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O consentimento informado e a responsabilidade civil do médico

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01/03/2003 às 00:00
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4. REFLEXO DO CONSENTIMENTO INFORMADO NA RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO

Como anunciado por muitos doutrinadores, o consentimento informado obtido do paciente não é um salvo-conduto para o médico cometer excessos e descuidar da técnica a todos imposta.

Isso porque o consentimento informado não isenta o médico do dever de cautela, de diligência e perícia, servindo como legitimação à intervenção médica, sem o que pode existir crime contra a integridade física ou mesmo constrangimento ilegal.

O consentimento informado legitima a ação médica, embora não afaste a possibilidade de responsabilização por erro decorrente de culpa.

Ao consentir com o tratamento sugerido o paciente está apenas autorizando a aplicação dos meios indicados, mantendo o direito de exigir que o profissional tenha diligência.

Ocorre que, diante da inexistência do Consentimento Informado, a culpa do médico já se faz existente pela negligência quanto a um dos seus deveres, que por outro lado constitui direito do paciente de esclarecidamente decidir sobre as ações que possam incidir sobre a sua integridade física.

Acerca da cláusula de não indenizar, onde alguns profissionais procuram se isentar da responsabilidade sobre os riscos, o ilustre MATIELO [21] assim ministrou:

Logo, considerando-se que o direito à recomposição de danos causados à saúde do paciente é irrenunciável, a cláusula prévia de não indenizar carece de sustentáculo legítimo de existência e não prospera quanto estabelecida entre as partes.

Todavia, consideramos que o consentimento informado tem grande repercussão na aferição de responsabilidade, além de evitar muitas demandas, pois o paciente informado dos benefícios e riscos é co-participante da decisão, levando-o a realizar um juízo de reflexão, que certamente trará maiores ponderações antes de buscar a tutela do judiciário.

Alem disso, a falta do consentimento informado contribui negativamente para as ações judiciais, vez que, ao não dialogar com o doente sobre a sua situação de saúde, informando-o e decidindo conjuntamente, o médico aparenta desprezo pelo problema do paciente.

Ademais, a falta de oportunidade ao paciente de não se submeter a qualquer tratamento, que posteriormente lhe ocasionou o dano corporal ou psíquico, enseja, ainda que o médico tenha agido de acordo com a técnica, a indenização pela violação do consentimento informado, vez que o paciente, ciente dos riscos, poderia não se submeter ao tratamento médico, não se aplicando o caso fortuito ou força maior para isenção da responsabilidade.

Assim, na hipótese em que não haja consentimento informado, mesmo que o médico empregue todos os meios disponíveis, se houver dano, ele responde pela negligência, já que a decisão do paciente poderia ser pela não submissão ao tratamento que ocasionou modificação no seu organismo ou mesmo lesão permanente.

No caso em que o dano tenha ocorrido por fato inesperado (caso fortuito ou força maior), como por exemplo, uma reação inesperada e adversa à medicação, vez que empregada toda diligência, ainda assim, se não houver consentimento informado do paciente, o médico é responsável pelo dano ocasionado, já que não deu oportunidade esclarecida ao paciente de não se submeter ao tratamento, chamando para si todos os riscos do tratamento.

Nesse sentido é o ensinamento de Matielo [22]

Atuando contra a vontade do paciente, estará o médico deliberadamente assumindo todos os riscos por qualquer resultado danoso que venha a ocorrer, porque lhe é defeso dispor de forma livre do organismo alheio quando o titular conscientemente rejeita a atuação pretendida. Embora as circunstâncias apontem para o óbito caso não se proceda à intervenção recomendada, estará o médico adstrito à vontade do paciente se o risco de vida não for iminente, porque soberana uma vez livremente emitida depois de munido aquele de esclarecimentos bastantes.

Continua seu magistério:

Mais do que isso, a única prova que poderá opor a eventual pretensão indenizatória derivada do agir despido de aquiescência dirá respeito à impossibilidade de esclarecer o paciente sobre o quadro de pleitear autorização dele ou de seus familiares, haja vista a necessidade premente de intervir em proveito da vida do paciente, ameaçada e destinada ao perecimento em caso de inação.

Os tribunais, ainda que de forma tímida, têm reconhecido a ausência de consentimento constitui elemento constituinte da culpa do médico, a saber:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. ANESTESIA.

O anestesiologista responde pelo dano causado ao paciente, em razão do procedimento anestésico, quando não obteve previamente anuência para realizar a anestesia geral (imprudência), não realizou exames pré-anestésicos (negligência) e não empregou todos os recursos técnicos existentes no bloco cirúrgico (imperícia) [23].

Ap. Cível 597 009 992. 5ª CC. Rel. Des. Paulo Augusto Monte Lopes. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. D.J 20.03.97.

O caso objeto da ementa refere-se a paciente menor de idade internada para cirurgia de pequena complexidade, com anestesia local. Passadas três horas do início da intervenção, foram informados os pais que a pequena, por apresentar grande agitação, fora submetida à anestesia geral (sem autorização ou conhecimento daqueles). Ato contínuo sofreu uma parada cardio-respiratória, sendo conduzida à UTI em estado crítico.

Frise-se, contudo, que o médico pode e deve recusar a efetivar tratamento demasiadamente arriscado para o paciente, não sendo suficiente o consentimento informado para isentá-lo de culpa.

Dessa feita, de nada adianta o médico obter o consentimento informado do paciente para realização de uma cirurgia de miopia que apresente um risco equivalente à sessenta por cento de chance de perda total da visão, pois os riscos superam os benefícios esperados.

Sobre o tema, vejamos o que diz Fernanda Schaefer [24] :

Vale lembrar que, para o mundo jurídico, o não-esclarecimento ou a insuficiência das informações prestadas ao paciente sobre o seu estado de saúde e as formas e conseqüências do tratamento fazem que o consentimento dado nestas situações seja considerado como inexistente, pois de presume que, se o paciente tivesse sido mais bem instruído talvez, com aquele tratamento ou experimento, não tivesse consentido. Mesma conseqüência jurídica haverá quando constatada a presença de vício no consentimento (dolo, coação, simulação ou fraude).

O médico tem sempre o dever de estabelecer rígida comparação entre os riscos e os benefícios decorrentes do tratamento, respondendo por atuação desnecessária ou desvirtuada.

É evidente que a intervenção médica deve ser precedida de ponderação médica dos riscos e benefícios envolvidos, sendo que nos casos em que a possibilidade de dano supere os benefícios, deve o médico abster-se de efetivar a intervenção, ainda que haja consentimento do paciente, pois só se justifica a autuação do médico nas situações de risco extremamente agravado se houver perigo concreto à vida, nesse caso dispensável, inclusive, o consentimento informado.

Acreditamos que é viável e recomendável a inversão do ônus da prova da obtenção do consentimento informado, conforme permite o Código de Defesa do Consumidor, competindo ao médico a prova de que o paciente autorizou o tratamento, mormente considerando que as práticas médicas ocorrem a portas fechadas.

Cabe, no entanto, ao paciente a prova de eventual vício de consentimento que torne inválida a autorização.

Quanto à possibilidade da inobservância do consentimento, por si só, conferir direito à reparação, entendemos que a autonomia do paciente acrescida do poder relativo de disposição sobre o próprio corpo pode dar ensejo ao dever de reparação, mormente nos casos que resultem afetação à integridade física ou grave abalo psíquico, não se justificando somente nos casos de pequenas intervenções médicas em que o resultado supere em muito o dano extrapatrimonial suportado, pois poderíamos entender que houve compensação dos "danos" pelos benefícios.

Dessa forma, partindo do princípio de que o paciente tem o direito sobre sua integridade física e psíquica, podendo decidir por não agir mesmo diante de doenças graves, não se pode avaliar o ato médico apenas considerando o sucesso sob a ótica médica, mas a legitimidade da ação e a repercussão subjetiva no paciente da ação invasiva.

Assim, imaginemos uma situação onde o médico realize, sem o consentimento, a amputação da perna do paciente para evitar a evolução da gangrena.

Ora, sob o aspecto médico, pode-se afirmar que o tratamento foi um sucesso, pois evitou possível evolução da doença. Contudo, pode ser que a decisão do paciente fosse pela não intervenção imediata, principalmente diante de tão grave tratamento, mesmo correndo o risco de perder a perna.

Ademais, esse comportamento não seria desprovido de lógica, vez que a doença tem evolução diferente nos diversos organismos, o que poderia evitar a amputação da perna.

Adotar o entendimento de que o consentimento informado somente funciona como reforço na aferição de culpa, é diminuir em muito a sua importância, colocando o paciente em situação de desamparo, pois deverá demonstrar a culpa do médico, por exemplo, por uma intervenção precipitada, o que é demasiadamente difícil de se provar.

Assim, é possível o consentimento informado funcionar como fator isolado de responsabilização do médico, por violação a sentimento íntimo de autodeterminação, à integridade física e ao dever ético do profissional, afetando-se a honra subjetiva do paciente.

Os Tribunais brasileiros têm abarcado a responsabilidade pela violação ao consentimento informado, impondo, nos casos em que envolvam interesse de menor, a submissão ao Judiciário para solução do impasse, senão vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CIRURGIA EM FILHO MENOR. DIVERGÊNCIA DOS PAIS. O FILHO, SOB A GUARDA DA MÃE, DIVERGINDO OS PAIS A RESPEITO DE CIRURGIA QUE ENVOLVE RISCO DE VIDA, CABE AO JUDICIÁRIO SE MANIFESTAR NO SENTIDO DA MAIOR PROTEÇÃO AO MENOR, SUSPENDENDO QUALQUER TENTATIVA DE SUBMETÊ-LO A UMA NOVA CIRURGIA CARDÍACA, JÁ QUE A UMA PRIMEIRA OPERAÇÃO FOI SUBMETIDO SEM CONSENTIMENTO DO PAI, QUE AGORA SE OPÕE QUE O FILHO SEJA NOVAMENTE OPERADO, SEM ANTES SER AVALIADO ATRAVÉS DE UMA BATERIA DE TESTES.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 599064656, OITAVA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DES. ANTÔNIO CARLOS STANGLER PEREIRA, JULGADO EM 09/09/99 [25].

Outro caso não menos ilustrativo teve a sentença condenatória confirmada pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná por violação ao consentimento informado na realização de prática médica, no caso, consistente na laqueadura das trompas da paciente sem a devida autorização, vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL - RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA - ESTERILIZAÇÃO (LAQUEADURA) DESAUTORIZADA DURANTE CESARIANA - ATO CULPOSO - DANO MORAL (grifos inexistentes no original).

TJPR - APELAÇÃO CÍVEL Nº 61488-6 DE PONTA GROSSA, RELATOR: CUNHA RIBAS JUIZ CONVOCADO [26].

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Pela importância do caso, colacionamos trechos do voto do ilustre relator Dr. Cunha Ribas, vejamos:

A questão central da liça reside na ocorrência ou não de autorização para realização de uma laqueadura pelo Apelante, na Apelada, durante uma cesariana, bem assim as razões de sua realização.

(...)

O Apelante alega que diante do quadro pessoal da Autora, já tendo feito antes duas cesarianas, a última com filhos gêmeos, correria ela risco de vida, caso tentasse mais uma maternidade.

Sustentou que tinha autorização verbal e escrita por parte da Autora, para tal ato.

(...)

Quanto a alegada autorização verbal, nenhuma prova veio aos autos. Já como autorização escrita, pretende o Apelante valer-se do documento de fls. 33, e que estava assim pré-escrito:

AUTORIZAÇÃO PARA CIRURGIA E TRATAMENTO.

Declaro que eu, abaixo assinado, consinto em ser submetida a qualquer cirurgia, anestesia ou terapêutica que for julgado necessário ou prudente para o meu tratamento.

Ponta Grossa, 21/05/93.

Paciente

Responsável

Ora, tal documento em momento algum autorizou o médico a realizar a laqueadura na Autora, que, adentrara ao Hospital para fazer uma cesariana.

Na prova oral restou extreme de dúvida que tal tipo de autorização era exigida para todo e qualquer paciente que se internasse no Hospital ( conforme o médico WALTER GOETZ, testemunha arrolada pelo réu-apelante, fls. 115).

(...)

Em assim procedendo, agiu culposamente o apelante, ao proceder a laqueadura sem autorização, e que naquele momento era desnecessária.

(...)

O planejamento familiar é um direito de livre decisão do casal, assegurado pela Carta Magna ( art. 226, parágrafo 7º), por isso, não cabe a terceiros tomar-lhe a decisão, salvo em caso de estado de necessidade, o que no caso inocorria.

Ressalte-se que o Conselho Regional de Medicina, por meio do colegiado daquele órgão, já havia afastado qualquer responsabilidade do médico.

No entanto, verifica-se que o médico foi negligente ao não obter o consentimento da paciente por escrito ou diante de testemunhas para realização de cirurgia tão grave.

Além disso, como mencionado, pouco adianta consentimento genérico, mormente quando não precedido de esclarecimento.

Outro aspecto relevante refere-se ao fato de que risco potencial não enseja a exceção do privilégio terapêutico.

Isso mostra que o Judiciário está adotando posicionamentos coerentes com a tendência mundial em responsabilizar os médicos negligentes quanto ao dever de obtenção do consentimento informado.

Hipótese de responsabilização do médico ocorre nas situações com danos materiais ou corporais, não obstante o emprego da técnica, mas sem a obtenção do consentimento informado, pois a presunção é de que o paciente não se submeteria ao tratamento conhecendo os riscos envolvidos.

O dano corporal só não enseja responsabilização quando legitimado pelo paciente mediante o consentimento informado, salvo impossibilidade do fornecimento ou dispensa pelo risco concreto à vida do paciente.

Acerca da possibilidade do médico ser responsabilizado a despeito de ter adotado prática tecnicamente perfeita, pela ausência da obtenção do Consentimento Informado, colacionamos o caso relatado pelo ilustre Prof. Sérgio Cavalieri Filho [27], a saber:

A paciente era possuidora de glaucoma congênito, o que ocasionava deficiência visual, e, por conta desta situação, necessitava de tratamento, o que levou a procurar o oftalmologista. Após a realização do primeiro exame, foi constatado que seria mais indicado a retirada do referido órgão, com o que não concordou a paciente. Procedido um exame mais minucioso, foi revelada a existência de capacidade visual. Diante de tal quadro, já em nova consulta, foi a paciente informada de que seria possível realizar uma cirurgia visando, em outro momento, a reaquisição da capacidade visual. Tratava-se de cirurgia fistulizante, como forma de reduzir a pressão, e, em segundo momento, tentar um transplante de córnea. Enquanto procedida à obtenção da verba para operar, teve a paciente nova crise, fazendo com que procurasse seu médico. Neste momento foi indicada a cirurgia, que pensava a paciente ser a fistulizante, quando, em realidade, era a de retirada do órgão visual.

Procedida a intervenção, conhecida tecnicamente como enucleação, muito embora bem-sucedida motivou o ingresso da autora na justiça em busca de indenização por danos materiais e morais porque o seu consentimento foi dado para outro tipo de cirurgia. A Ação foi julgada procedente, como não poderia deixar de ser, uma vez que o médico descumpriu dever inerente à sua profissão de bem informar e obter o consentimento do paciente. (destaques inexistentes no texto original).

Outro precedente do Egrégio Tribunal de Alçada de Minas Gerais [28], assim abordou a relevância da informação, que ausente, afasta a discussão acerca do caráter da obrigação do médico, a saber:

INDENIZAÇÃO. CIRURGIA DE LAQUEADURA TUBÁRIA. INSUCESSO. CDC. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE MEIO E DE RESULTADO. - Embora possa ser considerada obrigação de meio ou mesmo de resultado, em caso de cirurgia de laqueadura tubária, a responsabilidade pelo insucesso deve ser apurada mediante culpa, podendo essa ser caracterizada pela ausência de informação de percentual mínimo de insucesso.

(...) não havendo prova de que o médico sequer alertara a paciente para o possível insucesso da cirurgia, ainda que em percentual mínimo, a obrigação de indenizar a paciente pelo médico é mero corolário jurídico (Juiz Belizário de Lacerda).

Presidiu o julgamento o Juiz BELIZÁRIO DE LACERDA (Relator, vencido parcialmente) e dele participaram os Juízes DÁRCIO LOPARDI MENDES (Revisor e Relator para o acórdão) e VALDEZ LEITE MACHADO (Vogal). Belo Horizonte, 11 de abril de 2002.

Noutro caso de igual relevância o supracitado Tribunal assim decidiu:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - RESPONSABILIDADE MÉDICA - PROCEDIMENTO CIRÚRGICO DE LAQUEADURA - NECESSIDADE DE EXPRESSO CONSENTIMENTO - DANOS MORAIS - FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO.

(...)

A cirurgia em que ocorre a perda da capacidade reprodutiva do ser humano, em decorrência de esterilização, há de ter o inquestionável consentimento do paciente, por não se poder conceber que o médico decida, por si mesmo, ato de extrema importância, que comprometa a vida, o bem estar ou a saúde dos pacientes, e que estejam em desacordo com as regras de seu ofício.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 322.443-5 - MONTES CLAROS - 13.12.2000

Terceira Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais.

O Conselho Federal de Medicina, ainda que de forma tímida, também tem reconhecido o dever médico de obtenção do consentimento informado, senão vejamos:

PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL. RECURSO DE APELAÇÃO. PRELIMINARES ARGÜIDAS: CERCEAMENTO DE DEFESA POR NEGATIVA DE JUNTADA DE PROVA EMPRESTADA – FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO REGIONAL – ERRO NA DOSIMETRIA DA PENALIDADE. INFRAÇÃO AOS ARTIGOS 4º, 46, 55, 63 E 65 DO CEM: AO MÉDICO CABE ZELAR E TRABALHAR PELO PERFEITO DESEMPENHO ÉTICO DA MEDICINA E PELO PRESTÍGIO E BOM CONCEITO DA PROFISSÃO - EFETUAR QUALQUER PROCEDIMENTO MÉDICO SEM O ESCLARECIMENTO E CONSENTIMENTO PRÉVIOS DO PACIENTE OU DE SEU RESPONSÁVEL LEGAL, SALVO IMINENTE PERIGO DE VIDA - USAR DA PROFISSÃO PARA CORROMPER OS COSTUMES, COMETER OU FAVORECER CRIME - DESRESPEITAR O PUDOR DE QUALQUER PESSOA SOB SEUS CUIDADOS PROFISSIONAIS - APROVEITAR-SE DE SITUAÇÕES DECORRENTES DA RELAÇÃO MÉDICO/PACIENTE PARA OBTER VANTAGEM FÍSICA, EMOCIONAL, FINANCEIRA OU POLÍTICA. MANUTENÇÃO DA PENA DE "CASSAÇÃO DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL"

(...)

IV- Exames de partes pudendas ou os que envolvam a intimidade das pessoas precisam de justificativas e consentimento dos examinandos. Comete infração ética grave o médico que, ao proceder a exames, desrespeita o pudor dos pacientes. V- Preliminares rejeitadas. VI- Apelação conhecida e improvida.

Relator: OLIVEIROS GUANAIS DE AGUIAR - Número: 105/1997 Origem: CRM-SP.

Tribunal: PLENO - D.O.U. 20 DE FEVEREIRO DE 2002, SEC. 1 PAG. 54.

Noutro precedente o Pleno do Conselho Federal de Medicina reiterou a necessidade da obtenção do consentimento informado, a saber:

PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL. RECURSO DE APELAÇÃO. INFRAÇÃO AOS ARTIGOS 46 E 59 DO CEM: EFETUAR TRATAMENTO SEM O ESCLARECIMENTO E CONSENTIMENTO PRÉVIO DO PACIENTE OU DE SEU RESPONSÁVEL - DEIXAR DE INFORMAR AO PACIENTE OU A SEU RESPONSÁVEL DO PROGNÓSTICO, DIAGNÓSTICO E OS RISCOS DO TRATAMENTO. MANUTENÇÃO DA PENA DE "ADVERTÊNCIA CONFIDENCIAL EM AVISO RESERVADO".

Relator: JOSE HIRAN DA SILVA GALLO Número: 111/1997

Origem: CRM-DF - Tribunal: PLENO - D.O.U. 14/DEZ/2000 - SECAO 1 - PAG. 75.

Dessa forma, como mencionado anteriormente, o Judiciário tem se mostrado sensível aos direitos da personalidade, entre eles o direito ao consentimento informado, não se restringindo tal posicionamento aos Tribunais de Justiça dos Estados, senão vejamos acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça:

RESPONSABILIDADE CIVIL. Médico. Consentimento informado.

A despreocupação do facultativo em obter do paciente seu consentimento informado pode significar - nos casos mais graves - negligência no exercício profissional. As exigências do princípio do consentimento informado devem ser atendidas com maior zelo na medida em que aumenta o risco, ou o dano.(destaque inexistente no original).

Recurso conhecido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento. Os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Sustentou, oralmente, o Dr. Maurício Rhein Félix, pelo recorrente.

Brasília (DF), 01 de outubro de 2002(Data do Julgamento).

 Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente (Resp. 436.827 DJ: 18/11/2002)

Na oportunidade, pedimos licença para transcrever trecho do voto do Min. Ruy Rosado Aguiar, o qual ilustra bem a circunstância fática em que se fundou o acórdão originário, que foi mantido pelo STJ, a saber:

"São fatos incontroversos... a paciente foi recebida em anexo do Hospital da Beneficência Portuguesa, destinado aos atendimentos de emergência, para vítimas de atropelamento, de indigentes e de contribuintes do INSS; constou, sob a responsabilidade de quem iria operá-la, que estava sendo internada de emergência (fl. 430); o internamento de emergência até se justificava, pois o próprio Dr. Agenor admitiu ter diagnosticado uma ´hemorragia diabética´ (fl. 307 e documento de fl. 25), para depois admitir que não era o caso, ´mas tinha característica´ (fl. 307); após sete horas de espera a autora foi chamada para trocar de roupas no WC feminino, de uso público no local em que se encontrava; não o fez em quarto particular, a que tinha direito por ter pago (sic.) o tratamento; em seguida, foi levada pela enfermeira para a sala de cirurgia; ali, o Dr. Agenor lhe fez a seguinte pergunta: ´O que a Sra. vê? Ela respondeu:Vejo vultos, clarões´ (fl. 303); em seguida, analisou os exames e disse: ´Vou operar. É uma cirurgia difícil, demorada, vamos fazer? Ela disse vamos´; foi o único diálogo entre a paciente e o cirurgião, tal como ele mesmo reconheceu em seu depoimento pessoal" (fl. 581)... "como já acentuado no único diálogo mantido entre o cirurgião e a paciente, que aconteceu no dia da intervenção, não ficou comprovado, tal como afirmado na contestação do Dr. Agenor, que a paciente foi informada ´das dificuldades da cirurgia e do prognóstico reservado, como é comum nestes casos´ (fl. 80); estava a paciente, portanto, com a informação enganosa do Dr. Saulo - e verdadeira ante a pena de confissão ficta (fl. 296) - de que ´poderia ele devolver a visão da autora´ (fl. 03); foi nesta pessoa desconhecida (fl. 415) que o Dr. Agenor confiou, certo de que os riscos da cirurgia haviam sido esclarecidos; foi à esta pessoa desconhecida (fl. 415) que o Dr. Agenor ´prestou o favor´ de aceitar a paciente necessitada; foi esta pessoa desconhecida (fl. 415) que, depois de ter recebido importância equivalente a R$ 65.054,27, devolveu apenas importância equivalente a R$ 5.464,39 (fl. 582)".... "O Dr. Agenor não custodiou com seriedade a paciente que, submissa e dominada pelos pré-anestésicos, estava ali à sua mercê, na mesa de cirurgia. Saiu-se com evasivas no que tange à necessidade de dimensionar a pressão intra-ocular, diagnosticou hemorragia diabética sem fazer exame algum, limitou-se a conversar com a paciente poucos minutos antes da operação, presumiu que um desconhecido, sem a especialidade exigida para o caso, houvesse informado conveniente a autora sobre os riscos da cirurgia, deixou que a paciente mantivesse a esperança de que o médico em que confiava estava prestes a chegar; enfim, não a custodiou sob o compromisso de seu grau, sob o compromisso de sua vocação, sob o compromisso da medicina" (fl. 584)."

No primeiro caso analisado pelo STJ restou evidenciado o desprezo do médico acerca do dever de informar a paciente sobre os riscos de tão complexa cirurgia, que, ao final, ocasionou perda total da visão e gastos inúteis, sem o sofrimento a que foi submetida pela cirurgia.

Ressalte-se que demonstrado a violação ao dever de obtenção do consentimento informado, cabe ao médico reparar os danos suportados pelo paciente, apurando-se apenas o "quantum" devido. Tal afirmação, contudo, não significa dizer que o consentimento informado transforma a responsabilidade do médico em objetiva, vez que se faz necessária a comprovação da culpa - negligência pela inobservância de dever ético e jurídico.

Por fim, a obtenção do consentimento informado não isenta o médico do dever de observar a técnica recomendada pela Ciência, não podendo o profissional aproveitar a concordância para experimentar "terapias" ou ressuscitar procedimentos não recomendados.

As experiências em seres humanos seguem regras próprias, não se confundindo com o ato médico direcionado ao tratamento e cura do paciente.

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Sobre o autor
Carlos Alberto Silva

Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Professor de Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Carlos Alberto. O consentimento informado e a responsabilidade civil do médico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3809. Acesso em: 23 dez. 2024.

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