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Princípio da legalidade

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01/03/2003 às 00:00
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1.2 RELAÇÕES COM A IGUALDADE E A SEGURANÇA JURÍDICA

A razão última do princípio da legalidade é assegurar a igualdade [20] e a segurança jurídica.

Diz-se que busca a igualdade porquanto importe em tratamento equânime a todos os cidadãos. Decorre isto das características próprias da lei: generalidade e abstração. As mesmas impedem os fatais casuísmos, fonte principal das perseguições e dos favoritismos. Se tais ocorrem, são verdadeiras perturbações do Estado Democrático de Direito, jamais se harmonizam com o mesmo, criando uma tensão imprópria, uma contradição que irá resultar no fim de um ou de outro, conforme sejam as forças postas em choque. Nesta situação, o descontentamento cresce e a instabilidade instaura-se.

Fácil perceber que pretende a segurança. Apenas a lei, norma produzida por órgão colegiado, no qual estão representados os mais diversos setores do corpo social [21], consegue encampar os valores sociais e por eles determinar a validade e a conveniência das condutas humanas [22]. A vitalidade das instituições democráticas está ligada à lei e à obediência à mesma. A importância da segurança jurídica é bem evidente, bastando ressaltar que sem a mesma a angústia social seria de tal ordem que inviabilizaria a vida em sociedade. Dito isto, remetemo-nos a obras clássicas de Teoria Geral do Direito.

As garantias que este princípio propicia ao cidadão também são uma forma de segurança. Com a atividade estatal limitada aos mandames legais e com o aumento crescente, absurdo até, da interferência do Estado na sociedade civil, a previsibilidade de suas atitudes são da maior importância. Se não o cidadão não tiver um mínimo de desta previsibilidade relativamente ao Estado, estará vivendo uma situação absurda, em que um gigante pode invadir seu quintal a qualquer momento com a força de um elefante e a astúcia de uma raposa, vale dizer, viverá uma situação de angústia . "Vale dizer que o sistema jurídico está estruturado para evitar que os cidadãos, destinatários da norma, sejam surpreendidos por medidas tomadas repentinamente, sem qualquer previsão" ( Adilson Abreu Dallari, Lei Orçamentária – Processo Legislativo. Peculiaridades e Decorrências, RT Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política 19, página 57 ).

Tal princípio é a máxima garantia do indivíduo frente ao poder, por isso mesmo respeitá-lo é respeitar a todos. O contrário também é verdade, logicamente. Bobbio faz uma contundente defesa do princípio, após uma longa digressão ao longo de sua obra, nos seguintes termos: "O governo das leis celebra hoje o próprio triunfo na democracia. E o que é a democracia se não um conjunto de regras ( as chamadas regras do jogo ) para a solução dos conflitos sem derramamento de sangue? E em que consiste o bom governo democrático se não, acima de tudo, no rigoroso respeito a estas regras? Pessoalmente não tenho dúvidas sobre a resposta a estas questões. E exatamente por não ter dúvidas, posso concluir tranqüilamente que a democracia é o governo das leis por excelência. No momento mesmo em que um regime democrático perde de vista este seu princípio inspirador, degenera rapidamente em seu contrário, numa das tantas formas de governo autocrático de que estão repletas as narrações dos historiadores e as reflexões dos escritores políticos" ( O Futuro da Democracia – Uma Defesa das Regras do Jogo, 4ª edição, Editora Paz e Terra, página 171 )

Claro que não bastam as leis e o respeito a elas para que se tenha um Estado Democrático de Direito, mas inegavelmente este é o ponto crucial, sem o qual não se consegue avançar na efetivação de um democracia. "Todavia, a sujeição à lei é insuficiente para caracterizar o Estado de Direito materialmente; há necessidade da existência de determinadas outras características absolutamente essenciais, tais sejam, a separação de poderes para a existência dos ‘freios e contrapesos’, do juiz natural ou em outras palavras de juiz não de exceção ou post factum, e, além disso, certamente, de juiz imparcial, dotado de prerrogativas da magistratura independente" ( Lúcia Valle Figueiredo, Estado de Direito e Devido Processo Legal, Revista de Direito Administrativo, página 7 ).

Este princípio é, pois, o ponto de partida para a compreensão do Estado Democrático de Direito e do papel da administração na persecução de seus objetivos. Aliás, não só para o estudo, como principalmente para a prática.


1.3 DEVIDO PROCESSO LEGAL

O Devido Processo Legal é uma das mais importantes manifestações do Princípio da Legalidade. É, sem dúvida, um princípio basilar de Direito.

Significa que somente por meio de uma série de atos concatenados com vistas a um objetivo, estabelecidos em lei anterior, é que poderá o cidadão ter restringido direito subjetivo seu, já estabelecido e integrado à ordem jurídica. Implica também no meio pelo qual se admite a edição de leis, de sorte a preservar a separação de poderes, as garantias individuais e a constitucionalidade, com a qual se terá a preservação da integridade do sistema jurídico.

Os casos mais comuns em que se evidencia a necessidade de um processo desta natureza é na perda da propriedade, na imposição de penas e na desconstituição de um direito após preenchidos e cumpridos os requisitos de lei, ainda que só aparentemente, e para a elaboração de leis.

Tal qual o próprio Princípio da Legalidade, o Devido Processo Legal tem a característica de ser tanto um direito quanto uma garantia. Também aqui a preocupação maior é proteger o cidadão contra as possíveis arbitrariedades do Poder. Aliás, é esse mecanismo que mais impõe limites ao Poder, às suas arbitrariedades e favoritismos, razão mais que suficiente para sua defesa incondicional. Este o seu fundamento.

Desde que se cogitou de um Princípio da Legalidade se vislumbrou o Devido Processo Legal. Sua história praticamente se confunde com a daquele Princípio. "A garantia do devido processo legal tem uma longa e fascinante história, percorrendo o tempo e as civilizações. Gora assinala o ano de 1215 Magna Charta Libertatum a data em que os nobres ingleses obtiveram do rei John o compromisso de que não os privaria da vida, liberdade ou propriedade, exceto em cumprimento à ‘lei da terra’ ( the law of the land ): ‘nestas poucas palavras’, refere, ‘estão contidas as bases do que viemos a conhecer como o devido processo legal!’ Ressalta, ainda, que o conceito do devido processo legal veio a abranger, com o passar dos séculos, certos direitos específicos, procedimentos e garantias, desde 1344, nos conflitos entre o parlamento e Edward III, aparecendo a expressão como tal, três séculos mais tarde, a frase due processs of law veio a tornar-se sinônimo de by the law of the land." ( Maria Garcia, O Devido Processo Legal e o Direito de Permanecer Calado – A Tortura, RT Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política 20, página 103 ).

As constituições democráticas não tardam em agasalhá-lo. É o caso da nossa, que traz previsão expressa no artigo 5º, inciso LIV. Esta norma impede que o Estado prive alguém da sua liberdade ou de seus bens sem o Devido Processo Legal. O dispositivo é bastante abrangente, no que andou bem o constituinte, dado que todas a garantias contra a arbitrariedade devem ser dadas de maneira que possam ser invocadas no maior número de situações possíveis, o que seria dificultado por uma regra detalhista e casuística.

Seu alcance hoje ultrapassa a garantia de direitos individuais, atingindo o direito de todos a uma prestação jurisdicional eficiente. Diz-se, comumente, que tal princípio tutela o próprio processo, abstratamente considerado. Neste sentido é que Celso Ribeiro Bastos se pronuncia: "Finalmente há de consignar-se aqui a lição dos tratadistas mais modernos, que timbram em ver no ‘devido processo legal’ mais do que uma garantia subjetiva do indivíduo, uma tutela do próprio processo. Com efeito, cada vez se consolida mais a idéia de que sobre os interesses unilaterais das partes, respeitáveis sem dúvida, sobrepaira no entanto um de maior amplitude, que é o da tutela do próprio processo. A lição vem muito bem exposta por Ada Pellegrini Grinover, no seguinte excerto de sua obra Processo Constitucional em Marcha, p.8, item 2, que de resto se presta à conclusão deste parágrafo: ‘Desse modo, as garantias constitucionais do devido processo legal convertem-se, de garantias exclusivas das partes, em garantias da jurisdição e transformam o procedimento em um processo jurisdicional de estrutura cooperatória, em que a garantia da imparcialidade da jurisdição brota da colaboração entre as partes e o juiz. A participação dos sujeitos no processo não possibilita apenas a cada qual aumentar as possibilidades de obter uma decisão favorável, mas significa cooperação no exercício da jurisdição. Para cima e para além das intenções egoísticas das partes, a estrutura dialética do processo existe para reverter em benefício da boa qualidade da prestação jurisdicional e da perfeita aderência da sentença à situação de direito material’" ( Comentários à Constituição do Brasil, 2º V., página 264 ).

Não obstante, a importância do princípio está mesmo na garantia que representa ao cidadão.

Inicialmente o fim deste princípio era a proteção individual, por meio de uma limitação imposta ao Poder, mas paulatinamente a ciência jurídica avançou e hoje se tem que se trata de uma verdadeira cláusula aberta, um princípio de alcance bastante amplo, de sorte que do mesmo defluem vários outros princípios que o Direito vai reconhecendo e positivando.

De um lado é um princípio extremo que torna ilegal atividades de certos ramos do governo. Por isso mesmo é que é a principal ferramenta para que o Poder Judiciário se manifeste no plano político, afastando-se daquela imagem de que é um Poder distante da realidade, dado que através do controle da legalidade e do Devido Processo Legal estará protegendo as bases da democracia, podendo impedir uma série de atos que não respeitem as garantias individuais e atentem contra aquilo que em geral se espera do Estado.

De outro não se restringe apenas à defesa da formalidade, mas também atinge a substância do direito que o Estado pretende limitar, dado que impede o mesmo de restringir o gozo do direito subjetivo de forma arbitrária ou desarrazoada.

Há situações em que o Estado deve privar alguém de sua liberdade ou de seus bens. O primeiro caso é o das infrações penais, o segundo o da desapropriação, da penhora para garantia de dívidas, entre outras. Não se impede que assim seja, apenas se exige que isso se dê de maneira tal que o cidadão possa apresentar sua defesa, apresentar fatos que mostrem que o Estado não tem esse direito.

No caso de o Estado querer fazer valer o seu jus puniendi, que é o seu direito de punir aqueles que manifestem conduta criminosa, só o poderá fazer por meio de um processo regular, em que o acusado da prática de um delito possa praticar sua defesa de forma plena. Seria impensável que uma pessoa tivesse de se valer da sua força para impedir que o Estado a levasse em correntes. De forma alguma, dado que é justamente contra isso que lutou-se por séculos, luta que culminou em revoluções e contra-ataques estatais violentos, com a morte de um sem número de pessoas, fato este que não pode ser olvidado, principalmente pelos que assumem o compromisso de defender a Constituição. Por isso é que se impôs o Princípio da Legalidade, por isso é que o Devido Processo Legal é a única maneira de privar o cidadão de sua liberdade ou propriedade legítima. No Estado Democrático de Direito a solução desse conflito há de ser obtida junto ao órgão que detém a função de dizer se tal ou qual conduta está ou não consoante com o Direito: o Poder Judiciário. Quando da infração penal, o Estado-Administração toma a iniciativa de punir o cidadão, mas isso só poderá ser levado a termo se o Poder Judiciário ( Estado-Juiz ) entender que é o caso de punição, do contrário qualquer restrição à liberdade é ilegal e, na maioria das vezes, imoral.

Apenas desta forma é que o Estado pode exigir que o interesse do autor da conduta supostamente punível em conservar sua liberdade se subordine ao seu, que é o de restringir o jus libertatis com a aplicação da pena.

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No que toca à propriedade, a defesa de tal direito é bastante grande, tanto que os abusos desse direito chegam a comprometer seriamente a estabilidade social. Todavia, é da maior importância que uma pessoa só seja privada de seus bens em após o Devido Processo Legal. É que sem isso o Estado poderia atacar o cidadão retirando-lhe bens de alta estima ou os que garantem sua subsistência por motivos mesquinhos, como uma perseguição política. As maneiras pelas quais uma pessoa possa perder o domínio e a posse de uma sua coisa só são válidas se estabelecidas em lei, o que é insuficiente, sempre devendo ser precedida a perda da coisa do Devido Processo Legal. Esse processo haverá de ser o processo civil, por óbvio, em que haverão de ser respeitados tantos outros princípios, inclusive alguns desdobramentos do Devido Processo Legal, como o contraditório e a ampla defesa, que aliás também estão positivados na Constituição.

O Devido Processo Legal também é uma garantia do indivíduo contra o Poder Judiciário. É que só será válida a decisão, condenatória absolutória, constitutiva, que for proferida após um processo válido e regular, na forma e no sentido da lei [23].

As leis só, como visto, são normas nascidas da vontade política, por meio de um corpo legislativo, o qual as edita após um trâmite interno. Este é o Devido Processo Legal. A sua natureza, neste aspecto, é constitucional, e suas regras e etapas também. Só poderia ser assim, dado que se fosse facultado à própria lei determinar o meio pelo qual nascem outras leis, estaria se abrindo um perigoso campo para a retomada da concentração de poderes na mão de uma só pessoa [24]. Neste pormenor o Devido Processo Legal é chamado de Processo Legislativo, que, no nosso Direito, encampa também o poder de fazer Emendas à Constituição, o que nos parece bastante lógico.

Por fim, é de se lembrar que atualmente o Devido Processo Legal vem sendo encarado em sociologia como uma forma de legitimação de atos e condutas, tanto políticas, como individuais [25].


1.4 RESERVA LEGAL

Outro princípio decorrente do Princípio da Legalidade é o da Reserva Legal.

Trata-se de um princípio de suma importância, especialmente no Direito Penal e no Direito Tributário, ramos em que assume sua forma extrema, a da tipicidade. Assim o é porquanto tais disciplinas sejam as que mais afetam a vida dos particulares, o primeiro por avançar sobre a liberdade, o segundo por atacar o patrimônio. Nestes casos o Princípio da Legalidade adquire toda uma rigidez para mais preservar as garantias individuais e limitar o poder do Estado sobre o cidadão. Uma acusação de crime ou uma tributação exagerada podem levar vidas à ruína, face a isto bem fácil é perceber porque a legalidade no Direito Penal e Tributário deve ser extrema.

Reserva de lei significa que determinadas matérias somente podem ser tratadas mediante lei, sendo vedado o uso de qualquer outra espécie normativa. Em outros termos, é uma questão de competência.

De parte as referências expressas constantes da Constituição é geralmente aceito que todo e qualquer ato que interfira com o direito de liberdade ou de propriedade das pessoas carece de lei prévia que o autorize. Vale dizer: somente a lei pode criar deveres e obrigações.

O princípio da reserva legal comporta, ainda, especificações que permitem identificar duas grandes categorias. De um lado esta Reserva Legal pode ser material ou formal e doutro pode ser absoluta ou relativa.

Haverá reserva de lei formal quando determinada matéria só possa ser tratada por ato emanado do Poder Legislativo, mediante adoção do Processo Legislativo. Cuida-se de uma situação em que a forma do ato é determinante da sua validade. A Constituição contempla, de outra parte, atos normativos que, embora não emanados diretamente do Poder Legislativo, têm força de lei, têm, pois, o condão de inovar na ordem jurídica. Dizem-se, assim, atos materialmente legislativos, gênero onde se situam, por exemplo, espécies normativas como as medidas provisórias e as leis delegadas. Nos casos em que se admite a regulação por tais atos, a reserva de lei será meramente material.

A Reserva Legal será absoluta sempre que se exija do legislador que esgote o tratamento da matéria no relato da norma, sem deixar espaço remanescente para a atuação discricionária dos agentes públicos que vão aplicá-la. Será relativa a reserva legal quando se admitir a atuação subjetiva integradora do aplicador da norma ao dar-lhe concreção. Neste caso o que se tem é que generalidade da lei impede sejam colocados todos os pormenores. "A reserva relativa de lei formal possibilita uma certa partilha de competência legislativa, para inovar o direito vigente, entre a lei e o regulamento. Se a reserva é absoluta, inexiste a partilha de competência, sendo a lei a única fonte, que se estrutura no Poder Legislativo, podendo legitimamente constituir direito novo" ( Yonne Dolacio de Oliveira, in Curso de Direito Tributário, Coordenação de Ives Gandra da Silva Martins, 5ª edição, Editora Cejup, página 144 ). Inquestionável que não é afeito à lei versar sobre minúcias e particularismos, até porque não há como o legislador os prever todos, por isso mesmo é que compete à administração esmiuçar o alcance da lei, de sorte que sua aplicação seja a mais perfeita possível dentro do interesse público.

Todo o caráter político do Princípio da Legalidade está presente no Princípio da Reserva Legal. Em verdade, este, dado que é uma forma radical daquele, serve como verdadeiro instrumento para assegurar todas as garantias visadas com o primeiro, é sua manifestação nas áreas do Direito em que a possibilidade de arbitrariedade são maiores, por isso natural que esta se dê de forma incisiva. Esta a relação entre Princípio da Legalidade e Princípio da Reserva Legal, além da de gênero e espécie: a instrumentalidade. "Neste dispositivo, contido no rol dos direitos individuais, encontra-se formulado o conceito de liberdade, de forma a mais ampla possível. Esta liberdade consiste, dum modo geral, no fato da atividade dos indivíduos não poder contar encontrar outro óbice além do contido na lei". ( Roque Antonio Carrazza, Princípios Constitucionais Tributários, Editora Revista dos Tribunais, página 94 ). "Com efeito, a legalidade é um princípio basilar do Estado de Direito, que se traduz não só na vedação da tributação sem lei, mas acima de tudo, constitui a segurança jurídica e social" ( Yoshiaki Ichihara, Direito tributário – Uma Introdução, Editora Atlas, página 33 ).

No Direito Tributário, um dos ramos em que o referido princípio se faz sentir onipresente, entende-se que apenas as situações descritas em lei são tributáveis. Nenhum tributo pode ser criado, aumentado, reduzido ou extinto sem que o seja por lei, "Daí Aliomar Baleeiro destacar que o tributo é ato de soberania do Estado na medida em que sua cobrança é autorizada pelo povo, através da representação" ( Maria de Fátima Ribeiro, in Comentários ao Código Tributário Nacional, Coordenação de Carlos Valder Nascimento, Editora Forense, página 198 ). "O princípio da legalidade é uma das mais importantes colunas sobre a qual se assenta o edifício do Direito Tributário" ( Roque Antonio Carrazza, Princípios Constitucionais Tributários, Editora Revista dos Tribunais, página 99 ). "As constituições, desde a independência americana, e a revolução francesa, o trazem expresso, firmando a regra secular de que o tributo só se pode decretar em lei, como ato da competência privativa dos parlamentos" ( Aliomar Baleeiro, Direito Tributário Brasileiro, 10ª edição, Editora Forense, página 79 ).

A Reserva Legal, em Direito Tributário, é encarada de forma bastante rígida pelos juristas, os quais vivem a repetir que somente à lei é dada a condição de fonte do direito. Isto precisa ser visto com ressalvas, dado que as outras fontes se aplicam ao Direito Tributário, muito embora jamais para criar ou aumentar tributos. "Como primeiro corolário do princípio da legalidade, do modo estruturado no nosso sistema constitucional, temos, primeiro, a exclusão das demais fontes de direito. Assim, não criam nem aumentam tributos: os usos e costumes; os ajustes particulares ( .. ); a decisão judicial ( .. ); e, ainda, a doutrina.." ( Yonne Dolacio de Oliveira, in Curso de Direito Tributário, Coordenação de Ives Gandra da Silva Martins, 5ª edição, Editora Cejup, página 143 ). "A vista de todo o exposto, o princípio da legalidade, no que pertine à instituição ou aumento de tributos, manifesta-se entre nós, como princípio da reserva absoluta da lei" ( Roque Antonio Carrazza, Princípios Constitucionais Tributários, Editora Revista dos Tribunais, página 100 ).

A lei deverá descrever todos os elementos fundamentais do fato, de sorte que não se confundam os tributos, constituindo assim um "tipo" tributário específico. Apenas os atos, fatos e situações tipificados em lei é que configuram os tributos. Não há lugar para a generalidade, para a incerteza, para a indeterminação, a Constituição exclui essa possibilidade. Por isto mesmo é que afirma que a Reserva de Lei, em Direito Tributário, é absoluta. "A reserva absoluta não prepondera na maior parte do direito. Todavia prevalece firmemente nas áreas em que há maior pressão dos valores certeza e segurança, como o Direito Penal, os modos de aquisição ou perda da propriedade no Direito Civil e, como bem afirma Pinheiro Xavier, no Direito Tributário, onde se nota a conversão do princípio da legalidade em reserva absoluta de lei com freqüência. ( .. ) No Brasil, a reserva é absoluta" ( Yonne Dolacio de Oliveira, in Curso de Direito Tributário, Coordenação de Ives Gandra da Silva Martins, 5ª edição, Editora Cejup, página 145 ).

A lei é o veículo próprio para a criação de tributos, majoração de alíquotas e estabelecimento de obrigações assessórias. Não só, é vedado atribuir a normas infralegais obrigações próprias da lei. "A lei ordinária é, inegavelmente, o item do processo legislativo mais apto a veicular preceitos relativos à regra-matriz dos tributos, assim no plano federal que no estadual e no municipal. E estabelecer um tributo eqüivale à descrição de um fato, declarando os critérios necessários e suficientes para o seu reconhecimento no nível da realidade objetiva, além de prescrever o comportamento obrigatório de um sujeito em face de outro sujeito, compondo o esquema de uma relação jurídica. Diríamos, em linguagem técnica, que criar um tributo corresponde a enunciar os critérios da hipótese – material, espacial e temporal – sobre determinar os critérios da conseqüência – subjetivo ( sujeito ativo e passivo da relação ) e quantitativo ( base de cálculo e alíquota ). Assinale-se que à lei instituidora é vedado deferir atribuições legais a normas de inferior hierarquia, devendo, ela mesma, desenhar a plenitude da regra-matriz da exação" ( Paulo de Barros Carvalho, Curso de Direito Tributário, Editora Saraiva, página 38 ).

Assevere-se ainda que no Direito Tributário a lei determina a interpretação literal em certas situações, o que ressalta bem o quão forte é a Reserva Legal. Este é o caso do artigo 111 do Código Tributário Nacional.

No nosso ordenamento a Reserva Legal é vista como uma limitação ao poder de tributar, o que está correto se entendermos que o próprio Princípio da Legalidade é uma limitação às atividades estatais. Desta feita, a Reserva de Lei significa que o Estado terá sua atividade tributária limitada àquilo que estiver previsto em lei, não havendo possibilidade de incremento dessa atividade senão por lei. "O princípio é uma limitação do poder de tributar, que reserva de modo exclusivo à lei escrita, proveniente do Legislativo, a criação ou majoração de tributos. Fato relevante é que essa limitação continue ligada à clássica separação dos poderes que alcançou grande repercussão através de Montesquieu, objetivando resguardar a liberdade do cidadão contribuinte contra concentração e desvio de poder" ( Yonne Dolacio de Oliveira, in Curso de Direito Tributário, Coordenação de Ives Gandra da Silva Martins, 5ª edição, Editora Cejup, página 141 ). De fato, através da tributação o Poder Executivo pode se fazer valer sobre os demais poderes, ainda mais se tiver a prerrogativa de criar ou majorar tributos, posto que com isso poderia se ver livre da prestação de contas e privilegiar este ou aquele em detrimento do interesse público, muito mais do que se vê hoje é o que queremos dizer.

Com efeito, a separação de poderes, em se cuidando de Direito Tributário, não conta com nenhuma têmpera. As concessões feitas, seja através do sistema de freios e contrapesos, seja através da delegação legislativa, em matéria tributária inexistem, aqui cada poder desempenha apenas sua função, sem interferência de outro [26]. "No Direito Tributário, sob o prisma da separação de poderes, a rigor inexiste interpenetração de poder. Esta ocorre de modo escasso. O judiciário, ainda que enfrente caso de lacuna legal, jamais cria ou aumenta tributo. O mesmo acontece com o executivo porque, no caso das medidas provisórias, bem assinala Uckmar, há controle do legislativo através da ratificação, pois, inexistente esta, tais medidas não subsistem. Por outro lado, regulamento e atos de normação secundária do executivo ( portarias, instruções normativas, atos declaratórios normativos, etc. ) não criam nem aumentam tributos. Finalmente, a decisão no processo administrativo está sempre sujeita ao reexame judicial" ( Yonne Dolacio de Oliveira, in Curso de Direito Tributário, Coordenação de Ives Gandra da Silva Martins, 5ª edição, Editora Cejup, página 142).

Mais ainda se faz forte a Reserva Legal no Direito Penal. Com efeito, é neste ramo do Direito que a legalidade há de ser suprema. É a letra da lei ou nada. Nem poderia ser diferente, dado que se trata de privar um cidadão da sua liberdade. Um Estado Democrático de Direito que se preze só pode mesmo chegar a esse ponto quando não reste dúvida alguma de que o sujeito realmente praticou um crime [27]. Para isso deve seguir o Devido Processo Legal e entender como crime apenas e tão somente aqueles fatos descritos em lei como tal, exatamente da maneira como foram descritos. Não havendo tipicidade, não se podendo enquadrar a conduta do cidadão no molde da lei penal, a conseqüência só pode ser a absolvição. O Princípio da Reserva Legal não permite a condenação por analogia ou por considerações de conveniência social. É que, por mais que a segurança pública peça, a condenação penal com base na analogia ou em situações de momento é muito mais prejudicial à sociedade que os crimes que possam a vir ser praticados por aqueles que se valem desta garantia, ainda que suas condutas sejam imorais. Lembremos aqui um Princípio de Direito Penal: É preferível um culpado solto a um inocente preso. É de se ver que se o Estado promover uma ação e se constatar desde logo que o fato não configura crime o juiz pode até mesmo rejeitar a denúncia, vale dizer, dar fim ao processo. Em razão disto a interpretação da lei penal há de sempre ser estrita, quase que gramatical, só se admitindo a analogia em benefício do acusado, haja vista que aí esta analogia estará apenas reforçando o próprio Princípio da Legalidade como a garantia que é contra atos do Estado. "O Direito Penal distingue-se, no quadro do direito positivo, pela importância dos bens jurídicos que tutela e pela gravidade da sua sanção. Tem por isso de revestir-se, mais que qualquer outro, de condições de certeza e precisão, que a lei em particular é que lhe pode assegurar. A fonte imediata do Direito Penal é a lei, a sua fonte formal, em que se fundamenta o seu sistema" ( Aníbal Bruno, Direito Penal, Tomo I, Editora Forense, página 201 ). "Modernamente, com o predomínio do direito escrito, adotado pela maioria dos estados, a lei penal escrita, elaborada e aprovada pelo Poder Legislativo constitui-se na fonte formal fundamental do Direito Penal" ( João José Leal, Curso de Direito Penal, Sergio Antonio Fabris Editor, página 79 ). "A fonte única do direito penal é a norma legal. Não há distinguir, em matéria penal, entre lei e direito" ( Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Tomo I, 4ª edição, Editora Forense, página 13 ).

Nos sistemas que adotam o Princípio da Legalidade, e são poucos os que não o fazem, só a lei é fonte de Direito Penal. No início a aplicação dessa regra foi exagerada, o que acabou por resultar em diversas injustiças e mesmo na utilização do Princípio contra o próprio cidadão. Com o tempo viu-se a necessidade de conceder ao juiz uma margem dentro da qual deveria aplicar a lei. "Nos desmandos que assinalavam outrora a repressão penal, em épocas em que o magistrado podia aplicar a lei quase sem nenhum controle, e as penas eram marcantemente cruéis, o arbítrio ligava-se à ausência de espírito humanitário. Entretanto, os costumes foram-se suavizando, e o consenso geral reclamou a moderação dos castigos. Enquanto permaneciam em vigor aquelas leis bárbaras antigas, os próprios magistrados foram sentindo a necessidade de atenuar-lhes a severidade, servindo-se dos seus ilimitados poderes. Se, por um lado, se mostrava eqüitativa a amenização de textos eivados de anacrônica implacabilidade, tal método prestava-se a intencionais desvios da atividade judicante, em prol dos mais favorecidos pela fortuna e pela posição social. Assim o princípio da legalidade dos delitos e das penas apareceu como uma conquista contra o arbítrio judicial em todas as suas manifestações" ( Basileu Garcia, Instituições de Direito Penal, 3ª edição, Editora Max Limonad, página 138 ).

A Reserva Legal no Direito Penal está implícita no conceito de tipicidade, o qual é bastante caro a esta disciplina. Em outras palavras, somente se terá um crime quando ocorrer um fato descrito em lei como tal. Tipicidade "é a correspondência exata, a adequação perfeita entre o fato natural, concreto, e a descrição contida na lei" ( Júlio Fabbrini Mirabete, Manual de Direito Penal, Parte Geral, 4ª edição, Editora Atlas, página 116 ). A palavra vem de tipo, o caracter metálico das rotativas das gráficas, pelo que se vislumbra bem o que se quer alcançar com este instituto. "Apenas na lei formal, podem as normas penais encontrar a sua obrigatoriedade e existência" ( José Frederico Marques, Curso de Direito Penal, V. I, Editora Saraiva, página 128 ). "Não há crime, nem contravenção, sem tipicidade, isto é, sem exata correspondência entre o fato e a definição legal" ( Roberto Lyra, Expressão Mais Simples do Direito Penal, Editora José Konfino, página 59 ).

Com exceção da norma penal em branco, a qual exige uma delimitação exterior, a reserva legal em matéria penal é absoluta, tal qual no Direito Tributário. "Só a lei em sentido formal pode descrever infrações e cominar penas e medidas de segurança" ( José Frederico Marques, Curso de Direito Penal, V. I, Editora Saraiva, página 128 ). "À norma penal incriminadora cabe definir prévia, objetiva e claramente, uma a uma, as condutas proibidas e sancionadas com uma pena. É uma decorrência do princípio da legalidade. Podemos dizer, sob este aspecto, é um catálogo de proibições sancionadas de forma específica" ( João José Leal, Curso de Direito Penal, Sergio Fabris Editor, página 187 ).

A história recente da América Latina, e a universal em geral, tem nos ensinado o quanto os delitos podem ser desculpa para perseguições políticas e para a impositura de regimes ditatoriais [28]. Neste sentido, a Reserva Legal e a tipicidade assumem a nítida função de limitar a atividade estatal, ainda que esta seja em prol da coletividade, como no caso da segurança pública. Não se pode dizer, de forma alguma, que isso está a proteger criminosos, não obstante seja verdade que muitos deles disso se beneficiem, mas em verdade trata-se da maior garantia que se vislumbra possível aos inocentes. Tanto é assim que a Revolução Francesa cuidou de erigir expressamente esta idéia. "Modernamente, a regra da reserva legal foi consagrada na Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada na França, em 1789. Em seu artigo 8º ficou estabelecido que ‘ninguém pode ser punido senão em virtude de lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada’" ( João José Leal, Curso de Direito Penal, Sergio Antonio Fabris Editor, página 81 ). "Antes de ser um critério jurídico-penal, o nullum crimen, nulla poena sine lege, é um princípio ( político-liberal ), pois representa um anteparo da liberdade individual em face da expansiva autoridade do Estado" ( Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Tomo I, 4ª edição, Editora Forense, página 14 ). "O Princípio da Legalidade ( ou de reserva legal ) tem um significado político, no sentido de ser uma garantia constitucional dos direitos do homem. ( .. ) À lei e somente a ela compete fixar as limitações que destacam a atividade criminosa da atividade legítima. Esta é a condição de segurança e liberdade individual" ( Damásio E. de Jesus, Direito Penal, V.1, 9ª edição, Editora Saraiva, página 55 ). "O princípio da legalidade( reserva legal ) está inscrito no artigo 1º do Código Penal: ‘Não há crime sem prévia lei que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal’. Representa ele, talvez, a mais importante conquista de índole política, constituindo norma básica do Direito Penal" ( Júlio Fabbrini Mirabete, Manual de Direito Penal, 4ª edição, Editora Atlas, página 58 ). "O rigor dessa limitação e a força dessas garantias estão no princípio que faz da lei penal a fonte exclusiva de declaração dos crimes e das penas, o princípio da absoluta legalidade do direito punitivo, que exige a anterioridade de uma lei penal, para que determinado fato, por ela definido e sancionado, seja julgado e punido como crime" ( Aníbal Bruno, Direito Penal, Tomo I, Editora Forense, página 206 ).

Desta forma, evidente que as garantias políticas visadas pelo Princípio da Legalidade, estão presentes na Reserva de Lei. No Direito Penal se diz que "A teoria da tipicidade lhe deu forma técnico-jurídica, de maneira a admitir como fato punível só a ação e evento enquadrável numa prévia definição pelo legislador, descrevendo as condutas delituosas" ( José Frederico Marques, Curso de Direito Penal, V. I, Editora Saraiva, página 133 ).

No Direito Administrativo a Reserva Legal não se impõe dessa forma. É que em verdade aos atos administrativos cumpre explicitar a norma legal, ou seja, eles se unem à lei naquelas matérias em que a reserva de Lei é relativa, para dar-lhes o devido alcance, de forma a instrumentalizar o alcance do interesse público visado. Mas há situações da Administração Pública que só podem ser tratadas por lei e de forma exclusiva, como por exemplo os planos de cargos e salários.

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Sobre o autor
Alexandre Rezende da Silva

advogado em Londrina (PR), especialista em Direito Empresarial

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Alexandre Rezende. Princípio da legalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3816. Acesso em: 5 nov. 2024.

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