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A garantia constitucional da intimidade e a quebra do sigilo bancário consoante a Lei Complementar nº 105/2001

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Capítulo III : Exceção ao Direito de Sigilo Bancário

O sigilo bancário – como dito anteriormente – há tempos permanece garantido pela Constituição, a qual lhe empresta a condição de direito e de garantia fundamental. Não se discute, pois, a necessidade de o Estado tutelar tal direito, inerente a todos indistintamente.

1. Garantias Fundamentais: Absolutas ou Relativas?

Quebrar o sigilo bancário é dizer, em linhas gerais, violar uma garantia e um direito fundamental; nesse itinerário, mister é questionar se é possível, sob a égide da legalidade, postular a inviolabilidade de um direito fundamental. Para tanto, necessário é determinar qual o caráter dessas garantias: absolutas ou relativas.

- Àqueles que emprestam caráter absoluto aos direitos e garantias fundamentais, apregoam que nenhum direito deve ser tolhido, ainda que se coloque outro direito ou garantia em conflito, vale dizer, o sigilo bancário não pode e não deve nunca ser violado, em nenhuma hipótese. Comunga com esse entendimento Ives Gandra da Silva Martins, acentuando que sequer a decisão judicatória tem o condão de violar tal garantia. Outros contudo, emprestam caráter relativo aos direitos e garantias fundamentais, apontando que "o direito ao sigilo bancário, assim como todos os direitos, são relativos, pois o ordenamento jurídico, como se infere na própria terminologia, consiste em uma ordem de direitos, os quais devem conviver harmoniosamente, sem que a prática de um inviabilize a de outro" [23]; assim, é de se emprestar caráter relativo ao sigilo bancário.

Nesse passo, forçoso afirmar que um direito ou uma garantia, ainda que fundamental e resguardada pelo manto Constitucional, e em que pese o entendimento contrário, pode ser excepcionado com o escopo de se garantir o exercício de outro direito, desde que respeitadas e resguardadas todas as garantias processuais.

Desta feita, considerando-se a possibilidade de se violar o sigilo bancário, eis que possui caráter relativo, importa-nos sobremodo estabelecer quais os critérios legais que devem ser utilizados e respeitados, com o fito de se chegar a este fim.

A expressão quebra do sigilo bancário há muito vem sendo utilizado nos manuais jurídicos, nas decisões judiciais e imprensa para designar aquela situação na qual, mediante ordem legal se permite a determinados agentes do Estado a tomar conhecimento de operações financeiras com o intuito de apurar-se eventual ilícito cometido, seja ele fiscal ou bancário.

Em que pese tal terminologia ser amplamente aceita tanto pelo meio acadêmico como pelos profissionais e operadores do direito, havia aqueles que se insurgiam em face de tal nomenclatura, alegando que o verbo quebrar, no vocabulário comum, por significar fragmentar, despedaçar, infringir, transgredir, violar, no Direito significaria a violação da norma jurídica [24].

Tais doutrinadores apregoavam que o mais correto seria utilizar-se da expressão exceção do direito ao sigilo, porquanto esta expressão significaria procedimento revelador de informações secretas por permissão legal, nos estreitos ditames da lei, ao passo que, a expressão quebra significaria a violação do sigilo, tipificada como crime, nos termos do artigo 38, parágrafo 7º da Lei 4.595/64 [25].

Ocorre que, com o advento da Lei Complementar 105/2001, tal discussão perdeu o sentido porquanto a própria lei veio expressamente a consagrar em alguns de seus dispositivos a terminologia quebra de sigilo [26].

Cumpre-nos, neste momento, ressaltar que é mais relevante discutir a aplicabilidade e constitucionalidade da Lei Complementar 105/2001, do que as expressões utilizadas tanto pela legislação pertinente como pelos operadores do direito, a doutrina e a jurisprudência.

Nesse diapasão, cabe perquirirmos quem possui a titularidade ativa para a quebra do sigilo bancário e qual o meio adequado para realizá-la.

2. Poder Judiciário

Conquanto seja matéria quase que pacífica que ao Poder Judiciário fora dada permissão constitucional para excepcionar o sigilo bancário, em situações concretas de conflito entre interesse privado e público é importante discutirmos em que condição poderá fazê-lo.

Ao Poder Judiciário cabe, em síntese, a função de dizer o direito, ou seja, dirimir conflitos de interesses. Denomina-se tal função como jurisdição.

A função precípua de dizer o direito, ou seja, de exercer jurisdição decorre do instituto jurídico da "coisa julgada", que proporciona a força e a solidez necessária à decisão judicial, em última instância, porquanto garante a imutabilidade dos efeitos da sentença, nos termos do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal.

Não é só. Além disso, a função jurisdicional encontra respaldo no princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, inciso XXXV, CF), segundo o qual o Poder Judiciário tem o dever de prestar a tutela jurisprudencial postulada, seja negativa ou positiva.

Nesse contexto, ensinam Paulo Quezado e Rogério Lima que "Infere-se, portanto, da própria natureza da função do Poder Judiciário, que a este cabe, mesmo sem autorização expressa constitucional, excepcionar o direito fundamental à privacidade de quem quer que seja, diante de situações especiais em que haja verdadeiro comprometimento do interesse público. Isto porque o Judiciário foi criado, justamente, com a finalidade primordial de solucionar os conflitos em sociedade, resguardando a harmonia do ordenamento jurídico." [27]

A discussão é relevante, posto que a doutrina e jurisprudência pátria vêm dando especial relevo ao chamado princípio da reserva de jurisdição.

2.1. Princípio da Reserva de Jurisdição

Antes de delimitarmos a aplicação do princípio da reserva de jurisdição, devemos suscitar a seguinte indagação: A terminologia reserva de jurisdição é correta ou não ?

É notório que ao tratarmos da repartição de poderes, ou da chamada teoria dos freios e contrapesos, não estamos na verdade preconizando uma divisão do poder do Estado em Poder Judiciário, Poder Executivo e Poder Legislativo.

Na verdade o poder do Estado é uno e indivisível, a repartição se dá no tocante às funções exercidas pelo Estado, mediante a qual cada uma delas impõem limites umas às outras, objetivando assim atingir o equilíbrio necessário a um Estado Democrático de Direito.

O eminente constitucionalista Michel Temer assevera, ao meditar sobre o tema que "o valor da doutrina de Montesquieu está na proposta de um sistema em que cada órgão desempenhasse função distinta e, ao mesmo tempo, que a atividade de cada qual caracterizasse forma de contenção da atividade de outro órgão do poder. É o sistema de independência entre os órgãos do poder e do inter-relacionamento de suas atividades. É a fórmula dos ‘freios e contrapesos’ a que alude a doutrina americana." [28]

Destarte, o tecnicamente correto é dizer função jurisdicional, função executiva e função administrativa.

É pacífico o entendimento que as funções do Estado se entrelaçam, ou seja, cada uma das funções do Estado possuí uma atividade típica e outras atividades atípicas. Assim, a título de exemplo, para não nos estendermos demais no assunto, ao Poder Executivo cabe de forma precípua a função de administrar, mas nada impede que em determinadas circunstâncias julgue um caso concreto.

Devemos ter em mente, no entanto, que o Poder Executivo ao julgar determinado caso está exercendo uma função judicante, portanto, atípica e não jurisdicional. Ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo foi permitido, no mais das vezes, tão somente dar "a primeira palavra", jamais a "última".

Somente ao Poder Judiciário foi conferido o poder de dar a última palavra, porquanto está é sua função típica, ou melhor, esta é a função a ele inerente.

Diante dessas considerações é que ensinam Paulo Quezado e Rogério Lima que na verdade não é correto dizer jurisdição reservada, afirmando que "somente teria sentido a terminologia reserva de jurisdição se fosse para frisar a exclusividade do exercício dessa função." [29]

Ocorre que, em determinadas matérias, há reserva ao Poder Judiciário de dizer, além da "última palavra", também fazê-lo exclusivamente quanto à "primeira palavra", estando os demais poderes impedidos. Daí infere-se o conceito do princípio da reserva de jurisdição.

Cumpre neste momento verificarmos como a doutrina e jurisprudência atual vêm aplicando o princípio em apreço.

Hugo de Brito Machado, insigne jurista e estudioso do direito tributário, preconiza que o artigo 6º da Lei Complementar 105/2001 é inconstitucional exatamente por afrontar o princípio da reserva da jurisdição [30].

Assim dispõe o citado artigo:

Artigo 6º. As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.

Depreende-se daí que, para o renomado jurista, somente o juiz de direito poderá manifestar-se quanto à conveniência ou não da quebra do sigilo bancário, não devendo admitir-se que autoridade ou fiscal tributário o faça.

Todavia, vale ressaltar que a matéria é controvertida, porquanto há doutrinadores que, não obstante reconheçam a existência do princípio da reserva de jurisdição, entendam que o mesmo não se aplica a quebra do sigilo bancário.

Argumentam os defensores dessa tese que "considerando o princípio da reserva de jurisdição assim como têm conceituado a doutrina e a jurisprudência, ou seja, como princípio que resguarda a primeira e última palavra da tutela constitucional para a solução de conflitos, envolvendo matérias expressamente determinadas na Constituição, sustentamos que o sigilo bancário não se encontra sob sua proteção. Apesar de ser um direito fundamental do cidadão, o sigilo bancário não foi inserido entre as matérias reservadas à função jurisdicional." [31]

No que tange a jurisprudência, em que pese ainda haver divergência no Supremo Tribunal Federal sobre a aplicação do princípio em comento no caso do sigilo bancário, os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence, Néri da Silveira e Carlos Velloso admitem a aplicação do princípio para negar a possibilidade das Comissões Parlamentares de Inquérito efetuarem a quebra do sigilo bancário [32]

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2.2. O Advento da Lei Complementar 105/2001

Neste tópico passaremos a abordar a Lei Complementar 105/2001 que trata do sigilo das operações de instituições financeiras, sendo contudo importante fazer breves considerações acerca do disposto na legislação que regulava a matéria anteriormente.

Antes do advento da legislação vigente a matéria era regulada pelo artigo 38, da Lei nº 4.595/64, denominada Lei do Sistema Financeiro Nacional.

Tal artigo preceituava que a competência do Judiciário para ordenar ao Banco Central do Brasil e às instituições financeiras que prestassem informações sobre o segredo bancário de seus clientes, permitindo inclusive ao Poder Legislativo e a CPI, por aprovação do Congresso Nacional, que requisitassem diretamente dos bancos as informações necessárias.

A Lei Complementar foi além e passou a permitir ao Poder Legislativo e a CPI requisitarem informações das instituições financeiras, sem autorização judicial, bem como declarou expressamente poderes à Receita Federal para abrir o sigilo bancário [33].

2.3. Autorização Judicial e o Devido Processo Legal

Ao Poder Judiciário portanto é dado autorizar mediante decisão fundamentada a abertura do sigilo bancário, desde que haja fundada suspeita, tais como indícios idôneos e reveladores de possível autoria de prática delituosa. A questão que se impõe é: Tal autorização somente dar-se-ia no bojo de um processo com todas as implicações jurídicas do devido processo legal ?

Quando ainda vigorava o art. 38 da Lei do Sistema Financeiro Nacional, havia determinação expressa para o Poder Judiciário ordenar, em juízo, às instituições financeiras a prestação de informações sigilosas. Com o advento da LC 105/2001, nos termos do par. 4º, art 1º, permitiu-se à exceção ao direito ao sigilo tão somente através de inquérito.

Paulo Quezado e Rogério Lima entendem tal disposição como inconstitucional por violar o princípio do devido processo legal. Argumentam que a Lei Maior determina no art. 5º, LIV, que ninguém terá sua liberdade restringida, total ou parcialmente, ou privado de seus bens sem o devido processo legal. Para estes não é possível decretar a abertura do sigilo bancário privando o titular do sigilo sem o contraditório e ampla defesa, porquanto se trata de um direito fundamental. [34]

Cumpre ressaltar, no entanto, que a doutrina e a jurisprudência majoritária entendem possível à exceção ao direito de sigilo bancário no âmbito de inquérito judicial ou administrativo.

Resume tal posição o ensinamento de Marco Antônio de Barros, na sua obra Lavagem de Dinheiro, na qual o autor preconiza a importância da autorização judicial para a quebra do sigilo bancário já na fase das investigações asseverando que tal medida "é da essência da persecução penal deste tipo de crime (...). A preservação do elemento ‘surpresa’ dessa medida é inevitável, pois a ninguém é dado o direito de menosprezar a volatilidade que distinguem as operações financeiras no âmbito da macrocriminalidade organizada." [35]

3. Poder Legislativo e a CPI

Portanto, em razão dos argumentos expostos linhas atrás, podemos afirmar que é consenso a possibilidade da quebra do sigilo bancário pelo Poder Judiciário. Cabe agora indagarmos se ao Poder Legislativo fora dada a mesma prerrogativa.

A matéria que enseja maior controvérsia tanto na doutrina quanto na jurisprudência se dá no tocante à permissão constitucional conferida as Comissões Parlamentares de Inquérito de efetuar investigação com poderes inerentes as autoridades judiciais.

Por oportuno, merece transcrição ad litteram o artigo o art. 58, parágrafo 3º da CF:

Artigo 58. O Congresso Nacional e suas casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

(....)

Parágrafo 3º. As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprias das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

A doutrina majoritária assevera, utilizando-se da expressão "que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais", que é possível a quebra do sigilo bancário por parte das Comissões Parlamentares de Inquérito, sem autorização judicial para tanto.

Não é só. Faz uso do parágrafo 1º do art. 4º, da LC 105/2001 para reforçar sua posição, uma vez que o mesmo dispõe:

(....)

Parágrafo 1º. As comissões parlamentares de inquérito, no exercício de sua competência constitucional e legal de ampla investigação, obterão as informações e documentos sigilosos de que necessitarem, diretamente das instituições financeiras, ou por intermédio do Banco Central do Brasil ou Comissão de Valores Mobiliários.

De outra feita, parte da doutrina não entende possível à quebra do sigilo bancário sem prévia decisão judicial, elencando uma série de argumentos.

O primeiro é que se tal prerrogativa não foi concedida pela Carta Política ao Poder Legislativo como aceitar que uma Comissão Parlamentar de Inquérito, a qual deriva tanto formal como substancialmente do Legislativo, possa dispor de poderes para tanto? Afirmam que concordar com essa possibilidade é subverter princípio elementar de lógica, o qual informa que a criatura não pode mais do que o criador.

Alegam que a norma extraída do parágrafo 3º do art. 58 da CF trata-se de norma de exceção e, portanto, deve ser entendida restritivamente. Sendo assim as CPIs apesar de possuírem poderes próprios das autoridades judiciais, não podem quebrar o sigilo bancário por tratar-se de direito fundamental.

Citam os defensores dessa tese que "por essa razão a teoria dos direitos fundamentais, com força nas lições de Jellinek, classificou os direitos fundamentais em: direitos de defesa (não intromissão estatal na esfera da liberdade individual) e direitos à prestação jurídica (intervenção estatal em prol do gozo efetivo da liberdade). Destarte, o exercício dos direitos fundamentais é a regra; a intervenção do Estado no exercício desses direitos, a exceção." [36]

Por derradeiro afirmam, pelas razões já aduzidas, que o parágrafo 1º do art. 4º da LC 105/2001 é inconstitucional, apregoando que somente é possível as comissões parlamentares que inquérito quebrar o sigilo das repartições públicas e autarquias, em razão do disposto no art. 2º, caput da Lei 1.579/52 (Lei das CPIs) [37] e dos órgãos públicos.

São defensores dessa tese, dentre outros, Rogério Lima e Paulo Quezado. [38]

Em que pesem tais considerações, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento unânime, não obstante ainda não tenha analisado a LC 105/2001, de que a CPI pode quebrar o sigilo bancário, independente de autorização judicial. [39]

Ressaltam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, como embasamento para tais decisões, o caráter relativo do direito fundamental ao sigilo bancário e a exceção da função investigatória da CPI ao princípio da reserva de jurisdição, podendo este órgão dar a "primeira palavra" em termos de restrição de direitos fundamentais. [40]

Nessa esteira cumpre lembrar que comungamos do entendimento declinado pela doutrina e jurisprudência majoritária, não por mera conveniência mas sim por convicção.

4. Ministério Público

A Constituição Federal em seu art. 129, conferiu ao Ministério Público, entre outras, as funções institucionais de "expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva" (VI), e "requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais (VIII)."

Por sua vez a LC 75/93, Lei Orgânica do Ministério Público, dispôs que "nenhuma autoridade poderá opor ao MP, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido".

Duas correntes se formaram em razão de tais disposições.

A primeira apregoa a permissão legal ao Ministério Público para requisitar informações bancárias sigilosas diretamente às instituições financeiras, sem qualquer intervenção do poder judiciário [41].

Em contrapartida, outra corrente preconiza que o sigilo bancário só pode ser excepcionado por meio de requisição motivada, comprovando a real da medida e sob decisão judicial [42], porquanto os dispositivos citados não autorizam a quebra sem a intervenção da autoridade judiciária. Argumentam seus adeptos que o sigilo bancário é espécie de direito à privacidade que a Constituição Federal consagra no artigo 5º, inciso X e, em sendo direito fundamental somente autorização expressa da Magna Carta legitimaria ação do Ministério Público para requerer, diretamente, sem intervenção da autoridade judiciária, a quebra do sigilo bancário de qualquer pessoa.

Nesse diapasão, o jurista e ex-Ministro da Justiça Miguel Reali e o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Domingos Franciulli Netto, defendem que ao Ministério Público não foi dado efetuar a quebra do sigilo bancário, sem a devida autorização judicial emanada de processo no qual se garanta o contraditório e a ampla defesa. [43]

O Superior Tribunal de Justiça, vem-se posicionando contra a quebra do sigilo bancário pelo Ministério Público [44], sem autorização do judiciário. Por outro lado, caso o Ministério Público requisite-a judicialmente não necessitará instaurar processo.

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, está dividido entre duas correntes: uma que defende a possibilidade de o Ministério Público quebrar diretamente o sigilo bancário quando o caso envolver verbas públicas [45]

Esta posição de parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal, ensina que ato de órgão ligado ao governo, direta ou indiretamente, como a origem já indica, é público. Por isso a obediência ao princípio da publicidade. Sendo o assunto dinheiro público, maior razão há de transparência em sua administração, pois, do contrário, estará comprometido o próprio Estado Democrático de Direito.

Assim, para os adeptos desse entendimento, com o qual nos filiamos, o Ministério Público em tratando-se de dinheiro público está autorizado para requerer diretamente informações às instituições financeiras. [46]

Explica-se, se o sigilo bancário está entre os direitos individuais, e, por isso, só podendo ser quebrado excepcionalmente, com a "coisa pública dá-se o inverso" - afirma o Prof. Hugo de Brito Machado. "O princípio é o da publicidade, e só excepcionalmente prevalece o sigilo". Em suma para o campo do direito privado a exceção é a publicidade; para o campo do direito público, a privacidade. [47]

De outra feita, outra corrente do Supremo Tribunal Federal diz ser necessário para a decretação da quebra do sigilo bancário uma decisão judicial.

O Supremo Tribunal Federal no entanto, é unânime em afirmar que vê motivo para instauração de processo, no qual se exercitará o contraditório e a ampla defesa, podendo portanto, ser decretada a exceção ao direito do sigilo bancário durante inquérito.

5. Poder Executivo

O art. 6º da LC 105/2001, regulada pelo Decreto 3.724/2001, veio a permitir à Fazenda Pública, de forma irrestrita, conhecer tanto em processo administrativo, como em procedimento fiscal as informações sigilosas do contribuinte, sem a prévia interferência do Judiciário.

No que tange a quebra do sigilo bancário pelos agentes do Fisco nos posicionamos pela inconstitucionalidade do dispositivo em apreço como tantos outros desta Lei Complementar 105/2001, pelos motivos exaustivamente expostos no presente ensaio.

Por derradeiro, entendemos que outra não poderá ser a conclusão senão a inconstitucionalidade também dessa disposição, em razão das opiniões doutrinárias já aduzidas e das decisões proferidas até o presente momento tanto pelo Superior Tribunal de Justiça quanto pelo Supremo Tribunal Federal.

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Sobre os autores
Marcelo Amaral Colpaert Marcochi

pós-graduando em Direito Penal pela UniFMU

Reinaldo Ribeiro Checa Júnior

delegado de polícia em São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCOCHI, Marcelo Amaral Colpaert ; CHECA JÚNIOR, Reinaldo Ribeiro. A garantia constitucional da intimidade e a quebra do sigilo bancário consoante a Lei Complementar nº 105/2001. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3756. Acesso em: 1 mai. 2024.

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