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Notas sobre o art. 557 do CPC.

Competência do relator de prover e de negar seguimento a recurso

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01/02/2003 às 00:00
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6. PROVIMENTO DO RECURSO PELO RELATOR

Se o relator pode antecipar a tutela negando seguimento ao recurso, pela mesma ratio a lei autoriza que poderá também desde logo lhe dar provimento quando a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, como está no novo § 1o-A do art. 557.

Talvez seja desnecessário lembrar que somente é cabível o provimento antecipado se o recurso atender aos requisitos de admissibilidade (quanto aos pressupostos gerais e próprios, como legitimidade, interesse, tempestividade, preparo etc.), não se mostre prejudicado por fatos supervenientes (como, por exemplo, os referidos nos arts. 462 e 503 da lei processual) e esteja o procedimento recursal maduro para a decisão, como, por exemplo, já tenha se manifestado o Ministério Público quando interveniente. 

Melhor técnica legislativa seria se a hipótese de provimento do recurso, que está no § 1º do art. 557, estivesse no caput, porque este se refere à negação de seguimento e aquele ao provimento: é regra geral da Técnica de Redação das Leis (Nomografia) dispor o positivo antes do negativo.

Veja-se a diferença entre prover o recurso ou negar provimento ao recurso.

O caput do art. 557 refere-se à negativa de seguimento do recurso, desde que este se mostre manifestamente:

    1. inadmissível, não preenchendo os respectivos pressupostos;
    2. prejudicado, por fato superveniente à interposição (se já estava prejudicado quando da interposição, o recurso é inadmissível pela falta do objeto);
    3. improcedente (evidentemente não terá sucesso);
    4. em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

O § 1o A do art. 557 inova ao autorizar o relator a, desde logo, prover o recurso se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.

Note-se a distinção: para negar seguimento ao recurso, a lei se refere à orientação do respectivo tribunal, além do Supremo Tribunal e de Tribunal Superior; para prover o recurso só se a orientação for a ditada pelo Supremo Tribunal ou Tribunal Superior.

Observe-se também: nos tribunais inferiores, o relator não poderá prover o recurso ainda que o tema seja objeto de súmula do seu tribunal ou seja caso já albergado pela jurisprudência dominante da mesma Corte.

Explica-se tal orientação legislativa pelos fundamentos expostos no RESp 156513, da Paraíba, Relator o Ministro Milton Luiz Pereira:14

"Com os Tribunais Regionais Federais a situação é diferente. Sendo vários os Tribunais, cada um tem ou pode ter súmulas diferentes ou mesmo opostas à de outro Regional. Como no caso concreto, outro Regional pode ter uma súmula em sentido oposto à Súmula nº 10 do Regional da 5ª Região e aí teremos decisões contraditórias. Num Regional, determinada lei é constitucional e em outro é inconstitucional".

O disposto no art. 557, § 1o-A, como antes explicitado, somente permite ao relator prover o recurso na situação ali explicitada.

Poderia, no entanto, regimento interno do Tribunal dispor sobre o poder do relator em prover o recurso não só nas hipóteses do mencionado art. 557, § 1o-A (o que, aliás, seria desnecessário constar no regimento interno, pois tal norma legislativa automaticamente adentra na normatividade da Corte...), como em casos de a decisão recorrida afrontar súmula ou jurisprudência dominante do próprio Tribunal?

Tem-se que a resposta é positiva.

Em face da competência funcional que a Constituição defere aos tribunais para dispor sobre o funcionamento de seus órgãos jurisdicionais no respectivo regimento interno (art. 96, I, "a"), atendidas as leis processuais, não se evidencia injurídica a disposição regimental que venha conferir ao relator o poder de antecipar o provimento do recurso se a decisão recorrida confrontar com súmula ou com a jurisprudência dominante na mesma Corte.

Da Constituição os tribunais vão haurir a sua competência, pelo que prevalecem as súmulas e a jurisprudência dominante dos Tribunais nos temas próprios de sua jurisdição, atendida a prioridade da Suprema Corte em matéria constitucional, mas somente nesta.

É fácil discernir entre súmula e jurisprudência dominante: aquela tem o enunciado emitido nos termos regimentais e legais, esta expressa o entendimento ordinariamente seguido, mas que não mereceu ainda o patamar sumular.

A apuração do que é jurisprudência dominante pode oferecer óbices intransponíveis em face da natural alteração da orientação seguida pelas Cortes, embora muito facilitem as ementas de acórdão, como algumas das Seções do Superior Tribunal de Justiça, declarando tal condição.

A súmula do seu tribunal, ou de Tribunal Superior, é do conhecimento do relator, mesmo porque se diz que a súmula é menos do que uma ordem e mais do que uma recomendação; a jurisprudência dominante deve ser demonstrada ou ao menos indicada pelos interessados, embora ao relator reste o juízo sobre a incidência dos elementos normativos no caso em julgamento.


7. NEGATIVA DE SEGUIMENTO DO RECURSO

Desde logo, se vê que o dispositivo diz que o relator negará seguimento, em expressão imperativa, não colocando, assim, faculdade, mas poder/dever, mesmo porque se trata de norma processual, de direito público, e assim sem apresentar, salvo ressalva especial, qualquer disponibilidade aos participantes do processo.

O caput do art. 557 diz que o relator negará seguimento ao recurso na incidência de diversos suportes fáticos, todos eles precedidos pelo advérbio manifestamente, isto é, quando a ocorrência for manifesta ou que não deixe dúvidas15. Se dúvida houver sobre a incidência, deve o relator submeter o recurso à cognição da turma.

7.1. RECURSO INADMISSÍVEL

O recurso é inadmissível quando inocorrentes os seus pressupostos, como, por exemplo, se impugna ato processual que não constitui decisão16(pois a decisão é pressuposto lógico de qualquer recurso), ou que o recorrente não se enquadre nas hipóteses do art. 499, que trata da legitimidade recursal, inclusive do terceiro prejudicado, ou que o recorrente não tenha interesse, como seria o caso em que ele não ficou sucumbente, ou que não decorra do ato qualquer gravame etc.

7.2. RECURSO PREJUDICADO

O recurso está prejudicado quando ocorre fato superveniente (ver conceito no art. 462) à sua interposição, embora deva se dizer que, se já estava prejudicado quando da interposição, o recurso é inadmissível pela falta do objeto).

7.3. RECURSO IMPROCEDENTE

O recurso improcedente é o que desde logo se verifica que, no seu ponto principal, não terá sucesso.17

Nesse caso, exige o art. 557 que o relator aprecie, inclusive, o mérito do recurso.18

Note-se que a expressão manifestamente improcedente exige do relator proceder à cognição que seria dada pela turma julgadora, em antevisão do que esta decidiria, e não em atenção ao entendimento próprio do relator, que é, no caso, como antes referido, delegado do colegiado, cujo poder "presenta".

Surge curiosa situação: a despeito de eventual entendimento do relator de que o recurso deveria ser julgado procedente, se o entendimento do colegiado é divergente, o que resta ao relator é negar seguimento ao recurso, por sua manifesta improcedência, ressalvando-se com a clássica nota de que assim procede com a ressalva do entendimento pessoal em contrário...

7.4. RECURSO EM CONFRONTO COM SÚMULA OU JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE

O relator também negará seguimento ao recurso que estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do seu tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

Súmula é o enunciado decorrente do incidente de uniformização de jurisprudência e cujo conteúdo representa para o juiz, como antes referido, mais do que um conselho e menos do que uma ordem.

Pontes de Miranda extraiu da expressão "... e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência", encontrada no art. 479, caput, do Código de Processo Civil, a idéia de vinculação dos órgãos do Tribunal ao enunciado sumular:

"Tal dever somente surge se houve a maioria absoluta, pois, aí, com a súmula, tem de debruçar-se diante da maioria absoluta, a que a lei atribuiu a missão de uniformizar a jurisprudência. O juiz pode dizer: continuo com a opinião que fundamentei no tribunal e fui vencido, e aplica no caso a interpretação vencedora porque o art. 479 o obriga a isso".19

Outros doutrinadores, como Plácido e Silva, sugerem que não havia vinculação:

"Do latim summula (resumo, epítome breve), tem o sentido de sumário, ou de índice de alguma coisa. É o que de modo abreviadíssimo explica o teor, ou o conteúdo integral de alguma coisa. Assim, a súmula de uma sentença, de um acórdão, é o resumo, ou a própria ementa da sentença ou do acórdão. No âmbito da uniformização da jurisprudência, indica a condensação de série de acórdãos, do mesmo tribunal, que adotem idêntica interpretação de preceito jurídico em tese, sem caráter obrigatório, mas, persuasivo, e que, devidamente numerados, se estampem em repertórios".20

Entendeu-se, por muito tempo, que somente haveria vinculação dos decisores monocratas e dos órgãos dos tribunais se tal fosse expresso no Regimento Interno da Corte, o que, aliás, consta nos tribunais superiores e raramente nos tribunais inferiores.

Enfim, a nova redação do art. 557 do Código de Processo Civil veio acabar com o debate sobre a aludida vinculação: de mera interpretação literal do dispositivo extrai-se a norma de que o relator negará seguimento a recurso em confronto com súmula do respectivo tribunal.

Evidentemente, tal norma não extrai do relator, nos termos legais e regimentais, o poder de instaurar o procedimento de revisão da súmula, inclusive no próprio feito em que deveria aplicar o disposto no art. 557. Contudo, se entender que não deve iniciar o processo de revisão da súmula do próprio Tribunal, o que resta ao relator, ainda que tenha entendimento pessoal em contrário, é negar seguimento ao recurso por afronta à súmula.21

E os efeitos da nova redação do art. 557, caput, são bem mais devastadores, pois, além de vincular o relator à súmula de seu tribunal, vinculou-o, ainda, às súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Se os enunciados sumulares não forem seguidos, haverá afronta ao disposto no art. 557 para fins do recurso especial a que se refere o disposto no art. 105 da Constituição da República.

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E muito mais fez a nova redação do dispositivo ora em comento.

Implantou-se muito mais do que a "súmula vinculante" antes comentada, pois o que se tem agora é a vinculação às decisões do plenário do Supremo Tribunal Federal em tema constitucional (art. 481, parágrafo único, ao dispor que não haverá argüição de inconstitucionalidade a ser solvida na forma do art. 97 da Constituição, se sobre o tema houver decisão do Excelso Pretório ou do próprio Tribunal22) e, pelo caput do art. 557, vinculação à jurisprudência dominante do próprio Tribunal, da Suprema Corte e de Tribunal Superior.

Qual o significado da expressão "jurisprudência dominante"?

Certamente não é aquela expressa na súmula, pois o caput do art. 557 faz a distinção.

Retorne-se a Plácido e Silva:

"Assim é que se entende a jurisprudência como sábia interpretação e aplicação das leis a todos os casos concretos que se submetam a julgamento da justiça. Ou seja, o hábito de interpretar e aplicar as leis aos fatos concretos, para que, assim, se decidam as causas.

Desse modo, a jurisprudência não se forma isoladamente, isto é, pelas decisões isoladas. É necessário que se firme por sucessivas e uniformes decisões, constituindo-se em fonte criadora do Direito e produzindo um verdadeiro jus novum. É necessário que, pelo hábito, a interpretação e explicação das leis a venham formar.

Os romanos sempre a consideram como a fonte do Direito, designando-a como auctoritas rerum perpetuo similiter judicatarum, embora Justiniano aconselhasse que não se lhe desse uma autoridade exagerada, cum non exemplis sed legibus judicandum sit.

Aliás, é firmado hoje que a jurisprudência somente obriga a espécie julgada, não sendo, propriamente, fonte de Direito.

Mas, a verdade é que a jurisprudência firmada, em sucessivas decisões, vale como verdadeira lei. 

Jurisprudência. Extensivamente assim se diz para designar o conjunto de decisões acerca de um mesmo assunto ou a coleção de decisões de um tribunal".23

Daí se vê que a jurisprudência dominante deverá ser demonstrada por sucessivas decisões sobre o mesmo tema em orientação convergente. Admite-se que até mesmo uma única decisão expresse a jurisprudência dominante, se ela foi tomada pela maioria absoluta de órgão que disponha de competência exclusiva sobre o tema, como, por exemplo, o Plenário do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional, ao afirmar a compatibilidade ou a incompatibilidade da norma em face da Lei Maior.


8. MULTA PELO AGRAVO MANIFESTAMENTE INADMISSÍVEL OU INFUNDADO

A disposição do § 2º do art. 557, assim como a nova redação que a Lei nº 9.668, de 23 de junho de 1998, deu ao art. 18 do Código de Processo Civil ("o juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou"), constitui previsão de sanção e a sua aplicação não pode surpreender o sancionado, sem lhe permitir prazo razoável para se manifestar sobre a possível incidência, mormente quando o processo está no último grau da instância ordinária.

Não se extraia do mencionado § 2º interpretação que conduza à inexorabilidade de aplicação da sanção sempre que ao recurso se negar seguimento porque inadmissível ou infundado.

Aí temos sanção e não indenização, e somente esta admite a responsabilidade objetiva, pela simples ocorrência do fato.

A apenação somente é legítima se ocorrente situação inexculpável que a decisão judicial deverá motivadamente explicitar.24

Se maior confiança tivesse o legislador no juiz, não teria pré-tarifado a multa nos estreitos limites de um a dez por cento do valor corrigido da causa, pois daí certamente decorrerão flagrantes injustiças principalmente nas causas extrapatrimoniais ou em que o valor não guarde relação com o aspecto monetário.

Qualquer pena deve guardar relação adequada e proporcional com o fato. O princípio da individualização da pena tem fundamento constitucional (art. 5º, XLVI) e sua aplicação fora do campo do Direito Penal está ao menos prometida pelo § 2º do art. 5º.

Além do mais, o regime de governo é presidencialista, e os Poderes da República são independentes e autônomos, ao legislador cabe editar a norma genérica e abstrata, ao juiz dizer a norma individual e concreta.

Impossível exigir-se do legislador a minuciosa previsão de todas as hipóteses, ao juiz basta apreciar a situação fática que as partes lhe apresentam.

Socorra-se o aplicador da excepcional via de interpretação da razoabilidade que o sistema da Constituição democrática defere a todos os juízes e, fundamentadamente, pronuncie sanção eqüitativa, ainda que extrapolando os desarrazoados limites legais.

Melhor seria se o legislador tivesse se remetido aos critérios do art. 20, pois no arbitramento dos honorários ao advogado vencedor, o seu § 3o fala em dez a vinte por cento da condenação (e não do valor da causa), deixando ao § 4º, com forte poder de eqüidade, o modo de arbitramento nas demais causas.

Além da multa, a lei também condiciona a interposição de outros recursos ao depósito do respectivo valor. Seria descabelado e vulnerador do direito de recurso o eventual entendimento no sentido de condicionar o agravo contra a decisão relatorial que aplicou a multa ao depósito do valor da multa aplicada pela mesma decisão...

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Sobre o autor
Nagib Slaibi Filho

Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, professor da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), livre-docente em Direito do Estado pela Universidade Gama Filho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SLAIBI FILHO, Nagib. Notas sobre o art. 557 do CPC.: Competência do relator de prover e de negar seguimento a recurso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3792. Acesso em: 19 abr. 2024.

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