Manifestações políticas fazem refletir sobre os conceitos mais nobres acerca da soberania popular. Entretanto, mais que conclusões apressadas e apaixonadas, é necessário refletir sobre o que significa de fato soberania popular e democracia.
A ideia de soberania popular foi em grande parte desenvolvida pelo filósofo iluminista Rousseau, cujas conclusões influenciaram a Revolução Francesa. O ideário que o povo é soberano, sendo imperativa sua vontade e poder era, no século XVIII, algo bastante revolucionário. Do conceito de soberania popular nasceu a moderna democracia, que é distinta da democracia grega, em que poucos tinham o privilégio do voto.
Mas foi no século XX que a democracia foi massivamente adotada como a forma política, especialmente dentre os países ocidentais, por meio de suas constituições nacionais. E tal adoção como forma política só foi possível por meio do conceito mais atual do pensamento democrático: a representatividade.
Na Grécia Antiga, especialmente na cidade-estado de Atenas, os eleitores se reuniam em praça pública e deliberavam, sem intermediário, sobre todos assuntos públicos. Não havia a ideia de representatividade e cada eleitor exercia seu direito de diretamente opinar sobre qualquer assunto da vida em sociedade. Modernamente, por razões fáticas, especialmente as dimensões continentais dos países e a grande população, grandes democracias como a estadosunidense, francesa e brasileira perceberam a inviabilidade fática da ocorrência da democracia direta, nos moldes gregos. Por meio dessa conclusão, o mundo passou a organizar eleições periódicas. Embora não seja mais o povo que decida diretamente as questões, ele continuou a decidir, agora por intermédio de seus representantes. Por mais que se desejasse, seria impossível alocar 200 milhões de brasileiros em um único local e solicitar que todos votassem sobre todos os assuntos.
E a representatividade moderna, prevista pela Constituição Federal Brasileira, também conhecida por Constituição Cidadã, determina que o cidadão escolha seus representantes a nível municipal, estadual e federal. O processo eleitoral surge como a mecânica de operacionalização democrática por via da representação. Por isso há vereadores, prefeitos, deputados estaduais e federais, senadores, governadores e Presidente da República. Cada um é a representação da vontade e dos interesses da população que o elegeu. Tal princípio foi elevado ao texto constitucional: a Constituição Federal de 1988, em seu parágrafo único do artigo primeiro categoricamente estabelece: “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos dessa Constituição.”
Esse processo determina vencedores e vencidos. Mas estabelece que as maiorias vencedoras respeitem as minorias derrotadas nas urnas. Ao passo que as minorias também possuem o dever de aceitar a derrota. A minoria de hoje pode vir a ser a maioria de amanhã. E é assim que uma democracia sadia se concretiza.
Portanto, sob o prisma da teoria de representatividade, manifestações políticas democráticas devem ser vistas como expressões da vontade de parcelas significativas da sociedade, sobretudo após eleições com alto grau de polarização. Mas jamais podem ser tomadas como obstáculo para a democracia representativa ou forma de substituí-la. Sem que seja por meio de eleições, é impossível aferir com certeza absoluta qual é a vontade popular, ainda que sejam encontradas cerca de 1 milhão de pessoas na Av. Paulista. O número, embora muito significativo para uma manifestação, diante de 200 milhões de brasileiros, representa apenas 0,5% dos nacionais. Ainda que toda a grande São Paulo estivesse na Av. Paulista, cerca de 20 milhões de habitantes, teríamos meros 10% da população pátria.