Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual: o crime do século XXI

04/04/2015 às 17:49
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Este artigo discorre sobre o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, apresentando suas peculiaridades e despertando a atenção para se ampliar as políticas políticas voltadas ao combate deste crime tão rentável e silencioso.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Constitucional. Direito Penal. Tráfico de Pessoas. Crimes Sexuais. Direitos Humanos. Direito Internacional. 

1. Introdução

    O Tráfico de Pessoas é definido pela Organização das Nações Unidas (ONU), no Protocolo de Palermo, firmado em 2003, como “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo-se à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração”. 

    Ainda de acordo com a ONU, o tráfico de pessoas figura entre os crimes mais rentáveis do mundo, proporcionando a circulação monetária de cerca de 32 bilhões de dólares em todo o mundo. É importante frisar que desse montante, 85% são oriundos da exploração sexual. 

    O Ministério da Justiça divulgou este ano, relatório com aspecto de diagnóstico sobre o tráfico de pessoas em no Brasil. Os resultados são preocupantes, afinal  o estudo constatou a existência de 475 casos com vítimas entre os anos de 2005 e 2011. Os Estados da Bahia, Pernambuco e Mato Grosso do Sul foram os entes que mais apresentaram casos de vítimas. Feitas essas ponderações iniciais, percebe-se a importância de um aprofundamento da temática proposta, afinal trata-se de um crime de bastante amplitude e complexidade, que a cada dia vem expandindo seu campo de atuação.

2. Formas do Tráfico de Pessoas 

    O Tráfico de Pessoas é um crime complexo, portanto apresenta multifacetas no que tange a sua execução. Pode acontecer na forma de exploração sexual, de trabalho forçado - práticas similares a escravidão - ou remoção de órgãos, de acordo com a Convenção de Palermo. 

    A exploração sexual surge com uma falsa oferta de emprego e/ou promessas de melhoria na qualidade de vida das vítimas. Com esta fraude, os aliciadores conseguem captar pessoas para a prática forçada de atividade sexual. O tráfico de pessoas para a exploração do trabalho está relacionado, em especial, às práticas análogas à escravidão, como a servidão e o trabalho forçado. O tráfico de pessoas para remoção de órgãos começa com a venda dos próprios órgãos pela vítima. Trata-se de um mercado cruel, que explora o desespero de ambos os lados: doentes que podem pagar por um órgão imprescindível para viver e pessoas que ponderam entre o órgão sadio que têm – e que avaliam que podem dispor sem risco de vida – e o dinheiro que receberão com a venda.

3. Vítimas e Aliciadores - “gatos” -  do Tráfico de Pessoas 

    De acordo com dados do Ministério da Saúde, as vítimas que procuram os serviços de saúde são em sua maioria mulheres, dentro da faixa etária de 10 e 29 anos. Há ainda a ocorrência de vítimas - em torno de 25% - na faixa etária de 10 a 19 anos, com perfis de baixa escolaridade e solteiras. Merece destaque o posicionamento do Professor Hédel Andrade, que preceitua: “os aliciadores escolhem suas vítimas utilizando critérios subjetivos como: a desinibição, algum dote artístico; e objetivos: cor da pele, porte físico, ou qualquer outro elemento que chame a atenção do aliciador no sentido de que possa gerar lucro; as vítimas são geralmente solteiras, justificando a facilidade que elas têm de se locomoverem para outras regiões e/ou países”.

    Já os aliciadores, que podem ser homens ou mulheres, são, em sua grande maioria, pessoas que possuem elevado grau de intimidade com a família da vítima. São de certa forma, pessoas que têm fortes e firmes laços efetivos, o que demonstra ainda mais a necessidade de ampliação das ações de cunho preventivo e repressivo. Como caraterísticas marcantes dos aliciadores destacam-se o bom nível de escolaridade, altíssimo poder de convencimento, aproveitando em muitas vezes, da situação de miséria das vítimas com atraentes propostas de emprego. 

    No tráfico para trabalho escravo, os aliciadores, conhecidos como “gatos”, fazem propostas de trabalho para as vítimas desenvolverem atividades laborais em latifúndios, pecuária, oficinas de construa e até mesmo, na construção civil. 

4. Perfis do Aliciadores

        De acordo com o Especialista em Tráfico de Pessoas, Hédel Andrade, no “Brasil, a predominância dos aliciadores, assim como no contexto globo, é do sexo masculino e estes possuem idade entre 20 e 50 anos; de modo geral possuem poder econômico elevado e participam da vida pública nas cidades de origem ou destino do tráfico de mulheres; estima-se que grande parte dos aliciadores conta com a ajuda de mulheres na conexão do tráfico de mulheres, exercendo a função de recrutamento e aliciamento de outras mulheres para serem traficadas; pois a presença de mulheres envolvidas no aliciamento confere maior credibilidade às ofertas de emprego anunciadas para enganar as vítimas”.  Corroborando neste sentido, o Ministério da Saúde revelou que cerca de 65% dos casos de agressão a vítimas de tráfico de pessoas foram cometidos por homens.

5. Formas de prevenção ao Tráfico de Pessoas

    Sem sombra de dúvida, a prevenção é a melhor forma de combater o início do tráfico de pessoas. Assim, deve-se verificar a ocorrência de indícios que possam causar qualquer desconfiança. De acordo com o Ministério da Justiça, em sua cartilha de prevenção ao Tráfico de Pessoas, faz-se necessário observar as seguintes orientações: 1) Duvide sempre de propostas de emprego fácil e lucrativo.; 2) Sugira que a pessoa, antes de aceitar a proposta de emprego, leia atentamente o contrato de trabalho, busque informações sobre a empresa contratante, procure auxílio da área jurídica especializada. A atenção é redobrada em caso de propostas que incluam deslocamentos, viagens nacionais e internacionais.; 3) Evite tirar cópias dos documentos pessoais e deixá-las em mãos de parentes ou amigos.; 4) Deixe endereço, telefone e/ou localização da cidade para onde está viajando.; 5) Informe para a pessoa que está seguindo viagem endereços e contatos de consulados, ONGs e autoridades da região.; 6) Oriente para que a pessoa que vai viajar nunca deixe de se comunicar com familiares e amigos.

6. Elementos do Tráfico de Pessoas

    Os elementos formadores do Crime do Tráfico de Pessoas são: o ato, os meios e o objetivo. 

    Entende-se como ato, a ação de captar, transportar, deslocar, acolher ou receber pessoas, as quais serão utilizadas como meros objetos na concretização do objetivo-fim da atividade criminosa que é obter lucros financeiros. 

    Como já foi mencionado, o tráfico de pessoas é um crime complexo, e assim, pode-se utilizar vários meios na execução de tal delito. A ameaça ou uso de força, fraude, abuso de poder, rapto figuram entre os meios. 

    Já a finalidade do tráfico pessoas depara-se com o intuito de prostituição, trabalhos forçados ou retirada de órgãos. 

7. Consentimento da vítima não afasta a tipicidade

    Existem casos que a vítima tem conhecimento da exploração que sofrerá, e mesmo assim, permite que ela aconteça. Nesta situação, mesmo havendo o consentimento da vítima, não há de se falar em quebra da tipicidade, pois a vítima é protegida pelo ordenamento jurídico. Entende-se que o consentimento não é legítimo, porque afronta a autonomia e a dignidade da pessoa humana. 

Desde a ratificação do Protocolo de Palermo, o Brasil tenta adaptar sua legislação interna às exigências internacionais para o efetivo combate ao tráfico de pessoas.

    Atualmente, o Código Penal prevê o crime de Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual (art. 231) e o Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual (art. 231-A)

Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro. 

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.

§ 1 º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.

§ 2º A pena é aumentada da metade se:

I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;

II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;

III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou

IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

§ 3o Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual:

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Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

§ 1o Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.

§ 2o A pena é aumentada da metade se:

I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;

II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;

III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou

IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

§ 3o Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

8. Conclusão

    O Tráfico de Pessoas é hoje, o crime do Século. Isso, porque é altamente silencioso e complexo. É um crime desumano, um mercado cruel, no qual, o objeto comercial é o próprio ser humano. Pasmem, ser humano vendendo seu semelhante em troca de porção pecuniária. O tráfico de pessoas retira da vítima, a sua condição de pessoa humana, tratando-lhe como objetivo, um produto que pode ser trocado, vendido ou transportado. Assim, a Sociedade precisa estar mais atenta para este crime. Denunciar o Tráfico de Pessoas é necessário, é dever de humanidade e cidadania.

REFERÊNCIAS

BONJOVANI, Mariane Strake. Tráfico Internacional de Seres Humanos

BERLINGUER, Giovanni; GARRAFA, volnei. O Mercado Humano: Estudo Bioético da Compra e venda de Partes do Corpo. Tradução de Isabel Regina Augusto. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1996.

CASTILHO, Ela Wiecko V. de. TRÁFICO DE PESSOAS: DA CONVENÇÃO DE GENEBRA AO PROTOCOLO DE PALERMO.

DEPARTAMENTO DA POLÍCIA FEDERAL. Disponível em: <http://www.dpf.gov.br>.

FEDERAL, Sindicato Nacional dos Delegados de Polícia. Tráfico de Seres Humanos: Quando Pessoas são Transformadas em Escravos. Revista Phoenix Magazine, ed. 4, ano II, abril a junho de 2005.

NEDERSTIGT, Frans Willem Pieter Marie. Situações de Vulnerabilidade para ser Traficada. I Prêmio Libertas: Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Série Pesquisas e Estudos. v. 3. Secretaria Nacional de Justiça. Brasília, 2010, p. 289.

PLANO NACIONAL DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça, 2008.

PLANO NACIONAL DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS.2a ed. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça, 2008

Sociedade Civil Organizada tem papel fundamental no enfrentamento o tráfico de mulheres. Ded&Parceiros, p.9.

TORRES, Hédel de Andrade. Tráfico de Mulheres - Exploração Sexual: Liberdade à Venda. Rossini Corrêa: Brasília, 2012.

ORGANIZAÇãO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção Suplementar Sobre a Abolição da Escravidão, o Tráfico de Escravos e as Instituições e Práticas Análogas à Escravidão, de 1956.

GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. O Tráfico de Seres Humanos como Crime Hediondo em Sentido Material. In: MARZAGãO JÚNIOR, Laerte I (coord). Tráfico de Pessoas. SP: Quartier Latin, 2010.

SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. Mercantilização do Corpo Humano. Mercado de Órgãos, Sangue, Fetos, Barriga de Aluguel. Aspectos Ético-Jurídicos. Cadernos do IFAN: Temas de Bioética. Bragança Paulista, no 10, p. 27, 1995.

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Sobre o autor
Afonso Mendes Santos

Advogado, Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB); Consultor Legislativo com extensão em Processo Legislativo Municipal, Lei Orgânica Municipal e Orçamento Público Avançado pelo Instituto Brasileiro Legislativo (ILB).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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