Há perto de cinquenta anos atrás, no dia 18 de abril de 1965, com lágrimas nos olhos, os nove chineses condenados por atividades subversivas no Brasil e expulsos por um decreto do Presidente da República, no Aeroporto do Galeão, iniciavam viagem de volta à Pequim, depois de mais de um ano de prisão.
A registrar que os chineses, quando do embarque, foram alvo de uma vaia levada a efeito por um grupo de estudantes de Niterói, no Rio de Janeiro, que se identificaram como integrantes da Brigada Nacional da Juventude, entidade anticomunista.
A atuação do advogado Sobral Pinto, digna em todos os sentidos da palavra, é de se destacar nesse triste episodio. Foi ele um ferrenho defensor dos direitos humanos, especialmente durante as ditaduras instauradas no Estado Novo e na ditadura militar instaurada em 1964, e que se notabilizou pela defesa intransigente de perseguidos políticos.
Aliás, Sobral Pinto os acompanhou e foi abraçado, de forma emotiva e sincera por eles, no momento da partida. No episódio, destaca-se ainda, dentre outros, Carlos Heitor Cony(O Ato e o Fato) que publicou destemidos artigos na matéria.
Eles retornaram à China sem os dólares que trouxeram ao Brasil.
No dia 3 de abril de 1964, logo depois da deposição do presidente João Goulart, a polícia do governador Carlos Lacerda prendeu no Rio de Janeiro os nove cidadãos chineses. Dizia-se que perigosos agentes comandavam uma rede de 191 pessoas, tinham agulhas envenenadas, bombas teleguiadas e uma lista de personalidades que deveriam ser assassinadas durante a revolução comunista.
Como disse Elio Gaspari (O caso dos nove chineses) era tudo mentira.
Os chineses foram presos pela ditadura militar brasileira e torturados no Dops.
Dois dos chineses eram jornalistas da agência estatal e estavam no Brasil desde 1961. Quatro haviam chegado em junho de 1963 para tratar de uma exposição comercial, e três vieram em janeiro de 1964, para comprar algodão. Todos tinham vistos oficiais.
Lembre-se que o ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos de Melo Franco, no dia 21 de agosto de 1961, transmitiu em carta ao vice-presidente João Goulart a notícia de que Jânio Quadros resolvera constituir a “Missão João Goulart”. O objetivo era dar prosseguimento às conversas iniciadas com uma missão chinesa que visitara o Brasil em maio daquele mesmo ano.
Entre os compromissos assumidos em Pequim por João Goulart, figurava a autorização para o estabelecimento no Brasil de uma representação comercial permanente da China, bem como a realização em nosso país de uma exposição comercial e industrial. Ambas as concessões foram feitas em termos de reciprocidade. Por conta deste acordo, aqui desembarcaram, entre dezembro de 1961 e janeiro de 1964, Wang Weizhen, Ju Qingdong, Wang Zhi, Wang Yaoting, Hou Fazeng, Song Guibao, Zhang Baosheng, Ma Yaozeng e Su Ziping. Eles se encontravam em território brasileiro legalmente, com vistos oficiais fornecidos pelo Itamaraty.
Os chineses começaram a apanhar no momento da prisão, em suas casas, e depois alguns deles foram espancados pela policia. Tiveram os apartamentos saqueados e as contas confiscadas (R$ 865 mil em dinheiro de hoje).
Houve uma verdadeira produção de provas para incriminar o grupo, pois o pretexto dessas prisões era convencer que o governo deposto, pelo golpe de 1964, tinha mandado buscar especialistas em guerrilhas e sabotagens para concretizar o que os militares chamavam de comunismo.
Os chineses foram condenados a dez anos de prisão e, após, foram expulsos e recebidos como heróis em Pequim.
Houve um verdadeiro erro judiciário.
O remédio cabível é a revisão criminal.
Reza o artigo 627 do Código de Processo penal que a absolvição do beneficiário da revisão implicará o restabelecimento de todos os direitos perdidos em virtude da condenação.
Se o apenado o requerer, o tribunal poderá reconhecer o direito do réu a uma indenização pelos prejuízos sofridos. Será o caso, por exemplo, de revisão criminal em ação penal onde o réu tenha sido coagido a confessar e tal decisão condenatória for objeto de rescisão.
O pressuposto para indenização é de que a culpa seja do Estado, ocorrida de forma manifesta.
A responsabilidade civil é do Estado para efeito de indenização por erro judiciário.
O caso constitui um dos mais tristes episódios que se deram no Brasil e que se insere como verdadeiro ato ilícito como tal a merecer reparação aos prejudicados.