Da prescrição e da decadência
Inicialmente, cumpre, por oportuno, fazer a distinção entre os institutos da decadência e da prescrição. A decadência ou caducidade é tida como o fato jurídico que faz perecer um direito pelo seu não exercício durante certo lapso de tempo. A decadência, no âmbito do Direito Tributário, quer dizer que a Fazenda dispõe de cinco anos para efetuar o ato jurídico administrativo de lançamento.
O art. 173 do CTN elenca dois marcos iniciais para a contagem deste prazo; (I) do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetivado; (II) e da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anterior efetuado. Nessa esteira, temos que o prazo decadencial (de 5 anos) está relacionado de forma ínsita com o lançamento e a consequente constituição da obrigação tributária. Após a efetiva constituição do crédito tributário, nasce para a Fazenda o direito de haver a pretensão tributária e aqui é que nasce o instituto da prescrição.
Conforme preleciona Paulo de Barros, “com o lançamento eficaz, quer dizer, adequadamente notificado o sujeito passivo, abre-se à Fazenda Pública o prazo de cinco anos para que ingresse em juízo com ação de cobrança (ação de execução fiscal). Fluindo esse período de tempo sem que o titular do direito subjetivo deduza sua pretensão pelo instrumento processual próprio, dar-se-á o fato jurídico da prescrição. A contagem do prazo tem como ponto de partida a data da constituição definitiva do crédito, expressão que o legislador utiliza para referir-se ao ato de lançamento regularmente comunicado (pela notificação) ao devedor”.
Do lançamento do Imposto Predial Territorial Urbano- IPTU.
O lançamento tributário é o ato jurídico administrativo, mediante o qual se formaliza o vínculo obrigacional entre o sujeito ativo (Fazenda) e o sujeito passivo (contribuinte), por meio da constituição do crédito tributário. No caso específico do IPTU, temos que o Fisco dispõe de dados suficientes para efetuar a cobrança, dispensando o auxílio do contribuinte.
Para que a constituição do crédito esteja perfeitamente formalizada, por tratar-se de um tributo sujeito ao lançamento de ofício, doutrina e jurisprudência coadunam com a tese de que, a notificação ao sujeito passivo é que perfectibiliza o crédito tributário. Sobre o IPTU entendem que a notificação do lançamento ocorre com o envio da correspondente guia de recolhimento do tributo para o endereço do imóvel do contribuinte iniciando-se, a partir daí, o prazo prescricional quinquenal para a cobrança do débito tributário, nos termos do art. 174 do CTN. Segue abaixo, dois julgados do Superior Tribunal de Justiça nesses termos:
AgRg no AREsp 370295 / SCAGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL2013/0225048-4
Relator(a): Ministro HUMBERTO MARTINS (1130)
Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA
Data do Julgamento: 01/10/2013; Data da Publicação/Fonte: DJe 09/10/2013
Ementa: TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REQUISITOS DA CDA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. LANÇAMENTO DE OFÍCIO. DESNECESSIDADE DE PROCESSO ADMINISTRATIVO ESPECÍFICO E NOTIFICAÇÃO.
1. Cuida-se originalmente de embargos à execução manejados pelo ora recorrente que contesta a validade da CDA que instrui o pleito executivo ante a ausência de prévio processo administrativo.
2. É pacífica a jurisprudência deste tribunal no sentido de que a aferição da certeza e liquidez da Certidão da Dívida Ativa - CDA, bem como da presença dos requisitos essenciais à sua validade, conduz necessariamente ao reexame do conjunto fático-probatório doautos, medida inexequível na via da instância especial. Incidência da Súmula 7/STJ.
3. Ademais há nesta Corte jurisprudência consolidada no sentido de que a notificação do lançamento do IPTU e das taxas municipais ocorre com o envio da correspondente guia de recolhimento do tributo para o endereço do imóvel ou do contribuinte, com as informações que lhe permitam, caso não concorde com a cobrança, impugná-la administrativa ou judicialmente.
AgRg no REsp 1325143 / MGAGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL2012/0107231-0
Relator(a): Ministro SÉRGIO KUKINA (1155)
Órgão Julgador: T1 - PRIMEIRA TURMA
Data do Julgamento: 02/04/2013; Data da Publicação/Fonte: DJe 08/04/2013
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL QUE DEMONSTROU TODOS OS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. NOTIFICAÇÃO PARA PAGAMENTO DO TRIBUTO.
1. O recurso especial do contribuinte reuniu todas as condições de admissibilidade, demonstrando claramente o motivo da irresignação recursal e a existência de diferentes entendimentos jurisprudenciais sobre o tema.
2. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que, "nos tributos sujeitos a lançamento de ofício, como no caso do IPVA e IPTU, a constituição do crédito tributário perfectibiliza-se com a notificação ao sujeito passivo, iniciando-se, a partir daí, o prazo prescricional quinquenal para a cobrança do débito tributário, nos termos do art. 174 do CTN" (AgRg no Ag 1.399.575/RJ, Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe de 04/11/2011).
3. Agravo regimental do Fisco a que se nega provimento.
Do marco inicial para a contagem do prazo prescricional.
Conforme estabelece o artigo 174 do CTN “A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva”. Conforme já citado, o prazo prescricional dos tributos sujeitos ao lançamento de ofício se inicia após a efetiva notificação do débito ao sujeito passivo. No caso do IPTU, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento que a própria remessa, pelo Fisco, da notificação para pagamento ou o carnê constitui o crédito tributário, momento em que se inicia o prazo prescricional quinquenal para a sua cobrança judicial.
AgRg no Ag 1429679 / PEAGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO2011/0270109-9
Relator(a): Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142)
Órgão Julgador: T1 - PRIMEIRA TURMA
Data do Julgamento: 06/09/2012; Data da Publicação/Fonte: DJe 12/09/2012
Ementa: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. IPVA. FATO GERADOR. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM SINTONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
1. Quanto ao art. 535 do CPC, afasta-se de pronto possível infringência ao citado diploma legal, considerando que o acórdão recorrido está fundamentado e a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida.
2. No mais, a decisão agravada está fundamentada na jurisprudência do STJ no sentido de que, nos tributos sujeitos a lançamento de ofício, tal como o IPVA e o IPTU, a própria remessa, pelo Fisco, da notificação para pagamento ou carnê, constitui o crédito tributário, momento em que se inicia o prazo prescricional quinquenal para sua cobrança judicial, nos termos do art. 174 do CTN. Dentre os precedentes: AgRg no AREsp 157.610/RJ, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 14/06/2012.
3. Agravo regimental não provido.
Existe uma situação peculiar, em que o próprio STJ se posiciona no sentido da prescrição ocorrer no após o vencimento do prazo para pagamento; quando constituído o crédito tributário pelo envio do carnê ao endereço do sujeito passivo, encontrar-se pendente o prazo de vencimento para o pagamento voluntário. Portanto, nas hipóteses em que, enviado o carnê para o pagamento, ainda restar prazo para o pagamento voluntário, o instituto da prescrição ainda não terá se operado. Isso porque, a possibilidade de pagamento pelo contribuinte ilegitima a cobrança judicial do tributo pela Fazenda Pública. Nesses termos, segue abaixo o julgado do STJ publicado em 24/06/2014.
AgRg no AREsp 483947 / RJAGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL2014/0051129-5
Relator(a): Ministro SÉRGIO KUKINA (1155)
Órgão Julgador: T1 - PRIMEIRA TURMA
Data do Julgamento: 16/06/2014; Data da Publicação/Fonte: DJe 24/06/2014
Ementa: TRIBUTÁRIO. IPTU. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO DA TESE. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ.
1. Constituído o crédito tributário pelo envio do carnê ao endereço do sujeito passivo e encontrando-se pendente o prazo de vencimento para o pagamento voluntário, ainda não surge para o credor a pretensão executória, sem a qual não tem início o prazo prescricional. Precedentes: EDcl no AREsp 44.530/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/03/2012, DJe 28/03/2012; AgRg no Ag 1310091/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/09/2010, DJe 24/09/2010; e REsp 1180299/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/03/2010, DJe 08/04/2010.
2. Caso em que o Tribunal local se limitou a assentar que a ação fora ajuizada após o quinquênio legal, sem que houvesse o prequestionamento do marco inicial da pretensão executória.
3. Neste contexto, acolher as razões recursais, demandaria, necessariamente, exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
Sobre o tema, faz-se mister, destacar a existência da súmula 397 do STJ nos seguintes termos:
STJ Súmula nº 397 - 23/09/2009 - DJe 07/10/2009
IPTU - Notificação do Lançamento
O contribuinte do IPTU é notificado do lançamento pelo envio do carnê ao seu endereço
Segundo o STJ “A remessa ao endereço do contribuinte do carnê de pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) é suficiente para notificá-lo do lançamento tributário. Tal entendimento, pacificado na Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça no julgamento de um recurso especial pelo rito da Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672/2008), está contido na Súmula n. 397”.
No julgamento do Recurso Especial 1.111.124, que embasou a súmula os ministros definiram, ainda, que cabe ao contribuinte apresentar as provas de que não recebeu o carnê de cobrança e aquelas visando afastar a presunção de certeza e liquidez do título, não sendo possível alegar prescrição ou decadência pela demora na citação por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça.
O ministro Teori Albino Zavascki relatou esse caso, baseando sua decisão em vários precedentes do STJ no sentido de que o envio do carnê é ato suficiente para caracterizar a notificação do lançamento do IPTU, competindo ao contribuinte excluir a presunção de certeza e liquidez do título daí decorrente.No julgamento de 2007 (REsp 842771), a Primeira Turma, seguindo o entendimento do relator, ministro Francisco Falcão, concluiu que, em se tratando de IPTU e outras taxas municipais, o lançamento é direto ou de ofício, verificado pela Fazenda Pública, que detém todas as informações para a constituição do crédito, e consignado em forma de carnê enviado ao endereço do imóvel. Tal recebimento importa em verdadeira notificação, dispensando aquela por meio de processo administrativo. Assim, a falta de demonstração da notificação pessoal não anula a execução.
A Segunda Turma, o outro colegiado que completa a Primeira Seção, também vem julgando nesse mesmo sentido. No Resp 868629, cujo relator foi o ministro Castro Meira, a Turma decidiu: “o envio do carnê de cobrança do valor devido a título de IPTU ao endereço do contribuinte configura a notificação presumida do lançamento do tributo. Para afastar tal presunção, cabe ao contribuinte comprovar o não recebimento do carnê”.
Da peculiaridade de cada município.
Conforme já esposado, a regra geral estabelecida pelo STJ é no sentido de que o marco inicial, para fins de prescrição do IPTU, é a notificação do lançamento ao contribuinte que se dá com a entrega do respectivo carnê. Em havendo data diferente para o pagamento do tributo, ou seja, se o vencimento for posterior a entrega dos carnês, a regra será excepcionada, passando o marco inicial a ser a data seguinte a do vencimento.
Nessa linha de raciocínio, temos que os Municípios possuem discricionariedade para estabelecerem as datas referentes ao lançamento, a notificação e ao vencimento do tributo, podendo estas ser, inclusive, distintas. Assim, cada ente federativo municipal, de acordo com a conveniência e oportunidade, predetermina o momento em que as regras quanto ao marco inicial da prescrição irão ocorrer, respeitando, por óbvio as normas gerais estabelecidas pelo Código Tributário Nacional e o Código Tributário Local.
Partindo dessa premissa, vislumbra-se a existência de julgados nos Tribunais Superiores e também no Superior Tribunal de Justiça, no sentido do marco inicial para a contagem da prescrição ser o 1º de janeiro de determinado ano. Isso porque, o lançamento e a notificação ao contribuinte efetivamente ocorreu nesta data.
Assim, não existe uma data específica para o marco inicial da prescrição aplicável a todos os Municípios da Federação, podendo coincidir com o primeiro dia do ano, caso o lançamento e a notificação tenham ocorrido nesta data, ou, em data distinta se o lançamento e a notificação assim ocorrerem. A peculiaridade de cada Município, neste aspecto, deve ser levada em consideração para a aplicação da regra estabelecida e sumulada pelo STJ.
Hipóteses de suspensão do crédito tributário e interrupção da prescrição.
Cumpre ainda destacar que o artigo 174 do CTN juntamente com o art. 151 do CTN elencam, respectivamente, as causas de interrupção e de suspensão da prescrição, a saber:
Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I - pela citação pessoal feita ao devedor;
I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)
II - pelo protesto judicial;
III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.
Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
I - moratória;
II - o depósito do seu montante integral;
III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;
IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança.
V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)
VI – o parcelamento. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)
Conclusão
Pelas considerações acima esposadas e pelos julgados colacionados, conclui-se que a Fazenda Pública deve entender como termo inicial para a contagem do prazo prescricional a data em que enviou o carnê para a parte requerente. Outrossim, deve levar em consideração ainda a data do vencimento, ou seja, se o vencimento for posterior a data em que o contribuinte foi notificado para o pagamento, o marco inicial para contagem da prescrição será a data do vencimento.
Ademais, no que diz respeito às causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151 do CTN) e também às causas de interrupção da prescrição (art. 174, parágrafo único do CTN) a Fazenda Municipal deve verificar se houve ou não a ocorrência de alguma delas. Em caso positivo, possivelmente haverá alteração do prazo para que a Fazenda execute os débitos referentes ao tributo.