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. NOVO CÓDIGO CIVILO Novo Código Civil, atento à importância dos direitos da personalidade, entre eles o direito da autonomia efetivado no consentimento informado, dispôs, no artigo 15, que ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou intervenção cirúrgica (destaque inexistente no original).
A forma como o mencionado artigo foi redigido gera conflitos de hermenêutica, vez que seria possível, pela letra do dispositivo, obrigar o paciente a submeter-se a todos tratamentos que não impliquem riscos à própria vida. Tal interpretação, contudo, não encontra amparo no ordenamento jurídico.
Na verdade, entendemos que o artigo 15 possibilita ao paciente o exercício da resistência, mediante o poder de autodeterminação, legitimando-se o uso de todos os meios necessários, inclusive a força amparada na legítima defesa, para não se submeter ao tratamento quando implicar risco à vida.
Além disso, consideramos extremamente difícil a definição exata do que seja o "risco à vida" mencionado no aludido artigo.
Já o artigo 13 dispõe que "salvo por exigência médica – aqui entendemos que melhor seria o termo necessidade - é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes".
Dessa forma, a disposição do próprio corpo, quando resultar diminuição permanente da integridade física, só poderá ocorrer por necessidade médica. Obviamente que a necessidade médica deve estar evidenciada no risco concreto superior à inércia.
Infelizmente o Novo Código Civil não protegeu expressamente a integridade psíquica, embora já esteja salvaguardada pelo Código de Ética Médica, pois só explicitou o dever de obtenção do consentimento informado nas situações que envolvam risco à integridade física ou à vida.
Observe-se que a expressão disposição do próprio corpo indica a necessidade de consentimento informado, pois quem poderia dispor sobre o próprio corpo que não o paciente?
Já o artigo 13 do Novo Código Civil protege a integridade física e os bons costumes, e não as situações de risco à vida como dispõe o artigo 15 do mesmo Código.
Dessa forma, inválido o consentimento informado concedido nos casos que possam resultar diminuição permanente da integridade, e que não exista necessidade médica, em outras palavras, o risco da doença era menor que perda decorrente do tratamento.
Também o consentimento informado concedido para tratamentos que atentem aos bons costumes é inválido, a não ser que haja necessidade médica comprovada.
6. CONCLUSÃO
Talvez o caráter sobrenatural que sempre se pregou sobre a medicina tenha sido uma válvula de escape, uma proteção para o profissional que temia ter seu exercício profissional discutido, questionado, principalmente em tempos de pouca evolução científica, não se justificando atualmente tal posicionamento.
Todavia, aquela suposta proteção da obscuridade fez, na verdade, que se aumentasse a desconfiança acerca dos profissionais, distanciando o paciente do médico e aproximando-o do Poder Judiciário, que inicialmente esteve tímido quanto à responsabilização, mas que hodiernamente tem se tornado cada vez mais exigente.
Nota-se que, por ser uma salvaguarda do médico e um direito do paciente, o consentimento informado deveria ser praticado com mais freqüência, a fim de se evitar o crescente número de ações judiciais, bem como o aumento da desconfiança em relação ao serviço médico prestado, lembrando-se que a medicina é exercida com o apoio da confiança depositada no profissional, não sendo interessante perdê-la, sobretudo em tempos cada vez mais exigentes quanto à perfeição, embora tão aquém dela.
Ressalte-se que o consentimento informado tem sérios reflexos na aferição da responsabilidade do médico, inclusive com repercussão na esfera penal, vez que legitima o ato médico.
Ficou demonstrado que tecnicamente o consentimento informado é valor elevado do ser humano que deve receber tutela efetiva independente da existência de dano corporal, sendo possível a satisfação de dano moral puro consistente na violação ao direito de disposição sobre o próprio.
Todavia, acreditamos que nos casos de pequenas intervenções médicas sem repercussão na integridade física do paciente dificilmente dará ensejo à satisfação do dano moral suportado, pois poderíamos falar em compensação do dano pelos benefícios da atuação do médico.
Por fim, a hipótese de o consentimento informado constituir excludente de ilicitude na esfera cível não restou aceita, vez que, por seus fundamentos, o consentimento informado só confere legitimidade ao ato médico adotado dentro dos ditames da medicina, não constituindo imunidade ao profissional da saúde.
O Consentimento Informado só deve ser afastado nas hipóteses restritas à impossibilidade de fornecimento ou risco concreto à vida, à integridade física ou à saúde.
O consentimento informado não é um direito exclusivo do paciente, mas, principalmente, garantia do médico que tem sua intervenção legitimada, diminuindo significativamente a probabilidade de pretensões judiciais em seu desfavor.
NOTAS
01. MAGALHÃES apud RODRIGUES, João Vaz. O consentimento informado para o acto médico no ordenamento jurídico português: elementos para o estudo da manifestação de vontade do paciente.
02. RODRIGUES, João Vaz. O consentimento informado para o acto médico no ordenamento jurídico português: elementos para o estudo da manifestação de vontade do paciente. p.14.
03. RODRIGUES, op. cit., p.16.
04. BRASIL. Lei 8.069/1990 – Art.28, § 1º: Sempre que possível, a criança ou o adolescente deverá ser previamente ouvido e a sua opinião devidamente considerada.
05. MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade civil do médico. p. 107.
06. O Novo Código Civil utiliza, no art.139, II, a expressão "qualidades essenciais".
07. Art. 140 do Novo Código Civil: O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.
08. RODRIGUES, op. cit., p. 29.
09. RODRIGUES, op. cit., p. 29.
10. Foi proferida no caso Hunt v. Bradshaw.
11. Na seqüência de uma laparotomia – incisão da parede abdominal – com finalidade diagnostica, após ter sido detectado um tumor, foi aprofundada a intervenção para sua extração; o paciente havia afirmado que não queria ser operado.
12. RODRIGUES, op. cit., p. 36.
13. RODRIGUES, op. cit., p. 38-39.
14. COUTINHO, Leão Meyer. Código de ética médica comentado. p. 59.
15. MATIELO, op. cit., p. 96. Anamnese é procedimento singelo, através do qual o paciente, ou o responsável por ele, informa ao médico sobre o início da moléstia em seus sintomas, tempo em que isso ocorreu, principais sintomas, bem como outras informações úteis, tais como a incidência de casos daquela patologia em parentes próximos, modo de vida (ativa, sedentária, etc.) e tudo o mais que possa auxiliar na pesquisa da melhor solução.
16. MATIELO, op. cit., p. 47-48.
17. COUTINHO, op. cit., p. 60.
18. Disponível em: <http://www.cfm.org.br>. Acesso em 04/11/2002.
19. MATIELO, op. cit., p.35.
20. Veja MATIELO, op. cit., p.35.
21. MATIELO, op. cit., p. 36.
22. MATIELO, op. cit., p.106.
23. GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico à luz da jurisprudência comentada. p.148.
24. SCHAEFER, Fernanda. Responsabilidade civil do médico e erro de diagnóstico. p.80.
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27. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. p. 279-280.
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