PL 4.330 (terceirização) e os efeitos nas contratações realizadas pelos entes públicos

16/04/2015 às 10:51
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Apesar de a terceirização no âmbito privado merecer a devida ingerência, tal instituto, quando envolver entes públicos, deverá estar voltado para o interesse da coletividade, resguardando as normas legislativas já postas.

Deveras polêmico, o PL 4330 tem recebido por parte de seus envolvidos calorosos debates, inferindo-se, em um primeiro momento, que o projeto deva receber a sanção na sua integralidade ou o devido veto em todos os seus termos. Sendo a primeira opção que se visualiza, há necessidade de analisar seus efeitos e aplicabilidades, considerando as normas até então vigentes, dando-se um enfoque até então pouco debatido, qual seja, quando o contratante é o ente público. Para melhor compreensão, vazemos o conceito de terceirização.

Para Sérgio Pinto Martins[1]:

A terceirização é um fenômeno que se apresenta com maior ou menor intensidade em quase todos os países. Num mundo que tende para a especialização em todas as áreas, gera a terceirização novos empregos e novas empresas, desverticalizando-as, para que possam exercer apenas as atividades em que se aprimoram, delegando a terceiros a execução dos serviços em que não se especializaram.

No âmbito da iniciativa privada, o instituto da terceirização, segundo Leiria & Saratt[2] “surgiu nos Estados Unidos antes da Segunda Guerra Mundial e consolidou-se como técnica de administração empresarial a partir da década de 50 com o desenvolvimento acelerado da indústria”. Já no Brasil o instituto, segundo Carlos Alberto Queiroz[3]foi gradativamente implantada com a vinda das primeiras empresas multinacionais, principalmente as automobilísticas no início da década de 80”.

A instrução normativa nº 3 de 1997 preceitua em seu art. 2º que a empresa que presta serviços a terceiros é:

Pessoa jurídica de direito privado, de natureza comercial, legalmente constituída, que se destina a realizar determinado e específico serviço a outra empresa fora do âmbito das atividades-fins e normais para que se constituiu esta última.

Sendo que se considera contratante “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que celebrar contrato com empresas de prestação de serviços a terceiros”.

Já o Projeto de lei em comento que dispõe sobre o contrato de prestação de serviço a terceiros e as relações de trabalho dele decorrentes, trata de descrever as pessoas envolvidas na relação de trabalho. Segundo consta do Art. 2º “Empresa prestadora de serviços a terceiros é a sociedade empresária destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos. No que toca ao contratante este seria pessoa física ou jurídica que celebra contrato de prestação de serviços determinados e específicos com empresa prestadora de serviços a terceiros (art. 4).

Na essência, segundo a pré-norma, a empresa prestadora de serviços contrata e remunera o trabalho realizado por seus empregados, ou subcontrata outra empresa para realização desses serviços, inexistindo vínculo empregatício entre a empresa contratante e os trabalhadores ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, sendo que o contrato de prestação de serviços pode versar sobre o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares à atividade econômica da contratante. Parasse aí o texto, teríamos já a sua essência e sua razão de ser: inexistir vínculo empregatício entre quem contrata e os empregados dos contratados, estendendo-se a sua abrangência para as atividades-fins.

Sob o ponto de vista da relação entre particulares, em especial dos trabalhadores, não há dúvida de que a proposição avilta os direitos trabalhistas, na medida em que a precariza e, em alguns casos torna-a inexiste. Contudo, sob o enfoque do Direito Público, poderá por feios a uma prática reiterada pelos Tribuansi quando o contratação ocorrer por ente público, qual seja, a sua responsabilização ilimitada pelas verbas não satisfeitas pela empresa contratada. Na prática, o ente contratante paga e empresa contratada e, posteriormente, acaba por arcar com as verbas rescisórias dos empregados contratados. Tal medida, além de não atender ao interesse público, marginaliza as normas até então já postas.

Conforme preleciona o artigo 71 caput e §1º da Lei 8.666/93 (sem grifos no original):

“Art. 71 - O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato.

§ 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis”.

Contudo, apesar da clareza do normativo, inúmeras são as decisões conflitantes sobre o tema no Judiciário brasileiro. De um lado, em minoria, vão no sentido de que o artigo supra apenas responsabiliza a empresa contratada pela Administração, pelos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, de maneira que o poder público estaria isento de qualquer responsabilidade, tudo em conformidade com a lei.

De outro, oriundo de um ponto de vista alternativo, inúmeros magistrados começaram a imputar responsabilidade subsidiária aos entes públicos no que toca ao pagamento de obrigações oriundas da Justiça do Trabalho.

Seduzido pela segunda ideia, o Tribunal Superior do Trabalho fez editar o enunciado nº 331 (inciso IV) do qual se extrai que:

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei ° 6.019, de 3-1-74);

II - A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com o órgão da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II da Constituição da República);

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n°7.102, de 20-06-83) de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade- meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).

Referido enunciado teve por base o Decreto-Lei n°200/67, art.10, §7º; Lei n°5.645/70, art.3º, parágrafo único; Leis n°6.019/74 e 7.102/83; Constituição de 1988, art. 37, inciso II, tendo como precedente os arrestos abaixo:

“Contrato de prestação de serviços – Legalidade. Salvo os casos de trabalho temporário e de serviços de vigilância, previstos na Lei n° 6.019, de 3-1-74 e 7.102 de 2-6-83, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços” ( Enunciado 256 do TST)” (Ac. SDI n° 2.333/993, Proc. E-RR 0211/90.6, j. 10-8-936, Rel. Min. Cnéa Moreira, DJ 3-9-93)”.

“Locação de mão de obra  - Enunciado 256/TST. A sociedade de Economia Mista, no caso a Companhia Energética do Ceará, pode, amparada pelo art. 10 § 7º, do Decreto-lei n° 200/67, realizar contratos de locação de serviços de serviços. O enunciado veio para evitar a ocorrência de fraudes e não para impedir contratos legais. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido para excluir da condenação o reconhecimento do vínculo empregatício, mantendo-se a solidariedade” (Ac. 1ª T. 3.308/92, Proc. RR 44.058/92.6, j. 28-10-92, Rel. Min. Afonso Celso, DJ 4-12-92)”.

“Não se há que falar na aplicação do enunciado 256, do TST, especialmente pela ausência de fraude, já que tanto a contratação do obreiro quanto a celebração do convênio estão dentro dos parâmetros legais. Revista conhecida e provida, para julgar improcedente o pedido (Ac. 1ª T. 2.340/93,Proc. RR 62.835/92.0,j. 19-8-93, Rel. Min. Ursulino Santos, DJ 1-10-93)”

Da mesma forma, alguns Tribunais Regionais do Trabalho seguiram na mesma linha, editando suas próprias súmulas, in verbis:

SÚMULA Nº 1, TRT1: “COOPERATIVA - FRAUDE - VÍNCULO DE EMPREGO - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Quando arregimenta, de forma fraudulenta, associados para prestar serviços a terceiros, a cooperativa distancia-se de seu escopo, transmutando a relação jurídica mantida com o pseudocooperado em autêntico contrato de emprego, implicando a responsabilidade subsidiária da Administração Pública, beneficiária direta pela prestação laboral do trabalhador, ainda que a contratação haja ocorrido com base na Lei de Licitações.

Súmula nº 11 – TRT4ª Região – “RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA. CONTRADOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEI 8.666/93. A norma do art. 71, § 1º da Lei 8.666/93 não afasta a responsabilidade subsidiária das entidades da administração pública, direta e indireta, tomadora de serviços.”

Consoante se extrai da “norma judiciária”, no caso de não satisfação dos créditos trabalhistas pelo empregador, fica autorizada a responsabilização, de forma subsidiária, dos entes públicos, tendo em conta que este se valeu do serviço prestado. Da mesma forma, a responsabilidade é estendida aos entes da administração indireta (autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista).

 Assentado o texto normativo expressado pelo Poder Legislativo, assim como a “lei” expedida pelo Poder Judiciário, põe-se à calva a divergência entre a aplicabilidade ou não do norma constante da Lei das Licitações.

Conforme consignado pela lei, aquele que for, mediante o devido processo licitatório, contratado pelos entes públicos deve arcar com os ônus trabalhistas, fiscais e comerciais, levando-se em conta o risco do negócio. Assente-se que tal irresponsabilidade do ente público ganha contornos absolutos, levando-se em conta que o próprio §2º do artigo 71 da lei das licitações, determina que o ente público será responsabilizado, solidariamente, com a parte contratada no tocante às obrigações previdenciárias. Assim, na medida em que o legislador ordinário fez constar tal ressalva, quis, indiretamente, evitar qualquer responsabilização nas demais obrigações.

Não se torna estéril assentar que a preceito que regulamentou o processo licitatório buscou opor freios às mazelas produzidas, especialmente, pelo Poder Executivo atinentes aos seus gastos com contratações. Logo, tal desregramento não pode ser ampliado com decisões que acabam condenando o ente público a despesas que não estavam em suas diretivas, nem encontram previsão legal. É de todo irracional exigir que haja dotação orçamentária para algo que sequer esteja lançado como despesa.

O ente público está obrigado a fiscalizar a prestação do serviço. Assim é que na Seção IV, da Lei 8.666/93 no tocante a Execução dos Contratos, vem prescrito que:

Art. 66.  O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, respondendo cada uma pelas conseqüências de sua inexecução total ou parcial.

Art. 67.  A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.

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§ 1o  O representante da Administração anotará em registro próprio todas as ocorrências relacionadas com a execução do contrato, determinando o que for necessário à regularização das faltas ou defeitos observados.

§ 2o  As decisões e providências que ultrapassarem a competência do representante deverão ser solicitadas a seus superiores em tempo hábil para a adoção das medidas convenientes.

É evidente que o Poder Público deve tomar as precauções no tocante à fiscalização dos serviços. Contudo, adotados todos os cuidados necessários, não pode vir a ser responsabilizado por valores que a própria lei não os atribui. Nesse caso, o ente público não deu azo ao fato, não sendo de sua responsabilidade qualquer dano eventualmente direcionada à parte Reclamante.

Não se pode coadunar com decisões simplistas e expedidas em “regime fordista” para condenar, subsidiariamente, o ente público e sua administração indireta, sob pena de ver abrigado em nosso regime a teoria do risco integral, regime este odioso no tocante à penalização. Nesse caso, passa a instituição Estado a ser uma seguradora universal, de todo e qualquer ato que gere lesão a outrem. Por certo não é esse o seu papel.

De forma direta, resta evidente que o inciso IV do enunciado 331 do TST agride o artigo 37, §6º da Carta Magna tendo em conta que, apesar de haver responsabilidade objetiva do Estado, há excludentes que afastam a sua responsabilidade. Nesse particular vêm a calhar os apontamentos feitos pelo ministro Gilmar Mendes[4] para quem “alguns de nossos juristas e magistrados têm-se servido de um conceito amplíssimo de responsabilidade objetiva, levando às raias do esoterismo a exegese para a definição de nexo causal”. Nesse caso, tendo o ente público celebrado contrato, e após tal ato, procedido à devida fiscalização, não há que se falar em responsabilidade por eventuais créditos tributários.

É de se acrescer que as decisões que condenam o Estado, ainda que de forma subsidiária, apenas tangenciam a análise da culpa. Dificilmente, efetuando um levantamento jurisprudencial, encontrar-se-ão julgados que apreciem se o ente estatal diligenciou na execução do contrato.

No mais das vezes apenas limitam-se a assentar que houve culpa em in eligendo e in vigilando, sem, contudo apontar onde houve erro na eleição do contratado, nem indicar onde faltou vigilância. Repise-se: atualmente estamos frente a um Judiciário que produz decisões em escalas. São seduzidos por teses que fogem à análise da culpa. Teorias que visam suprir tais averiguações como a da responsabilidade objetiva, culpa in eligendo e in vigilando ganham espaços no âmbito jurídico.   

A comprovar o assentado, seguem os arrestos:

EMENTA: TERCEIRIZAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA TOMADORA DOS SERVIÇOS. Se o ente público contrata com empresa prestadora de serviços economicamente inidônea, causando prejuízos ao trabalhador, deve ser condenado subsidiariamente pelo pagamento do débito trabalhista, por sua culpa in eligendo e in vigilando. Aplicação do entendimento jurisprudencial constante na Súmula nº 331, item IV, do TST. Recurso ordinário interposto pelo reclamado Estado a que se nega provimento (TRT da 4ª Região, Recurso Ordinário 0256500-37.2008.5.040018”.

No tocante ao erro na eleição do contratado (in eligendo) e do erro na vigilância (in vigilando), parece desconhecer a justiça especializada que o princípio da legalidade (artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal) determina que os indivíduos devem se subjugar às exceções da lei, não podendo o contratante tomar medidas que não encontrem amparo legal.

Desse modo, as condições para participar de processo licitatório somente podem ser aquelas expressamente exigidas em lei. Na mesma senda, os requisitos à contratação com o ente público depreende-se na norma, tudo para que reste respeitado os princípios da legalidade e da impessoalidade.

Sobre o tema, preciosas as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello[5], para quem “a indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses qualificados como próprios da coletividade - internos ao setor público -, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis”.

Assim, valendo-se da máxima de que não comporta ao ente administrativo atuar da maneira como melhor lhe aprouver, não pode ser exigido do contratado nada além do que consta em lei. Nesse particular as palavras de Seabra Fagundes[6] para quem “Administrar é aplicar a lei de ofício”, sendo avalizado por Bandeira de Mello[7], segundo o qual

o princípio da legalidade é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá identidade própria. Por isso mesmo é o princípio basilar do regime jurídico-administrativo, já que o direito administrativo nasce com o estado de direito: é conseqüência da dele. É, em suma: a consagração da idéia de que a administração pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, em conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal.

Inviável, portanto, que o poder público se desvie de tais premissas. Há uma trilha previamente percorrida e sobre a qual não comporta afastamento. Os requisitos, quando da lavratura do contrato de prestação de serviço, já estão previamente assentados no sistema legislativo.

A título exemplificativo, no que atine à habilitação dos interessados, em participar de processo licitatório, a própria lei faz constar que (art. 27)[8]:

Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a: I - habilitação jurídica; II - qualificação técnica; III - qualificação econômico-financeira; IV - regularidade fiscal. V – cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal.

Na mesma linha o art. 30 da mesma norma:

Art. 30.  A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a: I - registro ou inscrição na entidade profissional competente; II - comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos; III - comprovação, fornecida pelo órgão licitante, de que recebeu os documentos, e, quando exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação; IV - prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso.

Dos preceitos sob análise, fez o legislador a ressalva que, exclusivamente e somente poderão ser exigidos tais documentos (art. 27), acrescentando-se ainda que a documentação relativa a qualificação técnica limitar-se-á àquelas arrolados (art. 30).

A fim de evitar qualquer interpretação diversa, teve o legislador a preocupação de espancar eventual interpretação quanto a ser o rol acima elencado taxativo ou meramente exemplificativo. Para tal fez consignar no § 5o  do artigo 30 do mesmo normativo que (sem grifos no original) É vedada a exigência de comprovação de atividade ou de aptidão com limitações de tempo ou de época ou ainda em locais específicos, ou quaisquer outras não previstas nesta Lei, que inibam a participação na licitação”, não havendo margem à interpretação dos órgãos que se põem a licitar. Nesse caso, deve ater-se ao que diz a norma. Há taxatividade, portanto.

Assim, por mais que se possa parecer razoável e crível, não pode, por exemplo, ser exigido certidão negativa da fiscalização do trabalho, certidão negativa no tocante a débitos trabalhistas ou outros dados que venham a corroborar na empreitada de saber se determinada empresa é ou não idônea.

Desnecessário dizer que, atuando o ente público de maneira destoante da norma, haverá a responsabilização daquele que desviou-se do caminho legalista. Afora isso, poderia responder criminalmente por perturbar[9] o processo licitatório.

Logo, totalmente equivocada a interpretação conferida pelo Tribunal Superior do Trabalho no que perquire a responsabilização subsidiária do poder público atinente aos débitos trabalhistas.

Logicamente que o instituto em comento se sobrepõe tendo em conta que é fruto da imperiosa necessidade de o Estado centrar-se naquilo que lhe é afeto de forma exclusiva (atividades típica), deixando a mercê de terceiros os demais labores que podem ser prestados, não necessariamente, por servidores público. Contudo, apesar da diminuição do Estado seu poder de mando não se altera. Afora isso, a relação custo benefício é significativo podendo ser direcionado mais valores em áreas deficitárias de recursos.

Demais disso, a tônica do processo de descentralização segue uma linha crescente. Inicialmente, com o mesmo intuito, foram criadas autarquias, fundações e similares, objetivando pulverizar a prestação de serviços.

Não é infértil acrescentar que todas essas medidas visam a eficiência bem como a gestão de resultados, afetos à atividade privada, mas aplicáveis no âmbito público a partir da emenda constitucional 19.

Dessa forma, apesar da Justiça do Trabalho visar dar abrigo a parte reclamante (no mais das vezes a parte mais frágil do processo) não pode calcar aos pés a legislação vigente, sob pena de o Judiciário acumular também a função legiferante, restando por ofender a própria separação dos poderes.  

Assim, resta evidente que a súmula do TST ofende o princípio da legalidade bem como o princípio da Separação dos Poderes. Afora isso, uma obrigação do erário não pode advir de súmula.

A corroborar seguem as precisas palavras de Sérgio Pinto Martins[10] para quem “O juiz pode ser um legislador negativo, no sentido de dizer o que não pode ser feito. Entretanto, não pode ser legislador positivo, no sentido de criar a norma quando ela não existe. Essa tarefa é do Poder Legislativo, do Congresso Nacional”

Conforme declinado, se há relação de emprego, e portanto responsabilidade de seus encargos, esta teria ocorrido exclusivamente com a empresa contratada, nunca com o Ente Estatal, o qual contratou legalmente a empresa prestadora de serviços, na intenção única de suprir as necessidades de serviço.

A prestação de serviço manifesta-se diretamente com a empresa prestadora, que admite, contrata e assalaria seus funcionários, de modo que não estaria presente entre a parte que postula na Justiça do Trabalho e o Ente Público o requisito da pessoalidade, imprescindível a qualquer relação de emprego.

A própria Instrução normativa nº 03 de 1º de setembro de 1997, originária do Ministério do Trabalho, a qual prescreve sobre a fiscalização do trabalho nas empresas de prestação de serviços a terceiros, aduz que “A empresa de prestação de serviços a terceiros contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus empregados (art. 2º,§5º). Já no §6º do mesmo artigo prescreve que “os empregados da empresa de prestação de serviços a terceiros não estão subordinadas ao poder diretivo, técnico e disciplinar da empresa contratante”.

Assim, aquele que presta o serviço não está submisso ao poder disciplinar do ente que terceiriza a mão de obra. Este, sequer pode controlar sua jornada ou presença ao trabalho, de sorte que a subordinação existe unicamente em relação a sua real empregadora, qual seja, a empresa que celebrou contrato com o ente público.

Ademais, nem mesmo o salário devido pela prestação de serviço seria de responsabilidade do Ente Público, visto que sua relação contratual, de natureza administrativa, dá-se, exclusivamente, com a empresa contrata, não tendo o Ente Público qualquer ingerência na eventual relação desta com a parte que reclama seus direito na esfera trabalhista.

Por força dos contratos de prestação de serviços, de regra, cabe ao ente público pagar à empresa os valores estipulados contratualmente pela prestação dos serviços - obrigação geralmente adimplida - sem qualquer vinculação empregatícia, seja com a empregadora seja com seus trabalhadores.

Por corolário lógico e legal da ausência dos requisitos ensejadores da relação de emprego, decorre a ilegitimidade passiva do Ente Público, no exato teor do art. 267, VI, do Código de Processo Civil. Abordando o tema o professor Sérgio Pinto Martins[11] faz constar que:

“Na prática, o que se tem verificado é a propositura abusiva de ações contra o tomador dos serviço, sem que haja explicação para a inclusão daquele no polo passivo da ação, nem mesmo prova ou afirmação de que há inidoneidade financeira da prestadora de serviços ou de que simplesmente desapareceu sem pagar seus empregados”.

Em suma, o ente estatal não pode ser condenado, solidária ou subsidiariamente, ao pagamento de verbas salariais ou indenizatórias de responsabilidade exclusiva da do contratante direito. Os contratos são celebrados em plena consonância com os termos da legislação que rege as contratações com os Entes Públicos, os quais excluem qualquer responsabilidade estatal.

Nesse sentido, para o melhor enfoque da questão, mostra-se oportuna a análise do tema perante o ordenamento jurídico pátrio. Inicialmente, cumpre observar o que dispõe o inciso XXI, do artigo 37, da Constituição Federal, verbis:

“Art. 37. (...)

(...)

XXI – ressalvados os casos específicos na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.

Constata-se, pela leitura do referido inciso, que para a execução de serviços - definidos pela Lei nº 8.666/94, em seu artigo 6º, inciso II -, é expressamente permitida a contratação de empresas prestadoras.

Por outro lado, conforme já assentado, o artigo 71 e seu parágrafo primeiro, da Lei nº 8.666/94, regulam expressamente a responsabilidade da Administração nos contratos administrativos efetuados mediante licitação pública.

Cabe destacar que a referida Lei, que regulamenta o inciso XXI, do artigo 37 da Constituição Federal, foi sancionada pelo Presidente da República e elaborada pelo Congresso Nacional, com a competência que lhe atribuiu o inciso XXVII, do artigo 22, combinado com o artigo 48, ambos também da Constituição.

Dessa forma, obedecidos aos procedimentos legais para a celebração do contrato administrativo com o Empregador, descabe a fixação pelo Tribunal Superior do Trabalho, da responsabilidade da Administração, qualquer que seja ela, sob pena de ofensa às regras de competência e aos princípios basilares da Federação.

Outrossim, estabelece a Constituição Federal, no seu artigo 22, inciso I, que a competência exclusiva para legislar sobre Direito Civil e do Trabalho também é exclusiva da União, a exemplo do que ocorre com a edição de normas gerais de licitação e contratações públicas.

O Enunciado 331 do TST estabeleceu a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, quando da inadimplência do empregador. Ao aplicar a “norma judiciária” aos casos em que o tomador de serviços é a Administração Pública, estará a Justiça do Trabalho a julgar contra a Lei Federal nº 8.666, de 06.07.94 (alterada pela Lei nº 9.032/95) e, conseqüentemente, contra os artigos 37, inciso XXI, 22, incisos I e XXVII, e 48, todos da Constituição Federal.

Dessa forma, os serviços tomados pela Administração Pública estão sujeitos à regulamentação legal própria, não cabendo ao Juízo do Trabalho estabelecer responsabilidades que não estejam previstas na Lei, mormente quando esta expressamente a excluiu.

Por corolário lógico e legal da ausência dos requisitos ensejadores da relação de emprego, decorre a ilegitimidade passiva dos entes públicos, consoante preleciona o art. 267, VI, do Código de Processo Civil.

É bem verdade que a Lei das Licitações é norma, como se disse alhures, feita para frear os abusos, especialmente do Poder Executivo. Contudo, não pode o poder público atendo-se a norma também ser penalizado, sob pena de criarmos uma responsabilidade absoluta e irrestrita em todos os atos que envolvam a esfera pública, fato este que sofre acentuação com o processo de terceirização encontrando respaldo nas leis nº 9.637/99 e 9.790/99, 11.079/2004.

Em suma, apesar de a terceirização no âmbito privado merecer a devida ingerência, tudo para tolher abusos do contratante, tal instituto, quando envolver entes públicos, deverá estar voltado para o interesse da coletividade, resguardando as normas legislativas postas, visualizando no PL 4.330 ótima oportunidade para por feios aos desmandos do Poder Judiciário, vedando-se as inclusões de responsabilidades além daquelas já impostas pela lei.


[1]MARTINS, Sergio Pinto. A Terceirização e o Direito do Trabalho, 10ª Ed. São Paulo, Atlas, p. 01

[2]LEIRA, Jerônimo Souto, SARATT, Newton Dornelles, Terceirização: uma alternativa de flexibilidade empresarial. 8. ed. São Paulo: Gente, 1995, p. 22.

[3]QUEIROZ, Carlos Alberto Ramos Soares de. Manual e terceirização. 9. ed. São Paulo: STS, 1998 p. 63.

[4]MENDES, Gilmar Ferreira. In: Revista Jurídica Virtual da Presidência da República. Brasília, vol 2 n, 13, junho 1999.

[5]MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18ª Ed. São Paulo: Malheiros, p. 65

[6]FAGUNDES, Seabra. O controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário, 6ª Ed.. São Paulo: Saraiva, 1984, p.3.

[7]MELHO, Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 90 e 91).

[8]Art. 31.  A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a:

I - balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei, que comprovem a boa situação financeira da empresa, vedada a sua substituição por balancetes ou balanços provisórios, podendo ser atualizados por índices oficiais quando encerrado há mais de 3 (três) meses da data de apresentação da proposta; II - certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física; III - garantia, nas mesmas modalidades e critérios previstos no "caput" e § 1o do art. 56 desta Lei, limitada a 1% (um por cento) do valor estimado do objeto da contratação. § 1o  A exigência de índices limitar-se-á à demonstração da capacidade financeira do licitante com vistas aos compromissos que terá que assumir caso lhe seja adjudicado o contrato, vedada a exigência de valores mínimos de faturamento anterior, índices de rentabilidade ou lucratividade.

[9] Art. 93.  Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa

[10]MARTINS, Sergio Pinto. A Terceirização e o Direito do Trabalho, 10ª Ed. São Paulo, Atlas, p. 136.)

[11]MARTINS, Sergio Pinto. A Terceirização e o Direito do Trabalho, 10ª Ed. São Paulo, Atlas, p. 141.)

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Sobre o autor
Leandro Brescovit

Graduado pela Universidade Federal de Pelotas - UFPel. Analista Jurídico da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, lotado na Procuradoria Regional de Caxias do Sul/RS, Pós graduado em Direito Tributário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

De muito o Judiciário tem sido o órgão legiferante no que toca à terceirização e a responsabilidade dos entes públicos contratantes. O PL 4330 pode se mostrar importante instrumento normativo para balizar as responsabilidades da União, Estados e Municípios.

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