1. INTRODUÇÃO
Em 2011, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) alterou a Súmula 331, principal norma que trata da terceirização no Brasil, passando a entender que o mero inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador não gera automaticamente a responsabilidade subsidiária da Administração Pública, tomadora dos serviços. A Administração somente poderá ser responsabilizada caso seja comprovada conduta culposa no cumprimento dos deveres previstos na Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos), especialmente no que se refere à fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora.
A Administração Pública é frequentemente demandada judicialmente, o que resulta no ajuizamento de milhares de ações, tornando-a uma das maiores devedoras perante o Poder Judiciário. Antes da alteração da súmula em questão, era comum que a Administração Pública fosse responsabilizada pelas dívidas trabalhistas, as quais, geralmente, são contraídas pelas empresas prestadoras de serviços. Isso ocorria por dois fatores principais: a ausência, em nosso ordenamento jurídico, de uma lei específica sobre o tema e o total despreparo da Administração Pública para fiscalizar seus contratos. A Lei nº 8.666, de 1993, está completamente ultrapassada e necessita urgentemente de revisão.
A terceirização na Administração Pública também deve ser repensada, pois a realização de determinado serviço por meio de terceirização não garante, necessariamente, maior eficiência. Muitas vezes, essa prática pode ser mais prejudicial do que benéfica.
Assim, ao optar pela terceirização de determinados serviços, essa decisão deve ser amplamente avaliada para evitar o risco de realizar uma terceirização ilícita de atividade-fim — conceito que será abordado ao longo deste artigo — e também para assegurar que a execução do serviço por meio de uma empresa privada seja, de fato, a alternativa mais vantajosa para o interesse público.
Portanto, neste artigo será discutida a nova redação da súmula, que tem o objetivo de minimizar a responsabilidade da Administração Pública perante o Poder Judiciário, restringindo-a apenas aos casos em que for comprovada sua culpa.
Não se pretende aqui esgotar o tema, até porque ele é vasto e complexo, mas será abordado de forma sucinta e sensata. O objetivo é lançar algumas reflexões críticas que possibilitem um amplo debate sobre a prática da terceirização na Administração Pública.
2. A Responsabilização da administração pública
2.1. A Administração Pública como tomadora de serviços
Primeiramente, cabe aqui conceituar, doutrinariamente, a Administração Pública. Maria Sylvia Zanella Di Pietro1 a define como "o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado".
Podemos, então, considerar que a função administrativa da Administração Pública é exercida pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como por aqueles que o Estado autoriza a atuar em seu nome, como ocorre com os permissionários e concessionários de serviços públicos.
Para que a Administração Pública possa funcionar, é necessário preencher seu quadro de pessoal.
O advogado Marcos Fey Probst2, em seu parecer, explica os regimes jurídicos que regem a relação dos agentes públicos com a Administração Pública. Segundo ele, os servidores públicos estão submetidos a um regime jurídico estatutário, estabelecido por lei em cada unidade da federação, e ocupam cargos públicos. Já os empregados públicos são contratados sob o regime da legislação trabalhista, ocupando empregos públicos.
Portanto, por força do art. 37, II, da Constituição Federal de 19883, a Administração Pública deve cumprir as formalidades impostas para a contratação de pessoal, estando limitada ao que a lei determina, e não ao que a lei não proíbe.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
Uma das formalidades que a Administração Pública precisa cumprir, é a obrigação de realização de Processo Licitatório, previsto na lei nº 8666/93, que trata sobre a contratação de obras e serviços, aplicável somente para a Administração Pública Direta, Indireta, federal, estadual, distrital e municipal. Para que ela possa terceirizar os seus serviços, é necessário realizar licitação pública para aquisição de serviços, pois não é contratação de pessoal, o que seria por meio de Concurso Público.
De tal modo, é o que leciona o autor Joel de Menezes Niebuhr4:
Entre as formalidades que medeiam o contrato administrativo, notadamente se destaca a obrigatoriedade de licitação pública, que é o procedimento prévio e condicional à sua celebração, por efeito do qual a Administração Pública escolhe a proposta e o proponente com qual irá contratar.
Assim, observa-se que o que não falta são regras para a Administração Pública tenha que cumprir. Todas essas formalidades existem para dois fins: A proteção dos cidadãos e da própria Administração Pública.
Este é o entendimento de Gilmar Ferreira Mendes5 sobre o assunto:
Não se olvide, contudo, que as normas constitucionais da Administração Pública, embora apoiadas na ideia de res púbica, não podem agredir os direitos fundamentais que protegem o cidadão contra posturas estatais que atentem contra o núcleo essencial de outros diretos constitucionalmente previstos.
Fazendo uma ponte entre a terceirização de serviços da Administração Pública para a iniciativa privada com o princípio da eficiência, que é um dos previstos na Constituição Federal e que deve observado, é que o referido princípio não trás somente que o cidadão possui o direito à prestação de serviços públicos, mas também que esse serviço seja feito de maneira satisfatória, célere e efetiva.
2.2. O Direito do Trabalho e a Responsabilização da Administração Pública
A terceirização já é realidade na área Pública e Privada, que visam nela à melhora de sua produtividade.
A contratação de serviços terceirizados deve dar-se pelos meios lícitos. As terceirizações são admitidas somente para as atividades meio da Administração Pública. No setor privado segue o mesmo critério, e estando fora disso a sua terceirização é considerada ilícita.
Flávio Amaral6 disserta de forma muito lúcida a terceirização na atividade-meio:
A Jurisprudência administrativa dos Tribunais de Contas, em especial do Egrégio Tribunal de Contas de União, também absorveu esse critério e orienta a Administração Pública Federal no sentido de somente admitir as terceirizações nos estritos limites de sua atividades-meio.
O critério encontra-se arraigado não apenas entre os operadores de direito. Basta constatar que o conceito de terceirização nos dicionários já leva em conta a sua admissibilidade apenas para as atividades-meio.
Segundo o mesmo autor, os critérios atuais estabelecidos já não correspondem mais a classificação de atividade meio e atividade fim. Atualmente a Administração Pública acaba por terceirizar diversos serviços que não se enquadram em nada que possa ser considerado como ilícito e licito.
Assim, ele7 escreve que
As concessões comuns de serviços públicos, as concessões patrocinadas e administrativas, os contratos de gestão e os termos de parceria celebrados no âmbito do terceiro setor são exemplos típicos de ajustes nos quais o Estado delega atividades finalísticas, sem que esse critério seja cogitado como impeditivo.
O professor Calvet8, ao ministrar sua aula, procurou elucidar um pouco mais sobre a matéria, apresentando três posições interpretativas sobre a ilicitude na hora de contratar serviços terceirizados, sob a visão de Maurício Godinho Delgado:
1. Como a terceirização ilícita praticada por entidades estatais não gera vínculo empregatício, ela tampouco tem aptidão para produzir qualquer diferença justrabalhista em benefício do trabalhador ilicitamente terceirizado.
2. A prática ilícita não pode beneficiar aquele que já foi por ela economicamente favorecido, devendo-se conferir validade ao vínculo jurídico com o ente estatal tomador dos serviços, que assume, em consequência, a posição a posição do empregador desde o início da relação socioeconômica verificada.
3. Deve-se garantir a observância da isonomia (art. 5º, caput, e inc. I, e art. 7º, XXXII, da CRFB) no núcleo da relação jurídica trabalhista pactuada. Assim, para afastar os efeitos antijurídicos da terceirização ilícita, suporia assegurar-se ao trabalhador terceirizado todas as verbas trabalhistas legais e normativas aplicáveis ao empregado estatal direto que cumprisse a mesma função no ente estatal tomador de serviços, sem, contudo, retificação de CTPS quanto à entidade empregadora formal. Nesta hipótese, o empregador formal responderia em primeiro plano pelas verbas derivadas da isonomia e comunicação remuneratórias, subsidiariamente, por tais verbas.
Pelo acima exposto, se for constatado a ilicitude na terceirização, poderá o terceirizado requerer o mesmo salário de empregado da tomadora de serviços, se verificada a igualdade de funções.
Podemos perceber que o próprio Tribunal Superior do Trabalho possui divergências Jurisprudenciais sobre o assunto. Em sua Súmula 363 do TST9, afirma que aquele trabalhador que tiver seu contrato de trabalho declarado nulo, por não ter sido aprovado por concurso público, terá direito apenas a receber o pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS:
CONTRATO NULO. EFEITOS (nova redação) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.
Porém, o próprio Tribunal, em sua Orientação Jurisprudencial nº 38310, afirma que existe isonomia salarial, e garante ao terceirizado contratado de forma ilícita as mesmas verbas pagas ao servidor público que desempenhe a mesma atividade:
383. TERCEIRIZAÇÃO. EMPREGADOS DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS E DA TOMADORA. ISONOMIA. ART. 12, “A”, DA LEI Nº 6.019, DE 03.01.1974.
A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com ente da Administração Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Aplicação analógica do art. 12, “a”, da Lei nº 6.019, de 03.01.1974.
Entende a doutrina pela não aplicação da súmula 363 do TST nas situações de terceirização Ilícita nos casos da Administração Pública, pois os funcionários terceirizados ilicitamente, não foram contratados diretamente por ela, e sim, por uma empresa interposta. Portanto, não seria o caso de contratação de servidor sem concurso público, mas de contrato de terceirização nulo. Portanto, se aplicaria a OJ 383 do TST, para assim garantir ao trabalhador terceirizado com pessoalidade e subordinação remuneração equivalente ao servidor público que ocupar a mesma função, caso seja entendido desta maneira.
Mas o mesmo não se aplicaria, por exemplo, quando a Administração Pública não celebrar propriamente um contrato de terceirização, e sim cometeu à pessoa jurídica, por meio de convênio, serviço típico da atuação estatal, o que continuaria, assim, a existir o conflito jurisprudencial.
Em recente notícia11 publicada no seu site, o STF informou sobre o ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5272, com pedido de medida liminar, pela Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social (ANMP), a fim de se questionar parte dos artigos 1º e 2º da Medida Provisória (MP) 664/2014, que modificou normas sobre a contratação de médicos terceirizados e empresas conveniadas para exercerem perícia médica da Previdência Social. A ação ainda está tramitando, e o STF, mais uma vez, terá que se manifestar sobre o tema.
Considerando o que foi visto até aqui, ainda continuamos a nos questionar sobre de que critérios a Administração Pública poderia se valer para decidir pela aplicação ou não da terceirização.
3. A Terceirização no brasil
3.1. Fenômeno da terceirização no Brasil
A CUT12 divulgou dados que apontam a existência, em 2013, de 12,7 milhões de terceirizados no País, o que corresponde a 26,8% do mercado formal de trabalho. O número, segundo o estudo, pode ser maior porque parte considerável desses trabalhadores pode estar na informalidade.
Mas o que seria, afinal, a terceirização para o Direito do Trabalho?
Quem nos apresenta um conceito doutrinário sobre o assunto é Maurício Godinho Delgado13, afirmando que
Para o direito do trabalho, terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno, insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente.
A terceirização no setor privado surgiu após a segunda Guerra Mundial, onde as empresas começavam a visar lucros e reduzir custos, aumentando a produtividade e se preocupando apenas com o seu produto final. No Brasil ela ainda é relativamente nova, veio com as instalações das primeiras multinacionais no País.
Visualizando as vantagens obtidas pelo setor privado, surgiu a terceirização na Administração Pública a partir da edição do Decreto-Lei nº 200/1967. Ela veio da necessidade da Administração Pública de se reestruturar e adequar o seu tamanho e sua própria função, a fim de que pudesse prestar serviços de melhor qualidade nas áreas essenciais.
O referido Decreto-Lei possui um rol exemplificativo, o que por sua vez acaba permitindo que a Administração Pública cada vez mais tenha se utilizado de contratação de serviços nas mais diversas áreas, como fornecimento de refeições, limpeza e vigilância, impressão gráfica, transporte, entre outros, sem que se tenha uma fiscalização sobre o mesmo.
Mas a terceirização na Administração Pública não trouxe somente benefícios, mas também a responsabilidade pelo inadimplemento das empresas pelas verbas trabalhistas.
O autor André Luiz Paes de Almeida14, ao citar as palavras de Dárcio Guimarães, discorre sobre os problemas existentes sobre a terceirização nos dias atuais em nosso País:
Inegavelmente, a terceirização é hoje um fenômeno amplamente utilizado pelas empresas. Cabe aos juristas a apuração de contratações ilícitas e coibir as fraudes. Seria conveniente a existência de legislação específica sobre a matéria, de forma a acabar com as divergências ainda reinantes. Cabe, ainda, aos sindicatos a fiscalização de contratação efetuada, buscando-se, assim, o respeito aos direitos trabalhistas.
Dárcio Guimarães ainda alerta quanto a escolha da empresa prestadora de serviços.
A escolha da empresa locadora a meu sentir, se caracteriza como problemática. Indubitavelmente sua inidoneidade econômica surge ao ensejo de inúmeras reclamações trabalhistas contra ambas as empresas e na esteira da jurisprudência aqui dissecada. Por outro lado, ela traz economia, alegando o empresário que, a todas as luzes, merece auferir lucro no escopo de melhorar e expandir sua atividade gerando mais empregos e colocando a preços acessíveis com produto no mercado, onde a disputa se caracteriza pela livre concorrência, lei implacável com os empresários frágeis e desmotivados.
Conclui sua visão sobre o assunto afirmando que cada empregador deve avaliar quais serão as vantagens e desvantagens da terceirização. Ele cita também sobre a quarteirização, fruto de criação do nosso País, que significa quando a gerencia de terceirizados passa a ser de uma quarta empresa. Na sua concepção, se torna algo desvantajoso. Considera o avanço da terceirização algo incontestável e universal, e que nada vai impedir seu crescimento, ainda mais respaldado pela jurisprudência do TST, e que nós, os Brasileiros, não podemos deixar de discutir a matéria.
Uma das grandes dificuldades da terceirização no Brasil é a falta de legislação para regulamentar a matéria, bem como o desconhecimento por grande parte da população sobre o assunto. Em uma pesquisa acadêmica15 realizada, boa parte dos fiscais dos contratos administrativos, relataram que conhecem a legislação que trata da contratação de serviços terceirizados pela Administração Pública,mas 40% ainda conhecem muito pouco ou apresentam alguma deficiência. Considerando a constatação do item anterior, percebe-se que mesmo estando na função de fiscal, alguns servidores ainda carecem de conhecimento acerca da legislação.
Complementa o resultado da pesquisa as palavras dos professores Henrique Correa e Elisson Miessa Santos16:
Não há, na legislação brasileira, regra específica que regulamente a terceirização cujos parâmetros se encontram na súmula 331 do TST. A falta de regulamentação específica tem ocasionado insegurança jurídica, gerando decisões conflitantes no tocante a quais atividades podem ser terceirizadas.
A adequação na legislação brasileira da terceirização é o que permitirá atribuir a verdadeira eficácia social, dando efetividade ao princípio do ser coletivo obreiro, conceito este dado por Maurício Godinho Delgado17 para caracterizar as organizações coletivas da classe trabalhadora, a qual se enquadram trabalhadores terceirizados, que também merecem a referida adequação social.
Adaptar o quadro atual dos trabalhadores terceirizados, considerada uma grande parcela de trabalhadores do nosso País, certamente contribuirá como meio de compatibilizar o serviço terceirizado no tocante à utilização deste tipo de serviço para que se possa atender às principais regras e princípios do Direito do Trabalho.
Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 4.330/200418, de autoria do Deputado Sandro Mabel. Este projeto permite a terceirização em todas as atividades empresariais, e está prevista na agenda política de 2015, para votação pelo Plenário da Câmara dos Deputados, existindo grande possibilidade de aprovação.
Prevê o projeto, conforme descrito na sua justificação, que o objeto da contratação deverá ser especificado. Ele amplia de forma considerável as atividades passiveis de terceirização. Prevê também a responsabilidade subsidiária do contratante, e quanto a responsabilidade da Administração Pública, ele remete a Lei de licitações.
Este projeto merece ser muito bem estudado e revisto, para não acabar permitindo a precarização da relação de trabalho, pois a ampla terceirização se tornará muito prejudicial.
Enquanto ainda não se tem um estudo aprofundando sobre o projeto, continuamos a estudar como ainda é visto a terceirização com a legislação presente no País.
3.2. A terceirização na Administração Pública e a culpa perante a Lei nº 8666/93
O governador do Distrito Federal ajuizou em 2007 uma Ação Direta de Constitucionalidade nº 16, para que o Supremo Tribunal Federal declarasse a constitucionalidade do artigo n° 71 da Lei nº 8666/9319.
Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1º. A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
Afirmou que a redação da Súmula nº 331 do TST estava em desacordo com a redação do art. 71. da lei de licitações, e devido a isso o referido artigo vinha sofrendo ampla retaliação dos órgãos do Poder Judiciário.
A partir da decisão do STF, concluída em 2011, passou a ser afastada a responsabilidade objetiva da Administração Pública, caindo a sua responsabilidade para o caso concreto, o evento fático e probatório no conjunto do ônus da prova, dos fatos, do nexo causal, da culpa, do dano e sua extensão. Em resumo, deixou a cargo das partes e do Juiz cuidar das provas da efetiva responsabilidade da Administração Pública.
Em seu artigo, Andrea20 procura expor as possibilidades de condenação da Administração Pública frente a definição do TST:
Restou, então, definido que o TST não poderá generalizar os casos, devendo analisá-los de forma individualizada, um a um, a inadimplência dos direitos trabalhistas dos prestadores de serviço contratados pelos fornecedores de mão de obra teve como causa principal a inexecução culposa ou a omissão culposa na fiscalização do cumprimento das obrigações no contrato de licitação, pelo órgão da Administração Pública contraente, devendo o conteúdo da norma ser revelado pela interação entre o texto normativo e as circunstâncias do caso concreto.
Assim, verifica-se que a decisão do Tribunal Superior que declarou a constitucionalidade do artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8666/93, não impede a condenação da responsabilidade da Administração Pública na terceirização, no caso concreto, desde que haja circunstâncias e provas suficientes da omissão do ente público em face da fiscalização da empresa contratada, visando resguardar a premissa maior dos princípios da dignidade da pessoa humana e valor social do trabalho estampado no artigo 1º, III e IV, da Constituição Federal, sendo plenamente compatível com a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADC nº 16-DF.
Dada a relevância da matéria, cita-se a decisão proferida pelo Ministro Ayres Brito21, na Reclamação ajuizada pelo Procurador Geral do Estado de Goias:
Pois bem, qual o efeito da decisão desta nossa Corte na ADC 16? Resposta: vedar a automática transferência à Administração Pública das obrigações trabalhistas, fiscais e comerciais do contratado, bem como a responsabilidade por seu pagamento. Noutras palavras, o que está proibido por lei – lei declarada constitucional por este STF, com eficácia erga omnes e efeito vinculante – é tornar a responsabilidade subsidiária do Poder Público uma consequência imediata do inadimplemento pela empresa, pela empresa contratada, de suas obrigações trabalhistas. O que não impede a Justiça do Trabalho, na específica análise do caso concreto, de reconhecer a responsabilidade subjetiva (por culpa) da Administração.
O caminho que se iniciou pelo Decreto-Lei nº 200/1967 parece que ainda está longe de ser concluído. Os serviços de terceirização parece ganhar cada vez mais espaço no setor público, pois ela ainda consegue manter as contas públicas estável, devido ao seu baixo custo. A responsabilidade subsidiária da Administração Pública, quem sabe, servirá como um último recurso para a prevenção da completa precarização dos trabalhadores terceirizados.
Os Procuradores do Trabalho e professores Henrique Correa e Elisson Miessa Santos 22, ao relatar a decisão, expõe que:
Em recente decisão do Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Constitucionalidade nº 16, o STF reconheceu a constitucionalidade do art. 71. da Lei de Licitações. Os fundamentos dos defensores da tese de que o Estado não tem responsabilidade trabalhista consiste em: a) o processo licitatório afasta a culpa do Estado; b) a responsabilidade subsidiaria representaria um duplo pagamento pelos encargos trabalhista, um vez que o Poder Público já havia pago pelos serviços prestados; c) a Administração segue o principio da legalidade, respeita o art. 71. da Leis de Licitações.
Muito se espera com essa Decisão, principalmente na hora de escolher as empresas a serem contratadas. A premiada reportagem, denominada como “A terceirização que mata”23, foi apurado que dos 133 mortos a serviço da Petrobras de 98 a 2003, 102 eram funcionários terceirizados. A mesma reportagem ainda constatou que o mesmo período, morreram 217 trabalhadores em acidentes no setor elétrico. Nas siderúrgicas, dos 83 mortos, 50 eram terceirizados. E na telefonia, foram 49 mortos. Foi concluído que, em comum entre os setores, a privatização e o forte corte de pessoal, suprido em seguida pelos terceirizados foram os principais fatores que chegaram a estes números assombrosos.
Enquanto cobriam a reportagem, as repórteres constataram que a própria Petrobras contingenciava uma verba considerável em seu orçamento para fazer frente a processos trabalhistas de trabalhadores terceirizados. Também se noticiou a comprovação de que os terceirizados, em geral, recebiam pouco treinamento, faltavam-lhes equipamentos de proteção individual nas empresas e os operários eram submetidos a jornadas exaustivas de trabalho.
Com a recente decisão, acredita-se que a Administração Pública vai passar a adotar maiores precauções tanto quanto na escolha da empresa a ser contratada, quanto na fiscalização dos contratos firmados, a fim de evitar suas condenações em ações trabalhistas causadas por empresas fraudulentas, bem como que sejam respeitados os princípios constitucionais que visam assegurar a dignidade da vida humana dos trabalhadores que tiveram seus direitos violados.