988 [6], em seu Livro Segundo refere-se às normas gerais de Direito Tributário, mas podemos ali detectar o emprego da terminologia anteriormente referida. Por lei compreende-se toda norma geral, abstrata, inovadora e obrigatória, editada validamente pelo poder competente, coativamente imposta à sociedade. Lei origina-se do verbo ligar, pois determina a ação ou omissão de alguém. No entanto, a técnica jurídica determina que tal conceito abrange especificações próprias. Referimo-nos à lei em sentido formal quando nos deparamos com o ato jurídico emanado do Poder Legislativo como estabelecido pela Constituição da República; já por lei em sentido material compreendemos o significado de norma jurídica definidora de fatos em abstrato, escolhidos por manifestarem capacidade econômica suficiente para figurarem como núcleo da regra hipotética integrante do Direito positivo.
Nessa direção, há que se ressaltar, ainda, outra nomenclatura, sempre com o objetivo de obter a precisão semântica: por lei em sentido amplo (lei lato sensu) compreende-se o ato jurídico que se adequa aos conceitos de lei em sentido formal ou lei em sentido material; já lei em sentido estrito (lei stricto sensu) entende-se apenas as normas jurídicas editadas nos termos da CRFB/88, compreendendo simultaneamente os conceitos de lei em sentido formal e lei em sentido material.
O art. 96 do CTN, ao referir-se à legislação tributária, exige a edição de lei em sentido amplo como referência às fontes formais como um todo. Não obstante, o princípio da legalidade estrita está previsto no art. 97 do mesmo diploma legal, o qual exige a edição de lei em sentido estrito para: criar ou extinguir tributos; fixar, majorar ou reduzir suas alíquotas ou base de cálculo; definir os aspectos abstratos do fato gerador; cominar sanções pelo descumprimento de obrigação principal ou acessória; definir hipóteses de exclusão, suspensão e extinção do crédito tributário, além de redução ou dispensa de penalidades.
Logo, as fontes formais constituem o Direito Tributário Positivo, o conjunto de normas que compõem esse ramo da ciência jurídica e, assim, todas, as disposições legislativas ou regulamentares que validamente disciplinam a determinação, a apuração, o controle e o procedimento de formalização do crédito tributário. Pode-se dividi-las, ainda, em fontes do Direito material, fontes do Direito procedimental, do Direito processual administrativo, e fontes do Direito processual judicial em matéria tributária. Sobre sua estrutura teórica versa a presente dissertação, sugerindo soluções a alguns aspectos práticos que suscitam controvérsias, a fim de comprovar as ilações que emanam da pesquisa bibliográfica realizada, sempre tendo como meta a busca de um sistema jurídico harmônico, que visa preservar os direitos fundamentais prima facie dos contribuintes dentro do contexto das recitas publicas coativas e despesas públicas. Para tanto, deve-se adotar a técnica de Miguel Reale, para averiguar a ocorrência fática objeto da dúvida detectada (fato), determinando o alcance e a validade das normas jurídicas aplicáveis (norma), pronunciando o resultado da subsunção do fato à norma (valor ou valoração), buscando seu fundamento na teoria dos direitos fundamentais como teoria estrutural do Estado de Direito formulada por Robert Alexy [7].
As fontes formais podem ser agrupadas em um quadro sinótico, como decorrência do disposto pela Carta Política, arts. 24, I; 59; 84, IV; e 146, e tendo em vista o estatuído pelo CTN, arts. 96 a 100, "é de suma importância, até essencial, tanto para o aplicador da lei tributária, quanto para o contribuinte, o conhecimento dos meios de exteriorização e reconhecimento do direito tributário" [8]. A estratificação constitucional do princípio da legalidade nos leva a abordar com destaque a Lei Fundamental como meio de expor a teoria que suporta a aplicação da reserva legal no âmbito da tributação, e referir apenas às características essenciais das demais fontes formais, destacando os aspectos que são atinentes à presente dissertação.
3.1 - Fontes formais primárias ou principais.
As fontes formais principais do Direito tributário positivo estão elencadas no art. 59 da CRFB/88. Inclui-se nesse rol de forma implícita o próprio texto constitucional originário, embora esteja em um patamar superior tendo em vista o princípio da supremacia da Constituição perante o ordenamento jurídico, bem como da rigidez constitucional. Assim, tendo como premissa válida que a reserva legal é um dos princípios estruturantes do Estado fiscal de direito, a exação somente será válida se seu fundamento de validade encontrar guarida nas disposições iusfundamentais. Destarte, assume relevo ao presente estudo as análises teoréticas da Constituição, não sendo possível compreender o real alcance do princípio da legalidade tributária fora da dogmática constitucional, pois o contrário seria a sua exclusão da máxima de proporcionalidade [9], e, portanto, da noção de Estado de Direito.
O princípio da legalidade tributária, cerne do sistema constitucional tributário, encontra sua formulação no brocardo nullum crimen, nulla poena sine lege certa. Esse princípio exige a clareza dos conceitos legais de crime (conceitos determinados ou "tipos fechados"), os quais não devem deixar margens a dúvidas quando da sua interpretação, ou empregar termos genéricos ou indeterminados na elaboração do texto legal.
Verifica-se, assim, que o princípio em análise pode ser compreendido em um duplo aspecto: a) legalidade em sentido material, constituído pela cláusula substantive due process of law ou razoabiliade, o qual materializa o aspecto negativo da legalidade, ou seja, vedação à edição de leis desarrazoadas, desvinculadas das necessidades públicas ou coletivas – status negativus, e o princípio de proporcionalidade, conceito distinto, embora conexo e complementar, da noção de razoabiliade, pois deriva do princípio de Estado de Direito e constitui em um status positivus inerente ao cidadão, eis que gera a possibilidade da invalidação da lei desproporcional através do controle de constitucionalidade, havendo, portanto, uma justificativa teleológica para a edição da lei, ou a denominada "adequação dos meios aos fins") e b) legalidade em sentido formal ou processual (procedure due process of law, princípio este que constitui uma garantia constitucional fundamental, e "determina uma participação significativa e satisfatória do indivíduo na tomada da decisão que o afeta" [10]).
Entretanto, mesmo adotando-se a possibilidade de utilização de conceitos indeterminados (TIPOS) pela norma definidora de fatos geradores, estes encontram limite na idéia de legalidade, visto que a lei deve ser adequada (proporcional) à finalidade de sua edição. Vejamos as lições de Baracho:
"Os conceitos legais indeterminados, quando se trata dos critérios para o controle jurisdicional, levam a considerações em torno do princípio da proporcionalidade e dos direitos fundamentais, este último peça central do Estado de Direito Democrático. Surge daí a importância do princípio da proporcionalidade, que vem tendo ampla aplicação. Este princípio é chamado de "proibição de excesso (Úbermaßverbot) que pode ser interpretado por um entendimento amplo ou uma compreensão restrita:
a)princípio a proporcionalidade em sentido restrito (Proportionalitä) ou seja, equilíbrio global entre as vantagens e desvantagens da conduta;
b)princípio da necessidade absoluta, indispensabilidade (Notwendigkeit) ou da exigibilidade (Erforderlichkeit) da medida adotada; e,
c)princípio da adequação (Geeignetheit) dos meios aos fins." [11]
O princípio da legalidade, tomado em seus aspectos formal e material, estabelece a linha divisória entre o dever fundamental de pagar tributos e o direito fundamental dos contribuintes de resistir a exações exigidas fora do o que for constitucionalmente autorizado aos Entes Tributantes instituir.
3.1.1 A Constituição.
Constituição, em sentido amplo, abrange a noção de constituir, estabelecer, organizar ou formar algo. No entanto, para o Direito, o vocábulo possui um sentido próprio. Segundo Alexandre de Moraes, a Constituição corresponde à "lei fundamental ou suprema do Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos". [12]Tal conceito é semelhante ao de José Afonso da Silva que, de forma sintética, afirma ser a Constituição o "conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado" [13].
Verifica-se, entretanto, que tais conceitos são superficiais, embora em ambas definições a noção de sistema normativo fundamental do Estado está presente. Esse é o objeto do estudo do Direito constitucional, pois se trata do ramo do Direito Público que analisa e sistematiza os princípios e normas essenciais que formam a estrutura do Estado, onde se encontra a disciplina da atividade financeira do Estado. O objeto do Direito Constitucional é, assim, a Constituição política do Estado. Dessa forma, a análise do sistema constitucional tributário deve ser feita em consonância sistêmica com o conjunto dos enunciados fundamentais, do qual é parte essencial. Os princípios jurídicos fundamentais sobre a tributação se interagem harmonicamente com as demais disposições constitucionais através da ponderação dos valores constitucionais, o que constitui a principal forma de ser conferida força normativa à Lei Fundamental, evitando-se que se transforme em "simples pedaço de papel" (ein Stük Papier) descritivo de forças políticas e despido de juridicidade. Vejamos o pensamento de Konrad Hesse:
"Constitui requisito essencial da força normativa da Constituição que ela leve em conta não só os elementos sociais, políticos, e econômicos dominantes, mas também que, principalmente, incorpore o estado espiritual (geistige Situation) de seu tempo. Isso lhe há de assegurar, enquanto ordem adequado e justa, o apoio e a consciência geral.
Afigura-se, igualmente, indispensável que a Constituição mostre-se em condições de adaptar-se a uma eventual mudança dessas condicionantes. Abstraídas as mudanças de natureza técnico-organizatória, ela deve limitar-se, se possível, ao estabelecimento de alguns poucos princípios fundamentais, cujo conteúdo específico, ainda que apresente características novas em virtude das céleres mudanças na realidade sócio-política, mostre-se em condições de ser desenvolvido. A "constitucionalização" de interesses momentâneos ou particulares exige, em contrapartida, uma constante revisão constitucional, com a inevitável desvalorização da força normativa da Constituição.
Finalmente, a Constituição não deve assentar-se em uma estrutura unilateral, se quiser preservar sua força normativa num mundo em processo de permanente mudança sócio-política. Se pretende preservar a força normativa de seus princípios fundamentais, deve ela incorporar, mediante meticulosa ponderação, parte da estrutura contrária. Direitos fundamentais não podem existir sem deveres, a divisão de poderes há de pressupor a possibilidade de concentração de poder, o federalismo não pode subsistir sem uma dose de unitarismo. Se a Constituição tentasse concretizar um desses princípios de forma absolutamente pura, ter-se-ia de constatar, inevitavelmente – no mais tardar em momento de acentuada crise – que ela ultrapassou os limites de sua força normativa. A realidade haveria de pôr termo à sua normatividade; os princípios que ela buscava concretizar estariam irremediavelmente derrogados." [14]
Aduz Hesse [15] que o vértice do ordenamento jurídico positivo (a Constituição jurídica) e a realidade que visa disciplinar são situações distintas, mas interativas, sendo que a Constituição jurídica atua de forma eficaz na realidade, mas por ela é limitada. Estabelece o autor o raciocínio que busca aproximar as correntes teóricas do positivismo jurídico (centrado na norma) e do positivismo sociológico (focado na realidade social), pois verifica que a disjunção entre ser (sein) e dever-ser (sollen) não contribui para a discussão sobre a força normativa da Constituição, eis que ambas tendem ao isolacionismo.
A essência da norma constitucional reside em sua vigência, no fato de estar inserida em determinadas situações sociais, mas sua eficácia depende de condições naturais, técnicas e sociais. Essa pretensão de eficácia, ou seja, a disciplina jurídica eficaz do contexto social pela norma constitucional, constitui um elemento distinto das condições para essa realização, o que lhe confere `a norma fundamental a atribuição da coordenação entre o "jurídico" e o "real", ainda que a constituição jurídica possua significado próprio. Mas esse não pode se distanciar do "germe material de sua força vital", circunstâncias culturais que evoluem no tempo visando o desenvolvimento da nação. A Constituição que se afastar da realidade social presente será inócua.
Conclui que a força normativa da Constituição será transformada em força ativa quando a regulamentação criteriosa da realidade atual é feita através de imposição de tarefas (normas programáticas) ao legislador infra-constitucional. Quando tais tarefas são implementadas pelos poderes constituídos no sentido da consciência geral verifica-se a manifestação da vontade da Constituição (Wille zur Verfassung), mais legítima do que a mera vontade do poder por estar mais próxima aos anseios sociais e, portanto, à finalidade do Estado.
O Direito Tributário é parte integrante da Constituição jurídica, e busca no Direito Constitucional seu fundamento de validade, razão pela qual não é prudente sob o ponto de vista hermenêutico o desvincularmos da interdisciplinariedade do Direito. Por sua vez, conteúdo científico do Direito Constitucional engloba o Direito Constitucional Positivo ou Particular, o qual tem como objeto o estudo de uma Constituição concreta, interpretando-a como norma vigente; o Direito Constitucional comparado, ou o método comparativo de análise entre as Constituições, extintas ou positivas, visando o aprimoramento do Direito Constitucional interno; e o Direito Constitucional Geral, ciência que estuda o conceito de Direito Constitucional, suas relações com outras disciplinas, suas fontes, evolução e hermenêutica, com o escopo de estabelecer princípios genéricos e pontos de contato entre os Estados que adotam uma forma de governo semelhante. No entanto, a transposição de institutos jurídicos estrangeiros ao modelo nacional requer a sua adaptação à forma e ao modelo de Estado adotado no Brasil, a fim de ser preservada a intenção do legislador constituinte originário.
Interessa também ao presente estudo a identificação das principais formas de classificação das Constituições. Vejamos:
a) Quanto ao conteúdo: Constituição material ou substancial: conjunto de normas materialmente constitucionais, em seu sentido ontológico, sejam escritas ou não; e Constituição formal: o texto escrito estatuído pelo poder Constituinte.
Por essa classificação verifica-se que existem normas materialmente constitucionais, mas que não são formalmente constitucionais (como o princípio da segurança jurídica), e vice versa, existem normas que são formalmente constitucionais mas não são, em sua essência, ligadas à forma de Estado ou de governo, ou não tratam de direitos e garantias fundamentais, como o art. 192, § 3º, da CRFB/88, mas o fato de sua positivação constitucional lhe confere eficácia, ainda que contida.
b) Quanto à forma: Constituição escrita ou instrumental, ápice da pirâmide normativa que visa estabilizar e racionalizar o Estado de forma escalonada [16]; e Constituição não escrita (unritten constitution), conjunto de regras decorrentes de leis esparsas, dos costumes arraigados na sociedade, e da orientação pretoriana, que estabelecem princípios não escritos de organização social, como é o caso da Constituição da Inglaterra.
c) Quanto ao modo de elaboração: Constituição dogmática, produto escrito e sistematizado pelo Poder constituinte originário, fruto da teoria política local; Constituição histórica, o resultado das tradições históricas de um povo, como a Constituição do Reino Unido.
d) Quanto à origem: Constituição promulgada, democrática ou popular, aquela que decorre da atividade da Assembléia Nacional Constituinte (como as Constituições brasileiras de 1891, 1934, 1946 e 1988); Constituição outorgada, assim chamadas as que foram elaboradas sem a participação do órgão representante do titular do poder constituinte, como ocorreu na experiência constitucional brasileira em 1824, 1937, 1967, e a Emenda Constitucional nº 1/69 (caso haja o referendo popular, a constituição outorgada é denominada cesarista).
e) Quanto à estabilidade: Constituição imutável, que constitui relíquia histórica, eis que há a vedação de alteração de qualquer parte de seu texto; Constituição rígida, aquela que pode ser alterada por processo solene e mais rigoroso do que aquele previsto para a alteração das normas infra-constitucionais; Constituição semi-rígida ou semi-flexível, assim chamada aquela que prevê um processo de alteração mais rígido para determinadas normas, e permite que as demais normas constitucionais sejam alteradas pelo processo ordinário; e Constituição flexível, a que pode ser alterada em sua totalidade por um processo idêntico ao das leis infra-constitucionais.
Conforme aduz Alexandre de Moraes [17], a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é, quanto à estabilidade, super-rígida, eis que a maior parte de suas normas são alteráveis por processo mais rigoroso do que o da edição de leis ordinárias (art. 60 da CRFB/88), mas outras normas são imutáveis, como aquelas que estabelecem princípios constitucionais tributários (conforme os artigos 5º, II, § 2º, 60, § 4º, IV, e 150, I, da CRFB/88).
f) Quanto à extensão e finalidade: Constituição sintética ou negativa, aquela que prevê apenas um sistema de direitos e garantias fundamentais para construir e limitar o Estado, também denominada de constituição-garantia, como é o caso da Constituição dos EE.UU.; Constituição analítica ou dirigente, a que contém um sistema de direitos e deveres fundamentais, com as respectivas garantias, traçado em planos dirigidos ao legislador ordinário através das chamadas normas programáticas.
Destarte, tendo em vista a classificação acima, podemos afirmar que a atual Lei Fundamental da República Federativa do Brasil constitui uma Constituição formal, escrita, dogmática, promulgada, super-rígida e analítica. Embora tais classificações sejam importantes, o escopo da presente dissertação se coaduna com outro modelo classificatório, mais coerente com a realidade social, o qual passamos a abordar.
3.1.1.1 Sobre a classificação ontológica das Constituições.
Classificação realmente relevante foi a intentada por Karl Loewenstein [18], que supera os modelos até então existentes por fixar um critério ontológico, segundo o escopo da Constituição escrita inserida na realidade sócio-política do Estado. Adotamos a sua orientação sobre a classificação das Constituições, que é clara e precisa.
Aduz o emérito professor da Faculdade de Direito da Universidade de Munich que desde o constitucionalismo no século XVIII inúmeras Constituições foram editadas, e, no entanto, a grande maioria segue o modelo inaugural. Todas dividem as funções do Estado em legislativa, executiva e jurisdicional, delegando-as a órgãos ou a detentores de parcela do poder estatal. Proclamam a soberania do povo e estabelecem um catálogo de direitos fundamentais. Disciplinam a forma de serem feitas as eleições, mesmo que sejam para uma assembléia representativa ou para um órgão de cúpula governamental.
Contudo, em algumas subjazem formas de deturpação da dinâmica do poder, e isso exige uma correta classificação das Constituições escritas, eis que os demais critérios são estanques e não acompanham a real mutação constitucional. Isso se deve principalmente pela sua tipicidade e pelo estabelecimento de standards, o que evidencia a insuficiência dogmática das teorias clássicas de classificação.
Primeiramente, deve-se analisar o modelo que divide as Constituições em escritas e não escritas (quanto à forma). Atualmente, praticamente todos os Estados possuem uma Constituição escrita, exceto a Grã-Bretanha. Mas o Estado que não reduzir a um texto formal as disposições fundamentais também possuirá uma Constituição, eis que tais prescrições basilares constam de documentos históricos, como na Inglaterra a legislação ao tempo da Revolução Gloriosa, além de outros textos legais (o Ministers of the Crown Act,de 1937, v.g.).
Em segundo lugar, a verificação de vácuos constitucionais não representa a existência de uma Constituição não escrita. No Brasil, durante a era Vargas, entre 1937 a 1947, vigorava um ato que suspendeu as garantias individuais, instaurou o estado de sítio e revogou a Constituição de 1937, a qual não teve eficácia, nasceu morta. Tais períodos aconstitucionais ocorrem também quando da retomada do domínio da democracia, como ocorreu na Argentina após o regime de Perón em 1956. Portanto, todos os Estados são detentores de um documento constitucional, além de costumes e normas escritas constitucionais. Pode-se, assim, distinguir Direito Constitucional formal, que tem como objeto um único texto constitucional, e Direito Constitucional material, constituído por leis esparsas e normas costumeiras.
A clássica distinção que leva em consideração o método de alteração constitucional estabelece a classificação constituições rígidas e constituições flexíveis, na prática, confunde-se com a anterior. Trata-se também de uma classificação irreal, pois a Constituição se adapta às transformações sociais por costumes, pelo uso constitucional, pela mutação constitucional empregada através da interpretação de seu texto pelos órgãos constituídos, e não somente por emendas formais.
Não são adequados também os critérios que se referem a forma de governo e de Estado republicano e monárquico, federal e unitário, classificação também demasiado rígida para abarcar a complexidade das estruturas e o desenvolvimento do Estado contemporâneo. Dessa forma, Loewenstein propõe nova classificação:
a)Constituições originárias e derivadas: A constituição originária é o documento que contém um princípio organizacional novo, original para o processo do poder político. Isso não ocorre com a derivada, a qual incorpora os modelos constitucionais pré-existentes. As primeiras são pouco freqüentes, e podemos citar como exemplos a que estabeleceu o parlamentarismo britânico, o presidencialismo americano e o constitucionalismo francês de 1793, o qual estabeleceu uma forma de governo assemblear.
b)Constituições ideológico-programáticas e utilitárias: Esse modelo classificatório leva em conta o conteúdo ideológico da Constituição. Analisando-a sob um contexto realista, ou a Constituição seria impregnada de programas ideológicos, ou seria neutra, puramente utilitária. A segunda, por não conter qualquer referência aos direitos fundamentais, possui um telos eminentemente autoritário. Mas atualmente as constituições reservam lugar de destaque às liberdades individuais, principalmente em decorrência da estruturação do Estado de Direito. Essa classificação possui, então, o sentido de compatibilizar o processo político de acordo com os valores e preceitos ideológicos insculpidos na Constituição.
A Constituição escrita, embora represente um importante passo na tentativa de limitar o poder político através da positivação de direitos fundamentais, não representa uma real garantia de distribuição de justiça e limitação do Estado. A técnica da lei constitucional formal é usada freqüentemente para encobrir regimes autoritários e totalitários, servindo a interesses opostos da democracia, coniventes com a opressão. Um número crescente de Estados denominam "constituição" a certos documentos que não se amoldam no sentido original de Constituição escrita, como ocorre nos Estados Árabes (como o Iraque, v.g.), ou em regimes comunistas que ainda remanescem (China, v.g.), entre outros (Afeganistão, Ruanda, etc.), que produziram uma democracia ultrajada para "validar" a autocracia, a demagogia e a tirania, levando à ascensão líderes como Napoleão e Mussolini.
Após identificar os motivos que justificam a necessidade de um novo critério classificatório, Loewenstein cria o que denomina critério ontológico. Por esse método, que leva em consideração as significativas modificações no papel fundamental da Constituição levado a termo pela evolução sócio-política, diferenciam-se as leis fundamentais segundo seu aspecto normativo, nominal e semântico:
1.A Constituição Normativa: A premissa maior da análise ontológica é a tese pela qual a Constituição escrita não se realiza por si mesma, mas sim pela interpretação e aplicação de seu conteúdo pelos detentores e destinatários do poder. A Constituição deve ser "vivida" dentro de um ambiente racional favorável. O período de transição correspondente a mudança do regime autoritário para o democrático não favorece à sedimentação imediata de seus preceitos, eis que a sociedade e o governo devem se integrar em perfeita simbiose na busca por seu conteúdo real e por sua força normativa, o que somente ocorre com a passagem do tempo sob a vigência constitucional. A constituição normativa é a que domina o processo político, o qual somente se desenvolverá validamente sob o império de suas normas. Somente assim a Constituição será real e efetiva.
2.A Constituição Nominal: A verificação do caráter normativo de uma Constituição deve ser realizada caso a caso. Se uma Constituição for válida juridicamente mas a dinâmica político-social for distante de suas normas não terá existência real. Será conhecida como Constituição nominal. Sua função será, então, educativa, e seu texto confere esperança à comunidade, desde que os detentores do poder atuem com bom senso para adaptarem-se ao modelo constitucional. Essa dinâmica social e política na busca pela efetivação do escopo positivado na lei fundamental, com o passar dos anos sob a sua égide, converte-a em uma Constituição normativa.
3.A Constituição Semântica: Existem casos que, embora haja um documento constitucional formal, o poder político dispõe de autorização expressa para concentrar-se nas mãos de um ditador, uma assembléia, um partido ou um comitê, o que frusta a tarefa inicial de limitação do poder pela lei fundamental, além de restringir a liberdade de atuação de suas normas segundo a vontade dos detentores do poder. A Constituição semântica, destarte, transforma-se em um instrumento para estabilizar a intervenção dos dominadores de fato do poder político.
3.1.1.2 Sobre a aplicabilidade das normas constitucionais.
Independentemente de sua classificação, as normas que compõem a Constituição possuem um diferenciado grau de eficácia jurídica, como demonstra José Afonso da Silva. [19] Analisar a atuação concreta da norma constitucional pressupõe interpretá-la para descobrir se, para tornar-se apta a produzir efeitos jurídicos, será necessário a edição de outras normas, de índole infraconstitucional, para tornar eficaz o preceito contido na Lei Maior. A qualidade de estar em vigência uma Constituição não significa, necessariamente, que seus dispositivos produzirão efeitos jurídicos, eis que vigência significa a qualidade de existência da norma, iniciada pelo momento a partir do qual se torna apta a produzir efeitos de observância obrigatória. Possui como pressuposto a legitimidade, que repousa no princípio democrático, pois, como fruto da Assembléia Constituinte, a Constituição é a Lei Maior do Estado, dotada de supremacia perante os demais atos normativos, não sendo conceptível com o atual estado da civilização humana dar-se validade `as constituições outorgadas. No entanto, algumas normas constitucionais não são, por si só, eficazes, pois a eficácia ocorre quando a norma possui todos os requisitos para sua aplicação correta. O referido autor classifica as normas constitucionais, quanto à sua aplicabilidade, da seguinte forma:
a)Normas de aplicabilidade plena e eficácia imediata: são os dispositivos constitucionais que, desde sua entrada em vigor, produzem os efeitos que o poder Constituinte quis regular, como é o caso das garantias fundamentais, conforme art. 5º, § 1º, da Carta Política;
b)Normas de eficácia contida e aplicabilidade imediata: são disposições constitucionais que regulam a matéria de modo suficiente, mas o legislador constituinte abriu espaço para a posterior atuação restritiva, no tocante aos conceitos gerais contidos na norma constitucional, pelo poder público competente, como ocorre com o art. 5º, XIII, da CRFB/88;
c)Normas de eficácia limitada e aplicabilidade mediata, indireta ou reduzida: necessitam de posterior atividade legislativa para determinar seu âmbito de aplicabilidade. Estabelecem esquemas gerais de atuação dos órgãos do Estado, como acontece, v.g., com o artigo 18, § 3º, da Lei Fundamental.
Entretanto, Jorge Miranda [20] entende que o sistema jurídico constitucional deve observar outro critério de classificação:
"Assim, quanto ao objecto ou ao conteúdo: normas de regulação e normas técnicas, as normas jurídicas – e, portanto, também as normas constitucionais – podem ser":
a)Normas de regulamentação e normas técnicas – consoante possuem um sentido específico de regulamentação ou se limitam a dar, no conjunto sistemático do ordenamento, o enquadramento técnico-legislativo de que aquelas podem carecer (assim, as definições legais, as regras de classificação ou as chamadas normas ordenadoras);
b) Normas Autónomas e normas não autónomas – consoante valem por si, contêm todos os elementos de uma norma jurídica, ou somente valem integradas ou conjugadas com outras;
c)Normas prescritivas e normas proibitivas – conforme prescrevem ou vedam determinado acto ou comportamento;
d)Normas primárias e normas secundárias ou sancionatórias – conforme dispõem sobre as relações e as situações da vida ou estabelecem garantias do cumprimento das primeiras, nomeadamente sanções;
e)Normas inovadoras e normas interpretativas – consoante introduzem uma modificação na ordem jurídica ou se propõem definir o sentido e o alcance de outras normas;
f)Normas directas e normas derivadas – consoante são apreensíveis directamente nas disposições expressas ou se encontram implícitas noutras normas.
Lugar `a parte ocupam as regras de Direito transitório material (contrapostas a todas as demais), que são normas temporárias destinadas a estabelecer o regime jurídico (a "terceira solução") correspondente à passagem do regime então vigente para o regime de novo decretado.
Quanto às suas relações, as normas jurídicas, incluindo as constitucionais, podem distinguir-se em:
a)Normas gerais e normas especiais – conforme dispõem para a generalidade dos casos ou para situações especiais neles contidas;
b)Normas de direito comum e normas de direito particular – consoante se destinam à generalidade das pessoas ou a certas categorias de pessoas em particular (quando é em razão do território dizem-se normas de direito local);
c)Normas gerais e normas excepcionais – conforme correspondem a princípios gerais ou a excepções a esses princípios (enquanto que as normas especiais são desenvolvimentos diferenciados de um só princípio, as normas excepcionais assentam em princípios antagónicos dos adoptados pelo ordenamento jurídico);
d)Normas materiais e normas remissivas – consoante encerram em si a regulamentação ou a devolvem para regulamentação constante de outras normas;
e)Normas exequendas e normas de execução – Consoante a sua execução dependem de outras ou tem por objecto, exactamente, dar execução a normas preexistentes;
f)Normas principais e normas subsidiárias – consoante se aplicam por si próprias ou se aplicam apenas na falta de normas que especificamente se ocupem das relações ou situações."
Não podemos olvidar das denominadas normas constitucionais programáticas, ou da função inerente à Constituição como "programa ou linha de direção para o futuro", posto que tais normas conferem elasticidade ao ordenamento constitucional. São dirigidas ao legislador ordinário, e explicitam conceitos jurídicos indeterminados que impossibilitam sua aplicabilidade. Constituem programas com finalidades sociais a serem cumpridos pelos Poderes Constituídos, como é o caso do disposto pelo art. 170 da Lei Fundamental, v.g.
A interpretação da Constituição deve definir seu aspecto temporal, eis que a entrada em vigor da Constituição acarreta a expiração do período de vigência da anterior. A superveniência de uma Constituição impõe a substituição do Direito positivo, ab-rogando-o como regra, exceto no tocante à legislação tributária infraconstitucional recepcionada nos termos do art. 34, § 5º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Recepção constitucional ocorre, portanto, quando a lei infraconstitucional anterior é absorvida pelo novo ordenamento jurídico, sem perder sua vigência, mas passa a ser interpretado segundo os novos princípios fundamentais, o que pode acarretar em sua novação. De outra forma, quando a nova Constituição declara expressamente que algumas normas da Constituição anterior continuarão em vigor, embora em uma categoria normativa formalmente inferior (como lei ordinária) vislumbra-se o fenômeno da desconstitucionalilzação. Por fim, vale ressaltar que somente será possível a repristinação quando houver expressa previsão na nova Carta de Direitos de hipótese de renascimento de uma norma constitucional revogada pela Lei Maior que a precedeu.
A Constituição, segundo Burdeau [21], é o conjunto de normas que definem a organização fundamental do Estado. Algumas, como a brasileira em vigor, dispõem uma síntese do pensamento da Assembléia Constituinte através de uma afirmação de princípios introdutória ao texto constitucional originário propriamente dito, chamado de preâmbulo. Ressalte-se que tal disposição está longe de ser mera construção semântica de somenos importância, mas, ao contrário, enuncia os valores que inspiraram os trabalhos da Assembléia Constituinte e expressa a legitimidade do processo de elaboração da Constituição.
Seguem ao preâmbulo, já integrantes ao texto constitucional propriamente dito, arts. 1º a 5º, os princípios constitucionais positivos fundamentais, divididos em: 1) princípios políticos constitucionais (arts. 1º a 4º), opções políticas fundamentais conformadoras da constituição para Canotilho, ou, como aduz Schimitt, decisões políticas sobre a particular forma do Estado; e 2) princípios jurídico-constitucionais, informadores da ordem jurídica pátria, decorrentes dos anteriormente citados, como, por exemplo, a reserva legal.
3.1.2 Emendas à Constituição.
São alterações setoriais no texto constitucional originário realizadas através de um processo mais rigoroso do que o previsto paras as demais normas, e surgem como manifestação poder constituinte derivado. Dessa forma, seu conteúdo deve respeitar os limites impostos pelo texto originário, principalmente o disposto pelo art. 60 da Lei Fundamental. Caso a emenda constitucional desrespeite os limites materiais ou formais está sujeita ao controle de constitucionalidade, na forma difusa e concentrada. Vejamos:
"A distinção entre Constituição em sentido formal e em sentido material conduz a que igualmente se distinga entre a inconstitucionalidade de normas jurídicas resultante da infracção da Constituição escrita (formal) e a resultante da infracção do direito constitucional material não escrito.
Naturalmente, pode também a norma constitucional formal conter ao mesmo tempo – e até mesmo em regra conterá – um preceito constitucional material, de maneira que poderíamos além disso distinguir entre infracção de uma norma constitucional apenas formal e de uma norma constitucional simultaneamente formal e material". [22]
3.1.3 Atos das Disposições Constitucionais Transitórias.
Muito embora seja imediata a incidência da Constituição, e ocorra a conseqüente revogação das normas constitucionais antigas pela impossibilidade de coexistência de duas Constituições, não há a completa supressão da ordem jurídica preexistente. A técnica constitucional, através de disposições transitórias finais, estabelece a "recepção do direito anterior pela Constituição, a vigência da legislação anterior que não contrariar as disposições da nova Constituição e as normas de transição para regular situações discrepantes das normas constitucionais permanentes". [23] Essa é a função do ADCT.
Suas normas pertencem ao Direito Intertemporal, e tem o escopo de dirimir conflitos de leis no tempo em face da nova ordem constitucional positiva (tempus regit actum).
As primeiras Constituições escritas, como a dos Estados Unidos da América de 17.09.1787 e a francesa de 03.09.1791, não estabeleceram disposições transitórias. O mesmo ocorreu com a Constituição brasileira de 25.03.1824. Já a nossa Constituição Republicana, de 24.02.1891, reservou apenas oito artigos sintéticos no final do texto constitucional para as normas transitórias, seguindo o modelo adotado por outros países. No entanto, o atual Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 05.10.1988 contém oitenta e nove dispositivos, e não há previsão de que essa alteração constitucional constante e esdrúxula irá ter fim, estando quase do mesmo tamanho da Constituição da França de 1958, a qual possui noventa e um artigos.
Verifica-se que a técnica brasileira de redação das disposições constitucionais transitórias se afasta da usualmente utilizada para a sua elaboração pelos Estados contemporâneos, que prevê tais disposições em poucos e breves artigos situados no final do texto da Constituição escrita. Tal fato, somado ao caráter heterogêneo e temporário do modelo adotado no Brasil, que envolve também a positivação de normas materialmente constitucionais fora do texto originário, acarreta na incompatibilidade das normas transitórias que não estabeleçam formas de solução de conflitos de leis no tempo com o princípio da legalidade tributária. Assim, não é o ADCT o meio hábil para disciplinar sobre normas tributárias materiais, pois a norma transitória permanente é norma anômala por produzir insegurança jurídica.
3.2 Leis Complementares.
Tais normas são integrativas da Constituição, eis que visam regular seus princípios ou fixar condições para o seu exercício, quando não auto-aplicáveis. São votadas pelo Congresso Nacional através de processo legislativo especial, mais rigoroso e complexo daquele previsto para a aprovação das Leis Ordinárias, sendo exigida maioria absoluta para sua aprovação, conforme dispõe o art. 69 da Constituição de 1988. Está situada, assim, em um nível hierárquico intermediário entre as normas constitucionais e a lei ordinária, possuindo conteúdo próprio por ser norma que veicula um comando exigido pela Constituição.
No tocante ao Direito Tributário, há um maior rigor quanto positivação do princípio da legalidade, eis que essa seara do Direito está sedimentada na "reserva de lei complementar", principalmente quanto às normas gerais sobre tributação e sobre limites ao poder de tributar, conforme as disposições estabelecidas na Carta Política vigente, art. 146. Para a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, como previsto no art. 114 do Código Tributário Nacional, pressupõe-se a definição de determinada situação em Lei complementar validamente editada pelo poder competente (art. 146, III, "a", principio, da lex legum). Trata-se, assim, de um fenômeno natural descrito previamente em Lei complementar de forma adequada, pormenorizada, para que possa gerar efeitos tributários futuros, verdadeira reserva legal qualificada. A Lei complementar é estatuída pela Constituição como a fonte formal por excelência do exercício da competência tributária.
Destarte, a lei complementar possui como função integrar a eficácia das normas constitucionais referentes à estrutura do Estado fiscal, à formação e à estrutura das funções do poder de tributar, como podemos verificar da redação dos dispositivos nºs. 146; 148; 154, I; 155, § 2º, XIII; 156, III, parte final e seu § 3º; 161; 163 e 195, § 4º, da Lei Maior.
3.3 Leis Ordinárias.
A lei ordinária integra o Direito Positivo (norma agendi) como o instrumento legislativo que satisfaz, em regra, o princípio da legalidade, sendo o meio adequado para a criação dos tributos, conforme disposto nos arts. 5º, II e 150, I, da CRFB/88, combinados com o estatuído pelo art. 97 do Código Tributário Nacional. É o instrumento jurídico normal de disciplina legislativa, sendo a fonte formal por excelência do Direito. Decorre da atividade típica do Poder Legislativo, sendo a norma jurídica que melhor se adequa à reserva legal quando a Constituição impõe a necessidade de fixação de limites aos direitos fundamentais.
Ressalta Caio Mário [24] que a palavra fonte possui dois sentidos principais: quando se investiga, cientificamente, a origem de um instituto jurídico, dá-se o nome de fonte aos documentos onde o pesquisador encontra os elementos de estudo, como v.g as Institutas e a Magna Charta, que por isso são denominadas fontes históricas; quando se procura as diferentes maneiras de realização do direito objetivo, através das quais se materializam as regras jurídicas, encontra-se as fontes formais.
Para a Lei de Introdução ao Código Civil, as fontes do Direito são a lei, a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito.
A fonte formal principal do Direito é a lei. A jurisprudência não é fonte, visto que é ato não emanado do poder legislativo, e tem como fundamento a regra legal e não a decisão judiciária em si mesma, sendo que a consulta à jurisprudência constitui elemento informativo que mantém a norma atualizada.
Modernamente, construiu-se o postulado segundo o qual a fonte do Direito é o ato jurídico, que deve ser diferenciado do ato jurídico strictu sensu, ou negócio jurídico, conforme está estabelecido no Código Civil Brasileiro. Para esta escola, o elemento aproximador é a vontade, e desde que exista uma similitude de fatores de constituição (vontade) e uma identidade de resultados (produção de efeitos jurídicos), pode-se dizer que a fonte formal do direito é o ato jurídico. São espécies de ato jurídico lato sensu: 1) Ato Regra: Constitui, em primeiro plano, a lei, como expressão de comando geral, a manifestação volitiva criadora de força obrigatória através da norma de conduta apta a pautar um comportamento individual, dominadora do grupo social. Em segundo plano, constitui a elaboração de normas jurídicas por um grupo de indivíduos que expõe a manifestação volitiva restrita àquele número de pessoas (estatutos, convenções coletivas); 2) Ato Subjetivo: trata-se da declaração de vontade, unilateral ou bilateral, emanada com a finalidade de produzir efeitos jurídicos dentro de lindes restritos; 3) Ato-condição: manifestação volitiva produzida por um órgão público ou particular com a finalidade de colocar o indivíduo em condição impessoal, embora lhe atraia situações pessoais ou subjetivas, como ocorre com o casamento, com a nomeação para cargo público, e como ressalta Baleeiro [25], é o caso do orçamento público; 3) Ato Jurisdicional: é composto pelas sentenças proferidas pelo Poder Judiciário que, após o trânsito em julgado, criam situações jurídicas definitivas.
A lei, assim designada toda norma geral e permanente, editada pela autoridade soberana e dirigida coativamente à obediência dos cidadãos possui os seguintes requisitos: a) A lei é uma ordem, um comando do Estado ao indivíduo; b) A lei é geral, pois dirige-se indistintamente a todos os que estejam sob a tutela estatal; c)A lei é permanente, pois é próprio das leis que se estendam no tempo indeterminadamente, o que não significa que seja eterna. Nasce, vive e morre, como o ser humano que a concebe. Mas não é destinada a regrar uma única situação; d) é provida de sanção, ou dotada de coatividade, assim considerada a atuação estatal destinada a assegurar seu cumprimento e compelir os membros da sociedade à observância da ordem jurídica; e e) a lei deve emanar da autoridade competente, observado o processo legislativo, para ser válida conforme a Constituição.
A lei ordinária, regra geral, abstrata, inovadora, validamente editada pela autoridade competente e coativamente imposta à obediência dos membros da comunidade deve ser de conhecimento de todos, pois ninguém pode deixar de cumprir seus comandos alegando que a desconhece (art. 3º, Lei de Introdução ao Código Civil).
3.4 Leis Delegadas
São normas elaboradas pelo Presidente da República após solicitar e obter a delegação para o exercício dessa prerrogativa legislativa junto ao Congresso Nacional, nos termos do art. 68 da CRFB/88. O meio em que se manifesta essa delegação é a Resolução do Senado, a qual especificará os limites da edição da Lei Delegada, seus termos e conteúdo. Trata-se de veículo normativo a ser utilizado em situações de emergência, e situa-se, no plano formal, no mesmo patamar das Leis Ordinárias. Exceções à edição de Leis delegadas estão previstas no § 1º do supra citado dispositivo constitucional, sendo que podemos ressaltar a impossibilidade da utilização desta espécie normativa quando a Lei Maior exigir expressamente a Lei Complementar para regrar determinada matéria.
3.5 Medidas Provisórias
Instrumento normativo introduzido na Constituição de 1988 em substituição ao Decreto-lei tendo em vista a degeneração do uso desse ato de competência do Executivo. Origina-se do instituto provvedimento provvisori inserido no art. 77 da Constituição da Itália de 1947, e está positivado em nossa Carta de Direitos nos arts. 59, V, e 62. Possui natureza de ato administrativo com força de lei, sendo exigido urgência e relevância para a sua instituição, o que, na prática, reduz sensivelmente a possibilidade de sua utilização no Direito Tributário ante ao princípio da não surpresa, o qual exige a observância da legalidade, anterioridade, e irretroatividade da norma de incidência tributária, conforme dispõe o arts. 5º, XXXVI; 62, § 2º; 146, III, alíneas a e b; e 150, incisos I e III, da CRFB/88, combinados com o art. 97 do CTN, bem como quanto ao princípio da reserva de lei complementar, previsto nos arts. 62, III e 146, III, a, da Carta Política.
3.6 Decretos Legislativos.
Tais instrumentos normativos possuem grande relevância para o Direito tributário, eis que são os instrumentos para a aprovação dos Tratados Internacionais, integrando-os ao direito positivo após a atividade de deliberação onde haverá a sua ratificação pelo Congresso Nacional.
As Convenções Internacionais, acordos multilaterais ou bilaterais entre Estados soberanos, visam estabelecer normas comuns de direito internacional, principalmente sobre combate à evasão fiscal (tax evasion) e ao crime de lavagem de dinheiro. A iniciativa para a celebração de tratados internacionais pertence ao Chefe do Poder Executivo Federal. O Decreto Legislativo corresponde ao referendo e à chancela dados pelo Congresso Nacional, tornando eficaz no plano normativo interno os acordos internacionais subscritos pela República Federativa do Brasil.
3.7 Resoluções do Senado.
Como estão expressamente previstas pelo art. 59, VII, da Constituição em vigor, compõem o quadro das fontes formais do Direito. Para sua aprovação é exigido votação em que participe a maioria absoluta dos membros do Senado, da Câmara ou do Congresso Nacional; estão num plano formalmente superior à lei ordinária. Independem de sanção presidencial e o rito de sua votação está previsto nos respectivos Regimentos Internos. São utilizadas para a fixação de alíquotas mínimas ou máximas de impostos dos Estados Membros (art. 155, parágrafos 1º e 2º da Constituição de 1988).