Impeachment ou intervenção militar: é só o que temos?

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Outra coisa de importância crucial a ficar esclarecida é que não existe uma “Intervenção Militar Constitucional.” Ao contrário, as forças armadas- e não “Poderes armados”- existem para que garantam a Lei e a Ordem nos moldes da Constituição da República..

Desde que o pleito presidencial foi finalizado, tenho recebido sucessivos convites para me filiar à ala “insurgente que luta pelo Impeachment da presidente, pela democracia e contra a corrupção do Brasil, que apóia a intervenção militar constitucional porque somente estes com sua autoridade poderiam fazer frear os absurdos sofridos pelo país até então.”

Bem, antes qualquer comentário mais elaborado, gostaria de dizer que a mim muito me espanta que palavras como “Democracia” e “Intervenção militar” estejam juntas em uma mesma oração, reforçando o mesmo contexto, simplesmente, porque são completamente antagônicas. Tamanho absurdo somente é superado quando a alternativa da proposta, tipo “combo”, floreia, dizendo que além da intervenção militar, vem à reboque Jair Bolsanaro para presidência do país.

Outra coisa de importância crucial a ficar esclarecida é que não existe uma “Intervenção Militar Constitucional.” Ao contrário, as forças armadas- e não “Poderes armados”- existem para que garantam a Lei e a Ordem nos moldes da Constituição da República, e não para que ameacem estes Poderes Constitucionais. Qualquer pensamento ou atitude diferente disto seria antidemocrático e iria na contra-mão direção da legalidade.

Sem fazer maiores alusões às violências perpetradas contra às liberdades de toda sorte no período histórico ditatorial, também chamado de “período negro”, como aquela que prendiam o cidadão “para averiguação” pelo tempo que julgassem conveniente, pode-se, baseando-se em números fáticos, chegar a conclusão de quem pede a intervenção militar não sabe muito bem o que evoca, para isso compartilho com os leitores alguns dados: Você sabia que de 1968 a 1973, ou seja, em cinco anos, nossa dívida externa mais que triplicou? Verdade, saiu da casa dos 4 bilhões de dólares e atingiu a casa dos 13 bilhões de dólares. Sabia que a inflação passava dos 22% ao mês? Que havia mais de 25 milhões de crianças passando fome? Que mais de 60% das crianças trabalhava mais de 40 horas semanais? (igual a que a maioria dos adultos trabalha hoje, por lei). Que no início de 1970 havia mais de 50% dos brasileiros ganhando menos que o salário mínimo? Que no fim dos anos 1950 um trabalhador precisava de 65 horas de trabalho para comprar uma cesta Básica de alimentos e que para adquirir esta mesma cesta em 1975 o trabalhador precisaria de mais 170 horas de trabalho duro? Sabia que por conta de um programa dos militares chamado de “Educação pelo Trabalho”, onde crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos já trabalhavam igual a “gente grande”, o êxodo acadêmico foi o maior já visto, e ganhamos, reiteradas vezes, como o país com a maior população de analfabetos e semi-analfabetos? Que em 1974 o investimento em saúde era de menos de 1% do que se arrecadava e que no mesmo período o da educação foi diminuído a menos da metade?(...)

Também importante falar sobre o que seria esse tal Impeachment ou impugnação de mandato? Então, conceitualmente, seria: “A cassação do mandato do chefe do poder executivo (Presidente da República, Governador e Prefeito) pelo congresso nacional, pelas assembleias estaduais ou pelas câmaras municipais. A denúncia válida pode ter por base o crime comum, o crime de responsabilidade, o abuso de poder, desrespeito às normas constitucionais ou violação de direitos pátreos previstos na constituição. Este sim, instrumento democratico e com previsão constitucional. Funciona da seguinte forma; o artigo 85, da Constituição da República, e a Lei 1079/50, em seu artigo 4o diz que são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição da República, e, especialmente, contra: I - A existência da União; II - O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados; III - O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV - A segurança interna do país; V - A probidade na administração; VI - A lei orçamentária; VII - Aguarda e o legal emprego dos dinheiros públicos; VIII - O cumprimento das decisões judiciárias.

Qualquer cidadão pode apresentar denúncia contra ato do Presidente da República nos moldes da Lei. A denúncia se inicia com apresentação dos fatos ao Presidente da Câmara dos Deputados, que pode aceitar ou rejeitar. Caso rejeite, ali se encerra o caso. Caso aceite, uma via crucis será iniciada até a decisão final do Senado Federal, pois este é quem tem a competência de julgar o Presidente nos crimes de responsabilidade. Para resumir, é necessário autorização de 2/3 da câmara e do senado, com a consequente condenação de 2/3 dos Senadores. Findo o processo, assumiria o vice-presidente.

É óbvio que teríamos uma visão ingênua do guadro se acreditássemos que nosso país não necessita evoluir muito e em muitos quesitos. Acredito que também seria ingênuo

de nossa parte depositarmos neste ou naquele político as esperanças para a solução de todos os problemas e esquecermos que são tantos, que somente uma conjunto de ações coordenadas por um grupo de pessoas imbuídas de muita responsabilidade e sentimento cívico poderá, em um prazo razoável, promover as mudanças necessárias- como reforma política e tributária, por exemplo- para que o país volte aos trilhos, sem olvidarmos que as próximas gerações também trabalhem duro e incansavelmente para que o país permaneça nos trilhos.

Mas o que se leva de bom de toda essa estória é que demonstramos que, de fato, estamos em uma democracia, que podemos discutir, divergir e discordar do governo, fazermos passeatas e a imprensa pode escrever, livremente, sem que haja prisão ou ameaça de sanção. Me socorro nas frases de dois grandes pensadores, Winston Churchill e Voltaire, o primeiro dizia que “ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, depois de todas as outras experimentadas de tempos em tempos”; o Segundo dizia: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê- las.” E viva a Democracia! 

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Sobre o autor
Antonio Marcos de Oliveira Lima

Doutorando em Direitos Humanos pela Universidade Nacional de Lomas de Zamora, Argentina. Professor de direito Administrativo em graduacao e cursos preparatórios , Diretor-Geral do IBPC (instituto brasileiro de proteção ao consumidor), Coordenador do Núcleo de Pesquisa e Estudo dos Direitos da Mulher, Advogado militante com atuação profissional Brasil X Portugal em Direito Civil, Direito do Consumidor , Direito Empresarial, Terceiro Setor, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Intrrnacional, Sócio de Fernandes e Oliveira Lima advocacia e consultoria jurídica. Autor de "União estável e União Homoafetiva, os paralelos e as suas similitudes"; Ed. Pasquin Jus, 2006; "Retalhos Jurídicos do Cotidiano"; 2015, Ed. Lumen Juris.

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