Introdução
Não é recente o fato dos agentes econômicos procurarem ir além de suas fronteiras nacionais em busca de mercados consumidores para, com isso, expandir seus negócios. A atuação em terras estrangeiras, contudo, impõe que o agente possua um poder de barganha muito alto, que lhe torne capaz de competir com os empresários locais do novo mercado, os quais, por razões óbvias, tendem a apresentar preços mais competitivos aos seus consumidores.
Neste contexto, assevera Paula A. Forgioni: “É bastante comum (e incentivado por vários governos) que os exportadores unam-se de forma a enfrentar a concorrência internacional e maximizar os benefícios decorrentes da economia em escala. São os chamados ‘cartéis de exportação”.[1]
Para diversificar seus mercados consumidores e obter maior inserção no mercado internacional, algumas empresas contam com o apoio de seus governos, que institucionalizam e apoiam suas atividades de modo concertado com outras empresas, avalizando situações que, acaso verificadas no âmbito interno, seriam notadamente anticompetitivas, passíveis, portanto, de controle pelo próprio Estado.
Juliana Oliveiro Domingues aponta que:
Por meio de cartéis de exportação muitos governos não intervêm diretamente com instrumentos tradicionais e apenas os mercados estrangeiros passam a ser alvo de determinadas condutas que no mercado interno seriam consideradas como anticompetitivas. Entretanto, vale ressaltar que os Estados que afetam os mercados externos por meio desse tipo de combinação entre concorrentes – que nada mais é do que um cartel -, estão propensos a prejudicar os consumidores e produtores dos mercados que recebem os produtos exportados. [2]
Cumpre observar, ainda, consoante asseverou Florian Becker, que as isenções antitruste conferida pelos Estados aos cartéis de exportação nada mais são do que um instrumento de política concorrencial utilizado de forma a assegurar que se alcancem objetivos de política comercial.[3]
Deste modo, imperioso registrar conceitualmente o que se entende por cartel de exportação, de modo que se distinguem dos cartéis tradicionais, verificados no âmbito interno dos Estados. Importante notar, ainda, que coexistem diferentes interpretações acerca do conceito comumente adotado - elaborado pela OCDE.
Para a OCDE, o cartel de exportação consiste em um acordo ou arranjo entre empresas com o objetivo de cobrar um preço específico em suas exportações ou, ainda, dividir os mercados externos. Outrossim, de acordo com a OCDE, muitas legislações antitruste excepcionam esses arranjos, haja vista seus efeitos negativos não serem sentidos no mercado interno dos Estados. Ademais, a razão que leva à autorização para os cartéis de exportação é justamente a tendência de que a cooperação facilite a penetração em outros mercados, transferindo renda de consumidores estrangeiros para produtores nacionais, resultando em uma balança comercial favorável.[4]
Ainda, de acordo com Filippo Amato, os cartéis de exportação são acordos entre empresas estabelecidas em um país que operam em um mesmo mercado (externo), no qual combinam não competir entre elas quando exportam seus produtos (que são substituíveis entre si)[5].
1. ESPÉCIES E CLASSIFICAÇÕES
Os cartéis de exportação podem constituir-se de diversas formas e por diversas razões.
Elenca-se, dentre inúmeros fatores negociais existentes, os principais, que conduzem à formação dos arranjos:
1.O ajuste de preços: impede que os agentes nacionais concorram entre si no mercado externo em razão dos preços articulados;
2.A divisão territorial de mercados-alvo: leva os empresários a não concorrerem entre si, em virtude da prévia determinação de quem irá atuar sobre os mercados-alvo;
3.A divisão de custos com as exportações: propicia a oferta dos produtos nacionais no mercado internacional, diminuindo custos que seriam arcados individualmente, passando a ser geridos coletivamente, permitindo-lhes, com isso, oferecer preços competitivos nos novos mercados, gerando condições efetivas de suplantar o empresário do país importador;
4.Os acordos para troca de informações sobre os mercados-alvo: as empresas adquirem informações nos mercados importadores e compartilham entre si, otimizando o tempo e custo que teriam se agissem isoladamente;
5.O estabelecimento de padrões-comuns (“standards”) para os produtos ofertados: trata-se de homogeneizar o produto desenvolvido para que o consumidor não faça distinção entre adquirir o produto do exportador A ou B;
Deve-se apontar, também, que, de acordo com a OCDE, os cartéis de exportação podem, ainda, contar com a existência de uma unidade gestora que coordene a ação concertada das empresas, representando os interesses de todos os membros envolvidos.[6]
Existem, ainda, outras classificações, como, por exemplo, quanto à sua formação. Nesse sentido, os cartéis de exportação podem ser integrados por empresas de um único país ou podem constituir o que se chama de “cartéis internacionais”, compostos por produtores de diversos países. Válido ressaltar que, mesmo nessa última hipótese, os mercados-alvo não são aqueles próprios dos produtores, mas outros, que não envolvam os territórios dos membros envolvidos.
A classificação mais usual, entretanto, é a que leva em consideração o local onde são sentidos os efeitos da atividade colusiva: i) se sentidos nos mercados estrangeiros, mas, também, no âmbito interno dos Estados dos quais fazem parte; ii) efeitos gerados somente nos mercados-alvo.
Os cartéis de exportação cujos efeitos são sentidos somente no mercado internacional são denominados “puros”, ao passo em que se denomina “cartéis mistos”, aqueles cujos efeitos se refletem também no mercado consumidor nacional. Neste último caso, existe um forte controle do Estado, que regula sua economia interna em busca da efetiva concorrência entre seus agentes.
Merece destaque a existência de uma classificação elaborada por Suslow, Levenstein e Evenett[7], que considera três espécies do gênero cartel internacional: os cartéis hard core criados por empresários de pelo menos dois países que cooperam no controle de preços ou dividem mercados no mundo; os cartéis privados de exportação, não ligados aos Estados, cujos produtores são de um mesmo país e fixam preços ou dividem mercados de exportação, mas não em seu mercado interno; e os cartéis de exportação dos Estados.
A OCDE, em documento elaborado em 1998, definiu cartéis hard core como:
Um acordo anticoncorrencial, uma prática concertada anticoncorrencial ou arranjo anticoncorrencial realizado por competidores para fixar preços, controlar a oferta, estabelecer restrições de produção ou cotas, ou repartir ou dividir mercados, alocando os clientes, provedores, territórios, ou linhas de comércio.[8]
Entretanto, neste mesmo documento, constam as exclusões conferidas aos cartéis de exportação, consoante explicitado abaixo:
Os cartéis hard core não incluem acordos, práticas concertadas, ou arranjos que: a) estão relacionados razoavelmente à autorização legal de redução de custo ou produção – aumentando eficiências; b) quando são excluídos diretamente ou indiretamente da cobertura da própria lei do país membro da OCDE; c) quando autorizado conforme essas leis.[9]
A OMC também tratou de distinguir os cartéis internacionais hard core dos cartéis de exportação, considerando, para tanto, que estes últimos agem de modo a fixar preços ou quantidades produzidas em mercados exportadores, e não dentro de seu próprio território, enquanto os primeiros fixam preços, produções e outros aspectos em inúmeros mercados nacionais, que incluem os seus próprios, mas não se limitando aos seus mercados domésticos. Ademais, os cartéis internacionais costumam ser ilegais e mantidos sob sigilo.[10]
Tendo em vista que os cartéis de exportação afetam os mercados importadores de seus produtos, o Estado de origem não tem legítimo interesse em sancioná-los, vindo, por vezes, inclusive, a apoiá-los. Muitas vezes, ainda, levando em consideração os efeitos econômicos gerados nos países exportadores, a autorização estatal a esta modalidade colusiva representa subsídio à exportação, que reveste os agentes econômicos de uma vantagem artificialmente concebida, o que indubitavelmente elevará seu desempenho.
No âmbito da OMC, haja vista as distorções no comércio internacional que podem ser ocasionadas em virtude dos subsídios conferidos pelos Estados aos seus empresários, existe o Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias (ASMC), que regulamenta a questão. No que tange aos cartéis de exportação, entretanto, nada obstante possa funcionar como uma espécie de subsídio, não existe qualquer regulamentação que condene a prática concertada dos agentes nos mercados estrangeiros.
2 REGIMES DE ISENÇÕES ANTITRUSTE APLICADOS AOS CARTÉIS
Questão que merece destaque é a forma como os Estados autorizam a ação dos cartéis de exportação que se formam em seu interior. Saliente-se que esse tema voltará a ser abordado no item 5.3 de forma mais exaustiva.
Deve-se, contudo, ter em mente a distinção entre isenção antitruste e imunidade antitruste. A primeira corresponde à atuação, implícita ou explícita do Estado em excluir determinado comportamento dos agentes econômicos do âmbito de incidência de suas normas, o qual, em situações ordinárias, seriam enquadrados em práticas anticoncorrenciais. A imunidade, por seu turno, tem seu espectro de incidência maior e não se aplica ao quanto abordado, por ser uma blindagem a qualquer persecução jurisdicional. A importância de tal distinção tem lugar, uma vez que a legislação norte americana utiliza o termo immunities, quando, em verdade, seu sentido é de verdadeira isenção.
Diferente não poderia ser. A circunstância de determinado Estado permitir ou tolerar a associação para a exportação não significa que os demais Estados do cenário internacional devam, de igual modo, compactuar. Caso seja evidenciado, no âmbito do Estado importador, determinada prática por ele classificada como ilícita, tem ele jurisdição para perseguir aquela atividade, sem que isso implique em descumprimento do princípio do direito internacional da não-intervenção.
Margareth C. Levenstein e Varerie Y. Suslow, distinguem o tratamento jurídico conferido pelos Estados aos cartéis de exportação da seguinte forma: i) isenções explícitas, ii) isenções implícitas iii) ausência de exceção legal. Este último modelo, adotado pela Rússia, Luxemburgo, Uruguai e Tailândia, não permite a existência dos cartéis, sejam eles domésticos ou voltados para a atividade exportadora.[11]
Pois bem. Verificam-se duas formas de sua ocorrência: a explícita e a implícita. Na primeira delas, através de instrumentos normativos, o Estado autoriza o funcionamento dessas associações, impondo-lhes maiores ou menores restrições, ou mesmo nenhuma. Já nas isenções implícitas, não existe nenhum documento oficial que autorize seu funcionamento, por outro lado, não há nada que lhes obstaculize o funcionamento; é como se o Estado se esquivasse de regular a matéria.
As isenções explícitas ocorrem de duas maneiras: a) mediante prévia notificação do grupo à autoridade encarregada do registro e acompanhamento das atividades[12]; b) inexigibilidade de qualquer formalidade para o exercício da atividade.
Em relação às isenções implícitas, as explícitas são bem vistas pela doutrina. Considerando que o Estado, através de uma declaração formal, seja constante de sua legislação antitruste ou mesmo de ato de outra autoridade competente, autoriza o exercício da colusão, a transparência de sua expressão é elogiada, haja vista o controle que pode ser exercido e a coleta de dados para análises específicas.
Em verdade, a questão da autorização explícita ou implícita pelo ente estatal constitui questão de relevante importância. Nota-se que nos Estados mais flexíveis, que autorizam a prática, mas não as controla, o número de cartéis assim declarados pode ocultar sua real utilização, afinal, ante a desnecessidade de declarar o exercício, não haveria, por parte do grupo de empresas, motivos para explicitar sua atividade.
Ademais, já que a maior parte dos Estados não exigem registro ou notificação, não há como mensurar, apesar do permissivo conferido, se a prática dos cartéis de exportação está decrescendo ou aumentando nos Estados que os apoiam.[13]
Neste sentido, a OCDE se manifestou:
Na maioria das vezes, os cartéis de exportação não são proibidos pelas normas de seus países, já que as normas concorrenciais somente proíbem cartéis quando seus efeitos são produzidos no interior de seus territórios. Diversos países, desenvolvidos e em desenvolvimento, mantém isenções explícitas aos cartéis de exportação, alguns requerendo prévia notificação de suas atividades e outros poucos exigindo autorização oficial. Se os documentos estão disponíveis em domínios públicos, concorrentes internacionais podem obter informações acerca da existência de eventuais cartéis e seus integrantes. Se, contudo, o Estado adotar o regime de isenções implícitas, essa opção blinda seus nacionais de autoridades antitruste estrangeiras.[14]
As autorizações implícitas conferidas pelos governos são verificadas justamente quando há ausência de enfrentamento da questão pela legislação do Estado; neste caso, não se discute acerca de sua licitude ou ilicitude, simplesmente há uma omissão normativa acerca do tema, de onde se depreende a aceitação tácita da conduta. Pode-se argumentar que a ausência de regulamentação por parte dos Estados decorre da ausência de impactos sofridos no ambiente doméstico relativos ao exercício dos cartéis. Com isso, não existiria necessidade de disciplinar a matéria.[15]
3 OS CARTÉIS DE EXPORTAÇÃO NO CONTEXTO INTERNACIONAL
Abordar-se-á, em primeiro plano, a evolução dos cartéis de exportação, desde sua institucionalização pelo governo norte americano em 1918 com a edição do Webb-Pomenare Act. Em seguida, será tratada a evolução do cartel de exportação após a II Grande Guerra, sob a influência do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), culminando com a elaboração da Carta de Havana. Em seguida, será abordado o Export Trading Company Act americano de 1982. Mais adiante, tem-se o desenvolvimento do tratamento dado aos cartéis de exportação após a criação, em 1995, da Organização Mundial do Comércio (OMC). Por fim, serão tratadas as discussões mais recentes travadas sobre a matéria, enfocando as perspectivas dos países em desenvolvimento, dentre os quais, insere-se o Brasil.
Esclareça-se, de antemão, que o presente tópico não pretende esgotar os momentos marcantes à economia mundial, apesar de coincidir com alguns deles. Aqui serão abordados quatro períodos distintos em que a disciplina da concorrência foi diretamente abordada ou impactada.
3.1 O Webb-Pomenare Act
Não são recentes as disposições normativas acerca dos cartéis de exportação. Uma pesquisa voltada a descobrir as origens dos cartéis de exportação tem o condão de evidenciar os inúmeros resultados encontrados ainda nos idos de 1900, sobretudo no tocante à qualidade e profundidade do material.
Acerca da promulgação do Webb-Pomenare Act, insta salientar a necessidade de análise, do ponto de vista de um aplicador do direito contemporâneo, das razões para a elaboração dessa legislação, suas vantagens e desvantagens, bem como algumas questões levantadas à época pelos estudiosos que primeiramente a elevaram à categoria de estudo.
O Webb-Pomenare Act foi concebido em 1918 com a finalidade de promover as exportações norte americanas, isentando-as da incidência das disposições do Sherman Act[16] e denominando as empresas que atuassem em conjunto como associações exportadoras. Além do mais, aquele diploma legal, exigia-lhes a comunicação, no prazo de trinta dias, à Federal Trade Comission (autoridade antitruste estadunidense) acerca da atividade realizada.
Existiam à época razões que conduziram à elaboração dessa legislação.
As associações exportadoras eram consideradas uma resposta legal para um desenvolvimento tardio. A fim de que as empresas norte-americanas pudessem competir no mercado internacional, então dominado pelos europeus e japoneses, os pequenos empresários norte-americanos precisavam dotar-se de um tino negocial enorme, de onde surgiu como solução a associação exportadora. Tendo em vista que grandes Estados naquela época permitiam esse tipo de associação para exportação, os exportadores americanos encaravam a Sherman Act como uma barreira ao sucesso.
Neste sentido, em 1928, prelecionava Kirsh:
Uma atitude mais tolerante do que aquela evidenciada pelas políticas concorrenciais norte americanas é manifesta pelos governos dos Estados ao redor do mundo. Na Europa, atualmente, não existe nenhuma restrição normativa que subsidiem as disposições e contenham penalidades tão drásticas como as previstas nas leis norte americanas.[17]
A legislação que emergia, então, permitindo a associação para exportação era, por outro lado, uma opção política do Estado. Essas associações eram necessárias para que fosse possível responder aos europeus, que, detendo poder de mercado, tinham condição e a exercitavam, reduzindo o valor dos produtos exportados pelos Estados Unidos. Foi neste contexto que o Webb-Pomenare Act foi decisivo na história norte-americana.
É necessário que se diga, também, que o Webb-Pomenare Act foi apenas um pedaço de uma ampla política norte-americana, que tinha como escopo a promoção do comércio norte-americano para além de suas fronteiras. As facilidades de obtenção de crédito na Europa, a discriminação contra os produtos americanos, a pequena quantidade de investimentos americanos nos títulos de empresas estrangeiras, bem como um efetivo descompasso de experiências internacionais, levaram os empresários americanos a requerer uma compensação por parte do governo para que tivessem incentivos para exportar e investir.
Com isso, ao lado da permissão conferida pelo Webb-Pomenare Act para que o empresariado se associasse, levando, essa atuação conjunta, à redução de custos e à maior facilidade de captação de informações estratégicas sobre mercados e financiamentos de seus negócios, bem assim ao intercâmbio de experiências e expertises entre os membros, veio também a promulgação dos Shipping Board Act, Edge Act e Merchant Marine Act, integrantes do mesmo plano desenvolvimentista, e que forneciam isenções à legislação antitruste e propiciavam novos meios de financiamento para a promoção do comércio internacional[18].
Há, ainda, quem identifique um outro motivo para a edição do Webb-Pomenare Act como sendo a pretensão de que os empresários norte-americanos não competissem entre si nos mercados estrangeiros. Essa ideia que não é tão desarrazoada se funda na noção de que, sem competirem entre si, os produtos norte-americanos alcançariam melhores preços no exterior[19].
A maior parte dos trabalhos desenvolvidos sobre o Webb-Pomenare Act diz respeito a suas vantagens e desvantagens. Antes, contudo, de adentrar nesse mérito, é necessário que se diga que o único ente a incentivar a prevalência absoluta daquela legislação foi a Federal Trade Comission (FTC) – autoridade antitruste norte-americana. Além dela, somente alguns autores apregoavam apoio incondicional àquelas novas disposições legais.
Em relatório[20] publicado em 1927, a Federal Trade Comission enumerou as vantagens da adoção do modelo de cartéis de exportação: a) a redução dos custos de comercialização e de transporte; b) padronização de práticas empresariais; c) aumento da qualidade dos produtos; d) a eliminação de competição nociva no mercado internacional; e) economia nos negócios; f) melhor sistema de distribuição; g) compartilhamento dos dados obtidos.
Por outro lado, consoante explica Cristina Gonta[21], existiam, também, apelos de estudiosos que repudiavam a adoção do Webb-Pomenare Act, os quais dividiam-se de acordo com o tom de sua crítica, que classifica, a autora, em críticas egoístas e críticas altruístas. As primeiras tem seu objeto centrado em um ponto comum: o medo de que a associação para exportação leve os empresários a restringirem a concorrência também no âmbito doméstico, levando em consideração deterem eles os meios necessários para tal. Este pensamento, que não é solitário no mundo acadêmico, decorre da ideia de que os mercados doméstico e internacional não são mercados isolados e incomunicáveis.
Outro argumento esposado por Fournier[22] concerne ao receio de que isenções ao Sherman Act, como as conferidas pelo Webb-Pomenare Act conduzissem à proliferação de cartéis internacionais, atividade nociva e muito intensa nos anos que antecederam a Primeira Grande Guerra. Outrossim, aponta, o autor, que essa legislação conduziria à enormes dificuldades administrativas no âmbito do Departamento de Justiça, que carregaria o pesado fardo de provar as eventuais restrições internas à concorrência.
Jones[23] apresenta, também, outra desvantagem da adoção do modelo cartelizador. Segundo o autor, esses arranjos podem levar a uma guerra comercial. O Webb-Pomenare Act gera o potencial de criar uma reação do lado dos Estados que já gerenciavam e permitiam cartéis de exportação, de modo a expandirem suas associações em reação às ações nos novos exportadores norte-americanos.
Do outro lado da moeda, está o que se optou por designar por críticas altruístas. Neste sentido, Fournier[24] afirmava que o Webb-Pomenare Act e suas futuras interpretações consistiriam no veículo de opressão dos povos estrangeiros e, ainda nos anos de 1920, propôs que as ações se pautassem sobretudo na responsabilidade. No mesmo sentido, Jones[25] apontava que a busca de grandes grupos unidos pelo comércio tendia a enfraquecer a paz mundial.
Em suma, o Webb-Pomenare Act representou a primeira tentativa concreta de regulação da matéria dos carteis de exportação, evidenciando parte da política comercial norte-americana então adotada. Tratava-se de uma expressão sobretudo política, tendo em vista não existir, à época, nenhuma situação jurídica ou econômica que impusesse uma emenda ao Sherman Act.
Além disso, infere-se que os primeiros estudiosos que se debruçaram sobre o Webb-Pomenare Act mais se preocupavam com os impactos políticos a serem sentidos do que, propriamente, com seus efeitos jurídicos. As discussões acerca das associações para exportação, no que tange à criação de um ambiente pacífico ante a garantia dada a seus empresários em atuar no mercado externo ou, na contramão disso, de que tal permissivo conduzisse a uma guerra, criando um desconforto entre os Estados prevaleceram nas academias norte-americanas.
Por fim, para que não se pense que o WPA fosse um diploma legal erigido a partir de uma situação fática, revestido por um suporte teórico idealista, tem-se que levar em consideração que, o termo utilizado por aquela legislação foi “associação para exportação” e não “cartel de exportação”, muito embora tenham idênticos significados – a cartelização para dividir mercados consumidores, fixar preços ou construir barreiras para outros empresários. Essa nomenclatura era mais bem vista, levando à conclusão de que os criadores daquela lei, assim a idealizaram como uma espécie de bem a ser criado em favor dos pequenos empresários americanos, dando-lhes a oportunidade de se inserir no mercado internacional.
3.2 Do Sistema de Bretton Woods à criação da Organização Internacional do Comércio (OIT)
A Segunda Guerra Mundial deixou para trás um mundo politicamente, economicamente e juridicamente deprimido, e, por estas razões, qualquer tentativa de decifrar as escolhas políticas realizadas àquele tempo devem ser sempre encaradas sob esse prisma.
Enquanto a maior preocupação após a I Guerra Mundial era restaurar a paz perdida com aquele acontecimento, a principal medida buscada após a II Guerra consistia em assegurar o bem-estar de todos, indo além das fronteiras nacionais. Ao contrário do que se verificou com o fim da I Guerra Mundial, ao fim da II Guerra, o comércio se estabeleceu como um dos pilares das relações internacionais. Não foi outra a razão pela qual o Acordo de Bretton Woods, em 1944, previu que o futuro de uma estrutura econômica ampla deveria incluir um Fundo Monetário Internacional, o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e, mais à frente, a Organização Internacional do Comércio (OIC). Tudo isso denota a percepção comum entre os Estados de que o comércio deveria ser considerado como uma das principais peças no jogo das relações internacionais.
Os precursores do sistema de Bretton Woods adotaram uma visão de ampla aproximação entre os agentes com vistas ao comércio. Posteriormente, conforme previsto na Carta de Havana[26], as relações comerciais tinham como escopo não somente a redução de tarifas, mas, também, a maior oferta de empregos, redução dos índices de discriminação e aumento do volume de renda dos Estados. Neste sentido, a Carta de Havana continha não somente disposições acerca de tarifas e restrições, mas, igualmente, dispunha acerca de subsídios, acordos de commodities, empregos e práticas negociais restritivas.
Foi, pois, nesse contexto de maior aproximação para o comércio que as deliberações acerca de práticas anticoncorrenciais se mostraram relevantes. A esse respeito, a Carta de Havana estipulou, em seu art. 46, que cada Estado membro deveria cooperar para prevenir que empresas públicas ou privadas levassem a cabo práticas anticoncorrenciais que afetassem o comércio internacional, restringindo a competição entre os agentes envolvidos, limitasse o acesso a mercados consumidores ou, ainda, que criasse monopólios, independentemente do momento em que tais práticas viessem a produzir seus efeitos.[27]
A Carta de Havana estabeleceu um procedimento de consulta, calcado em um processo investigatório e outros procedimentos especiais em atenção à providências a serem adoradas em situações que potencialmente afetassem o comércio internacional, restringindo a competição ou promovendo controles monopolistas. Se as consultas não resolvessem o problema exposto, então todos os membros teriam a oportunidade de levar a questão para a direção executiva da Organização das Nações Unidas. Ainda, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) poderia rever as decisões tomadas na Conferência.[28]
As disposições criadas pela Carta de Havana acerca das práticas anticoncorrenciais foram precedidas de um intenso debate acadêmico. Eram duas as principais ideias discutidas durante a era de Bretton Woods: a primeira delas consistia no perigo representado pelas atividades cartelizadoras e a segunda no fato de que seria necessária uma ação concertada entre os Estados para combater àquelas ações, na busca pela paz.
Os cartéis restringem o comércio internacional e atenuam os efeitos da redução das barreiras tarifárias. Eles reduzem a competição, diminuindo os incentivos à inovação, limitando as possibilidades dos consumidores se precaverem de produtos de baixa qualidade e restringem o mercado para o surgimento de novas indústrias.[29]
Foi nesse período que se reconheceu a necessidade, pela primeira vez, de uma ação internacional para prevenir e contra atacar os efeitos que os cartéis tinham nas relações comerciais.[30]
Ademais, percebeu-se que somente esforços nacionais e internacionais conjuntos seriam capazes de gerar uma solução vitoriosa contra os cartéis, bem assim consolidou-se o entendimento de que toda política envolvendo cartéis deveria ser baseada em princípios bem definidos e deveriam estar sintonizadas com as disposições legais e econômicas estabelecidas.
As previsões contidas na Carta de Havana no que tange às restrições firmadas às práticas anticoncorrenciais poderiam ter, simplesmente, indicado a proibição de condutas colusivas como os cartéis de exportação, o que, entretanto, não foi feito.
Por outro lado, tem-se que o momento após a segunda guerra abriu um mercado promissor para os empresários norte-americanos, que eram os únicos capazes de satisfazer as necessidades criadas com a guerra. Essa situação de vantagem para os exportadores americanos levou à percepção de que seria desarrazoado para os Estados Unidos privar seus empresários de uma ferramenta tão importante para penetrar nos mercados estrangeiros.
Mister salientar que a Carta de Havana foi sabotada pelos Estados Unidos, que outrora figurou como seu grande entusiasta. Neste sentido, Taylor[31] afirma que:
O Departamento de Estado Norte Americano enxergou a Carta de Havana como uma ameaça a impor mais rigor às leis anticoncorrenciais norteamericanas, enquanto o Congresso norte Americano a via como uma ameaça sem precedentes para sua hegemonia econômica e soberania política doméstica na fase do pós II Guerra. (Tradução livre)
Por outro lado, a despeito de não ter logrado êxito a criação da Organização Internacional do Trabalho, evidente a maturidade de valores alcançada no cenário internacional, considerando que mais de cinquenta Estados ratificaram a Carta de Havana em 1950. Àquela época, as relações comerciais e trabalhistas, bem como as políticas sociais adotadas constituíam, consoante assinalado por Daniel Drache, uma “revolução nas políticas de Estado.”[32] Para quem, ainda, “o consenso alcançado através da Carta de Havana foi pioneiro para as nações ao redor do mundo por ter criado um padrão para todas as demais iniciativas.”[33]
Se por um lado, as rodadas de negociação em torno do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) e da liberalização do comércio trouxeram, cada vez mais, a ideia do livre comércio e deram um novo significado às relações comerciais em geral, por outro as mazelas da Liga das Nações e os interesses egoístas dos Estados combinados com a recém instalada hegemonia norte-americana e seu empenho em proteger os interesses de suas indústrias levaram o sistema de comércio internacional a um estado de paralisia, que por si só não era capaz de responder a determinados problemas. Um desses problemas que se verificou eram justamente os carteis de exportação, que tendiam a criar a exploração dos consumidores ao redor do mundo e que reforçavam, de acordo com Diamond[34] “uma dicotomia teórica na filosofia das operações comerciais”.
3.3 O Export Trading Company Act de 1982
Em 1982, foi instituído o Export Trading Company Act pelo Congresso norte americano, após a constatação do arrefecimento da participação americana no comércio internacional. Essa nova legislação reconhecia expressamente a isenção concedida pelo governo aos cartéis de exportação.
Foi implantado um novo sistema, diferente daquele preceituado pelo Webb-Pomenere Act. Agora, a solicitação das isenções antitruste seriam realizadas pelos empresários e examinadas pelo Departamento de Justiça norte-americano, seguido de posterior análise pelo Departamento de Comércio, que seria responsável pela elaboração do documento de isenção à associação.
Para que os grupos fossem considerados aptos à obter o certificado de isenção, era necessário que o acordo entre os agentes exportadores não viesse a prejudicar a concorrência no mercado norte-americano; que não restringisse as exportações; não alterasse, no mercado interno, os preços dos produtos similares aos exportados; e não caracterizasse ato de concorrência desleal entre os exportadores.[35]
A partir deste documento, houve outras alterações, como bem esclarece Maíra Miura[36]:
Outra importante alteração, também ligada ao erro contido no antigo texto legislativo, está na completa imunidade conferida às associações tanto no âmbito federal quanto no âmbito estadual a quaisquer atividades por elas desenvolvidas que tenham sido objeto de prévia aprovação por parte do governo. Com a medida, acabou-se com a insegurança vivida pelos agentes nos termos do Webb-Pomenare Act, pelo qual poderiam ser responsabilizados por prejuízos causados a outro exportador americano e, muito mais grave, teriam responsabilidade penal objetiva por quaisquer efeitos que seus atos, ainda que não queridos, causassem no mercado.
Independente dos benefícios criados pela nova legislação, a comunicação das empresas acerca de suas atividades, em busca da emissão do certificado de isenção, seguiam restritas. Isso se devia ao fato de existir, por parte dos agentes, uma certa desconfiança, uma vez que precisavam informar aos órgãos detalhes confidenciais das transações que pretendem efetuar, bem como por não existir nenhum precedente da Suprema Corte Americana que dispusesse acerca da incidência do Export Trading Company Act.
Apesar do número de empresas que comunicam oficialmente sua associação decrescerem, em 2013, ainda existem setenta e três associações detentoras do Certificado de Isenção, de acordo com o Departamento de Comércio norte-americano.[37]
3.4 A Organização Mundial do Comércio (OMC) como turning point
As discussões envolvendo os cartéis de exportação alcançaram seu auge após a criação da OMC em 1995, principalmente após o surgimento do Grupo de Trabalhos para a Interação entre Políticas de Comércio e Concorrência (WGTCP) durante a Conferência de Singapura[38]. As questões levantadas acerca dos cartéis de exportação no âmbito do WGTCP foram fortemente debatidas e as posições encartadas pelos Estados dividiam-nos entre favoráveis e contrários à sua existência.
Dentre os países que se demonstraram partidários, encontravam-se os Estados Unidos. Já a União Europeia, por outro lado, condenava a existência das associações para exportação, posição esta declarada desde sua primeira comunicação oficial[39] feita ao WGTCP. Outro Estado também as repudiou[40], conjuntamente aos europeus, foi o Japão, em atitude contraditória, considerando que sua legislação doméstica previa isenções aos cartéis de exportação em claro incentivo à atuação de suas indústrias no cenário internacional.
Tendo em vista o leque de manifestações dos Estados-membros da OMC em relação ao tratamento a ser dado aos cartéis de exportação, sobretudo no viés da relação “promoção do comércio x preservação da concorrência”, duas principais preocupações emergiram. A primeira delas consistia no papel a ser desempenhado pela OMC no deslinde de questões envolvendo comércio e concorrência e, neste sentido, no Relatório Anual de 2000, elaborado pelo WGTCP, restou consignada que:
A OMC é o órgão apropriado para resolver as questões relacionadas às interrelações entre políticas comerciais e concorrenciais […] A OMC é, certamente, mais do que um instrumento para negociações equilibradas acerca de concessões. Ela desempenha um papel, em que deve estabelecer normas para regerem as relações comerciais internacionais e para assegurar que países em desenvolvimento e outros membros não sejam privados dos benefícios do liberalismo […] As espécies de práticas anticompetitivas que foram tratadas no Grupo de Trabalhos, incluindo os cartéis internacionais, cartéis de exportação e práticas desleais com repercussão internacional, tem efeitos evidentemente distorcidos no comércio internacional, bem como efeitos nocivos ao desenvolvimento; assim, seria estranho imaginar que a OMC, como organização internacional que é, não devesse se preocupar com tais atividades.[41] (Tradução nossa)
A segunda enfatizava a necessidade de se estabelecer uma nítida diferença entre o que seriam políticas comerciais e políticas de concorrência. Neste sentido, restou claro que as isenções dadas aos cartéis de exportação levavam em conta de sobremaneira os interesses dos consumidores e empresários domésticos, ao passo em que negligenciavam os interesses dos consumidores estrangeiros[42].
Além dessas questões, discutiu-se o impacto dos cartéis de exportação, sendo crucial a discussão acerca da existência de interferências daqueles agentes no comércio internacional. Assim, se a prática colusiva levasse o comércio à experimentar efeitos adversos, então estaria justificada a ação multilateral dos Estados. Se, por outro lado, esse tipo de associação não restringisse o comércio internacional, então faltaria motivo para uma intervenção.
Nos anos que se seguiram à criação do WGTCP, em seus relatórios anuais, constavam sempre menções aos cartéis de exportação. Em 1999, assinalou-se que os cartéis de exportação restringiam a concorrência nos mercados consumidores estrangeiros.[43] Em 2002, constava que os cartéis de exportação eram utilizados, também, como uma política comercial estratégica com o escopo de extrair lucro dos outros países.[44] Outros posicionamentos, contudo, também emergiram desses documentos. Alguns Estados continuavam a apregoar que os cartéis de exportação continham efeitos pró-competitivos, já que agregavam ao mercado novos atores que poderiam levar inovações ou produtos mais baratos, não podendo agir isoladamente. Outrossim, afirmavam que eventuais efeitos negativos causados por essas associações poderiam ser perseguidos pelos Estados afetados.[45]
Esta visão, entretanto, não encontrava muitos adeptos e, em resposta, estatuiu-se que a maioria dos cartéis de exportação envolviam empresas multinacionais e não pequenos e médios empresários que precisassem combinar esforços para alcançar níveis de eficiência.[46]
É de se notar, ainda, que, durante as discussões travadas acerca dos cartéis de exportação, constantemente emergiam tópicos envolvendo os países em desenvolvimento. Evidente que estes Estados muitas vezes eram as maiores vítimas daquelas associações e, neste contexto, dois pontos importantes foram tratados.
O primeiro deles considerou que o número dos cartéis de exportação e de seus efeitos deletérios ao comércio internacional e seu desenvolvimento devem ser maiores do que efetivamente se conhece, uma vez que a maioria dos países não procede ao registro daquelas atividades.[47] Por outro lado, considerando a vulnerabilidade dos Estados em desenvolvimento, consignou-se que a eles deveria ser permitida a criação de isenções antitruste, de modo a excepcionar seus cartéis de exportação das legislações vigentes, tendo em vista que a maioria dos empresários dos países em desenvolvimento possuem em pequeno padrão produtivo e precisam unir forças para fazer frente ao poder de barganha que os demais agentes dos países desenvolvidos possuem.[48]
Apesar de terem sido levantadas relevantes questões durante o WGTCP, houve poucas intervenções tocantes a procedimentos a serem adotados quando da constatação da atividade de um cartel exportador. Percebeu-se que para frear atividades anticoncorrenciais de modo efetivo, existia a necessidade de contar com políticas antitruste domésticas alinhadas à cooperação internacional em níveis bilateral, regional ou multilateral.[49] Além disto, as autoridades domésticas necessitariam de instrumentos para o desenvolvimento e fortalecimento de suas instituições, da criação de medidas coercitivas efetivas e claras, bem como precisariam proteger informações confidenciais.[50]
Mais além, consignou-se que a cooperação entre o Estado que verifica a ocorrência da atuação de um cartel de exportação em seu território e do Estado natal daquela associação não é o melhor meio de combate à associação, uma vez que o Estado pátrio daquela associação pode relutar em aplicar sua legislação antitruste àqueles agentes, em detrimento de sua indústria doméstica em benefício do Estado afetado.[51]
Ademais, a impotência jurisdicional dos Estados afetados pelos cartéis de exportação foi enaltecida. As autoridades antitruste do Estado pátrio dessas associações não podem puni-los em razão de não se verificar, naquele território, efeitos negativos de sua atividade. Por outro lado, nos Estados em cujos mercados consumidores os cartéis estão ativos, existe a grande dificuldade em persegui-los ante a carência de informação e ferramentas para combatê-los. Essa situação conduziu à conclusão de que a cooperação internacional aparecia como meio mais efetivo para lidar com esses arranjos[52].
Por fim, sugeriu-se que a cooperação internacional para o combate aos cartéis de exportação deveria ser baseada na ideia de inexistência de tratamento mais favorável, no campo do direito da concorrência, aos cidadãos ou empresas estrangeiras do que aquele tratamento endereçado aos cidadãos e empresas domésticas. Assim, a legislação antitruste doméstica poderia ser aplicada em detrimento de grupos que atuassem de forma desleal fora dos limites de seu território natal.[53]
É importante notar que os sujeitos cujas atuações eram mais frequentes durante o WGTCP foram os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão. Essa situação pode demonstrar, por um lado, a ausência de interesse dos países em desenvolvimento em debater a questão, ou, por outro lado, a ausência de expertise destes Estados. De todo modo, a falta de uma discussão multilateral foi fundamental para que, em 2004, o debate acerca do comércio e concorrência fosse eliminado da agenda da OMC.[54]
Este momento compreendido entre os anos de 1996 e 2004 deram conta de que pela primeira vez houve uma discussão multilateral acerca dos cartéis de exportação. Por outro lado, essa experiência evidenciou que os países em desenvolvimento carecem de maior expressão em organismos articulados.
Não obstante a extinção do WGTCP no âmbito da OMC, sua existência foi bem sucedida na medida em que os debates realizados promoveram grande impacto na legislação e nas políticas adotadas pelos Estados ao redor do mundo. De igual modo, foi reconhecida a competência da OMC, ainda que de forma implícita, como local adequado para submeter questões envolvendo comércio e concorrência.
3.4 O Pós 2004
Após a extinção do grupo de trabalhos sobre comércio e concorrência na OMC, diferentes tendências passaram a ser adotadas em relação aos cartéis de exportação.
A questão dos cartéis de exportação passou a ser ignorada após a decisão tomada em julho de 2004 durante a Rodada de Doha. Desse documento, infere-se que, diante reticência dos países em desenvolvimento e das posições contraditórias adotadas pelos Estados Unidos e pela União Europeia, nessa matéria, as autoridades dos Estados preferiram adotar uma postura de abstenção em relação aos problemas gerados pelos cartéis de exportação.
Essa foi, também, a postura adotada pela Rede Internacional de Concorrência (ICN), fundada em 2001, com a missão de promover a adoção de padrões avançados e procedimentos na formulação de políticas antitruste ao redor do mundo, formular propostas para convergência de processos e facilitar a cooperação internacional em benefício das empresas, consumidores e economias.[55]
Apesar de existir, na estrutura da ICN, um Grupo de Trabalhos voltado para discutir os cartéis (CWG), não integram seu rol de discussões os cartéis de exportação, de modo que este assunto sequer compõe sua agenda de discussões. O que pode explicar essa ausência de interesse no tema é o fato de que a ICN volta sua atenção aos cartéis hard core. Consideram, também, existirem efeitos pró-competitivos envoltos em sua atuação, que prevaleceriam sobre eventuais efeitos negativos.
Essa situação se comprova com o relatório elaborado para a 4ª Conferência Anual da CWG, que ao tratar da problemática dos cartéis, dispôs que:
Enquanto o entendimento ordinário do que constitui um cartel e de seus efeitos nocivos se apresenta consistente nas diversas jurisdições, existem, ainda, muitas questões problemáticas que dão azo a diferentes abordagens na definição e na execução de normas proibitivas do cartel. [56]
Uma dessas situações problemáticas é justamente a existência de isenções antitruste. Ainda assim, o relatório elaborado deixa de referenciar os cartéis de exportação como uma espécie de colusão com efeitos deletérios ou, ainda, como prática aceita e excluída da incidência das legislações antitruste dos Estados. Essa questão se mostra mais curiosa quando levado em consideração que os mesmos Estados membros da OMC que, outrora, salientaram a necessidade de uma atuação multilateral para o combate aos cartéis de exportação, nesse momento quedaram-se silentes, excepcionando sua discussão do interior da ICN.
Não se deve, contudo, esquecer que o bem estar do consumidor global deve ser a base de qualquer esforço empreendido para resolver os problemas postos pelos cartéis de exportação. Qualquer que seja o caminho a ser adotado pelos Estados, é imprescindível que se tenha em mente que problemas experimentados por mercados globais requerem respostas também globais.
Diante, então, da ausência de regulamentação da matéria por Organismos Internacionais, cumpriu à academia delinear caminhos a serem seguidos nas relações entre Estados e associações para exportação, de modo que é possível a identificação de duas soluções: ações isoladas dos Estados, a partir da qual se depreende que o cartel de exportação é um verdadeiro mecanismo de política comercial e, por isso, cumpre a cada Estado sua aceitação ou restrição; e ações concertadas entre os Estados, que preconizam a formação de uma autoridade antitruste internacional, competente para instituir as diretrizes acerca da concorrência em níveis globais.[57]
4 BENEFÍCIOS APONTADOS
Os cartéis de exportação representam uma fonte de poder para os Estados pequenos e para aqueles cuja economia é modesta[58]. Esses cartéis são, em verdade, ferramentas utilizadas pelos governos e pelas empresas para a consecução dos mais diversos objetivos, como a possibilidade de inserção de novos agentes no mercado internacional, a redução dos custos de exportação, a redução da concorrência interna pelos mercados internacionais.
4.1 Possibilidade de inserção de novos agentes no mercado internacional
O primeiro benefício a ser abordado é a possibilidade conferida pelas associações para exportação de que um novo agente possa levar seu produto ou serviço para além das fronteiras nacionais.
Isso ocorre em virtude do rateio de custos que, por si só, obstariam o ingresso de pequenos e médios empresários no cenário internacional. Apesar de soar desarrazoado o fato de que um acordo horizontal entre competidores tem o condão de inserir mais um agente no mercado, é isso que efetivamente ocorre.
O produtor nacional que deseja levar seu produto para o exterior mas não tem condição de fazê-lo, vive restrito ao mercado nacional, diante da impossibilidade de arcar com todos os custos necessários à exportação. Ademais, o próprio desconhecimento de outros mercados o impede de atuar, restringindo-lhe mercados e lucros.
Com isso, os cartéis de exportação revelam-se como instrumento de fomento à exportação, na medida em que possibilita o surgimento de mais um ente, bem como diversifica os produtos existentes no mercado de consumo.
Ainda nesse sentido, é incongruente afirmar que, no contexto comercial internacional - dominado por empresas transnacionais, seriam justamente os cartéis de exportação que tornariam o mercado anticompetitivo. Ao contrário disso, os cartéis fariam frente aos grandes conglomerados, levando ganhos aos novos empresários internacionais e aos consumidores.
4.2 Redução dos custos de exportação
Quando o produtor nacional resolve inserir-se no mercado internacional, ele passa a contar com outros custos, além daqueles básicos, com os quais arcaria normalmente, no mercado doméstico. Além da produção do bem, conduzi-lo a outro país implica, pelo menos, prima facie, um custo a mais com transporte, o que, por si só, coloca o exportador em situação de desvantagem perante os empresários locais do novo mercado.
Outrossim, não há como se conceber a ideia de que o exportador suporta, no exterior, os mesmos riscos inerentes à sua atividade desenvolvida em seu país de origem. Sobretudo, em relação aos pequenos empresários, a atividade é demasiada arriscada, o que acaba por inviabilizar sua inserção em outros países.
Diante desse panorama, pois, repleto de custos adicionais com transporte, novos tributos, acondicionamento, pesquisa de mercado, contratação de pessoal e assessoria especializada e mesmo, de gastos com tribunais de arbitragem – técnica comumente utilizada para solução de controvérsias no direito privado internacional, não há como descartar a viabilidade de utilização do cartel de exportação.[59]
Desse modo, a diminuição dos custos adicionais em virtude de seu rateio, entre os membros exportadores, se comparada à situação em que cada um, individualmente, teria que suportá-los integralmente, propicia muito mais segurança ao negócio intentado no exterior. Nesse sentido, tem-se a autorização aos cartéis de exportação como verdadeiro instrumento de política comercial, em que o ganho não se opera somente no âmbito das empresas, mas, de igual modo, é um ganho à economia do Estado exportador.
Ademais, se forem comparadas as empresas dos países em desenvolvimento e aquelas tradicionais dos países centrais, não como se conceber uma competição em pé de igualdade, de modo que o Estado, em buscas de uma efetiva igualdade entre os competidores, autoriza a conduta colusiva a fim de oportunizar a competição em níveis equivalentes.
Nesse sentido conclui John R. Magnus:
A divisão de custos e uma economia de escala alcançáveis através de cartéis de exportações, muitas vezes resultam em ganhos dramáticos. Empresas que atuam nos mercados internacionais são capazes de reduzir seus custos através da partilha de despesas com marketing e estrutura de distribuição e escoamento de seus produtos, bem como com instalações portuárias e navios. Elas também podem compartilhar o custo de coleta e análise de informações comerciais sobre, por exemplo, o crédito estrangeiro e as condições de mercado, oportunidades de transporte e seus requisitos. Essa redução de custos resultam em um ganho de mercado, além de, também, reduzirem os custos finais para os consumidores ao redor do mundo. Dividir os fatores de risco é importante, pois, em muitas áreas do mundo, é demasiado arriscado para o produtor individual, em especial para as pequenas empresas, haja vista a necessidade de investimentos de base, imprescindíveis para realização dos negócios.[60]
4.3 Redução da concorrência interna pelos mercados internacionais
A concorrência, a depender do momento em que seja analisada, pode apresentar resultados diferentes. Ao consumidor, a princípio, ela é sempre benéfica, haja vista a oferta de preços diferenciados, que lhes permite optar por aquele mais baixo, bem como a partir da oferta de produtos cada vez melhores, a partir do desenvolvimento de novas tecnologias.
Ocorre que nessa concorrência, se declinada sua análise para um momento posterior e, diante de competidores cujos produtos sejam semelhantes, pode conduzir à constatação de um resultado catastrófico para os agentes competidores e, em última análise, também para os consumidores.
Exemplo elucidativo para ilustrar como a concorrência desenfreada entre fornecedores do mesmo produto pode ser prejudicial, hipótese em que o cartel de exportação se mostra como uma saída adequada, foi trazida por Maíra Miura:
Os cafés verdes oferecidos pelos cafeicultores brasileiros não apresentam diferenciações entre si (nesse sentido, não commodities). Assim, para a Nestlé (ou para qualquer outro comprador) é indiferente adquiri-lo da fazenda A ou B, tendo em vista que o produto final não será modificado pela escolha de um ou outro fornecedor.[61]
Nesse caso, se os fornecedores continuarem a competir desenfreadamente, reduzindo seus preços para firmarem seus negócios, acabarão por abalar o negócio como um todo, através do estabelecimento de preços irrisórios.
A única beneficiada nesse contexto seria a Nestlé, ao passo que os produtores sairiam ambos prejudicados, em virtude de somente um poder fechar o negócio e, mesmo com isso, fechá-lo em termos prejudiciais a si próprio. Nesse sentido, arremata Miura: “a concorrência sem limites pode até mesmo levar à ruína dos agentes econômicos, que muitas vezes não recebem dos compradores valor suficiente para manutenção de suas atividades. Vencem a disputa, mas não levam as batatas”.[62]
Com efeito, é necessário ter sempre em vista o mercado com o qual se está lidando, sobretudo no caso dos países em desenvolvimento, onde, por vezes, é necessário que haja um controle sobre a competição, a fim de que todos os envolvidos em determinado setor da economia exportadora possam atingir seus objetivos e viabilizar sua própria existência.
Seguindo essa linha de pensamento, pode-se pensar, ainda, de forma ampla, no impacto que a ruína das empresas, pode ter no desenvolvimento social do Estado. Caso seja mantida a competição desenfreada entre os agentes, com o consequente abalo de sua estrutura, que pode levá-lo à falência, deve-se ter em conta o desemprego gerado, a queda na arrecadação tributária pelo Estado, dentre outros fatores, o que evidencia a necessidade da atuação estatal, muitas vezes, na economia como regulador de setores específicos.
5 Efeitos Negativos
Existe um número grande de estudiosos que defende fortemente a ideia de que a tutela conferida pelos Estados aos cartéis de exportação deveria ser abandonada e substituída pela cooperação internacional entre os diversos entes estatais, através, inclusive, da existência de uma autoridade antitruste internacional, com vistas à harmonização das legislações concorrenciais e efetiva ação contra as atividades predatórias.
Neste sentido, Frédéric Desmarais argumenta que a existência dos cartéis de exportação seria no máximo uma soma sujo resultado seria resultado zero, e que, apesar de serem apontados alguns benefícios por si gerados, numa análise sistemática de seus pontos positivos e negativos, os cartéis deveriam ser banidos pelos Estados.[63]
Para tanto, são elencados três principais vieses argumentativos desfavoráveis aos cartéis de exportação, consistentes na análise de seus efeitos sobre: o mercado internacional; os mercados domésticos; os países em desenvolvimento.
5.1 No mercado internacional
Os cartéis de exportação representam um obstáculo à consecução de um sistema internacional de comércio, onde o fluxo de bens e serviços não seja obstado por acordos anticompetitivas.
Nesse sentido, a OCDE através de seu Comitê Especializado em Práticas Negociais Restritivas estatuiu que:
Cartéis de exportação podem manter ou criar barreiras ao comércio ao forçar consumidores a pagar altos preços ou limitar a quantidade de agentes exportadores. Nesses casos, eles conduzem à (des)liberalização do comércio internacional, pondo em risco importantes objetivos econômicos, como o aumento da eficiência econômica e a otimização do fornecimento de commodities aos consumidores.”[64]
Revelando-se, pois, como um entrave à construção de uma política internacional da concorrência, que regularia a atuação dos inúmeros Estados no cenário internacional, com vistas a obstar qualquer atitude capaz de diminuir ou eliminar a concorrência, os cartéis de exportação ao lado de outras medidas protecionistas deveriam ser banidos pelos Estados.
Ocorre que, como os Estados são relutantes em proibir a atuação dos cartéis de exportação, eles acabam por colocar em xeque as políticas comerciais internacionais que buscam promover a integração entre os mercados. Essa relutância leva ao crescimento de isenções aos cartéis de exportação em acordos internacionais bilaterais ou multilaterais, como é o caso do NAFTA.
Além disso, os cartéis de exportação tem efeitos prejudiciais sobre o comércio internacional, porque eles têm criam um movimento contínuo nos representantes dos Estados, o que acaba criando, também atritos comerciais. Em primeiro lugar, os Estados não estão dispostos a abandonar unilateralmente suas isenções conferidas aos cartpeis de exportação, em virtude de eventuais benefícios que eles podem gerar em detrimento de outros países.
De acordo com esta singela observação, o Departamento Canadense de Relações Exteriores e Comércio Internacional, por exemplo, considera que países podem querer revogar tais isenções às suas legislações nacionais, mas são, compreensivelmente, relutantes em fazê-lo, a menos que seus principais parceiros comerciais também revoguem suas isenções.
Em segundo lugar, como uma resposta aos cartéis de exportação de um país, outro país pode ser induzido a incentivar esse tipo de conluio em sua própria economia, a fim de permitir às suas empresas nacionais a participação em igualdade de condições nos mercados internacionais.
Para Ana Paula Martinez[65], o ideal seria banir todos os tipos de cartéis, incluindo aqueles de exportação, uma vez que na presença destes há perda de eficiência, com potencial redução do bem-estar (mundial) agregado.
Para Morici,[66] os países deveriam obrigar-se a combater práticas anticompetitivas que atinjam negativamente consumidores de outras regiões mediante a assinatura de um acordo multilateral de defesa da concorrência. Nesta esteira de pensamento, o Japão[67] e a Comissão Europeia[68] apresentaram à OMC minutas de acordos multilaterais que prevêem proibição a todos os tipos de cartéis de exportação.
Scherer[69], por sua vez, alude à criação de um organismo internacional de defesa da concorrência, chamado de International Competition Policy Office, que teria a atribuição de guardar os registros dos diversos cartéis de exportação existentes, prevendo, desde já, a permissão dessa conduta. Após cinco anos de funcionamento desse órgão, os Estados deveriam elaborar leis internas proibindo, a partir daquele momento, a prática dos cartéis de exportação, podendo, contudo, permitir até três exceções por país.
A despeito das variadas soluções apontadas, o que se tem em concreto é que os cartéis de exportação criam atritos comerciais, estabelecendo uma tendência internacional favorável a sua duplicação em todo o mundo.
5.2 No mercados domésticos
Uma grande preocupação que se apresenta inexoravelmente em relação aos cartéis de exportação é a incerteza quanto à produção desses efeitos exclusivamente nos mercados estrangeiros. Os Estados autorizam suas atividades para que seus nacionais otimizem suas atividades, mas sem que sua atividade colusiva se transforme no típico cartel proibido.
Os entusiastas desse argumento crêem ser impossível o controle do Estado acerca da atividade desenvolvida pelo grupo de empresas, haja vista a necessidade de um contínuo e minucioso controle sobre os atos desenvolvidos pelas empresas a fim de verificar se realmente a colusão se destina somente a ganhos em detrimento de outros mercados que não os domésticos.
A despeito da escassez de material que trate mais detidamente sobre os efeitos gerados no âmbito interno dos Estados, parece existir um consenso acerca da probabilidade de que os efeitos dos cartéis se espalhem, também, pelo interior dos Estados que lhes autorizaram.
Christian Shultz argumenta que os cartéis de exportação facilitam a colusão tácita ao monitorarem erros de forma eficiente. A questão, portanto, é como as empresas concorrentes, tanto no mercado externo e interno aproveitam essas isenções à colusão, a fim de maximizar seus benefícios? Se o mercado externo e interno forem semelhantes, as empresas tenderão a orquestrar suas produções ou aumentar artificialmente seus preços também no mercado interno.[70]
Ainda em 1974 a OCDE já previa os efeitos colaterais dos cartéis de exportação[71]:
É fácil imaginar que os esforços empreendidos para alcançar uma política de exportação comum e o intercâmbio de informações sobre os preços, custos, linhas de produção, as capacidades, as políticas de venda, etc, podem influenciar o comportamento concorrencial interno das empresas participantes. Assim, o "efeito colateral" da maioria dos cartéis de exportação pura pode consistir numa restrição da concorrência nacional, principalmente através de paralelismos conscientes. Isto é ainda mais provável quando se percebe que muitos contratos de exportação, provavelmente, impõe um custo para as partes envolvidas na forma de exportações perdidas. Se as empresas mais eficientes incorrerem em perdas nos mercados de exportação a suposição deve ser feita que obtenham vantagens de compensação no mercado interno.
Ademais, é asseverado, ainda, que a instituição das isenções busca oportunizar à empresas, que não teriam condições de sozinhas atuarem no cenário internacional, o acesso conjunto a esses mercados. Seria, com isso, o fôlego que as pequenas empresas precisariam.
Para muitos autores, entretanto, nada mais falacioso do que esse discurso. Para eles, as isenções seriam utilizadas somente por grandes empresas, que não precisariam desse tipo de incentivo.
5.3 Nos países em desenvolvimento
O público alvo dos cartéis de exportação, sejam eles explícitos ou implícitos, são, muitas vezes, os países em desenvolvimento. Apesar de muitos deles terem adotado legislações concorrenciais nos últimos anos, como o Brasil, que o fez em 1994, bem como diante da aplicação da doutrina efeitos (abordada no capítulo seguinte) que, poderia, em tese, fornecer uma base para processar cartéis de exportação, na prática, eles não são susceptíveis de fazê-lo com sucesso.
Nesse contexto, a Tailândia declarou que o uso de cartéis de exportação nada mais era do que uma política comercial estratégica para extrair rendas de países estrangeiros, o que era inaceitável. Outros Estados orientais, como China e India, também requereram a proibição dos cartéis de exportação nos países desenvolvidos, mas salientaram que deveria existir um "tratamento especial e diferenciado" para legitimar os seus próprios cartéis de exportação, alegando que eles são constituídos por pequenas empresas e, como tal, esses países desejam garantir-lhes viabilidade e desenvolvimento de modo que possam se tornar competitivas.
Nesse sentido, Bernard Sweeney considera que:
Isenções aos cartéis de exportação nos países em desenvolvimento parece justificado. No entanto, a isenção só deve se aplicar na medida em que o cartel de exportação está atuando perante um país desenvolvido. Quando o cartel está negociando com outro estado de desenvolvimento, nenhuma isenção deve ser aplicada.[72]
A despeito das considerações acima, no sentido de que deveria ser proibida a atuação dos cartéis de exportação, resta a seguinte indagação: quais são os prejuízos que, efetivamente, os países em desenvolvimento sofrem essa atividade colusiva?
Em primeiro lugar, os cartéis de exportação que operam a partir de países desenvolvidos são prejudiciais para os países em desenvolvimento porque as indústrias destes últimos são geralmente os principais consumidores, e, como eles não podem exercer controle sobre os preços estabelecidos pelos cartéis, acabam sendo obrigados a aceitá-los. Os países em desenvolvimento que são afetados por preços predatórios ou abusivos são, muitas vezes, impotentes para atacar o próprio cartel, porque qualquer evidência do acordo, provavelmente, só poderá ser encontrada em outra jurisdição.
Em segundo lugar, quanto maior for a existência de cartéis de exportação que atuem sobre o mercado consumidor ou quanto menor for a concorrência nacional entre agentes nacionais, maior é a possibilidade de que os cartéis venham a exercer verdadeiro poder de mercado.
Em terceiro lugar, como indicado pela OCDE, os cartéis de exportação afetam adversamente os países em desenvolvimento, pelas seguintes razões:
Os cartéis de exportação podem afetar o preço e fornecimento de insumos utilizados em indústrias exportadoras dos países em desenvolvimento através de práticas discriminatórias e pela recusa de vender certos materiais ou equipamentos para países em desenvolvimento. [Ainda] os cartéis de exportação das empresas em países desenvolvidos pode se envolver em práticas monopolistas contra os seus concorrentes menos poderosos nos países em desenvolvimento. [Também] os interesses de exportação dos países em desenvolvimento podem ser adversamente afetados por alocações do mercado internacional que vinculam também subsidiárias de membros do cartel dos países em desenvolvimento em questão.[73]
Cumpre, por derradeiro, salientar que o Estado afetado tem inúmeras dificuldades em obter as provas sobre o cartel se ele está localizado em outro Estado. As autoridades antitruste do Estado em que as empresas concertadas estão domiciliadas e, portanto, quem mantém o máximo de informações sobre suas conduta e detém o melhor acesso para as atividades dessas empresas em questão, deveriam cooperar com aqueles Estados que são prejudicados pelo comportamento anti-competitivo, mas assim não o fazem, tutelando prioritariamente o intresses de seus nacionais.