INTRODUÇÃO
O contrato de "factoring" é tipo contratual corrente em outros países de economia semelhante à nossa (Estados Unidos, França, Inglaterra), e tem tido maior desenvolvimento no Brasil nos últimos anos, o que faz crer que em breve tempo terá ingresso na nova tipologia contratual brasileira.
O Factoring é modalidade contratual que se situa entre o desconto mercantil de título cambial, a cessão de crédito, a sub-rogação convencional de obrigação, o seguro de crédito, o mandato mercantil. Trata-se de ato negocial ainda em fase de criatividade no nosso meio.
Pelo Factoring, uma pessoa (factor ou faturizador) recebe de outra (faturizado) a cessão de créditos oriundos de operação de compra e venda e outras de natureza comercial, assumindo o risco de sua liquidação. Incumbe-se de sua cobrança e recebimento, cujo líquido transfere de imediato ao cedente ou faturizado.
Pelo fato de assumir os riscos, não tem ação de in rem verso contra o faturizado. Por esta razão ainda, deve ter a liberdade de escolher os créditos antes de sua cessão. Pelo fato de prestar um serviço de cobrança, tem uma remuneração percentual sobre os resultados obtidos.
Trata-se, assim, de um contrato oneroso, consensual e bilateral.
Subjetivamente considerado, são partes nele o factor ou faturizador que recebe a cessão dos créditos e o faturizado ou cedente, que a efetua. O devedor não é parte do contrato, embora sobre ele percuta a sua fase executória.
Tendo em vista a sua larga utilização nos países desenvolvidos, é de prever sua introdução em nossas práticas mercantis.
1 CONCEITO e origem
O contrato de faturização ou factoring é aquele em que um empresário cede a outro os créditos, na totalidade ou em parte, de suas vendas a terceiros, recebendo o primeiro do segundo o montante desses créditos, mediante o pagamento de uma remuneração.
Este contrato, de que se vem fazendo uso em diversos países, em larga escala, não está regulado em lei, resultando o conceito acima de suas características. Usamos de preferência o termo faturização para nomear o contrato, donde empregamos faturizador (factor) e faturizado para indicar as partes intervenientes no mesmo. Em quase todos os países que admitem a faturização, o agente é chamado pelo termo original factor, e o contrato conhecido como factoring.
A origem da faturização ou factoring remonta à mais longínqua antiguidade quando, na Grécia e em Roma, comerciantes incumbiam a agentes (factor), disseminados por lugares diversos, a guarda e a venda de mercadorias de sua propriedade. Posteriormente, o costume se difundiu na Idade Media, principalmente entre os comerciantes dos países mediterrâneos. Depois dos grandes descobrimentos, a instituição de factors ou agentes de venda e cobrança de mercadorias teve grande desenvolvimento nos países onde o comércio mais se expandia, tais como a Inglaterra, Holanda, Espanha e França. Com a descoberta e colonização da América, factor de comerciantes ingleses passaram a operar nesse país, notando-se que tal modo de comerciar era bastante propício para os países distantes, sobretudo em face das dificuldades dos transportes, de que a instituição dos factors foi uma consequência direta.
Em tal época, os factors, também chamados de agentes, nada mais eram do que comissários dos vendedores, recebendo dos mesmos mercadorias que se encarregavam de vender e cobrar o preço, sobre o qual tinham uma comissão. Com o correr dos tempos, principalmente em virtude da disseminação do factoring nos Estados Unidos, passaram os factors a encarregar a terceiros , o recebimento, a guarda e venda das mercadorias, ficando eles apenas com o encargo do recebimento das vendas, antecipando, entretanto, aos vendedores o valor das mesmas, deduzida uma comissão que era a remuneração do factor. O ramo principal em que operavam era o de produtos têxteis, em maior escala produzidos pela Inglaterra; mas, em quantidade reduzida, operavam também sobre a venda de outros produtos, como o trigo. Nos Estados Unidos, o factoring, por várias circunstâncias especiais (notadamente por não utilizar esse país o desconto bancário), teve grande expansão, mais ainda operando quase que exclusivamente na indústria têxtil (ainda hoje, cerca de 90% das operações de factoring nos Estados Unidos são relativas aos produtos têxteis, dado que na venda desses produtos é costume dar o vendedor ao comprador um prazo que vai até a 120 dias para o pagamento das vendas - e com a faturização o vendedor recebe logo do factor o produto de suas vendas). Assim, enquanto declinava na Europa a utilização do factoring, essa maneira de negociar se expandia em larga escala nos Estados Unidos.
Aponta Newton de Luca que seu desenvolvimento no comércio norte-americano deveu-se provavelmente ao fato de que os bens produzidos pelos empresários destinados à clientela somente poderiam ser absorvidos por esta se os prazos de pagamentos fossem dilatados.
Evoluiu, desse modo, o factoring de um simples contrato de comissão para constituir um contrato em que o factor assume a posição de financiador dos empresários, adquirindo os seus créditos, mediante o pagamento dos mesmos em épocas aprazadas, mas, em regra, antes do vencimento, Uma abundante legislação foi posta em prática na Inglaterra e nos Estados Unidos, regulando as atividades dos factors; o mais antigo factor's Act da Inglaterra é de 1823 e o último de 1889. Nos Estados Unidos, vários Estados baixaram leis especiais a respeito.
A palavra faturização, utilizada em nosso vernáculo, não é tradução do termo original. Trata-se de neologismo cujo som se aproxima do vocábulo inglês e nos dá ideia de fatura, faturamento, que, em sentido leigo, se aproxima do sentido do instituto.
2 O "FACTORING" ANTIGO E O MODERNO
A história do factoring tem, assim, duas etapas distintas: o factoring antigo, em que o factor era apenas um comissário do vendedor, e o factoring moderno, que é o predominante hoje. Essa mudança de orientação se fez lentamente, enquanto as operações de faturização se ampliavam nos Estados Unidos e se extinguiam na Europa. A primeira sociedade de faturização dos Estados Unidos foi fundada em 1808; no fim do século já não existiam sociedades de faturização na Inglaterra nem no restante da Europa. Mediante a adoção de leis sucessivas, em vários Estados americanos, o factoring passou a ser considerado como uma operação em que um empresário, factor, adquiria os créditos de um outro empresário, responsabilizando-se pela cobrança dos mesmos, sem direito de regresso contra o cedente, mediante o pagamento de uma certa comissão. Não sendo usado na América o desconto bancário, as empresas de factoring exercem uma atividade bancária; vários bancos possuem departamentos especializados para operar em factoring, o que fazem não apenas nos Estados Unidos, mas igualmente na Europa.
Foi nesse estilo que o factoring foi reintroduzido na Europa. Ele ressurgiu, na Inglaterra, em 1960, e daí passou para o continente, hoje existindo várias sociedades de factoring em vários países europeus.
Como aponta Arnaldo Rizzardo, o sentido tradicional de factoring não oferece maiores dificuldades porque
"se está diante de uma relação jurídica entre duas empresas, em que uma delas entrega à outra um título de crédito, recebendo, como contraprestação, o valor constante do título do qual se desconta certa quantia, considerada a remuneração pela transação."
3 A REGULAMENTAÇÃO DO "FACTORING" NO BRASIL
A introdução do factoring no Brasil é preconizada como um meio de atender às pequenas e médias empresas, na obtenção de capital de giro, sem as dificuldades geralmente observadas no desconto bancário, muitas vezes de difícil acesso aos "pequenos comerciantes".
O Código Civil de 2002 não trata do factoring. Em virtude de não haver, entre nós, uma regulamentação sistematizada desse contrato - como, aliás, acontece com muitos outros países - nos últimos tempos se tem discutido bastante sobre a sua natureza e o modo de ser o mesmo regulado no país.
O factoring, portanto, muito antes de uma prática bancária, é um elemento de fomento comercial e mercadológico. Em nosso meio, a utilização de cheques pré-datados como títulos de crédito a prazo, dados os inconvenientes da duplicata por grande parte do comércio, fez com que o factoring se dedicasse com amplitude a seu desconto, facilitando a circulação de mercadorias, sustentando principalmente as pequenas e médias empresas. Nem sempre é fácil sua identificação jurídica, pois é contrato atípico que apenas recentemente vem obtendo reconhecimento legal esparso em nosso ordenamento. Há projeto de lei em curso legislativo que pretende regulamentar a operação. Esse projeto, 230, centraliza a ideia de compra de créditos pela empresa de factoring.
O factoring é empregado tanto na hipótese de venda de mercadorias, como na de prestação de serviços. A prática é usualmente utilizada para créditos a curto prazo, embora não se excluam também aqueles a médio e longo prazos. Sua utilidade em nosso país, como afirmado, acentua-se com relação à pequena e média empresas, para as quais nem sempre é fácil recorrer aos financiamentos bancários, sempre direcionados e dirigidos por normas rígidas.
O Banco Central, como foi visto, defendeu a tese de que as operações de factoring - cessão de crédito sem garantia subsidiária do cedente - apresentam, "na maioria dos casos, características e particularidades daquelas privativas das instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central"; por tal razão, foram proibidas no país as operações de factoring, até que o Conselho Monetário Nacional regulamentasse esse contrato.
Apesar disso, a criatividade dos empresários, o trabalho do Fisco e a contribuição da jurisprudência acabaram por reconhecer o contrato de factoring como realidade inegável.
Segundo o entendimento da doutrina, que discorda da orientação do Banco Central, afirmando que as empresas de faturização não são consideradas como tendo características próprias das instituições financeiras de que trata o art. 17 da Lei 4.595/1964 (Lei da Reforma Bancária), apesar desse inciso legal se referir a empresas que tenham por atividade principal "a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios". Se bem que as empresas de faturização também apliquem, como as instituições financeiras, recursos próprios, entendem que as empresas de faturização se distinguem das instituições financeiras porque estas não realizam operações especulativas e sim operações de crédito, enquanto as empresas de faturização realizam operações de risco. Daí não serem, na França, as empresas de faturização consideradas instituições financeiras. O mesmo acontece no Direito italiano, onde também não está legalmente regulamentado o contrato de factoring.
Nesse entendimento, o importante para a regulamentação do factoring no Brasil não é ser considerado o contrato uma mera operação bancária ou representar a empresa de faturização uma instituição financeira ou não. Em qualquer desses casos existe outro elemento que deve ser levado em conta para que o contrato de factoring possa ser introduzido regularmente no Brasil.
A dificuldade maior que existe para a regulamentação legal do contrato de faturização no Brasil se deve ao fato de, segundo o art. 2º da Lei 5.474/1968, que dispõe sobre as duplicatas, apesar de não ser mais obrigatória a extração das duplicatas em todas as vendas a prazo, feitas entre comprador e vendedor localizados em território nacional, como estatuía o art. 1º da lei revogada ( Lei 189/1936), a lei atual dispõe que, mesmo não sendo extraída a duplicata de fatura (extração essa que é meramente facultativa), não será admitida qualquer outra espécie de título para documentar o saque do vendedor pela importância faturada ao comprador. Desse modo, somente através de duplicatas podem ser cobrados os créditos decorrentes das vendas de mercadorias feitas a prazo.
Ora, se a faturização se baseia em uma cessão, de crédito do vendedor da mercadoria ao faturizador, o natural seria que a duplicata de fatura, que constitui o instrumento para a cobrança do crédito, fosse transferida do vendedor-emissor da duplicata para o faturizador ou empresa de factoring. Como a duplicada representa um título de crédito, sujeitando-se, assim, às regras que regem esses títulos, principalmente no que diz respeito à circulação (art. 25 da Lei 5.474/1968), para que a empresa de faturização possa cobrar do comprador a importância devida, necessário será que a duplicata seja transferida para o faturizador, o que será feito mediante um endosso, na forma da regra do art. 14 da Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias em vigor no Brasil. Como o endossante, segundo os princípios básicos do direito cambiário, é garante tanto da aceitação como do pagamento do título, a Lei Uniforme, para facilitar a circulação das letras de câmbio, admitiu o chamado endosso sem garantia (art. 15), que é o em que, transferindo o título, o endossante não só deixa de garantir a aceitação da letra como se exime do pagamento da mesma.
Esse procedimento parece o apropriado para ser adotado na cessão dos créditos, no contrato de faturização, do faturizado para o faturizador, pois é princípio da essência do contrato de faturização o fato de não responder o faturizado, ao ceder os seus créditos, pela solvência do devedor, no caso o comprador, correndo, assim, por conta da empresa de faturização o risco do não recebimento já que a mesma não pode se voltar contra o faturizado para que esse satisfaça a obrigação não cumprida pelo comprador.
Essa solução para a transferência do crédito pelo endosso sem garantia da duplicata por parte do faturizado ao faturizador é, na realidade, uma solução apenas aparente. Isso porque, nas duplicatas de fatura, como nos títulos de crédito em geral, o emitente ou sacador, que no caso da duplicata é o vendedor (faturizado) que extrai a fatura, pode exonerar-se da aceitação do título, mas não pode eximir-se do pagamento (art. 9º da Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias). Quando extrai uma duplicada, o vendedor ocupa no título duas posições: a de sacador, pois é ele o proprietário original do crédito, e a de tomador ou beneficiário, já que a dívida deve ser paga a ele ou à sua ordem. Assim, quando endossa a duplica o vendedor o faz como beneficiário ou tomador, que é o único que pode endossar a duplicata por ser aquele a quem a mesma deve ser paga. Mas, se o tomador-endossante pode eximir-se do pagamento, de modo subsidiário, àquele a quem o título foi endossado, para isso utilizando-se de um endosso sem garantia (art. 15 da Lei Cambial) , como emissor do título não pode ele eximir-se da responsabilidade de pagar à pessoa a quem a duplicata foi transferida já que a lei, aplicável às duplicatas, estatui peremptoriamente que "toda e qualquer cláusula pela qual ele se exonere da garantia de pagamento considera-se como não escrita" (art. 15, 2ª al. da Lei Cambial).
Nessas condições, sendo característica essencial do contrato de faturização a isenção do faturizado da responsabilidade de pagar o crédito cedido caso o comprador das mercadorias não o faça - o que torna o contrato de factoring uma operação de risco, portanto especulativa, e não uma operação de crédito, como são as operações bancárias -, sendo a duplicata o único título válido para a cobrança das vendas a prazo (art. 2º da Lei 5.474/1968), o endosso sem garantia não soluciona o problema da isenção da responsabilidade do sacador do título (faturizado), a não ser que não fosse levada em conta aquela isenção que é da natureza do contrato.
Por isso, ao entender da doutrina, para a regulamentação do contrato de factoring a fim de ser o mesmo introduzido legalmente no país, necessário se faz que seja modificado o art. 2º da Lei das Duplicatas para permitir que outros títulos, que não a duplicata - a letra de câmbio, por exemplo - possam servir de instrumento de cobrança das vendas a prazo, feitas com vendedor e comprador localizados em território nacional. Se assim acontecer, o faturizado, por documento particular, transfere à empresa de faturização os créditos dos seus clientes que sejam aceitos pelo faturizador. Esse, não sendo o vendedor e sim apenas o cessionário dos créditos, não pode emitir duplicatas contra o comprador; mas, se a lei, uma vez modificada, permitir a cobrança dessa venda a prazo por outros títulos que não a duplicata, o faturizador poderá sacar uma letra de câmbio contra o comprador das mercadorias, sendo resguardada, desse modo, a característica principal do contrato de faturização, que é a isenção de responsabilidade do faturizado ou cedente do crédito pelo pagamento deste por parte do comprador.
4 ELEMENTOS PESSOAIS
O contrato de faturização tem como elementos pessoais o faturizador (factor) e o vendedor, também chamado aderente, fornecedor ou faturizado. A essas pessoas se junta uma terceira, que é o comprador do vendedor, dando-se a essa os nomes de comprador, cliente ou devedor.
O contrato se faz entre o faturizador e o faturizado ou vendedor, sendo necessário o comprador apenas porque são os créditos que o vendedor tem contra ele que vão ser cedidos ao faturizador. Tanto faturizador como vendedor devem ser empresários, donde o contrato de faturização ser por natureza empresarial.
Em princípio, a faturização é feita por empresas não bancárias, o que acontece principalmente nos Estados Unidos, em que não se pratica comumente o desconto bancário. Nada impede, entretanto, que um banco tenha um setor especial para a faturização, não se compreendendo, entretanto, as operações realizadas nesse setor como operações normais de desconto ou de cobrança, dada a disparidade existente entre as mesmas. Nada impede, também, que o faturizador negocie com um banco os créditos que lhe são cedidos pelo faturizado, dando-os em garantia de empréstimos realizados ou mesmo os descontando. Em tal hipótese, o faturizador responde, regressivamente, perante o banco, pelos prejuízos por esse havidos na recuperação das dívidas. Mas o fato em nada afeta o faturizado, que nenhum contrato fez com o banco e, por isso mesmo, nenhuma responsabilidade suplementar tem para com o mesmo, visto ser da essência da faturização que o faturizador assuma os riscos pela não recuperação do crédito que lhe foi cedido.
Tanto faturizador como faturizado pode ser pessoa física ou jurídica, desde que seja empresário. Em regra, entretanto, o faturizador é uma pessoa jurídica pelos encargos que assume ao receber o crédito em cessão.
Quanto ao devedor ou comprador, que é a pessoa que compra ao faturizado, esse pode ser uma pessoa física ou jurídica, empresário ou não. A faturização pressupõe sempre uma venda a prazo, donde as vendas à vista ficarem fora do âmbito desse contrato. Havendo uma cessão de crédito, o comprador será notificado da mesma, devendo efetuar o pagamento em mãos do faturizador. Se, por acaso, o faturizado receber a importância da venda, o faz como mandatário do faturizador, devendo remeter o produto a este.
5 MODALIDADES DE FATURIZAÇÃO
A faturização pode tomar várias modalidades. Em primeiro lugar, as operações podem ser realizadas dentro do mesmo país, ou, neste, dentro de uma região: a esse tipo de faturização, dá-se o nome de faturização interna. Pode, entretanto, a faturização se relacionar com operações a serem realizadas fora do país, como em operações de importação e exportação, dando-se a esse tipo o nome de faturização exterior. As operações de faturização exterior trazem maiores riscos e maiores encargos para o faturizador, donde a sua comissão, em tal modalidade, ser bastante mais elevada do que na faturização interna. Entretanto, historicamente, a faturização tem vocação para ser celebrada em operações com o exterior.
Também podem, na faturização, as faturas representativas dos créditos do faturizado ser remetidas ao faturizador e por ele liquidadas no vencimento das mesmas, ou antes do vencimento. No primeiro caso tem-se a chamada faturização no vencimento (maturity factoring), chamando-se o outro de faturização tradicional (old line factoring). Se este se aproxima mais de um desconto bancário, dele se distingue, entretanto, pela assunção dos riscos do recebimento por parte do faturizador. Em ambos os casos, entretanto, essa característica da faturização se sobressai, pois, mesmo apresentando as faturas no vencimento, o faturizador não vai fazer o papel de simples mandatário do faturizado, para a cobrança das dívidas, já que as pagas na apresentação e, na qualidade de cessionário, vai cobrá-las em seu próprio nome, não tendo, igualmente, direito de ação contra o faturizado se a dívida não for paga.
6 FORMAÇÃO DO CONTRATO
O contrato de faturização se forma mediante a simples manifestação da vontade do faturizador e do faturizado. Não requer a forma escrita, se essa seja a usual entre as partes; pode, contudo, ser formado verbalmente, desde que sejam feitas as escriturações em livros de ambas as partes. É, portanto, um contrato simplesmente consensual, havendo, como em todos os contratos, uma proposta e uma aceitação.
Em virtude de, em regra, o faturizador dispor as cláusulas mediante as quais deve o contrato ser feito, dizem-no contrato de adesão. Nada impede, contudo, que as cláusulas sejam discutidas entre ambas as partes, para que depois o contrato seja reduzido a escrito. Na verdade, sendo da essência do contrato uma cessão de créditos ao faturizador, mediante o pagamento de uma remuneração, as cláusulas nesse sentido sempre existirão. As demais serão ajustadas a aprazimento das partes.
É também a faturização contrato bilateral, gerando obrigações tanto para o faturizador como para o faturizado. É oneroso, já que há vantagens para as duas partes. É ainda um contrato de execução sucessiva, permitindo várias prestações continuadas. Por último, é um contrato de exclusividade, já que ao faturizado não é permitido manter contratos semelhantes com outros faturizadores.
7 CLÁUSULAS ESSENCIAIS E CLÁUSULAS FACULTATIVAS
Nos contratos de faturização, algumas cláusulas são consideradas essenciais, neles devendo figurar obrigatoriamente. São cláusulas essenciais as relativas à exclusividade ou totalidade das contas do faturizado, à duração do contrato, à faculdade de escolher o faturizador as contas que deseja garantir, aprovando-as, a relativa à liquidação dos créditos, a sobre a cessão dos créditos ao faturizador, a sobre a assunção dos riscos pelo faturizador e finalmente sobre a remuneração do faturizador. Outras cláusulas, entretanto, poderão ser ajustadas no contrato, por conveniência das partes. Nenhuma, porém, deve derrogar as cláusulas essenciais.
8 AS OPERAÇÕES DA FATURIZAÇÃO
Estabelecido o contrato de faturização, as suas operações começam com a transferência, para o faturizador, de todas as contas do faturizado concernentes aos seus clientes. Fica, entretanto, o faturizador com o direito de escolher as contas que deseja garantir, aprovando-as. Para isso, pode ele verificar, no arquivo do faturizado, tudo o que disser respeito aos clientes desse para poder escolher os que melhor lhe convêm. Tem, necessariamente, o faturizador o seu próprio arquivo de informações a respeito dos clientes cujas contas lhe vão ser cedidas. A ele cabe, inclusive, orientar o faturizado na escolha dos clientes, para evitar futuros dissabores. Não são, assim, as contas de todos os clientes que serão cedidas pelo faturizado; igualmente, o faturizador pode se responsabilizar apenas por parte das contas de certos clientes, só sobre essas partes incidindo as obrigações contratuais. Por último, pode o faturizado remeter as contas não aprovadas para serem cobradas pelo faturizador, mas nesse caso a cobrança se faz a título de mandato, não respondendo, assim, o faturizador pela não liquidação por parte do comprador. Os créditos dessas contas são feitos à proporção do seu recebimento.
As contas são remetidas ao faturizador mediante um bordereau compreendendo a totalidade das mesmas, acompanhado de cópias das faturas emitidas pelo vendedor e mais documentos porventura existentes, versando sobre as mesmas, inclusive títulos de crédito que, nesse caso, serão endossados ao faturizador. A partir da remessa das contas ao faturizador cessam os encargos do faturizado em relação à cobrança dos créditos. Essa será feita pelo faturizador, pelo que nas faturas consta sempre uma declaração de que a conta foi cedida. Dá o faturizado ciência ao devedor dessa cessão, para que esse pague a dívida ao faturizador e não mais ao faturizado ou vendedor.
O pagamento do faturizador ao faturizado é feito quando recebe as contas aprovadas ou na forma convencionada no contrato. Em geral, é aberta uma conta corrente entre faturizador e faturizado, sendo as remessas anotadas nessa conta para uma verificação posterior do saldo exigível. As faturas apresentas antes do vencimento serão pagas pelo faturizador mediante lançamentos de crédito na conta corrente; as deduções das comissões serão escrituradas como débito. Naturalmente, as contas-clientes que o faturizado certamente teria em relação aos seus compradores passarão a cargo do faturizador.
No momento do pagamento do faturizador ao faturizado, dá-se uma sub-rogação convencional naquele dos direitos que o segundo tinha contra os seus devedores. O faturizado será obrigado, por essa sub-rogação, a prestar todo o auxílio que se fizer necessário ao faturizador para o recebimento das dívidas. Deverá, também, em caso de litígio entre o faturizador e o comprador, ou em caso de falência desse, assinar qualquer documento que se fizer necessário para que o faturizador tenha êxito no recebimento das dívidas.
9 RELAÇÕES ENTRE O FATURIZADOR, FATURIZADO E COMPRADOR
Relações entre o faturizador e o faturizado
O faturizado faz ao faturizador uma cessão de créditos, a título oneroso, trazendo esse ato todas as suas consequências: notificação ao comprador da cessão, para que ele pague o seu débito ao faturizador; direito de agir o faturizador em nome próprio, na cobrança das dívidas etc. Pela cessão de crédito o cedente se responsabiliza pela existência da dívida no momento da cessão (art. 295 do Código Civil); como o faturizador, com a cessão, assume o risco sobre o recebimento, certamente só terá direito de ação contra o faturizado se a dívida cedida estiver eivada de vício que a invalide, como, por exemplo, se não se referir a fatura a uma venda efetiva.
Relações entre o faturizador e o comprador
O faturizado, em virtude da cessão de crédito com sub-rogação dos direitos feita pelo faturizado, passa a ser o credor do comprador. Para tanto o comprador é devidamente notificado da cessão.
Como credor, o faturizador tem ação, no vencimento e não pagamento da dívida, contra o comprador, podendo empregar todos os meios permitidos em Direito para haver o seu crédito. Se o comprador, sendo empresário, incide em falência ou impetra concordata, cabe ao faturizador habilitar-se nos Processos respectivos para a defesa dos seus direitos. O mesmo ocorre se, não sendo empresário, o devedor tem a sua insolvência declarada (arts. 748 e seguintes do Código de Processo Civil).
Relações entre o comprador e o faturizado
As relações existentes entre o faturizado e o comprador são as relações comuns entre o vendedor e o comprador, trata-se de uma simples venda a prazo, em que o comprador se obriga a pagar ao vendedor num prazo convencionado. Antes de chegado o termo, houve a cessão do crédito do faturizado para o faturizador. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada. Notificado dessa cessão, deve o comprador efetuar o pagamento ao cessionário, no caso o faturizador. Se, entretanto, não foi notificado da cessão, sua obrigação é pagar ao vendedor.
10 OBRIGAÇÕES E DIREITOS
Faturizador
Contrato bilateral, a faturização cria obrigações e, consequentemente, direitos para ambas as partes. As principais obrigações do faturizador são pagar ao faturizado as importâncias relativas às faturas que lhe são apresentadas e assumir o risco do não pagamento, pelo devedor, das mesmas. Quanto aos direitos, pode ele recusar a aprovação, total ou parcial, das contas que lhe são remetidas, cobrar as faturas pagas e deduzir, das importâncias creditadas ao faturizado, a sua remuneração, de acordo com o convencionado.
Um direito especial que tem o faturizador é o de examinar os livros e papéis do faturizado relativos às transações desses com certos clientes. A esse direito corresponde a obrigação de prestar assistência ao faturizado, no que diz respeito ao fornecimento de informações sobre o comércio em geral e sobre cada cliente em particular. Considerando-se o direito ao manuseio dos livros e documentos um privilégio pessoal e exclusivo do empresário ou dos sócios das sociedades empresárias, a interferência do faturizador nesse setor se deve à comunhão de interesses que se forma entre ele e o faturizado no sentido de que o contrato firmado entre ambos tenha o êxito desejado, sem acarretar prejuízo para as partes.
Faturizado
Ao faturizado cabe, em primeiro lugar, pagar ao faturizador as comissões devidas pela faturização. O montante dessa remuneração está em função das dívidas faturizadas, observando-se uma certa porcentagem, em regra fixada no contrato. Faz-se comumente esse pagamento no momento em que o faturizador liquida as faturas mediante lançamento de débito na conta do faturizado.
Tem, também, o faturizado a obrigação de submeter ao faturizador as contas dos clientes, para que esse selecione aquelas que deseja aprovar. Essa subordinação das contas à seleção do faturizador tem em vista evitar que apenas contas más, de difícil recebimento, sejam oferecidas ao faturizador. Assumindo esta responsabilidade pelo recebimento das contas, correndo, assim, o risco de perder o seu capital se tais contas não forem pagas, é plausível que participe da escolha dos clientes cujas contas honrará.
Deve, igualmente, o faturizado remeter as contas ao faturizador no modo convencionado, relacionando-se em um bordereau que, acompanhado das cópias das faturas e mais documentos necessários ao esclarecimento das operações, será encaminhado ao faturizador segundo se convencionou. Cabe-lhe, ainda, prestar todas as informações e dar toda a assistência ao faturizador, em relação aos clientes ou ao recebimento das dívidas. Em caso de ser necessária, para esse recebimento, a assinatura do faturizado, este deve prestá-la quando requerido.
Como direitos, em primeiro lugar sobressai o de fazer jus o faturizado ao pagamento das faturas, do modo combinado. Pode ele, igualmente, transferir ao faturizador faturas não aprovadas, para cobrança por esse, que em tal caso age como seu mandatário. Tem, igualmente, o direito a informações e assistência por parte do faturizador, para que as relações entre ambos se processem harmonicamente.
Comprador
Se bem que não seja parte no contrato, o comprador é necessário para a existência desse, pois são os créditos resultantes de vendas a ele feitas que se transferirão ao faturizador. Suas obrigações e seus direitos decorrem, assim, do contrato de compra e venda que o mesmo fez com o vendedor.
Para haver faturização, é indispensável que a compra e venda seja a prazo, já que nas vendas à vista o contrato se executa e as obrigações se cumprem no momento do pagamento e da entrega da coisa. Sendo a venda a prazo, tem o comprador a obrigação de pagar no termo convencionado. Acontece, entretanto, que o pagamento deve ser feito ao vendedor, que é quem adquire o direito de receber, dado o princípio da relatividade dos contratos.
Tendo sido o crédito transferido para o faturizador, deve o devedor ser notificado dessa transferência, o que pode ser feito por qualquer documento escrito, seja público ou particular. Só será o devedor obrigado a pagar o cessionário ocorrendo essa notificação. Assim, antes de ser notificado será válido o pagamento feito ao credor primitivo, no caso o vendedor, nos termos do art. 292 do Código Civil.
Tem o comprador o direito de opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente. É o princípio do art. 294 do Código Civil, no caso da faturização perfeitamente aplicável.
11 EXTINÇÃO DO CONTRATO
Vários são os casos em que pode extinguir-se o contrato de faturização. Em primeiro lugar, sendo constituído por um acordo de vontades, pode extinguir-se também por mútuo acordo. Em virtude de ser um contrato intuitu personae, poderá a sua extinção se verificar ocorrendo mudança de estado de um dos contratantes. Extingue-se também pela decorrência do prazo, mas em regra trazem os contratos uma cláusula de renovação automática ao atingir o seu fim.
Pode, por igual, extinguir-se também unilateralmente. Em tal caso, deve preceder aviso prévio da parte de que intenta a resilição. Cláusula a esse respeito, em regra, consta do contrato, mas a sua não inserção não afasta o aviso prévio, já que o contrato é de execução continuada. No caso de extinção, deverão ser liquidadas as operações iniciadas, ainda que essa liquidação se verifique depois de extinto o contrato.
Também é motivo para a resilição do contrato o não cumprimento das obrigações pelas partes. Ocorrendo esse fato, que deve ser comprovado, a parte prejudicada pode pedir a extinção.
Sendo uma das partes empresário individual, a sua morte provoca a extinção do contrato. Apuram-se então as responsabilidades que serão cumpridas pelos representantes do de cujus, dentro da força da herança, na forma da lei.
CONCLUSÃO
O contrato de faturização ou factoring é aquele em que um empresário (faturizado) cede a outro (factor ou faturizador) os créditos, na totalidade ou em parte, de suas vendas a terceiros, recebendo o primeiro do segundo o montante desses créditos, mediante o pagamento de uma remuneração.
A história do factoring tem duas etapas distintas: o factoring antigo, em que o factor era apenas um comissário do vendedor, e o factoring moderno, que é o predominante hoje.
A introdução do factoring no Brasil é preconizada como um meio de atender às pequenas e médias empresas, na obtenção de capital de giro, sem as dificuldades geralmente observadas no desconto bancário, muitas vezes de difícil acesso aos "pequenos comerciantes".
O Código Civil de 2002 não trata do factoring. Em virtude de não haver, entre nós, uma regulamentação sistematizada desse contrato, nos últimos tempos se tem discutido bastante sobre a sua natureza e o modo de ser o mesmo regulado no país.
O factoring é empregado tanto na hipótese de venda de mercadorias, como na de prestação de serviços. A prática é usualmente utilizada para créditos a curto prazo, embora não se excluam também aqueles a médio e longo prazos.
O contrato se faz entre o faturizador e o faturizado ou vendedor, sendo necessário o comprador apenas porque são os créditos que o vendedor tem contra ele que vão ser cedidos ao faturizador. Tanto faturizador como vendedor devem ser empresários, donde o contrato de faturização ser por natureza empresarial.
A faturização pode tomar várias modalidades. As operações podem ser realizadas dentro do mesmo país (faturização interna). ou podem ser realizadas fora do país (faturização exterior). Também podem as faturas representativas dos créditos do faturizado ser remetidas ao faturizador e por ele liquidadas no vencimento das mesmas (maturiry factoring) ou antes do vencimento (old line factoring).
O contrato de factoring é, portanto, consensual, informal, bilateral, oneroso, comutativo e intuitu personae. A confiança entre as partes desempenha importante papel nesse negócio.
Pode extinguir-se por mútuo acordo, ocorrendo mudança de estado de um dos contratantes, pela decorrência do prazo, ou unilateralmente com aviso prévio, pelo não cumprimento das obrigações pelas partes ou pela morte de uma das partes, devendo ser liquidadas as operações iniciadas, ainda que essa liquidação se verifique depois de extinto o contrato.
BIBLIOGRAFIA
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PEREIRA, Caio Mário da Silva - Instituições de direito civil - 16ª edição - Rio de Janeiro: Forense, 2012
VENOSA, Sílvio de Salvo - Direito civil: contratos em espécies - 11ª edição - São Paulo: Atlas, 2011