O caso da prisão dos nove chineses

17/04/2015 às 16:20
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Este artigo traz à colação fato histórico ocorrido há mais de cinquenta anos e que envolveu erro judiciário.

Há perto de cinquenta anos atrás, no dia 18 de abril de 1965,  com lágrimas nos olhos, os nove chineses condenados por atividades subversivas no Brasil e expulsos por um decreto do Presidente da República, no Aeroporto do Galeão, iniciavam viagem de volta à Pequim, depois de mais de um ano de prisão.

A registrar que os chineses, quando do embarque, foram alvo de uma vaia levada a efeito por um grupo de estudantes de Niterói, no Rio de Janeiro, que se identificaram como integrantes da Brigada Nacional da Juventude, entidade anticomunista. 

A atuação do advogado Sobral Pinto, digna em todos os sentidos da palavra, é de se destacar nesse triste episodio. Foi ele um ferrenho defensor dos direitos humanos, especialmente durante as ditaduras instauradas no Estado Novo e na ditadura militar instaurada em 1964,  e que se notabilizou pela defesa intransigente de perseguidos políticos.

Aliás, Sobral Pinto os acompanhou e foi abraçado, de forma emotiva e sincera por eles, no momento da partida. No episódio, destaca-se ainda, dentre outros, Carlos Heitor Cony(O Ato e o Fato) que publicou destemidos artigos na matéria.

Eles retornaram à China sem os dólares que trouxeram ao Brasil.

No dia 3 de abril de 1964, logo depois da deposição do presidente João Goulart, a polícia do governador Carlos Lacerda prendeu no Rio de Janeiro os  nove cidadãos chineses. Dizia-se que  perigosos agentes comandavam uma rede de 191 pessoas, tinham agulhas envenenadas, bombas teleguiadas e uma lista de personalidades que deveriam ser assassinadas durante a revolução comunista.

Como disse Elio Gaspari (O caso dos nove chineses) era tudo mentira.

Os chineses foram presos pela ditadura militar brasileira e torturados no Dops.

Dois dos chineses eram jornalistas da agência estatal e estavam no Brasil desde 1961. Quatro haviam chegado em junho de 1963 para tratar de uma exposição comercial, e três vieram em janeiro de 1964, para comprar algodão. Todos tinham vistos oficiais.

Lembre-se que  o ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos de Melo Franco, no dia 21 de agosto de 1961, transmitiu em carta ao vice-presidente João Goulart a notícia de que Jânio Quadros resolvera constituir a “Missão João Goulart”. O objetivo era dar prosseguimento às conversas iniciadas com uma missão chinesa que visitara o Brasil em maio daquele mesmo ano.

Entre os compromissos assumidos em Pequim por João Goulart, figurava a autorização para o estabelecimento no Brasil de uma representação comercial permanente da China, bem como a realização em nosso país de uma exposição comercial e industrial. Ambas as concessões foram feitas em termos de reciprocidade. Por conta deste acordo, aqui desembarcaram, entre dezembro de 1961 e janeiro de 1964, Wang Weizhen, Ju Qingdong, Wang Zhi, Wang Yaoting, Hou Fazeng, Song Guibao, Zhang Baosheng, Ma Yaozeng e Su Ziping. Eles se encontravam em território brasileiro legalmente, com vistos oficiais fornecidos pelo Itamaraty.

Os chineses começaram a apanhar no momento da prisão, em suas casas, e depois alguns deles foram espancados pela policia. Tiveram os apartamentos saqueados e as contas confiscadas (R$ 865 mil em dinheiro de hoje).

Houve uma verdadeira produção de provas para incriminar o grupo, pois o pretexto dessas prisões era convencer que o governo deposto, pelo golpe de 1964, tinha mandado buscar especialistas em guerrilhas e sabotagens para concretizar o que os militares chamavam de comunismo.

Os chineses foram condenados a dez anos de prisão e, após, foram expulsos e recebidos como heróis em Pequim.

Houve um verdadeiro erro judiciário.

O remédio cabível é a revisão criminal.

Reza o artigo 627 do Código de Processo penal que a absolvição do beneficiário da revisão implicará o restabelecimento de todos os direitos perdidos em virtude da condenação.

Se o apenado o requerer, o tribunal poderá reconhecer o direito do réu a uma indenização pelos prejuízos sofridos. Será o caso, por exemplo, de revisão criminal em ação penal onde o réu tenha sido coagido a confessar e tal decisão condenatória for objeto de rescisão.

O pressuposto para indenização é de que a culpa seja do Estado, ocorrida de forma manifesta.

A responsabilidade civil é do Estado para efeito de indenização por erro judiciário.

O caso constitui um dos mais  tristes episódios que se deram no Brasil e que se insere como verdadeiro ato ilícito como tal a merecer reparação aos prejudicados.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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