Estado de exceção na Segurança Pública

22/04/2015 às 19:06
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As forças de segurança pública são treinadas para a guerra (civil).

O assunto é por demais importante (e complexo) porque diz respeito à vida (e à morte) de todos nós brasileiros – com exceção, talvez, dos que só andam de helicópteros. Nem é preciso apontar quanta insegurança pública nos abala no dia a dia; alguns já passaram por situações traumáticas, outros não, mas o fato é que ninguém em sã consciência ignora as estatísticas e os graves problemas que nos condenam ao encarceramento das atividades rotineiras ou ao cárcere, propriamente dito. Basta-nos lembrar que a guerra civil (eufemisticamente chamada de “guerra assimétrica de ruas) debela 50 mil brasileiros(as) por ano, em ocorrências de morte violenta.
Estado de Exceção no Brasil
O status político conferido às atuais instâncias do poder central brasileiro (Super-presidencialismo; presidencialismo de coalizão; capitalismo de situação), inicialmente, postula questões de fundo/institucionais que podem/devem ser apropriadas da realidade do Poder Político. Ainda que presente a tipologia dos Estados – no nosso caso, o Estado Democrático de Direito –, o realismo político não pode ser embaraçado pelas ideologias, teorias (mais ou menos idealistas) e formalismos político-jurídicos.
1. Veremos a legitimação como critério que autoriza a existência do Estado e assim valida suas intervenções?
2. Quem autoriza, quem valida afinal?
3. Quem legitima e como legalizar?

1. Certamente, pela ontologia que acompanha e fundamenta a tipologia estatal, a legitimação vem autorizada pela existência do Estado (denominada Razão de Estado) e isto garante a intervenção do Poder Público em todas as esferas da vida social (por coerção direta e indireta – majestas – que estão na base do discurso da soberania). O Poder Político não reconhece superlativos, uma vez que não há poder acima que refreie a ação diretiva do próprio Estado: como inconteste organização e centralização do poder.
1.1 O Estado é um mito, na condição de Estado Primordial . Podemos pensar nos fundamentos da Pólis, na Grécia Clássica; nas famílias patrícias da antiga Roma (o Mito de Rômulo e Remo); na mística germânica (do Mito de Arminius ou Hermann até a personificação em Bismarck); na origem Quaker, nos EUA; em todos os “homens de virtù” fundadores de religiões ou de Estados – de Maquiavel ; no mito de Simon Bolívar para a América Latina. No romance O General em seu Labirinto – retrato melancólico de alguém açodado pelo desterro –, G. G. Márquez traçou os últimos tempos de Simón Bolívar .
2. Na democracia representativa, quem legitima é o povo (conjunto de eleitores) que, elegendo seus representantes, outorga o direito de legislarem e formularem políticas públicas em seu nome. Formalmente, sob a alcunha do Estado de Direito, o Estado é o beneficiário dessa outorga de poderes para, de acordo com as regras estabelecidas na Constituição Federal de 1988 (CR/88), promulgar novas diligências jurídicas.
3. Politicamente, as Casas Legislativas são reféns de grupos de poder (frações de classe) e de Lobbies (grupos de pressão). Economicamente, o direito é formulado a fim de não coibir o direito à propriedade e nem inibir a concentração de renda. Culturalmente, apesar das práticas balizadas pela iniciativa popular e por métodos democráticos, como as do Orçamento Participativo, predomina a cidadania passiva, por vezes reativa, e que se limita ao “direito ao voto” (este, por seu turno, ungido por interesses não-claros e comumente contrários ao interesse popular). Ideologicamente, o direito de resistência e a luta pela transformação social, por exemplo, são obnubilados e acabam convertidos em negação conservadora e acusadora de insurreições (por grande parte da mídia), associando-os ao crime organizado (por ação do Estado Punitivo).
3.1 A Luta pelo Direito – como parte do esforço visível no longo processo civilizatório – também é reativa e se resume a dois pontos: a indignação societal se resume à demanda por novos crimes hediondos (por meio de leis de exceção que retroalimentam o Estado Penal – a versão jurídica do Estado de Exceção atual); luta-se pelo direito individual muito mais do que se concebem os direitos fundamentais sociais. Luta-se por um direito (fundamental) violado, mas, via de regra, atém-se ao direito do sujeito de direitos (no singular), uma vez que os sujeitos coletivos do direito são denegados pelo Positivismo e Pragmatismo Jurídico; bem como pela desarticulação social e política dos movimentos sociais populares.
3.2 A cidadania ativa é sintetizada (“cristalizada”; limitada) no texto constitucional e os movimentos e as ações sociais ou coletivas conhecem apenas dois caminhos: ou são minimizadas ou são criminalizadas (reprimidos pela lei e pelos aparatos ideológicos e repressores de Estado). Exemplo claro disso é o enquadramento legal do movimento anarquista Black Bloc como organização criminosa.
3.3 A luta pelo direito individual é elementar – desde a confirmação dos direitos civis, na Inglaterra de 1215 – e fundante do direito ocidental. Não pode, portanto, ser subestimada e muito menos afrontada (a exemplo da condenação do direito de ampla defesa e do Princípio da Presunção de Inocência: “todos são inocentes, até que se prove o contrário” – o que se dá com o trânsito em julgado de sentença condenatória). Porém, como legitimação social, é preciso ver que o direito antecede ao Estado – a exemplo do próprio direito de autodeterminação do povos – e que, sem a seiva participativa dos movimentos sociais populares, a demanda social pelo direito continua prejudicada e limitada por interesses imediatistas, reativos, egoístas, oportunistas.
3.4 O Estado de Exceção no Brasil está balizado em várias pontes entre a institucionalização do poder que interessa à manutenção do status quo, assim como tem por lastro a negação contraditória de uma real e verdadeira guerra civil. É neste nível que opera a legitimação do direito (sobretudo do Direito Penal), ora negando ora criminalizando a Luta pelo Direito: criminalização das relações sociais. Em suma, o Estado treina seus aparatos repressores para a guerra, mas não admite que o caos social (preservação de privilégios de classe) assumiu a condição de guerra civil (há muito que o crime organizado tem projetos políticos – fala inclusive na defesa do Estado Democrático de Direito – e conta com lideranças políticas profissionais).
Portanto, ainda cabe salientar que o texto a seguir, especificamente referente à formação das elites da polícia, é parte de uma pesquisa em andamento e está composto de uma breve exposição de motivos, além de um questionário objetivo e de um anexo.
Perguntas à espera de respostas sensatas, lógicas, convincentes (não escapistas ou formais e de mera retórica)
Como anunciado no site do BOPE/RJ (ANEXO), os policiais recebem seus treinamentos de Comandos e das Forças Especiais. Pois bem, treinamos a elite da polícia com base em técnicas altamente mortíferas. Mas, por que, se não estamos em guerra? Ou estamos em guerra civil não admitida pelo Poder Político?
Outro dado esclarecedor da situação excepcional refere-se ao fato de que se encontra farta bibliografia a respeito das Forças Especiais no mundo todo; porém, impera um sigilo absoluto acerca da Polícia Militar, sobretudo da ROTA/SP  e do BOPE. Por que tanto sigilo, se são forças policiais institucionalizadas e sendo que também vigora o Princípio da Transparência?
Breve relato do objeto da pesquisa
O tema da pesquisa, pessoal e institucional, é indicar a relação do uso de referenciais das Forças Especiais (FE)/Comandos por uma polícia que não admite estar em guerra civil. Por que empregamos nas polícias especializadas treinamentos e recursos altamente letais se não estamos em contexto de guerra civil?
Outra questão decorrente é o fato de que as FE/Comandos são exceção na tropa das próprias Forças Armadas. Logo, treinamos as polícias, mas especificamentea Polícia Militar (PM) a partir da "exceção". Melhor dizendo, a elite da PM é uma força policial de exceção.
Além do fato de que as Forças Armadas treinam para a eliminação integral de seus inimigos e, ao contrário, a PM tem outro caráter constitucional, devendo-se ater à contenção, prevenção e repressão. Sendo que o emprego de força letal atende pelo “estrito cumprimento do dever”, uma salvaguarda jurídica equiparada à legítima defesa do indivíduo civil.
Neste caso, certamente, será um paradoxo insolúvel treinar os subterfúgios da exceção de combate e ensinar direitos humanos.O "inimigo combatente não é feito prisioneiro" (no manual da Força Delta/EUA) e, constitucionalmente, o pior dos sujeitos em "desacordo com a lei" têm a integral proteção do Estado de Direito.O Kidon (Israel) treina exaustivamente para matar com as mãos, em total improviso. Todos treinam técnicas de tortura. Assim, como justificar o ensino/prática dessa exceção na PM, sem romper o Estado de Direito?
Questionário Objetivo
1. A autoridade entrevistada já fez curso de formação especial, para combate de contraguerrilha urbana?
2. A autoridade entrevistada já chegou a fazer a correlação entre as operações especiais de polícia com técnicas militares de exceção ou similares sabendo que tais técnicas são exceção mesmo nas Forças Armadas?
3. A autoridade entrevistada já entrou em conflito ético/moral em decorrência de alguma ordem demandada do escalão superior? Como se deu[ram] esse[s] conflito[s]?
4. A autoridade entrevistada em algum momento entendeu que a doutrina empregada por unidades especiais da polícia militar pode ir de encontro às normas supranacionais já constituídas como os direitos humanos?
5. A autoridade entrevistada entende, de alguma forma, que há um Estado de Exceção vigente no país, na região ou na sua cidade considerados os meios de exceção utilizados pela polícia com regularidade e previsão técnica do Comando Militar ou do próprio governo?
6. A autoridade entrevistada consegue vislumbrar as possíveis consequências da não submissão progressiva das massas diante das ações especializadas de polícia e de eventuais abusos por parte dessa?
7. A autoridade entrevistada compreende que as ações especiais da polícia poderiam desencadear efeitos colaterais indesejados como a especialização cada vez maior das forças criminosas, conforme têm-se observado a partir da mídia e de relatos de policiais nas mais diversas oportunidades –, fazendo-se uso de armamento cada vez mais pesado, de munição especial e o uso de explosivos, por exemplo?
8. A autoridade é capaz de compreender que há limites para as ações da polícia e que se esse limite for ultrapassado os próprios conceitos de crime e de repressão proporcional precisariam ser revistos?
9. Como a autoridade entrevistada concebe a intervenção das Forças Armadas em operações urbanas?
10. Em relação à questão anterior, a autoridade entrevistada compreende que a hipertrofia do Estado, sobretudo dos aparatos repressivos, induz à desproporcionalidade ao tratar de assuntos da esfera de segurança pública?
11. A autoridade entrevistada entende que tal ação governamental dos agentes da defesa nacional, as Forças Armadas, seria um marco para a demonstração prática do fim da utilidade da polícia tal como é conhecida e o início de um novo paradigma, onde as forças policiais são efetivamente extensões altamente especializadas de forças que somente deveriam ser acionadas em caso de guerra declarada?

ANEXO
BOPE

O BOPE surgiu em 1974, em uma ocorrência havida com reféns no Instituto Penal Evaristo de Moraes, conhecido como “Galpão da Quinta”. Em 19 de janeiro de 1978 foi criado o Núcleo da Companhia de Operações Especiais (NuCOE).
Inicialmente, os policiais que formaram o NuCOE eram voluntários, dotados de comprovada integridade moral e alguns possuíam especialização nas Forças Armadas, tais como o Estágio de Operações Especiais, Curso de Guerra na Selva ou o Curso de Contra Guerrilha – CONGUE (origem do Curso Especial de Comandos Anfíbios – ComAnf).
Em 1º de março de 1991 foi criado o Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE). Para pertencer ao quadro, não basta ter bom preparo físico, boa técnica e bom caráter. É necessário ter o espírito de combatente: coragem, equilíbrio emocional, constância e força de vontade. Os policiais já cursados pelas Forças Armadas foram os primeiros instrutores da tropa.O símbolo da faca na caveira é adotado desde o início e estão presentes em várias equipes de forças especiais pelo mundo.
A faca simboliza o caráter de quem faz da ousadia sua conduta. Representa também o sigilo das missões. É o mais perfeito instrumento de combate que o homem já desenvolveu. Basta observar que a forma básica da faca não foi alterada em milênios.O crânio simboliza a inteligência e o conhecimento, mas também a morte. A faca nele cravada é o símbolo da superação humana.
A origem dessa crença é incerta, porém comenta-se que durante a Segunda Guerra Mundial um grupo de comandos das forças aliadas teria ido a um campo de concentração nazista para libertar prisioneiros. Ao entrarem na sala de um dos oficiais alemães verificaram que havia “troféus” macabros, como crânios e ossos humanos.
Foi quando um soldado, num gesto de indignação, tirou uma adaga de seu uniforme e cravou em cima de um dos crânios, bradando a todos que a vida, naquele momento, venceu a morte. Dessa forma, a faca na caveira significa a “vitória sobre a morte”.
Na canção do BOPE destaca-se um trecho: “Com extrema energia, combatemos todos os nossos inimigos / Criminosos declarados em igualdade / Derrotamos os omissos / Guerra sem trégua / heróis anônimos / Operações especiais”.Entre as forças internacionais que já fizeram intercâmbio com o BOPE estão: SWAT, FBI, US Marines Corps, NavySeals, GSG9 Alemão, Le Raid Francesa e a Yaman, unidade antiterror da Polícia de Israel.
A exceção, portanto, transparece na forma de operações especiais que requerem treinamentos em determinadas especialidades, como nos cursos de manejo de explosivos de Contra Guerrilha.Vinício Carrilho Martinez
Antenor Alves Silva

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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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