Para o STJ a convivência com expectativa de constituir família no futuro não configura união estável

Leia nesta página:

O Superior Tribunal de Justiça entendeu que o namoro qualificado, que é aquele em que os amantes convivem sob o mesmo teto, não enseja o direito de partilha dos bens adquiridos nesse período por um dos pares.

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça (STJ), para que um relacionamento amoroso seja caracterizado como união estável, não basta apenas ser duradouro e público, mesmo que o casal venha, circunstancialmente, a coabitar a mesma residência.[1]

Consoante o entendimento expressado pelo relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, da Terceira Turma do STJ, é necessário que esteja presente outro elemento subjetivo: a vontade ou o compromisso pessoal e mútuo de constituir uma família.[2]

É o que determina o caput, do artigo 1.723, do Código Civil, que exprime: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.[3]

Seguindo essa tese, deu-se provimento ao recurso de um homem que sustentava ter sido namoro e não união estável, o período de mais de dois anos de relacionamento que antecedeu o casamento entre ele e a ex-esposa. Ela reivindicava a metade de um apartamento adquirido pelo então namorado antes de se casarem.[4]

Cronologicamente, os fatos relatam que quando namoravam no Brasil, ele aceitou oferta de trabalho e mudou-se para o exterior. Meses depois, em janeiro de 2004, a namorada tendo concluído curso superior e desejando estudar o idioma inglês, o seguiu e foi morar com ele no mesmo imóvel.[5]

Entretanto, ela acabou permanecendo mais tempo do que o previsto no exterior, porque também aproveitou e cursou mestrado na sua área de atuação profissional.[6]

Já em outubro de 2004, ainda no exterior, onde permaneceram até agosto de 2005, ficaram noivos. Ele comprou, com dinheiro próprio, um apartamento no Brasil, para servir de futura residência a ambos.[7]

Em setembro de 2006, casaram-se em regime de comunhão parcial de bens, em que apenas ocorre a partilha dos bens adquiridos por esforço comum e durante o matrimônio. Dois anos mais tarde, divorciaram-se.[8]

Dessa maneira, a mulher alegou em juízo que o período entre sua ida para o exterior, em janeiro de 2004 e o casamento em setembro de 2006, foi de união estável e não apenas de namoro, além do reconhecimento daquela união, queria a divisão do apartamento adquirido pelo então namorado, tendo saído vitoriosa em primeira instância.[9]

Em seguida, o ex-marido interpôs recurso de apelação, que foi acolhido por maioria no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).[10]

Como o julgamento da apelação não foi unânime, a ex-mulher interpôs embargos infringentes e obteve direito a um terço do apartamento, em vez da metade, como queria inicialmente. Inconformado, o homem recorreu ao STJ.[11]

Diferente da Corte Estadual, o Ministro Bellizze concluiu que não existiu união estável, “mas sim namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento, projetaram, para o futuro, e não para o presente, o propósito de constituir entidade familiar”.[12]

Assim, o namoro, não é considerado uma entidade familiar, já que não há affectio maritalis, que é a afeição conjugal ou o escopo de se constituir família, apesar de estarem presentes algumas características como estabilidade, intimidade e convivência.[13]

O Ministro continuou aduzindo que, a formação do núcleo familiar, em que há o compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material, tem de ser concretizada, não apenas planejada, para que se configure a união estável.[14] E discorreu dizendo em seu voto, que:

Tampouco a coabitação evidencia a constituição de união estável, visto que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, por estudo), foram, em momentos distintos, para o exterior e, como namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente.[15]

E finalizou considerando que, caso os dois entendessem ter vivido em união estável naquele período anterior, teriam escolhido outro regime de bens no casamento, que compreendesse o único imóvel de que o casal dispunha ou, ainda, convertido em casamento a alegada união estável.[16]

Todavia, torna-se imprescindível distinguir a união estável do namoro qualificado. O importante é que seja avaliado cada caso em especial, sendo necessária a presença concomitante de todos os requisitos para reconhecer a união estável, porquanto, exteriormente ambos se parecem muito.[17]

Desse modo, é preciso observar não apenas o vínculo afetivo, mas, especialmente, ao elemento interno do animus, que é a pretensão de constituir família, por meio de características externas e públicas, como os compromissos assumidos na vida e no patrimônio, a coabitação, e em tese, o pacto de fidelidade, em que demonstram o entrelaçamento de interesses e vida.[18]

Nesse sentido, não é somente o ânimo interno, mas, ainda, a aparência em fatos e atos da vida em comum. Nota-se que essa é a linha tênue que separa o namoro da união estável.[19]

Concluindo as diferenças que norteiam ambos, na união estável os companheiros possuem o direito a alimentos, meação de bens e herança, enquanto no namoro, não existem estas possibilidades.[20]

Esse entendimento é observado na jurisprudência brasileira, conforme alude o posicionamento da Oitava Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, in verbis:

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL CUMULADA COM PEDIDO DE ALIMENTOS. ARTIGO 1723 DO CCB. O relacionamento caracterizado por namoro sem ânimo de constituir família não dá ensejo à configuração da alegada união estável. Por conseguinte, não há falar em alimentos para a suposta companheira, porque inexiste dever de mútua assistência entre as partes. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.[21]

Salvo quando haja alguma contribuição financeira no futuro do casal, em que, com o fim do namoro, cause alguma espécie de prejuízo de ordem material, poderá existir ressarcimento.[22]

Ou seja, no namoro qualificado não há a intenção de formar família, isto é, o par não quer assumir um compromisso formal. Dessa maneira, denomina-se “qualificado” exatamente por estarem presentes quase todas as características da convivência marital de fato, salvo a ausência da finalidade de constituição de entidade familiar.

Referências

BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 16 mar. 2015.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70.060.905.841/RS. Órgão Julgador: Oitava Câmara Cível. Relator: Desembargador Alzir Felippe Schmitz. Julgado em: 30 out. 2014. Publicado em: DJ 04 nov. 2014. Disponível em: <http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/151273299/apelacao-civel-ac-70060905841-rs>. Acesso em: 16 mar. 2015.

CABRAL, Maria. Namoro simples, namoro qualificado e a união estável: o requisito subjetivo de constituir família. Publicado em: set. 2014. Disponível em: <http://mariateixeiracabral.jusbrasil.com.br/artigos/135318556/namoro-simples-namoro-qualificado-e-a-uniao-estavel-o-requisito-subjetivo-de-constituir-familia>. Acesso em: 16 mar. 2015.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Convivência com expectativa de formar família no futuro não configura união estável. Publicado em: 12 mar. 2015. Brasília. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/noticias/noticias/Destaques/Conviv%C3%AAncia-com-expectativa-de-formar-fam%C3%ADlia-no-futuro-n%C3%A3o-configura-uni%C3%A3o-est%C3%A1vel>. Acesso em: 14 mar. 2015.

Notas

[1] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Convivência com expectativa de formar família no futuro não configura união estável. Publicado em: 12 mar. 2015. Brasília. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/noticias/noticias/Destaques/Conviv%C3%AAncia-com-expectativa-de-formar-fam%C3%ADlia-no-futuro-n%C3%A3o-configura-uni%C3%A3o-est%C3%A1vel>. Acesso em: 14 mar. 2015.

[2] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Idem, 2015.

[3] BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 16 mar. 2015.

[4] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Ibidem, 2015.

[5] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Op. Cit., 2015.

[6] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Op. Cit., 2015.

[7] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Op. Cit., 2015.

[8] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Op. Cit., 2015.

[9] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Op. Cit., 2015.

[10] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Op. Cit., 2015.

[11] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Op. Cit., 2015.

[12] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Op. Cit., 2015.

[13] CABRAL, Maria. Namoro simples, namoro qualificado e a união estável: o requisito subjetivo de constituir família. Publicado em: set. 2014. Disponível em: <http://mariateixeiracabral.jusbrasil.com.br/artigos/135318556/namoro-simples-namoro-qualificado-e-a-uniao-estavel-o-requisito-subjetivo-de-constituir-familia>. Acesso em: 16 mar. 2015.

[14] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Op. Cit., 2015.

[15] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Op. Cit., 2015.

[16] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Op. Cit., 2015.

[17] CABRAL. Idem, 2015.

[18] CABRAL. Ibidem, 2015.

[19] CABRAL. Op. Cit., 2015.

[20] CABRAL. Op. Cit., 2015.

[21] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70.060.905.841/RS. Órgão Julgador: Oitava Câmara Cível. Relator: Desembargador Alzir Felippe Schmitz. Julgado em: 30 out. 2014. Publicado em: DJ 04 nov. 2014. Disponível em: <http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/151273299/apelacao-civel-ac-70060905841-rs>. Acesso em: 16 mar. 2015.

[22] CABRAL. Op. Cit., 2015.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos