Aportes à Introdução ao Estudo do Direito: A passagem do homem natural para o homem artificial segundo Rousseau

26/03/2015 às 13:21
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Rousseau, para justificar o viver em sociedade, tratou, dentre outras questões, sobre a gregariedade e sobre a queda humana, ambos operados com o fim do estado de natureza. Ao estudo dessa pensamento se presta o presente artigo.

            

Introdução

O homem é um ser gregário, quer por necessidade, quer por interesses egoístas, ou até mesmo por atitudes altruístas, cria e mantém relacionamentos com fins de interação social, aquisição ou ampliação de conhecimentos, de ajudar pessoas em situação de carência, de se inserir como representante popular no mundo político, dentre outros.

Essa gregariedade, ainda que de forma indireta, há muito, foi estudada pelos consagrados filósofos contratualistas - Locke, Hobbes e Rousseau -, os quais, cada um a sua maneira, apresentaram justificativas acerca da necessidade do Estado.

Com Rousseau, essa justificativa constou na obra Contrato Social, mas as ideias que possibilitaram isso vieram antes, na obra Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Ao dizer sobre a desigualdade, sua origem e fundamentos, Rousseau abordou questões totalmente ligadas à referida gregariedade do ser humano. E é sobre isso que se exporá a seguir.

2 Desenvolvimento

Para dizer sobre as origens e os fundamentos da desigualdade entre os homens, Jean-Jacques Rousseau destacou características particulares ao homem natural e ao homem artificial, este também chamado social. Enquanto o homem natural era dotado de bondade própria, o artificial - ou social - tinha a malevolência como caracter principal.

Ainda nesse mister, referido filósofo esclareceu ser, antes de tudo, defensor da causa da humanidade, concebendo nos seres humanos duas espécies de desigualdade, uma natural ou física, outra moral ou política. A natural é instituída pela natureza, sendo orientada por elementos como diferença das idades, saúde, qualidades do espírito, enquanto a segunda (moral ou política) está contida nos diferentes privilégios que alguns dos homens têm e outros não.

A exposição desses pensamentos de Rousseau rumou não só no sentido de investigar a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, mas também no de verificar se o direito natural corroboraria a desigualdade. Nessa investigação referido filósofo optou por dizer de duas questões: o homem natural e a história da queda do homem, o que fez após afirmar mal sucedido o exame dos fundamentos da sociedade e a proposição do retorno ao Estado de Natureza feita por alguns filósofos – disse, aliás que esse insucesso decorreu do fato de que esses filósofos não conseguiram em suas idéias argumentos válidos que levassem ao retorno proposto.  

Justificando seu pensamento, Rousseau destaca que para tratar do homem natural esses filósofos, erroneamente, diziam do homem selvagem, mas retratavam nesses dizeres o homem civil, sem nunca ousarem sequer duvidar sobre a existência do Estado de Natureza. Um dos raciocínios que apresenta para criticar essa falta de reflexão acerca do Estado de Natureza é o de que mesmo nos livros sagrados, onde se encontram narrativas acerca do primeiro homem, fundamentadas na filosofia cristã, a descrição do homem natural apresenta características que o comprovam independente, não necessitando de qualquer associação ou sociedade - é que esse homem tinha, por exemplo, livre arbítrio e conseguia, per si, realizar as atividades desejadas e necessárias.

Em seguida, Rousseau passa, enfim, a expor o que considera estado de natureza, dizendo que não julgará esse estado do homem de forma evolucionista, ou seja, não tratará do homem como uma organização oriunda de desenvolvimentos físicos sucessivos. Dito isto, esclarece que em toda e qualquer análise que realizará do ser humano, inclusive ao situar este no estado de natureza, o considerará tal qual o vê: um ser que anda com dois pés, usa as mãos assim como nós usamos e olha para toda a natureza, medindo a extensão do céu com os próprios olhos.

Ao dizer acerca do homem natural e da história da queda do homem Rousseau trata de duas questões diretamente ligadas ao objeto de estudo do presente trabalho, ligadas, portanto, a gregariedade como um elemento oriundo da queda humana.

É o que se pode afirmar diante do fato de que o modo de vida do homem natural é caracterizado pelo Estado de Natureza, estado que é marcado pelo viver do homem sem qualquer artificialidade - o homem ora é mais, ora menos forte; ora mais, ora menos ágil. Todavia isso não lhe anula o elemento organização, que o difere de todos os demais seres.

No Estado de Natureza o homem vivia absorto e guiado por suas sensações, mas tinha livre arbítrio que lhe tornava capaz de poder regular seus instintos e desejos. Seu corpo era seu instrumento para viver, o que o tornava independente no ambiente natural. Os contatos que mantinha com o outro eram muito rápidos e passageiros.

Esse cenário muda, uma vez instaurado o outro aspecto abordado por Rousseau: a queda do homem. Referida queda é marcada pela substituição de diferenças naturais por diferenças artificias, o que leva o homem a se despir de elementos que primitivamente lhe pertenciam.

O homem passa a se associar com o outro, a nutrir contatos e relacionamentos marcados pela estabilidade e durabilidade. Fala-se, então, nas associações, novo meio de organização entre os homens.

Ocorre que as associações embora fatidicamente impliquem transformação no modo de viver do homem, implicam também alguns problemas, visto que as pessoas passam a contar umas com as outras equivocada e exageradamente. Esses problemas podem ser sintetizados no já mencionado fato de que o homem ora é mais, ora menos forte; ora mais, ora menos ágil. Assim, na transformação do homem natural em artificial, o mais forte e o mais ágil sempre sobressaem, são eles que têm seus desejos e vontades realizados em detrimento das vontades e dos desejos dos mais fracos.

A queda do homem decorre da perda da simplicidade primitiva, simplicidade esta marcada pelas características próprias do Estado de Natureza. Disso se extrai o pensamento de que, para Rousseau, o viver em um Estado Artificial no lugar do Estado de Natureza implica novos e maiores poderes àqueles que, principalmente em razão de condições materiais mais elevadas, são tidos como mais fortes (exemplo dessas condições materiais se tem na posse). Esse poder na mão de apenas alguns dos homens impõe o mal da desigualdade.

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3 Conclusão

Para Rousseau, portanto, a origem e o fundamento desigualdade é a passagem do Estado de Natureza para um estado onde o homem natural é substituído pelo homem artificial (ou civilizado).

Disso emergem a perversão, a alienação, o controle do mais fraco pelo mais forte, dentre outros males que excluem qualidades que eram peculiares ao homem natural. É nesse momento, diante desses males, que o ser humano intensifica as relações sociais, as relações que o definem como um ser gregário.

As questões que levam a esse raciocínio são tratadas por Rousseau no Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, quando as associações surgem como resposta de para evitar os males possíveis. Em um segundo momento, a ideia de associação evolui para a que se passa a conhecer como Contrato Social.

Bibliografia

ROUSSEAU, Jeann-Jacques. Do contrato Social. São Paulo: Abril, 1973.

__________. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Mira-Sintra: Europa, 1976.

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Sobre o autor
Isabel Soares da Conceição

Bacharel em Direito pela PUCPR, campus Londrina. Pós graduada em Direito Civil e Processual Civil pela UEL. Pós graduanda em Filosofia Política e Filosofia Jurídica pela UEL. Advogada. Pesquisadora.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O texto foi escrito a partir de um estudo para compreender melhor alguns efeitos da substituição do homem natural (Estado de Natureza) pelo homem artificial na ótica de Rousseau.

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