7. Conclusões
Ante todo o já exposto em linhas pretéritas, é importante fixar alguns conceitos:
A defesa do consumidor desenvolveu-se muito nas últimas décadas, de forma a tornar-se um ramo autônomo do Direito. Ao mesmo tempo, evoluíram os conceitos que norteavam a relação médico x paciente, em virtude da própria evolução da medicina, que se tornou por demais específica de um lado, e extremamente massificada em sua outra banda. Houve a despersonalização dos serviços, e a desmistificação da profissão.
Estes dois movimentos, conjugados, estabeleceram as bases para a formação de um novo entendimento, uma nova visão jurídica sobre a natureza da atividade médica, com conseqüências diretas sobre as regras estabelecidas para nortear os relacionamentos dali advindos.
Tanto em terras espanholas quanto no Brasil, a modificação legislativa de conceitos se deu de forma acelerada, e recebeu amplo suporte dos respectivos tribunais, que firmaram entendimentos, sedimentando as contribuições da doutrina até então existentes, impulsionando assim o aperfeiçoamento destas próprias regras.
Em princípio, é compreensível a aversão de alguns setores à mudança. Não se pode negar, todavia, que ela é positiva para quem mais importa: o paciente, o consumidor dos serviços médicos. E o mais importante é que, ao tornar claras as regras de convívio e de procedimento entre as partes, só existem benefícios aos bons profissionais, àqueles efetivamente preocupados com seus pacientes, e com o respeito à profissão abraçada.
Os argumentos acima expendidos não têm a pretensão de constituir idéias imutáveis. São, entretanto, contribuição ao debate, pensamentos críticos que buscam iluminar alguns pontos ainda considerados controversos por alguns.
Para nós, é inegável a completa e perfeita aplicabilidade do diploma consumerista à atividade médica, aperfeiçoando as regras já existentes, especialmente aquelas insertas no Código de Ética Médica. A tendência a essa sujeição se mostra irreversível, e a obrigação de médicos, juristas e demais operadores do Direito é buscar meios de – através da experiência cotidiana – aperfeiçoar regras, trazendo segurança (jurídica e procedimental) aos profissionais da medicina e seus pacientes.
Notas
01. Constituição Federal, art. 170: "A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: V - defesa do consumidor;"
02. In "O direito do consumidor no limiar do século XXI", pp. 125 e 126.
03. Definição complementada pelos artigos 17: "Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento" e 29: "Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas", ambos da mesma Lei.
04. Luiz Antonio Rizzatto Nunes, em seus Comentários ao Código de Defesa do Consumidor (pp. 99), acrescenta: "Serviço é tipicamente atividade. Esta é ação, ação humana, tendo em vista uma finalidade. Ora, toda ação se esgota tão logo praticada. A ação se exerce em si mesma. Daí somente poderia existir serviço não durável. Será uma espécie de contradição falar em serviço que dura. Todavia, o mercado acabou criando os chamados serviços tidos como duráveis, tais como os contínuos (por exemplo, os serviços de convênio de saúde, os serviços educacionais regulares em geral, etc). Com isso o CDC, incorporando essa invenção, trata de definir também os serviços como duráveis e não duráveis, no que andou bem."
05. In A improcedência no suposto erro médico, ed. Lumen Juris, 2ª ed., Rio de Janeiro, 2002, p.40-43.
06. É difícil acreditar, como querem os mencionados autores, que a sociedade está mais preparada para o "mundo capitalista", quando o que se percebe é a deterioração dos serviços de saúde e o despreparo da população para exigir melhorias, seja através de pressão política ou por meio do acesso ao judiciário. São poucos, efetivamente, os cidadãos cônscios de seus direitos. A visão apresentada sobre a atividade médica é por demais romântica, e como tal, fugindo ao escopo de uma análise científica, e inservível sob a ótica da argumentação jurídica. De forma ilustrativa, vale ressaltar pequeno trecho do texto mencionado, para fins de reflexão sobre fragilidade dos elementos apresentados: "Com o passar do tempo, o relacionamento médico/paciente foi se tornando mais frio, mais duro, menos caloroso como outrora. Isto não é necessariamente ruim, pois hoje toda a sociedade está mais cônscia de seus direitos, sabedora de seus deveres e preparada, cada vez mais, para o mundo capitalista em que vivemos. No entanto, de bom tom que não se deixe esta relação ficar tão fria, robotizada. Deve-se, pois, permeá-la com boas doses de sentimento e paixão, não no sentido vulgar ou demagógico, mas no sentido de humanidade. É preciso que a figura do médico seja aquela verdadeira, isto é, não só um fornecedor, mas, principalmente, um sacerdote, um conselheiro e amigo. Os médicos, por outro lado, devem ver seus pacientes não somente como consumidores, mas principalmente como pessoas que precisam de ajuda num certo momento, e que, em última análise, buscam, precipuamente, obter um elemento na relação com o doutor, a confiança."
07. Direito Civil, vol 4. (Responsabilidade Civil). Saraiva, SP, 19ª ed., 2002, p. 254
08. In "O Código do Consumidor e o exercício da medicina"
09. Ley 26/1984. Art. 26: Las acciones u omisiones de quienes producen, importan, suministran o facilitan productos o servicios a los consumidores o usuarios, determinantes de daños o perjuicios a los mismos, darán lugar a la responsabilidad de aquéllos, a menos que conste o se acredite que se han cumplido debidamente las exigencias y requisitos reglamentariamente establecidos y los demás cuidados y diligencias que exige la naturaleza del producto, servicio o actividad.
10. Ley 26/1984. Art. 27: 1. Con carácter general, y sin perjuicio de lo que resulte más favorable al consumidor o usuario, en virtud de otras disposiciones o acuerdos convencionales, regirán los siguientes criterios en materia de responsabilidad: a) El fabricante, importador, vendedor o suministrador de productos o servicios a los consumidores o usuarios, responde del origen, identidad e idoneidad de los mismos, de acuerdo con su naturaleza y finalidad y con las normas que los regulan. b) En el caso de productos a granel responde el tenedor de los mismos, sin perjuicio de que se pueda identificar y probar la responsabilidad del anterior tenedor o proveedor. c)En el supuesto de productos envasados, etiquetados y cerrados con cierre íntegro, responde la firma o razón social que figure en su etiqueta, presentación o publicidad. Podrá eximirse de esa responsabilidad probando su falsificación o incorrecta manipulación por terceros, que serán los responsables. 2. Si a la producción de daños concurrieren varias personas, responderán solidariamente ante los perjudicados. El que pagare al perjudicado tendrá derecho a repetir de los otros responsables, según su participación en la cusación de los daños.
11. Ley de Enjuiciamiento Civil
12. Constituição Espanhola
13. Art. 5º, X, Constituição Federal de 1988: X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; " (original sem grifos).
14. Responsabilidade Civil - De acordo com a Constituição de 1988, 5.ª Edição - Revista e Ampliada, Editora Forense, 1994, págs. 54 e seguintes.
15. Curso de Direito Constitucional Positivo, 11.ª Edição, Revista, Malheiros Editores, págs. 197 e 204.
16. Op. Cit., págs. 58 e seguintes.
17. Código de Processo Civil Brasileiro, Art. 333: "O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor."
18. Código Civil Espanhol, art. 1214: "Incumbe la prueba de las obligaciones al que reclama su cumplimiento, y la de su extinción al que la opone."
19. Código de Defesa do Consumidor, art. 6º: "São direitos básicos do consumidor: (...) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência."
20. In Responsabilidade Médica, p. 184.
21. In Os efeitos obrigacionais da publicidade no Código de Defesa do Consumidor, p.84.
22. Código de Ética Médica (Resolução nº 1.246, de 8/01/88, do Conselho Federal de Medicina)
Capítulo XIII- Publicidade e Trabalhos Científicos.
É vedado ao médico:
Art. 131. Permitir que sua participação na divulgação de assuntos médicos em qualquer veículo de comunicação de massa deixe de ter caráter exclusivamente de esclarecimento e educação da coletividade.
Art. 132. Divulgar informações sobre assunto médico de forma sensacionalista, promocional, ou de conteúdo inverídico.
Art. 133. Divulgar fora do meio científico, processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido por órgão competente.
Art. 134. Dar consulta diagnóstico ou prescrição por intermédio de qualquer veículo de comunicação de massa.
Art. 135. Anunciar títulos científicos que não possa comprovar ou especialidade para a qual não esteja qualificado.
Art. 136. Participar de anúncios de empresas comerciais de qualquer natureza, valendo-se de sua profissão.
Art. 137. Publicar em seu nome trabalho científico do qual não tenha participado; atribuir-se autoria exclusiva de trabalho realizado por seus subordinados ou outros profissionais, mesmo quando executados sob sua orientação.
Art. 138. Utilizar-se, sem referência ao autor ou sem a sua autorização expressa, de dados, informações, ou opiniões ainda não publicados.
Art. 139. Apresentar como originais quaisquer idéias, descobertas ou ilustrações que na realidade não o sejam.
Art. 140. Falsear dados estatísticos ou deturpar sua interpretação científica.
23. Código de Defesa do Consumidor, SEÇÃO III
Da Publicidade
Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.
Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem.
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.
Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.
24. Código de Defesa do Consumidor, TÍTULO II
Das Infrações Penais
Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva:
Pena Detenção de três meses a um ano e multa.
Parágrafo único. (Vetado).
Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança:
Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa:
Parágrafo único. (Vetado).
Art. 69. Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade:
Pena Detenção de um a seis meses ou multa.
25. Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:
I - multa; II - apreensão do produto; III - inutilização do produto; IV - cassação do registro do produto junto ao órgão competente; V - proibição de fabricação do produto; VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço; VII - suspensão temporária de atividade; VIII - revogação de concessão ou permissão de uso; IX - cassação de licença do estabelecimento ou de atividade; X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade; XI - intervenção administrativa; XII - imposição de contrapropaganda.
Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo.
Art. 60. A imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva, nos termos do art. 36 e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator.
§ 1º A contrapropaganda será divulgada pelo responsável da mesma forma, freqüência e dimensão e, preferencialmente no mesmo veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade enganosa ou abusiva.
26. Notícia veiculada no endereço http://www.conjur.com.br, e acessada em 23 de maio de 2002.
27. Capítulo IV – Direitos humanos. É vedado ao médico:
Art. 46 Efetuar qualquer procedimento médico sem esclarecimento e o consentimento prévio do paciente ou de seu responsável legal, salvo em iminente perigo de vida.
28. Capítulo VII- Relações entre Médicos. É vedado ao médico:
Art. 90. Deixar de ajustar previamente com o paciente o custo provável dos procedimentos propostos, quando solicitado.
29. Agravo de Instrumento 47.716-5/92, julgado em 16/06/1992, pela 6ª Câmara Cível do TJRS.
30. Recurso Especial 171.988/RS, julgado em 24/05/1999, pela 3ª Turma do STJ.
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