"Tu me dizes, eu esqueço,
Tu me ensinas, eu lembro,
Tu me envolves, eu aprendo."
Benjamin Franklin
O que são direitos humanos ?
Os direitos humanos são especificidades do conceito genérico direito subjetivo; são, pois, os direitos subjetivos mais caros aos homens porque mais identificados com seu status dignitatis (=nível/grau de dignidade) - na escada da dignidade (respeito devido aos seres vivos) o ser humano está no topo. São, assim, inerentes a todos os seres humanos e por toda a vida humana (com projeções para além da vida), por isso ditos direitos congênitos, inatos. São direitos que pertencem ao homem já pelo simples fato dele ser humano (veja-se direitos personalíssimos, originários..), que nascem com o homem ou que pertencem ao gênero humano, independentes de raça, sexo, idade, religião, ou grau de civilização ou instrução e que são irredutíveis mesmo quando pertencentes criminosos desumanos, eis que a rigor, são direitos absolutos sempre mais em atenção ao gênero humano que ao indivíduo humano; são, pois, garantias mínimas do respeito que todos devemos à espécie humana.
Os direitos humanos compreendem os direitos individuais fundamentais (relativos à liberdade, igualdade, propriedade, segurança e vida, integridade física e moral/psíquica); os direitos sociais (relativos à educação, trabalho, lazer, seguridade social entre outros); os direitos econômicos (relativos ao pleno emprego, meio ambiente e consumidor); e os direitos políticos (relativos às formas de realização da soberania popular). Os Direitos Humanos têm sua gênese no pensamento grego clássico, cujos filósofos propugnavam a existência, numa perspectiva universal, de um direito natural permanente e eternamente válido a todos os povos. Mas, face a diversidade de leis e costumes entre os povos, a sua conquista transformou-se gradual e ainda distante para nós. Só a corrupção dos sentidos, ou seja, da razão de ser das coisas é que pode explicar os que se manifestam contra essa categoria de direito tão essencial aos homens, daí porque personalíssimos (ié, inerente à personalidade de todos os humanos). Em suma, são direitos naturais da pessoa humana - de todos os seres humanos (da figura que revela o humano), segundo a ordem natural e lógica do universo - também chamados de direitos fundamentais, porque elementares/básicos/essenciais à peculiares valores da vida humana. Direitos fundamentais porque constituem a base (axiológica e lógica) sobre a qual se edifica um ordenamento jurídico
Os direitos humanos vêm evoluindo rapidamente, tanto no plano interno como internacional (hoje já se destaca o chamado Direito internacional humanitário, importante desdobramento do Direito Internacional Público). Outrora restritos aos chamados direitos civis e políticos (as bases da cidadania moderna, resultante de 1789); já no século XIX, os direitos humanos, abarcam também os direitos sociais (trabalho, saúde, educação, habitação...); agora nos tempos coevos abrangem os chamados direitos econômicos (do consumidor...). Direito humano também pode designa todo direito instituído pelo homem, em oposição ao direito gerados a partir das revelações divinas feitas ao homem. Desde o século XVII, sustenta-se que os Estados soberanos, à semelhança da pessoa humana, têm direitos inatos, naturais, pelo simples fato de existirem, anteriores ao Direito internacional positivo e devidos ao estado de natureza que precedeu a todos os direitos.
E por que a pessoa humana desfruta e precisa desfrutar de tal proteção impar? Primeiro, em razão da importância dessa criatura no reino da criação, logo é uma questão estratégica na autopreservação desse status dignitatis. Segundo, porque qualquer desrespeito à figura humana corresponde a desrespeito ao gênero humano, porquanto cada parte contem parcela do todo: cada imagem humana reflete toda a humanidade. Todos e cada um dos indivíduos humanos trazem em si toda a humanidade. Cada homem é depositário da toda a dignidade humana. Assim, o facínora mais desumano ainda que não seja por ele, mas pelos demais homens, merece respeito aos seus direitos humanos. O desrespeito à figura humana rebaixa toda a humanidade e constitui o primeiro estágio da degrada da raça humana, única espécie dotada de consciência do bem e do mal. Com efeito, hoje pode-se bem aferir o índice de civilização de cada sistema jurídico pelo grau de respeito que dispensa aos direitos humanos independentemente de quaisquer outras considerações, até porque atualmente esse reconhecimento é parte primordial daquilo que se tem denominado de ius cogens (=direitos imperativos/absolutos) universal (=direitos garantidos a todos e em o planeta), já imposto pelo Direito Internacional (já dito Humanitário). Aliás, entre nós, é viga mestra de nossa organização sócio-política o princípio da "dignidade da pessoa humana posto que é definido como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (Título I, Dos Princípios Fundamentais, art. 1º, III, da CF/1988). Como se vê, o respeito aos direitos humanos de todos e de cada um, ou será imposto em razão do caráter, da formação (ética, religiosa, humana...) de cada pessoa, ou será imposto em face do dever legal, cuja exigência será tanto maior quanto mais poder e autoridade forem delegadas ao servidor estatal
Todos os seres humanos, já por serem humanos, têm, dentre outros, direito à vida, à liberdade e à segurança (pessoal, inclusive psíquica e patrimonial). Tal regra universal encontra-se proclamado no artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Estes direitos são reiterados nos artigos 6.1 e 9.1 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP).
Esses direitos e garantias fundamentais resultam daquela longa evolução histórica dos direitos humanos, consagrados definitivamente na Declaração Universal de 1948, que inspirou a criação de sistemas protetivos internacionais. Culminou essa evolução do sistema processual a adoção da jurisdição de tribunais internacionais de direitos humanos, que rechaçam parcialmente a "soberania" das decisões dos tribunais internos relativamente a análise da adequação das sentenças internas com os tratados internacionais. Os países da Comunidade Européia admitiram a jurisdição da Corte Européia concernente a violações dos tratados de direitos humanos, possibilitando a qualquer "cidadão europeu" reclamar o cumprimento de referidos tratados, não observados pelos tribunais nacionais, de jurisdição limitada ao território dos Estados-partes. Já no âmbito da Organização dos Estados Americanos, surgiu a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgãos internacionais voltados ao desenvolvimento de uma "jurisdição internacional" de direitos humanos, consagrados em tratados e convenções locais. Portanto, além dos sistemas de controle de constitucionalidade exercidos pela jurisdição interna dos Estados nacionais, surge o sistema internacional de controle convencional, tendência internacional essa, por certo, fortalecida e positivada pelo processo de globalização da vida humana. A República Federativa do Brasil, seguindo essa tendência evolutiva, já admite a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos desde dezembro de 1998; onde, aliás, já tramitam processos com denúncias contra o Brasil acerca de decisões judiciais transitadas em julgado pelo nosso Poder Judiciário, as quais são imputada a inobservância dos preceitos internacionais sobre os direitos humanos.
A segurança pública, como se percebe, é vital ao cidadão; é por isso mesmo é importante direito fundamental de todos, como vem preconizado no art. 5º, "caput", da Constituição Federal. Tratando-se de direito fundamental do cidadão, verifica-se, consequentemente, uma enorme interdependência entre a questão da segurança pública e a dos direitos humanos. Convém observar que a questão da segurança pessoal é amplamente regrada em diversos tratados internacionais sobre direitos humanos, como no art. 3º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, arts. 1º e 28 da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, art. 9º, "ab initio", do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, e art.7º, I, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica).
No Brasil, contudo, ainda há algumas pessoas de má-fé (são, em tese, violadores potencial dos direitos do homem) ou por superficialidade (são os que têm opinião sobre o que desconhecem) dizem que direitos humanos é defesa de bandido, ou parelham esses direitos com os da vítima como se fossem incompatíveis, excludentes entre si. Pelas razões que já conhecemos, os bandidos, os piores facínoras, ainda assim, não podem ser violados em seus direitos mínimos e essenciais à dignidade, senão deles, de todos os homens. Explica-se a aparente concentração desses direitos nas pessoas de bandidos porque esses são mais alvos da fúria policial e da truculência de desprezadores dos valores humanos; também em razão de aproveitadores e oportunistas, todavia é de se ressaltar que, inobstante a duvidosa intenção, qualquer defesa dos direitos humanos sempre será melhor que o silêncio e a omissão. É indiscutível, por outro lado, que as vítimas desses facínoras merecem e precisam ter garantidos seus direitos enquanto tais. Há direitos que concorrem entre si - p. ex. o direito de intimidade versus o direito de informação, mas o princípio jurídico da ponderação promove o reequilibro - contudo entre o direito humano do bandido e o direito da vítima, por certo, não há qualquer concorrência ou conflito.
Em suma, a pessoa incumbida da segurança pública, o policial, tem o dever de exercer a autoridade concedida para tal fim, sob pena de estar prevaricando, mas não pode extrapolar, sob pena de estar praticando abuso de autoridade. Prevaricação e abuso (ou desvio) de autoridade são crimes. Com efeito, a atividade daquele que lida com a segurança pública é deveras importante, mas exige-se sempre o bom senso e o equilíbrio nas ações, até porque estas se refletem como um todo na sociedade. Daí porque o preparo emocional (inclusive sua manutenção constante) e o preparo técnico (jurídico sobretudo, porque a operacionalidade para a polícia pressupõe, acima de tudo, embasamento jurídico-legal) são lados da mesma moeda.
Tortura, maus tratos e direitos humanos
"Art.32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal."
(cf. Lei nº 9605, de 12/02/1998 que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio-ambiente.)
Ora, se todos os animais são objetos de respeito quanto a sua integridade física (e, por certo, psíquica) dignidade essa prevista legalmente (na lei dos homem e na lei de Deus), qualquer homem não poderia ter menor proteção na lei divina e menos ainda na lei dos homens. Bandidos e facínoras, mesmo os mais hediondos, não perdem a condição humana e logo preservam aquelas garantias mínimas (os direitos humanos) que se dirigem mais à preservação da dignidade do gênero/conjunto humano que aos interesses do homem enquanto indivíduo daquele conjunto. Essa conclusão, por ser de lógica elementar e até natural, parece de fácil entendimento e rápida aceitação. Em puro rigor lógico, não há criminoso, mas só um ser humano que comete crime. Aliás, o princípio básico da criação do homem é a possibilidade de mutação, todo homem pode ser um ex-criminoso, um criminoso, um virtuoso..
No âmbito internacional a tortura e os maus tratos ao indivíduo humano foi um dos primeiros crimes internacionais (logo após o genocídio). A Organização das Nações Unidas (ONU), em 1984, propõe a Convenção contra tortura e maus tratos ao homem que desde logo é ratificada por 124 países, tal sua relevância para os destinos da humanidade. Essa Convenção define tortura como: "qualquer ato pelo qual dores e sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa afim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com seu consentimento ou aquiescência." Além de estabelecer direitos contra tratamentos cruéis, desumanos ou apenas degradantes (redutores daquele status dignitatis), a Convenção dispõe sobre um sistema de monitoramento internacional e mecanismos de denuncias de violações de seu texto e sobre outras garantias, inclusive indenizações às vitimas de degradação humana. Bem enfática, essa norma jurídica internacional determina que nenhuma circunstância, ainda que excepcional (guerra, revoluções, guerrilhas, grave ameaças...), pode ser invocada como justificativa para seu descumprimento.
O Brasil ratificou esse Tratado em 28/09/1989 e ratificou também a Convenção Interamericana (da OEA) com o mesmo objetivo (tortura e maus tratos) em 20/07/1989, logo ambas são parte de nosso direito interno. Mas só mesmo em 07/04/1997 é que os brasileiros aprovam a Lei nº 9. 455/97 que define tortura e maus tratos como crime, ou seja, tipo criminal autônomo e especifico. Muito embora a Constituição Federal de 1988 já tenha considerado essas violências como crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, respondendo por elas todos aqueles que podiam evitá-la e não o fizeram (art.5º, XLIII, CF/88).
Essa Lei determina que será crime de tortura: I) Constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informações, declaração ou confissão da vitima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa; II) Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo."(art.1º). A orientação sexual deveria constar dentre os fins dessa ação criminosa.
Comparando-se ambas as norma, a internacional e nacional, devemos registrar que aquela resta restrita quanto ao agente ativo do crime de tortura, ou seja, só agentes do Estado (direta ou indiretamente) podem praticar o crime de tortura; já nesta (a lei brasileira) não há tal limitação subjetiva, mas sim aumento de pena se o agente torturado for público (art.1º, §4º). Com efeito, a tortura e os maus tratos frustram a própria razão de ser do Estado e logo de seus servidores. No primeiro relatório enviado tardiamente pelo Brasil à ONU, tendo em vista a ratificação pelo Brasil daquela Convenção contra tortura e outros tratamentos ou penas cruéis e degradantes (adotada pela Resolução nº 39/46 da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1984) são relacionados mais de 150 assassinatos cometidos por policiais e métodos como espancamento, asfixia, choque elétrico em órgãos genitais, interrupção da alimentação por dias, retirada a frio de unhas e etc, tudo em clara ofensa ao art. 5º, III da Magna Carta (e às norma jurídicas internacionais) norma constitucional essa que inserida no rol de Direitos e Garantias Fundamentais, proíbe, entre nós, a tortura e maus tratos a qualquer um e a todos.
Vale dizer que tortura pode ser, legalmente, um tapa, uns safanões, certos atos humilhantes e aviltantes ao gênero humano: a dor física ou moral/mental de quem está impotente diante da força policial, sempre foi crime de constrangimento ilegal ou lesões corporais, mas desde a Lei nº 9.455/97, trata-se de crime autônomo e bárbaro sobretudo quando praticado por servidores públicos (policiais, p. ex.). São atitude violentas e covardes já porque a vítima não tem como reagir (por mero temor ou impossibilidade física) no ato e sequer depois, eis que são invariavelmente pessoas da camada mais carente da sociedade e que sequer têm noção da ilicitidude dessa violência, de seus direitos e de suas respectivas garantias. São crime de policiais que deviam ser profissionais da prevenção ao crime, mas não com outro crime e que apequenam a grandeza e a utilidade social do trabalho da polícia (polis é raiz ideológica de civilizar [do latim clássico civita], logo policiar é civilizar, o policial é agente da civilização, da virtude social). A tortura, no entanto, não é mal exclusivo das polícias; há tortura (física e psicológica) também entre particulares (inclusive no seio das famílias). Aponta-se como causa da tortura: o despreparo técnico-profissional dos policiais (desconhecem como substituir a tortura por métodos técnicos, legítimos e tranquilizadores para o policial); a lentidão e a omissão das autoridades (Ministério Público e Judiciário e dos próprios comandantes e delegados) na punição dos que cometem a tortura e dos que cometem crimes em geral (a tortura entra como substituto da punição desacreditada). Enfim, a tortura entre policiais e particulares (os não-policiais) tem por causa, dentre outras: a ignorância, a prepotência e a falta de humanismo (consciência do valor supremo da dignidade do homem).
Só a profissionalização consciente e ilustrada do policiais pode ser o antídoto desse mal. Policial violento, é policial de pouco profissionalismo, de nenhuma formação ética mais sólida; sendo assim compromete cada um e toda a corporação policial. A força (incluindo-se aí, até o derradeiro ato do uso da arma de fogo), a energia, enquanto possibilidades últimas são meios indispensáveis no trabalho do policial e até aplaudido quando utilizadas com civilidade (é dizer: com proporcionalidade, moderação e como derradeiro recurso), ou seja, com auto-respeito pelo gênero humano. O policial violento, por princípio, afasta-se, assim, desse gênero. É esse policial pouco profissional, que gera o desprestígio social de uma categoria que para o bem da sociedade precisa ser revalorizada (com respeito social, como os Bombeiros, p. ex., salários, preparo profissional e recurso materiais...). Nunca é demais recordar que a Segurança Pública é posta, entre nós, como direito e responsabilidade de todos pela própria Constituição Federal em seu art. 144, caput.
A defesa dos Direitos Humanos no Brasil como anteriormente mencionado transformou-se em sinônimo de defesa do crime, pois diante da grave crise enfrentada por toda população que sofre a violência estrutural, a defesa de direitos de infratores soa como um despropósito. Isso só encoraja a cultura da violação dos direitos fundamentais e da violência que degrada, não o crime ou o criminoso, mas a dignidade do gênero humano e prepara o terreno para maiores barbaridades que nos rebaixam enquanto seres superiores e nação desenvolvida. Ademais, como poderemos explicar para as novas gerações que conseguimos, hoje, proteger mais perfeitamente os direitos de propriedade (material e até intelectual) do que os direitos humanos fundamentais ?
Uso da força e da arma de fogo: quando o policial está autorizado, pela lei e pelo Direito (interno e internacional), a usar tais recursos derradeiros.
Primeiro vale dizer que o uso da violência (ié, da energia/coação arbitrária, ilegal, ilegítima e amadora) estará sempre vedado ao agente do Estado (sobretudo, o policial). Já a força (ié, um ato discricionário, legal, legítimo e idealmente profissional) ainda que intensa, mas desde que proporcionalmente necessária, jamais constituirá violência e logo, é deferida a todos os policiais em dadas circunstâncias fáticas. Diga-se o mesmo quanto ao uso de arma de fogo que só estará autorizado legalmente enquanto último recurso e depois que outros meios resultarem ineficazes.
O uso comedido (proporcional/suficiente, sem excessos) da força é inerente ao trabalho do policial, todo policial precisa saber dessa possibilidade legal para que possa, com tranqüilidade jurídica, exercer função de preservação da ordem pública. O uso legítimo da força não se confunde, contudo, com a truculência, com violência. Com efeito, a força legitima (autorizada p/lei/Direito) pode ser até mais intensa, mais agressiva e mesmo assim, ser mais facilmente aceita que a menor das violências...
Todavia, o uso da arma de fogo contra alguém, só está autorizado quando se configurar perigo iminente de morte ou lesões graves, em defesa própria (do policial) ou de outras pessoas. Também autorizado esse uso da força extrema (a arma de fogo) como meio razoável - depende da situação concreta - de se evitar o cometimento de um delito/crime mais grave e que represente séria ameaça para a vida e/ou a segurança pública, ou ainda com o objetivo de deter alguém que represente esse perigo e que oponha injustificada resistência (ordem ilegal pode ser resistida), ou por fim, para impedir a sua fuga, mas sempre quando outros meios resultarem insuficientes. Nesse caso, de fuga (de prisioneiro condenado, de mero detido/conduzido ou de simples descumpridor de ordens policiais de parar...), é claro, que, em princípio, autorizado só estará exclusivamente o uso da força física, a arma de fogo só mesmo com os demais pressuposto presentes. A fuga em si e a morte do fugitivo em razão disso, não são fatos proporcionais que legitimem a força extrema das armas. Assim, um tiro necessário porque último recurso na situação concreta, pode estar autorizado, ser legitimo; enquanto um simples empurrão, ou uma humilhação verbal pode constituir-se em violência, força ilegal, ilegítima, crime pelo menos de constrangimento ilegal (art.146, CPB).
Em suma, a força só mesmo quando outros meios menos agressivos forem comprovadamente ineficazes. Há, pois, uma gradação, uma proporcionalidade a ser percorrida antes do uso derradeiro da força. Já quanto ao uso da arma de fogo contra alguém - alvejar uma pessoa - só (e unicamente) quando estritamente inevitável (última opção) e para proteger uma vida humana (a própria do policial ou de terceiros). O ideal seria que toda polícia usasse arma não letal. A polícia cidadã anula a resistência, mas não elimina o resistente, eis que já há meios tecnológicos que promovem essa evolução na atuação policial: uma polícia eficiente mas não matadora.
Pode-se resumir, para facilitar a introjeção que os pressupostos autorizativos são basicamente: a moderação, a proporcionalidade e o último recurso (esse exige uma gradação de atos de força crescente).Tudo a ser provado judicial e disciplinarmente (processo administrativo disciplinar), logo o policial há de estar disso prevenido no seu dia a dia.
São esses os pressupostos (fáticos e jurídicos (doutrinários, jurisprudênciais e normativos, inclusive das Nações Unidas) que poderão numa situação concreta subsidiar a defesa e até favorecer decisivamente a absolvição do profissional-policial vier a se envolver nessa infeliz situação (uso imoderado da força e da arma de fogo). Tais pressupostos autorizantes precisam ser introjetados na mente do policial. A aplicação da lei, a segurança pública, enfim, a polícia, não é uma profissão em que se possa sempre utilizar soluções padronizadas para problemas padronizados que ocorrem em intervalos regulares. Não. Trata-se, isso sim, mais da arte de compreender o espírito e a forma da lei, assim como as circunstâncias únicas de um determinado problema concreto a ser resolvido. Espera-se, sempre, que os encarregados da aplicação da lei tenham a aptidão de distinguir entre inúmeras tonalidades de cinza, em vez de apenas fazer a distinção entre preto e branco, certo ou errado. É por isso, que a qualidade da aplicação da lei, da polícia, é amplamente dominada pela qualidade dos recursos humanos disponíveis.
Nas blitzes, nas batidas, nas barreiras, nas perseguições (fuga de pessoas já presas ou de pessoas que não atendem a ordem policial de parar...) policiais, nas práticas de investigações violentas (medievais e incompatíveis com a polícia cientifica e profissional) o uso da força (e sobretudo da força extrema: o uso da arma) só será juridicamente admitida com aqueles pressupostos e na gradação (do menor para o maior ato de força/pressão física). È preciso que o policial seja preparado, treinado constantemente, para controlar sua taxa de adrenalina nessas situações concretas tensas. Não basta estar treinado para atirar com precisão, a precisão no tiro (e no uso dos demais recursos violentos) deveria pressupor a precisão mental dos controles seletivos das hipóteses juridicamente (logo socialmente) autorizantes.
"Armas e pancadas" não são a essência do trabalho policial, sequer estatisticamente, mas sim a lei e o Direito. O policial é, pois, profissional do Direito, operador jurídico - só muita deturpação obscurece tal verdade - jamais das "armas e da pancadas". A propósito ensina eminente mestre Diogo de Figueiredo Moreira Neto: "Segurança Pública é o conjunto de processos políticos e jurídicos destinados a garantir a ordem pública na convivência de homens em sociedade".
A formação do militar, que é essencialmente profissional da guerra, não deve ser confundida com a do policial, mesmo porque o mais cruel dos bandidos não é o inimigo mortal a ser eliminado (senão a ser preso) como é fato normal e decisivo nas guerras. A essência da guerra é a eliminação do inimigo, a essência da missão policial é preservar a ordem pública e prender o criminoso, nada mais que isso... Essa confusão na formação e na rotina operacional do policial explicam muitas de nossas crises no sistema de segurança pública brasileiro. É mais do hora do aparelho policial brasileiro ter sua base profissional elevada em todo país e isso nos remete para a necessidade Lei Orgânica Nacional da Polícia (aplicável, enquanto não unificadas, a todas as policias brasileiras no plano federal e no estadual, inclusive às novéis municipais), tal como a da magistratura nacional, que estabeleça os princípios gerais da organização, da hierarquia, da formação profissional e especialização, deveres e infrações disciplinares, direitos e garantias básicas, ingresso na carreira...Os policiais, ao lado do absoluto respeito aos direitos humanos de todos (inclusive dos bandidos, porque ainda são humanos), carecem de segurança jurídica para poderem atuar plenamente no interesse social, sem riscos de injustos, despropositados e prolongados procedimentos criminais. Desde que diante de concretas circunstancias e provas iniciais indicadoras da correto, esperado e necessário/proporcional uso da força extrema (p. ex. o uso fatal da arma de fogo quando inevitável na defesa própria ou de terceiro).
Por fim, os Estados não fogem a sua responsabilidade na proteção do direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal quando outorgam aos seus encarregados da aplicação da lei, aos policiais, a autoridade legal para o uso da força e da arma de fogo. A autoridade legal está inserida na legislação, nacional e internacional, que claramente define as circunstâncias sob as quais a força (inclusive da arma letal) pode ser empregada, assim como os meios que podem ser utilizados em uma situação particular e concreta.
Os direitos humanos não são antíteses de polícia eficiente, senão de polícia barbara, violenta, não profissional. Aliás, os policiais que estão cumprindo pena são assíduos reclamantes de seus próprios direitos humanos. Bandidos e criminosos, inimigos da pátria, prisioneiros são homens/humanos e logo possuem e deve possuir - menos em homenagem a eles que ao conjunto de todos os demais humanos - direitos fundamentais, mínimos mas essenciais ao homem, ou seja, direitos humanos. E que são garantidos não somente pelo nosso Direito interno, mas pelo Direito Internacional com virtuais sanções até para os Estados violadores e omissos. Se um policial é capaz de transigir nos seus princípios de civilidade quando no contato com o cidadão - pode-se imaginar quando em contato com os criminosos - abona a violência que profissionalmente devia eliminar, contamina-se com o que nega, rebaixando-se, assim, à igualdade de procedimentos com aqueles a quem combate (os bandidos).
Direitos Humanos, cada vez mais, também será interesse da polícia, isso é uma conseqüência automática do desenvolvimento e vivência do Estado de Direito !!