Prisão preventiva e as demais medidas cautelares à luz da Lei 12.403/2011

23/04/2015 às 15:39
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Este estudo monográfico tem como finalidade explanar as alterações advindas com da lei 12.403 de 04 (quatro) de maio de 2011, na esfera do Direito Processual Penal.

 

 

 

 

 

SILVIA VALERIA FARIAS CRUZ

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PRISÃO PREVENTIVA E AS DEMAIS MEDIDAS CAUTELARES À LUZ DA LEI 12.403 DE 2011

 

 

 

 

 

 

 

“A justiça sustenta numa das mãos a balança que pesa o direito, e na outra, a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do direito”.   (Rudolf von Ihering)

RESUMO

Este estudo monográfico tem como finalidade explanar as alterações advindas com da lei 12.403 de 04 (quatro) de maio de 2011, na esfera do Direito Processual Penal. A nova lei das prisões, como essa é conhecida, trouxe inovações quanto à aplicação das medidas cautelares, principalmente no âmbito da prisão preventiva. O presente trabalho foi elaborado através de pesquisas em livros, artigos científicos, em outros trabalhos de conclusão de curso, jurisprudência e na própria legislação pátria. As modificações ocorridas após a nova lei alteraram o campo das medidas cautelares no Processo Penal, quais sejam elas, a prisão preventiva, a prisão em flagrante, temporária, domiciliar e em especial inseriu as medidas cautelares diversas da prisão. Logo, a referida lei veio respaldar direitos fundamentais previstos na Constituição da República, principalmente no que diz respeito à Dignidade da Pessoa Humana e ao Direito a liberdade. Este último direito deve ser a regra, deste modo, a prisão deverá ser a última alternativa.

PALAVRAS-CHAVE: Lei 12.403/11; Medidas Cautelares ; Prisão Preventiva; Processo Penal.

 

 

  ABSTRACT

 

This monographic study aims to explain the resulting changes to the law 12.403 four (04) May 2011, in the sphere of the Criminal Procedure Law. The new law on prisons, as this is known, brought innovations in the application of the precautionary measures, especially in the context of preventive detention. This work was developed through research in books, scientific and other works of completion, jurisprudence and legislation in their own homeland articles. The changes after the new law changed the pitch of the precautionary measures in Criminal Procedure, which they are, probation, jail in flagrante, temporary, home and especially the various precautionary measures entered the prison. Therefore, this law came back up fundamental rights provided in the Constitution, especially in regard to Human Dignity and Right to freedom. This right must be the rule, therefore, the arrest should be the last alternative.

Keywords: Arrest; Criminal Procedure; Injunction; Law 12.403 / 11.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................10

 

2 PRINCÍPIOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS À PRISÃO PREVENTIVA E DEMAIS MEDIDAS CAUTELARES...............................................13

2.1 Estado Democrático De Direito..................................................................13

2.2 Dignidade da pessoa Humana..................................................................16

2.3 Direitos e garantias fundamentais: gerações de direitos...........................19

2.4 Princípios Constitucionais Relacionados ao Tema....................................24

2.4.1 Princípio do devido Processo Legal.............................................24

2.4.2 Princípio do contraditório e da Ampla Defesa..............................26

2.4.3 Princípio da Presunção de Inocência do Acusado.......................27

 

3 O PROCESSO PENAL E A SUA CAUTELARIDADE............................................29

3.1 Direito Processual Penal Brasileiro: Breve Exposição..............................29

3.2 Aspectos importantes sobre as medidas cautelares na esfera Processual Penal................................................................................................................33

 

4 PRISÃO PREVENTIVA E AS MEDIDAS CAUTELARES EM GERAL CONFORME A LEI 12.403/2011......................................................................................................39

4.1 Prisão Preventiva: Considerações Iniciais.................................................39

4.1.1 Requisitos e Hipótese para a Decretação da Prisão Preventiva.41

4.2 Prisão em Flagrante...................................................................................50

4.3 Prisão Temporária.....................................................................................54

4.4 Prisão Domiciliar........................................................................................56

4.5 Medidas cautelares diversas da Prisão.....................................................58

 

CONCLUSÃO............................................................................................................64

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................65

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho acadêmico pretende estudar a Prisão Preventiva e as Medidas Cautelares da Lei 12.403/11, analisando as mudanças decorrentes desta nova lei, no âmbito da segregação cautelatória prevista no Direito Processual Penal.

Sendo assim, este estudo tem por objetivo principal, aclarar as inserções e alterações trazidas a tal pressuposto processual penal com a promulgação da lei em questão, demostrando as bases constitucionais acerca da legitimidade destas mudanças, ou seja, a sua constitucionalidade, coerência e compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro, fazendo-se assim um paralelo com a construção do Estado Democrático de Direito e os princípios norteadores do direito material e principalmente processual penal. Assim, declara-se a constitucionalidade das medidas cautelares como maneira de assegurar a efetividade do processo penal, não deixando de garantir direitos fundamentais, como a liberdade e a dignidade da pessoa humana.

O estudo frisa também a excepcionalidade das prisões como medida cautelar, pois a liberdade deve ser respeitada até que não reste alternativa diversa, pois até o transito em julgado da ação o réu é amparado pelo princípio da presunção de inocência e por isso a prisão seria uma forma de antecipar punição ainda não julgada em definitivo.

Neste sentido, a lei 12.403/11 busca defender que se o indiciado não trás perigo para a regular tramitação processual, o emérito julgador precisa concretizar a justiça com a garantia do direito fundamental de liberdade do indivíduo e, por isso, deve se observados as condições peculiares do fato, aplicar medidas diversas da prisão preventiva e demais prisões cautelares, buscando humanizar e constitucionalizar cada vez mais o direito penal.

O tema se perfaz de grande relevância social, pois a segregação cautelar no âmbito penal correlaciona princípios fundamentais inerentes à pessoa humana, os colocando, inclusive em conflito. Assim, a lei 12.403/11 buscou sobrepesar princípios constitucionais e evitar abusos, garantindo a justiça, com o respeito aos direitos individuais e ao mesmo tempo aos direitos coletivos. Além do mais, o Direito processual penal é de 1941 e a Constituição da República é de 1988, ou seja, a nova lei veio atualizar o Código de processo penal, no que diz respeito às medidas cautelares e proteger os novos princípios e garantias inseridas na Carta Magna vigente.

Se observado, o momento histórico do Código de Processo Penal, a luz da Constituição vigente a sua época, qual seja a de 1937, vislumbra-se um Estado autoritário, onde os direitos fundamentais eram mitigados pela interferência do governo antidemocrático, tendo em vista que a própria Constituição delegava ao Presidente da República o poder soberano sobre o Estado, colocando os poderes legislativo e judiciário abaixo do executivo.

Neste sentido, o estudo se torna viável, pois os aplicadores do Direito precisam de um entendimento jurídico sobre as mudanças trazidas pela nova lei que versa sobre a prisão preventiva e das demais medidas cautelares, no sentido de demostrar a sua proteção aos princípios e pressupostos basilares do direito brasileiro como um todo e não só na esfera penal. Quanto aos procedimentos metodológicos requeridos para o desenvolvimento deste trabalho, assevera a utilização do Método Dedutivo, visto que, para a pesquisa científica é necessária à edificação de uma teoria de base pautada na doutrina e sistemática jurisprudencial, revestindo-se do método dialético que garante ao estudo uma abordagem das controvérsias da temática abordada.

Destarte então a necessidade de utilização de uma pesquisa exploratória e descritiva, que vem subsidiar a análise documental, bibliográfica, doutrinária e jurisprudencial das medidas cautelares, como forma de dar sustentáculo ao limite estatal e garantir a aplicação dos direitos pessoais garantidos por ele.

A pesquisa acadêmica é composta por três capítulos, o primeiro, dispõe sobre os princípios e garantias constitucionais aplicáveis ao tema, trazendo a construção do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana e os direitos e garantias fundamentais, além dos princípios basilares do processo penal, o princípio da ampla defesa e do contraditório, ressaltando ainda o princípio da presunção de inocência. No capítulo seguinte, serão abordadas as medidas cautelares no âmbito do direito processual penal, enfatizando-se o funcionamento do sistema processual penal brasileiro e as considerações gerais sobre tais medidas.

O último capítulo trata especificamente do objeto principal do estudo, ou seja, da prisão preventiva e as medidas cautelares sob a ótica da lei 12.403/11, discutindo amplamente sobre a prisão preventiva, por ser a medida cautelar mais polêmica, pois muitos a descreverem como uma “condenação antecipada”, trazendo seu conceito, sua natureza jurídica, seus requisitos e as alterações sofridas com o surgimento da nova lei que a disciplina, além de abordar sobre a prisão temporária, a prisão em flagrante, à prisão domiciliar e as demais medidas cautelatórias diversas da prisão.

2 PRINCÍPIOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS À PRISÃO PREVENTIVA E DEMAIS MEDIDAS CAUTELARES.

            

Ab nitio, pretende-se neste primeiro capítulo, aclarar que a lei 12.403/11 veio adequar às prisões e medidas cautelares aos pressupostos e princípios constitucionais, visto que o Código de Processo Penal atual foi sancionado em 1941, enquanto que a Constituição da Republica em vigor foi promulgada em 1988. Nesse sentido, o Processo Penal, no que diz respeito ao tema estudado, encontrava-se ultrapassado, além do mais, estava desrespeitando o a soberania das normas constitucionais que são norteadoras de todo o ordenamento jurídico brasileiro.

Isto posto, não há como se estudar a prisão preventiva e demais medidas cautelares, sem ponderar os pressupostos e princípios constitucionais basilares na sua formação, estando este capítulo dedicado a essa análise.

2.1 Estado Democrático De Direito

O Estado Democrático de Direito está contido na Carta Magna em seu artigo primeiro, que dispõe:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (BRASIL, Constituição Federal, 1988.)

Neste artigo observamos os chamados princípios materiais estruturantes, que são as diretrizes fundamentais da ordem Constitucional, quais são: o Princípio Republicano e o princípio federativo. A República é regida pela representatividade, temporariedade, eletividade e pela responsabilidade política irrestrita, que se materializam respectivamente pela representatividade política, a periodicidade dessa escolha representativa, evitando o monopólio governamental, a possibilidade de qualquer cidadão ser investido em cargos políticos, desde que atendidos os requisitos legais e a responsabilidade penal, civil e política dos agentes públicos, respondendo de forma igualitária pelos seus atos, como qualquer cidadão.

O princípio federativo é outro vislumbrado na redação do artigo 1º da Constituição da República, que caracteriza a autonomia político-administrativa dos entes federativos. Dentro deste princípio, encontra-se outro, conhecido como princípio da indissolubilidade do pacto federativo, qual diz respeito a união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, que proíbe o direito de secessão. Contudo, a própria Constituição permite a intervenção federal, mas só em caso de ameaça a integridade nacional, conforme seu artigo 34, inciso I, da CRFB.

 É no artigo 1º da Carta Magna que também se encontra a expressão Estado Democrático de Direito, qual é o garantidor da concretização dos Direitos fundamentais, com a finalidade de limitar as mudanças decorrentes do processo capitalista e formar uma sociedade permeada pela igualdade e liberdade.

O Estado Democrático de Direito, segundo Dirley da Cunha Jr.:

É o princípio fundamental que reúne os princípios do Estado de Direito e do Estado Democrático, não como simples união formal de seus respectivos elementos, tendo em vista que revela um conceito novo que os supera, mas como providência de transformação do status quo e garantia de uma sociedade pluralista, livre, justa e solidária, em que todo poder emane do povo e seja exercido em benefício do povo, com o reconhecimento e afirmação dos Direitos Humanos fundamentais que possam realizar, na sua plenitude, a dignidade da pessoa humana. (2013, p. 519)

A partir deste conceito, faz-se necessário o entendimento do conceito de Estado de Direito e Estado Democrático. O primeiro, nada mais é que um Estado vinculado exclusivamente à lei sejam elas autoritárias ou não, enquanto o Estado Democrático é aquele estruturado pela soberania do povo e que repudia completamente qualquer forma de autoritarismo e imposição sem a legítima vontade dos governados. Dessa junção, extrai-se o Estado Democrático de Direito, regido por leis, mas não sendo estas emanadas da vontade do legislativo irrestritamente, devendo seguir pressupostos e resguardar valores já consagrados pela Constituição Federal de forma democrática e observando a soberania popular.

Ainda no artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil, vê-se que o Estado brasileiro é composto por cinco fundamentos estruturais e de bastante relevância para o entendimento do conceito de Estado Democrático de Direito. São esses fundamentos: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.

A Soberania deve ser estudada em dois âmbitos, o externo e o interno. No primeiro, o Poder Político é independente na ordem internacional, ou seja, o Brasil não se sujeita a imposições internacionais, a não ser as voluntariamente aceitas, sejam através de tratados ou acordos dos quais é signatário. Na perspectiva interna, a sua soberania está atrelada aos seus nacionais, ou melhor, os cidadãos brasileiros, só que exercida de maneira legítima através da constitucionalização da soberania que emana do povo, instituída pela democracia.

A Cidadania é o fundamento ligado diretamente ao Estado Democrático de Direito, ela é a legitimação de um indivíduo como cidadão, isso quer dizer que, a cidadania está vinculada aos Direitos Políticos, pois se concretiza com o exercício do direito à participação política, visto caber ao cidadão decidir o futuro do país e garantir a efetivação do interesse público. A Dignidade da Pessoa humana é um tema de bastante relevância para este trabalho acadêmico, e por isso, será abordado reservadamente mais adiante.

Os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa é o fundamento do Estado Republicano que garante aos cidadãos o exercício da autonomia, indispensável ao alcance da dignidade humana, por proporcionar o mínimo existencial. O trabalho é um direito social fundamental, conforme o artigo 6º da CRFB, ele garante que o cidadão exerça uma função no Estado através do seu labor, que além de lhe beneficiar economicamente, projeta um serviço cíclico à sociedade. A livre iniciativa relaciona a liberdade empresarial e de contratação. Não há como discorrer sobre a livre iniciativa sem mencionar o artigo 170, parágrafo único da CRFB, que dispõe: “Artigo 170. Parágrafo único: É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.” (BRASIL, Constituição Federal, 1988).

Assim, conclui-se que o Estado assegura à iniciativa empresarial, desde que se respeite a legislação, tendo em vista sua natureza social, principalmente a geração de empregos e renda, que proporciona o alcance à dignidade e prestigia direitos individuais, conjunto que auxilia no desenvolvimento harmônico do Estado.

Por fim, em relação ao Pluralismo Político, este deve ser analisado de forma ampla, não só no que diz respeito ao Pluralismo político-partidário, contido no artigo 17 da Constituição da República, que versa sobre a criação, incorporação, fusão e extinção de partidos políticos, desde que respeitando-se a soberania nacional, a democracia, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da dignidade da pessoa humana e outros preceitos específicos e elencados nos incisos deste dispositivo legal. Mas também outros, como por exemplo, o pluralismo religioso e econômico, resguardados respectivamente nos artigos 19 e 170 da CRFB.

Para concluir, vê-se que o Estado Democrático de direito é regido pelo poder atribuído ao povo, qual é o real titular do Poder Constituinte Originário, conforme visto através do artigo 1º da Constituição, qual legitima os cidadãos a escolha dos seus representantes e consequentemente, as leis que regem o Estado correspondem à expressa vontade da maioria.

2.2 Dignidade da pessoa Humana

É de suma importância para a conclusão do estudado deste tema, que se analise com afinco a dignidade da pessoa humana, princípio basilar da Constituição Federal brasileira. Esse princípio tem como fonte a Declaração Universal dos Direitos do Homem, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, documento que marcou o fortalecimento dos Direitos Humanos mundialmente.

Entre tantas aparições do princípio da dignidade da pessoa humana na citada Declaração, cabe destacar o artigo XXII, que revela:

Todo homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo pleno esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade. (Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948)

Destaca-se com o vislumbrado artigo que a Dignidade é fator essencial indispensável e deve ser perseguido por todos, bem como assegurado pelo Estado e pela cooperação internacional. Desvendo este princípio como uma conquista social fundamental para se garantir a essência da palavra humanidade.

Diante desta perspectiva, o filósofo Immanuel Kant, aborda que:

No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente, mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade. (1986, p. 77)

Destaca-se que o fundamento essencial se constrói na impossibilidade de se valorar, ou seja, a Dignidade é algo impossível de compensar ou repor, o que a coloca como um baluarte para os fundamentos e princípios constitucionais, dando-se um lugar de supremacia sobre os demais, visto que todos convergem para sua essência.

Assim, a Dignidade é algo transcendental, imbuído de espiritualidade só existente raça humana, como se pode observar já no primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que diz “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”. (Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948)

Sendo assim, se desvenda que a dignidade é fator preponderante e essencial à condição humana e por isso é mais que um princípio, ele é fundamento basilar para a construção dos demais.

Neste prisma revela o constitucionalista José Afonso da Silva, que "a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida". (1995, p. 106)

 Assim, forma-se o respeito dos Estados a esta premissa Globalizada de Dignidade da Pessoa Humana, se estabelecendo através de jus coens, que se firmam nas Cartas Constitucionais dos países. Como se pode observar na Hodierna Constituição do Brasil.

 Aclara a doutrinadora Carmem Lúcia Antunes Rocha que:

O sistema normativo de Direito não constitui, pois, por óbvio, a dignidade da pessoa humana. O que ele pode é tão-somente reconhecê-la como dado essencial da construção jurídico-normativa, princípio do ordenamento e matriz de toda organização social, protegendo o homem e criando garantias institucionais postas à disposição das pessoas a fim de que elas possam garantir a sua eficácia e o respeito à sua estatuição. A dignidade é mais um dado jurídico que uma construção acabada no Direito, porque se firma e se afirma no sentimento de justiça que domina o pensamento e a busca de cada povo em sua busca de realizar as suas vocações e necessidades. (ROCHA, INTERNET, 2012)

Destarte então que o Sistema Jurídico não criou a Dignidade da Pessoa Humana, ele vem apenas reconhecê-la como fator matriz da vida em sociedade, como reflexo da ansiedade do povo em ver resguardado o mínimo existencial que se traduz em dignidade. Devendo então, ser este princípio perseguido pelos Estados como garantia fundamental de seu dever e poder de atuação em favor da sociedade, portanto, esta perspectiva torna-se mundial e se reflete no que chama-se de Jus Cogens.

Neste entendimento afirma José Wilson da Silva Rocha (internet, 2012) que:

Na Constituição Federal, do art. 5º ao 17 estão previstos os Direitos e Garantias Fundamentais. Todavia, é no art. 1º, III, que se encontra o Princípio da dignidade da pessoa humana, positivado como Fundamento da República Federativa do Brasil. O caput do mesmo artigo estabelece que o Brasil é um Estado Democrático de Direito. (grifo nosso) (ROCHA, INTERNET, 2012)

Destaca-se que a Constituição Brasileira resguardou a dignidade da pessoa humana como fator essencial de construção de um Estado Democrático de Direito, sendo um princípio que se reflete no bem estar social, e no que se pode chamar de bem comum, dando uma amplitude de fundamento capital a construção e atuação do Estado Brasileiro.

Esse supra principio se fez necessário para garantir o mínimo ético- existencial, como se pode abrolhar na Constituição de 1988, conhecida como uma Constituição Social, por trazer princípios e fundamentos básicos, necessários para consagrar o Estado Democrático de Direito e a Dignidade da Pessoa Humana, que são os pilares a serem assegurados pelo Estado.

Sendo assim, se estabeleceu como alicerce de toda sistemática jurídica o Princípio da Dignidade, que passou a ser perseguido pelas hodiernas constituições, como direito fundamental e de forma externa como princípio máximo, ou seja, norteador das ações dos Estados.

Abrolha o brioso doutrinador Wolfgang Ingo Sarlet, que a dignidade se define como:

Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 2002, p. 62)

Neste diapasão asseverou o autor que a dignidade apesar de ser algo imensurável e intrínseco de cada ser humano, o seu desdobramento dá amplitude a palavra e reveste a necessidade de garantias mínimas para que seja respeitada esta assim, chamada qualidade intrínseca, pois se entende como reflexo da vida em sociedade.

Define assim, Carmem Lúcia Antunes Rocha que:

A dignidade da pessoa humana é a prova de que o homem é um ser de razão compelido ao outro pelo sentimento, o de fraternidade, o qual, se às vezes se ensaia solapar pelo interesse de um ou outro ganho, nem por isso destrói a certeza de que o centro de tudo ainda é a esperança de que a transcendência do homem faz-se no coração do outro, nunca na inteligência aprisionada no vislumbre do próprio espelho. Afinal, mesmo de ouro que seja o espelho, só cabe a imagem isolada. Já o coração, ah! coração cabe tudo. (ROCHA, INTERNET, 2012)

De uma forma irreverente a Douta autora vem explicar que a dignidade da Pessoa Humana é algo que vai além da norma, e esta insculpido no sentimento, sendo este único dos seres humanos, o que de forma simbólica o coloca como coração, sendo então este o motivador do senso de justiça a ser sempre buscado pelas ações dos Estados, sendo assim, de certa forma o mais exigido dos juristas.

2.3 Direitos e garantias fundamentais: gerações de direitos.

Ao abordar o referido tema, primeiramente há de se diferenciar os direitos e as garantias fundamentais. Segundo Pedro Lenza, os Direitos fundamentais são “bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos, preventivamente ou prontamente os repara, caso violados” (2010, p. 741). Explicando, os Direitos são existência, impressas na lei, já as garantias asseguram estes direitos.

O doutrinador acima citado, ainda trás em sua obra um exemplo bastante esclarecedor para concluir essa diferenciação, qual seja o inciso VI do artigo 5º da CRFB, transcrevendo: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos, garantindo-se na forma da lei a proteção aos locais de culto e suas liturgias”. (LENZA, 2010, p. 741). No primeiro verso, observa-se o direito à liberdade religiosa, já no segundo verso, vê-se diante da garantia que assegura esse direito. Assim, observa-se que geralmente, o direito e a garantia estão embutidos no mesmo dispositivo legal.

Em uma análise superficial do tema, ao falar em direitos e garantias fundamentais, vem-se logo a vincula-los ao artigo 5º da Constituição da República, contudo este importante dispositivo constitucional, trás apenas os direitos e deveres individuais e coletivos, ou seja, um grupo do referido tópico em análise, visto que os direitos e garantias fundamentais se dividem em mais quatro grupos, sendo eles os direitos sociais, direitos de nacionalidade, direitos políticos e partidos políticos.

Doutrinariamente, os direitos fundamentais são divididos em gerações ou dimensões, sendo especificamente cinco. Os fundamentais de primeira geração são pautados em condutas negativas do Estado, onde se prima pela igualdade formal, estabelecendo o que hodiernamente chama-se de direitos individuais, destacando-se às liberdades públicas, os direitos políticos e civis, aclarando-se a liberdade do indivíduo. Já a segunda geração, pauta-se na conduta positiva do Estado, onde se revelam as necessidades sociais em ações em prol da coletividade, os conhecidos direitos sociais, culturais e econômicos são os objetos desta geração, dando destaque aos direitos de igualdade.

A terceira geração dos direitos fundamentais refere-se ao que se conhece por direitos difusos ou coletivos, que traz a mística da proteção dos direitos do consumidor e do direito ao meio ambiente equilibrado, uma preocupação atual que revela os direitos de solidariedade. Já a quarta geração, ainda não consagrado com unanimidade pela doutrina, remete-se a garantia do direito ao patrimônio genético e o desenvolvimento da biotecnologia e bioengenharia que traz a baila um amplitude de discussão de temas polêmicos, como a utilização das células-tronco para o tratamento de doenças.

O direito de quinta geração, abordado pelo referenciado autor é proveniente de um posicionamento minoritário, destacando-se a obra do doutrinador Paulo Benevides, essa geração trás o direito à paz, que por considerar de extrema importância, fez-se por coloca-lo separado dos demais, excluindo inclusive dos direitos de terceira geração, onde a maioria das doutrinas o posiciona. O Direito à paz é pressuposto essencial para a vida humana e indispensável para o progresso no âmbito nacional e internacional.

Contudo, para o direito penal e principalmente no que se relacionam as medidas cautelares, revela-se mais importante o estudo dos direitos e deveres individuais e coletivos, espécie do gênero, encontrados na primeira e segunda geração dos direitos fundamentais, além do direito à paz, abordado anteriormente como direito pertencente à quinta geração.

Quanto às características dos direitos fundamentais, Pedro Lenza, pontua em seu livro Direito Constitucional Esquematizado, as seguintes características: a historicidade, universalidade, limitabilidade, concorrência, irrenunciabilidade e acrescenta a inalienabilidade e imprescritibilidade (2010, p.742). Dirley da Cunha Júnior, ainda aborda mais uma característica importante, a proibição do retrocesso (2013, p. 612-613).

Respectivamente, essas características significam que tais direitos possuem caráter histórico, ou seja, acompanham a evolução das sociedades, é indiscriminado, visto que atinge a todos, e relativo, pois muitas vezes há conflitos entre eles e surge a necessidade de balanceá-los, cabendo aos juízes decidirem pelo direito mais justo e menos danoso no caso concreto. Ainda, os direitos fundamentais podem ser exercidos de maneira cumulativa, a exemplo do jornalista que emite uma informação e na mesma oportunidade transmite a sua opinião. Esses direitos também não podem ser renunciados, muito menos disponibiliza-los, não havendo qualquer perda da sua exigibilidade em decorrência de lapso temporal, ou seja, eles não prescrevem.

Com relação à proibição do retrocesso, Dirley da Cunha Júnior discorre:

Sendo os direitos fundamentais o resultado de um processo evolutivo, marcado por lutas e conquistas em prol da afirmação de posições jurídicas caracterizadoras da dignidade da pessoa humana, uma vez reconhecidos não podem ser suprimidos, ou abolidos, ou enfraquecidos (2013, p. 612-613).

 Nesse sentido, o autor quis demonstrar que os direitos fundamentais foram os resultados de grandes avanços conquistados com o passar do tempo e a evolução da matriz dos direitos, que é a dignidade da pessoa humana, como já abordado. Não cabendo assim, qualquer conduta legislativa para que esses direitos não sejam mitigados ou suprimidos, mas apenas ampliados.

Com relação à prisão preventiva e as medidas cautelares do processo penal, cabe destacar alguns direitos fundamentais, que serão de bastante relevância na discursão e entendimento deste trabalho acadêmico. Eles são: o direito à vida (art. 5º, caput), à igualdade (art. 5º, caput, e I), proibição da tortura (art. 5º, III), à liberdade de locomoção (art. 5º, XV e LXI), além das garantias estritamente ligadas ao direito processual penal, como os direitos relativos às prisões, os direitos assegurados aos presos, merecendo destaque o direito ao devido processo legal, ao contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LIV e LV), que serão apresentados em destaque, posteriormente. Além desses direitos individuais ou direitos de primeira geração, como já vistos, cabe-se destacar um direito social, ou melhor, de segunda geração, qual seja ele, o direito à segurança.

Assim, discorrendo sobre os direitos destacados, começando pelo direito à vida, trazido de maneira genérica pela Constituição Federal no caput do artigo 5º, por atrelar dois sentidos a ele, quais sejam o direito de continuar vivo e o direito a uma vida digna. Com relação ao direito de continuar vivo, que abrange desde a concepção, com a vedação ao aborto, passando pela punição em decorrência de crime de infanticídio, pelo latrocínio e homicídio, até a proibição da pena de morte.

O Direito à igualdade ou mais conhecido, princípio da igualdade, previsto também no caput e inciso I do artigo 5º da CRFB, garante que todos são iguais perante a lei, sem distinção. A lei, inclusive a penal, recai sobre todos, independentemente de religião, raça, profissão, posição social e econômica, ou de qualquer outra natureza, essa é a chamada igualdade jurídica. Filosoficamente, a justiça é cega, devendo ser aplicada de maneira irrestrita. A proibição da tortura, direito dispõe no inciso III, também do artigo 5º da Carta Magna, veda á tortura ou tratamento desumano e degradante, inclusive sendo esse um crime inafiançável, conforme lei específica (lei 9.455/97). Inclusive, o cárcere em decorrência da prisão processual pode ser considerado tortura, a depender da condição a qual se encontra o custodiado judicial, considerando para tais fins a insalubridade das prisões, a incomunicabilidade dos presos e principalmente as agressões sofridas, seja por parte do próprio responsável legal, o Estado, na forma da polícia ou dos próprios companheiros de prisão.

Quanto ao direito à liberdade de locomoção (art. 5º, XV e LXI), que permite que em estado de paz, todos os cidadãos circulem livremente em território nacional, só podendo a liberdade ser restringida em decorrência de estado de defesa ou estado de sítio, constitucionalmente previstos nos artigos 136, §3º, inciso I e 137, inciso I, respectivamente. No inciso XLI, destaca-se a perda da liberdade em decorrência da prisão em flagrante e preventiva, que será estudada com afinco posteriormente.

Contudo, conclui-se a partir desses incisos que a liberdade é a regra e a prisão exceção, cabendo, em relação às exceções do inciso XLI, o preenchimento de requisitos para a perda legítima desse direito constitucional, mas de maneira humanizada, não podendo ultrapassar os limites do mínimo existencial e da manutenção da dignidade da pessoa humana.

Resguardando um direito social, pondera-se aclarar o direito à segurança, previsto no artigo 6º da CRFB. Este diz respeito ao dever do Estado em garantir a segurança pública, reforçada no artigo 144 da Carta Magna, que relata:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. (BRASIL, Constituição Federal, 1988)

Extrai-se deste dispositivo legal que a segurança é um direito e responsabilidade de todos, ou seja, cabe ao Estado propiciar a ordem pública através dos órgãos elencados nos incisos deste artigo, lembrando que esse é um rol taxativo, e que também é dever dos cidadãos brasileiros propiciar e manter a segurança pública nacional.

 

2.4 Princípios Constitucionais Relacionados ao Tema.

Neste subcapítulo, serão abordados os princípios constitucionais mais pertinentes ao tema, ou melhor, as grandes matrizes para a promulgação da lei 12.403/11. Delineando assim, o Direito à garantia do devido processo legal, qual prediz que ninguém poderá ser privado da sua liberdade sem o devido processo legal (art. 5º, LIV), o Direito as garantias do contraditório e da ampla defesa, como forma de defesa e efetivo cumprimento dos direitos processuais instituídos, neste caso, no código de processo penal e o princípio da presunção da inocência, aplicado àqueles acusados, qual o seu processo ainda não teve sentença condenatória transitada em julgado.

2.4.1 Princípio do devido Processo Legal

 

Para começar a entender este princípio, se faz necessário transcrever o dispositivo constitucional que o aborda, veja-se: “LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. (BRASIL, Constituição Federal, 1988)

Como já se foi visto, a liberdade é um dos direitos fundamentais individuais protegidos pela CRFB, assim como os bens também são garantidos através dos direitos sociais, como o Direito ao trabalho e à propriedade.

A doutrina e a jurisprudência, conforme relata Dirley da Cunha Jr., subdivide o princípio do devido processo legal em formal ou procedimental e material ou substantivo. O primeiro, também conhecido como procedural due process of law, devido a sua origem inglesa preceitua a exigência de um processo como formalidade necessária para imposição de penas, ou seja, a restrição de direitos, como ocorre no caso da condenação em regime fechado qual restringe a liberdade do condenado, só será possível depois de regular processo, condição indispensável. (2013, p. 706 e 707)

Analisando o devido processo legal material ou substancial (substantive due process of law), mais estudado pela doutrina norte-americana, vê-se que não deve ser apenas analisado tal princípio na perspectiva formal, ou seja, instauração do processo, após o recebimento da denúncia até o transito em julgado do processo. Pois no âmbito material do princípio, deve ser levada em conta a razoabilidade e proporcionalidade das decisões.

Assim, percebe-se que essa subdivisão do princípio em questão é fundamentada nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, visto ser a justiça um objetivo da República Federativa do Brasil, conforme o artigo 3º, inciso I da Carta Magna, pois não há como haver justiça sem o equilíbrio entre a razoabilidade e proporcionalidade das leis e atos emanados pelo Poder Público.

Ainda, o mestre e doutor em Direito Constitucional, Pedro Lenza, traz a baila três requisitos que devem ser preenchidos e levados em conta nas motivações das decisões judiciais e na elaboração das leis, esses são, a necessidade, a adequação e a proporcionalidade em sentido estrito (2010, p. 793-794).

A necessidade, diz respeito ao fato de só ser exigível a adoção de medidas que restrinjam direitos se esta restar a mais adequada e eficaz para o caso em concreto e ainda se, não existindo medida diversa menos severa que possa ser aplicada. Esse requisito tem bastante consonância com o Direito Penal, pois este como se sabe deve ser a ultima ratio, melhor dizendo, o último ramo do direito a ser acionado, apenas aplicando-o na ausência de normas regentes de outros ramos, tendo em vista a natureza das suas penas, que pretendem disciplinar e constranger os infratores, para que não mais ajam ou omitam-se diante as leis penais.

Na adequação, vislumbra-se o objetivo das decisões e leis, pois elas devem se vincular irrestritamente a atingir a finalidade perquirida. Quer dizer que a pertinência e idoneidade devem basear as decisões judiciais e as normas. Quanto à proporcionalidade em sentido estrito, deve-se ater a máxima efetividade e mínima restrição, tendo em vista que toda medida, além de necessária e adequada, deve ser proporcional ao ato praticado, simplificando, a restrição não pode ser medida mais severa do que a própria conduta praticada pelo acusado.

Por fim, vale-se destacar que o princípio do devido processo legal não se aplica ao Inquérito Policial, conforme entendimento do doutrinador Pedro Lenza (2010, p. 789). Tal justificativa se baseia pela não existência ainda de processo penal, pois aquele é um procedimento administrativo, que visa colher indícios suficientes de autoria e materialidade para embasar a propositura da denúncia pelo Ministério Público, nos casos de ação penal pública, para posteriormente poder ser recebida pelo juízo competente.

2.4.2 Princípio do contraditório e da Ampla Defesa

Disposto também no artigo 5º da CRFB, em seu inciso LV, o princípio do contraditório e da ampla defesa, diz: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. (BRASIL, Constituição Federal, 1988)

Este princípio substancia o devido processo legal, anteriormente abordado, pois não há como haver uma regular instauração e tramitação processual sem que sejam garantidos as partes o contraditório e a ampla defesa através dos meios elencados no ordenamento jurídico. Desse princípio se extrai a premissa de que todos possuem o direito de se defender das acusações, só podendo ser condenado se substancialmente comprovada a sua conduta nociva à ordem social.

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Um ponto importante a se destacar é que, como abordado sobre o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa também não são vislumbrados no Inquérito Policial pelos mesmos motivos daquele, ou seja, porque ainda não há no que se falar em processo nesta fase. Contudo, há doutrinadores, como o caso do ilustre Pedro Lenza, que entendem que o interrogatório e a nota de culpa, que ocorrem durante a lavratura da prisão em flagrante, seria uma forma de contraditório, mas deve ser observado que ainda não há uma acusação formal a que deva defender-se. (2010, p. 789).

Revela-se necessário destacar o significado do contraditório e da ampla defesa de maneira singular. Segundo Dirley da Cunha Junior, o contraditório “é garantia que assegura à pessoa sobre a qual pesa uma acusação o direito de ser ouvida antes de qualquer decisão a respeito”. (DIRLEY, 2013, p. 706). Em outras palavras, ele é a forma pela qual a constituição legitimou o réu a defender-se, para que ele pudesse se explicar quanto aos fatos ilegais imputados a sua pessoa. Inclusive, a Carta Magna concedeu o direto aos indiciados ou acusados de não produzirem provas contra se mesmo (art. 5º, inciso LVIII), podendo abster-se de declarações quanto aos fatos, sem que tenha qualquer prejuízo.

A ampla defesa, “é garantia que proporciona pessoa contra quem se imputa uma acusação a possibilidade de se defender e provar o contrário” (DIRLEY, 2013, p. 708).  Aqui, a finalidade é dar ao réu o direito da ampla produção de provas, devendo este através dos meios cabíveis legalmente provar a sua inocência ou mesmo, demostrar que há alegações postas pela acusação que majoram, aumentam ou qualificam a sua real conduta.

Assim, torna-se pertinente falar sobre as provas ilícitas, aquelas não admitidas pela Constituição brasileira em vigor, conforme artigo 5º, inciso LVI. Essas provas, conseguidas de maneira ilegal não podem ser relevas e usadas como motivação nas decisões judiciais. A prova ilícita é aquela conseguida com utilização de mecanismos repudiados pela legislação pátria, trazendo a exemplo, a prova obtida através de constrangimento ilegal.

No processo penal, a prova ilícita é disciplinada pelo artigo 157, desse código. Deste artigo, destaca-se o seu parágrafo primeiro, que trás a teoria dos frutos da árvore envenenada, também conhecido no processo civil. Esta teoria torna ilícita qualquer prova direta ou indiretamente derivada da considerada ilícita, traduzindo o significado do nome que se dá a teoria, que uma prova ilícita contamina as que delas são retiradas.

Os princípios do contraditório e da ampla defesa, em suma, nada mais são que, direitos do acusado, quais lhe permitem respectivamente, conhecer dos fatos a ele imputados, ser ouvido em juízo, explicando-se a respeito e a apresentação de provas que se fizerem necessárias.

2.4.3 Princípio da Presunção de Inocência do Acusado

O Princípio da Presunção de Inocência, resguardado constitucionalmente (art. 5º, inciso LVII), defende aquele que responde a processo, para que o Estado não trate-o como condenado, antes do devido processo legal e principalmente da sentença condenatória transitar em julgado, pois dela não cabe mais recurso, há não ser Revisão criminal, no âmbito processual penal, conforme artigo 621 e seguintes do Códex que o rege.

A Convenção Interamericana dos Direitos Humanos prevê no seu art. 8º, § 2, que: “toda pessoa acusada de um delito tem o direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”. Esta concepção foi essencialmente conservada quando da inserção deste princípio no ordenamento jurídico pátrio, conforme se percebe da interpretação do dispositivo legal constitucional, materializando-se um preceito internacional de Direitos Humanos.

O princípio em analise, garante ao réu a não condenação antecipada, geralmente embasada em uma perspectiva infundada dos fatos, ou até mesmo de um preconceito social em decorrência de características físicas ou econômicas. As características físicas inclusive refere-se a uma das teorias do famoso criminologista Lombroso, que acreditava que os criminosos poderiam ser identificados através dessas.

Carlos Eduardo Gonçalves apud Nestor Távora:

Antes deste marco, somos presumivelmente inocentes, cabendo à acusação o ônus probatório desta demonstração, além do que o cerceamento cautelar da liberdade só pode ocorrer em situações excepcionais e de estrita necessidade. Neste diapasão, a regra é a liberdade e o encarceramento, antes de transitar em julgado a sentença condenatória, deve figurar como medida de estrita exceção. (Internet, 2013)

A presunção de inocência trata-se de um instrumento jurídico que parte do pressuposto que a personalidade criminosa não é inerente à maioria da população, inclusive deriva da regra que o acusado deve permanecer solto até que haja uma condenação e desta lhe for atribuída pena de reclusão. Contudo, há hipóteses em que cabe ao Estado custodiar um réu, cujo seu processo esteja em andamento, contudo essas são exceções, pois relembrando, sabe-se que a liberdade é a regra.

3 O PROCESSO PENAL E A SUA CAUTELARIDADE

Este capítulo fará uma introdução ao processo penal e as medidas cautelares. No primeiro, será explanando o seu conceito, aplicação e conteúdo, quanto as medidas cautelares, estas serão analisadas em uma perspectiva e adentrando sutilmente nos liames do processo penal, para que estas sejam estudadas de maneira mais aprofundada no capítulo seguinte. Também será exposta a aplicação do direito penal de maneira subsidiária aos demais ramos do direito, demonstrado ainda o conflito entre o dever/direito do Estado de punir os infratores da lei penal e o direito de todos de serem livres.

3.1 Direito Processual Penal Brasileiro: Breve Exposição

Historicamente, a luz de Eugênio Pacelli, a primeira legislação codificada em matéria processual penal foi o código de processo criminal de primeira instância de 1832, existindo ainda algumas disposições processuais na constituição imperial de 1824. (2012, p. 05)

Contudo, o Código que se faz relevante para este estudo é o atual Código de Processo Penal, promulgado em 05 de junho de 1941. Conforme Pacelli, o referido código foi espelhado na legislação processual penal italiana de 1930 e por isso, possui pressupostos autoritários, visto que a Itália vivia o fascismo como momento histórico. (2012, p. 05)

Esta raiz autoritária pode ser vislumbrada na redação original do CPP, de forma mais evidente. Eugênio Pacelli exemplifica em sua obra:

Na redação primitiva do código de processo penal, até mesmo a sentença absolutória não era suficiente para se restituir a liberdade do réu, dependendo do grau de apenação da infração penal (antigo art. 596). Do mesmo modo, dependendo da pena abstratamente cominada ao fato, uma vez recebida à denúncia, era decretada, automática e obrigatoriamente, a prisão preventiva do acusado, como se realmente do culpado se trata-se (antigo art. 312). (PACELLI, 2012, p. 05 e 06)

Diante de tal conteúdo arcaico e autoritário, principalmente tendo em vista a promulgação da Constituição da República de 1988, quarenta e sete anos depois de vigência do referido código, viu-se necessário à modificação de alguns pressupostos legislativos já ultrapassados. Assim, houve a promulgação de leis que visaram atualizar e adequar a legislação processual penal a nova Carta Magna.

Quanto a esta necessidade de atualização do Código de processo penal, “a legislação processual refletia uma mentalidade tipicamente policialesca, própria da época, em absurdo descompasso com a Constituição da República, que já respirava ares de maior participação popular” (PACELLI, 2012, p. 02).

O mencionado legislador pontua que alguns desses “descompassos” foram supridos com modificações legislativas, ou seja, novas leis que disciplinam certos assuntos que necessitavam de mudanças, devido tanto a novos pressupostos constitucionais, tendo em vista à CRFB de 1988, como a própria evolução natural do direito processual penal, como por exemplo, com as modernizações e os novos estudos da sociologia e criminologia, por exemplo.

Dentre estas leis, que vieram modernizar e constitucionalizar o Direito processual penal encontra-se a 11.689/2008, que reformulou o procedimento do rito específico do Tribunal do júri; a lei 11.719/2008, que alterou os demais ritos e procedimentos e as leis 12.015/2009 e 12.033/2009, que se voltaram para os crimes contra a dignidade sexual, dando publicidade a eles e aos crimes contra honra, quando referentes à casos de preconceitos raciais, de cor, idade e tantos outros inerentes à condição da vítima, tornando tais crimes de Ação Penal Pública Condicionada a representação e em casos específicos, como no crime de estupro praticado contra vítima vulnerável, será crime de Ação Penal Pública incondicionada.

Entretanto, a lei relevante para este estudo acadêmico como já exposto é a 12.403, de 04 (quatro) de maio de 2011, qual versa sobre as medidas cautelares, qual é responsável pelas alterações de artigos significativos do CPP, como os artigos 312 e 283, referentes à prisão preventiva, que serão abordados com maior respaldo posteriormente.

Voltando a conceituação do Direito processual penal, vale entender-se primeiramente o que são normas processuais. Conforme Capez apud Ginover e Dinamarco:

Chama-se de Direito Processual o conjunto de normas e princípios que regem (...) o exercício conjugado da jurisdição pelo Estado-Juiz, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado (Teoria Geral do Processo, 9.ed., Melheiros Ed., p.41). (2013. p.45)

Assim, o processo penal, tem a finalidade de assegurar a justa efetivação do direito penal material, garantindo a composição ordenada entre juiz, vítima e réu. Simplificando, são normas que regem a aplicação do direito material inerente a um ramo específico do Direito.

Assim, o processo penal é composto de normas procedimentais que efetivam a aplicação do direito material penal, como se extrai do exposto por Fernando Capez, “o Direito Processual Penal é o conjunto de princípios e normas que disciplinam a composição das lides penais, por meio da aplicação do Direito Penal objetivo” (2013, p. 45).

Para Nucci:

O Direito processo penal é o corpo de normas jurídicas cuja finalidade é regular o modo, os meios e os órgãos encarregados de punir do estado, realizando-se por intermédio do Poder Judiciário, constitucionalmente incumbido de aplicar a lei ao caso concreto. (2010, p. 77)

Nesse conceito trazido por Nucci, observa-se a menção ao Poder Judiciário, sendo este um mediador do processo penal, o qual fora legitimado pela Constituição da República, conforme versa no seu capítulo três.  È importante recapitular que a figura do Poder Judiciário como mediador já havia sido abordada por Capez ao citar Ginover e Dinamarco, entretanto, estes representam tal poder através do Estado-Juiz, ao falar de Direito processual com um todo.

Ainda, Nucci apud Tucci, vai mais além quanto esta conceituação, elucidando que o processo penal é:

À industrialização da jurisdição, ou seja, da ação judiciária, em que se insere ação das partes, presenta-se o processo penal como um conjunto de atos que se realizam sucessivamente, preordenados à solução de um conflito de interesses e de alta relevância social. A regulamentação desses atos, integrantes do procedimento em que ele se materializa, encontra-se estabelecida nas leis processuais penais, aliás com muita prioridade (direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro, p. 32-33). (2010, p. 77)

Observa-se que agora o processo penal é conceituado como atos organizados que tem por finalidade solucionar os conflitos de matéria penal e por isso trata de interesse público. Espreme-se desta interpretação é que o juiz, como mediador e representante do Poder Judiciário deve vincular os seus atos aos pressupostos legais da legislação penal, aplicando-os ao caso concreto e evitando a parcialidade, já que precisa seguir os procedimentos já preestabelecidos.

Em relação ainda a doutrina de Nucci, este trás a baila o chamado Processo penal democrático, qual se vislumbra após a vigência da Constituição atual, pois historicamente o processo penal brasileiro nasceu no ápice da ditadura militar no país.  Assim o conceitua, como:

Visualização do processo penal a partir dos postulados estabelecidos por esta Constituição Federal, no contexto dos direitos e garantias humanas fundamentais, adaptando o Código de processo penal a essa realidade, ainda que, se preciso for, deixe-se de aplicar legislação infraconstitucional defasada e, por vezes, nitidamente inconstitucional. (NUCCI, 2010, p. 79)

O doutrinador quis aclarar o que já fora abordado no início deste capítulo, que seja quanto à promulgação da nova constituição, visto esta ser posterior ao código de processo penal ainda vigente. Diante disto, tornaram-se necessárias algumas alterações para que o antigo código se adequasse as novas bases do Estado Democrático de Direito, para que a legislação infraconstitucional possa ser usada, tendo em vista o seu caráter especial, pois se esta for inconstitucional deverá ser afastada, conforme a soberania da CRFB.

Saturado o conceito de Processo Penal, cabe destacar o conteúdo do Processo Penal. Para Fernando Capez, o processo penal compreende o procedimento e a relação jurídica. O primeiro, relaciona-se aos atos ordenados que são praticados até a sentença penal, já o segundo, diz respeito a relação processual entre o juiz, a vítima e o acusado, onde cada um possuem prerrogativas, entre elas direitos e obrigações. (2013, p. 47)

A relação jurídica processual “é aquela que estabelece entre os chamados sujeitos processuais, atribuindo a cada um direitos, obrigações, faculdades, ônus e sujeições”. (CAPEZ, 2013, p. 47)

Logo deste conceito, percebe-se que é na relação processual que agem os princípios constitucionais já explanados anteriormente, como o princípio do contraditório e da ampla defesa, visto que a partir deles é que será respaldada toda relação processual da lide.

Em relação ao procedimento, este divide-se em comum e especial, conforme o artigo 394, §1º e 2º, do Código de Processo Penal, que aduzem:

Art. 394.  O procedimento será comum ou especial. 

§ 1o  O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo: 

I - ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; II - sumário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; III - sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei.

§ 2º Aplica-se a todos os processos o procedimento comum, salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial. (BRASIL, Código de Processo Penal, 1941 )

Desta maneira, percebe-se que a separação quando ao procedimento a ser adotado relaciona-se a quantidade da pena máxima aplicada na tipificação legal do crime. Esta distinção recepcionada pelo código após a lei 11.719/2008, antes o critério para esta divisão entre procedimentos era em relação ao tipo da pena, se de reclusão ou de detenção.

Assim, é importante lembrar que nos crimes cuja pena é de reclusão, o regime de cumprimento desta pode ser inicialmente fechado, mas não é obrigatório que assim o seja tendo em vista que há outras prerrogativas para a determinação do regime da pena aplicada e por isso um crime com pena de reclusão pode ser cumprido inclusive no regime aberto, há depender do caso concreto. Já nos crimes cuja pena é de detenção é vedado que o regime inicial seja o fechado, só podendo assim, ser cumprido no semiaberto ou aberto.

As peculiaridades de tais procedimentos para o estudo em questão não é de crucial relevância para o presente estudo. Mas a pena aplicada a cada crime é o medidor entre a liberdade e a reclusão social ou tecnicamente, entre o Direito a liberdade e o Direito de punir do Estado.

3.2 Aspectos importantes sobre as medidas cautelares na esfera Processual Penal

Como já exposto, a lei 12.403/11 trouxe uma nova ordem às medidas cautelares, modificando algumas já existentes, principalmente em relação às prisões e a liberdade provisória, e incluindo novas medidas diversas da prisão.

Inicialmente, para melhor entendimento, faz-se relevante se ater a finalidade da medida cautelar. Para Paulo Rangel:

A medida cautelar tutela o processo e não o direito material discutido neste processo. O direito material é objeto do processo de conhecimento. A medida cautelar é objeto do processo cautelar. Portanto, a medida cautelar serve de instrumento para se atingir o fim colimado pelo processo de conhecimento, qual seja: a solução do caso penal.(2011, p. 723)

Desse entendimento do autor, conclui-se que a medida cautelar é o instrumento usado para assegurar o processo de conhecimento, em outras palavras, garantir que o processo possa tramitar sem qualquer intervenção que possa obstar a resolução do processo.

Contudo, não é só o processo de conhecimento que a medida cautelar busca assegurar, o processo de execução também. A esse respeito, Paulo Rangel apud Galeno Lacerda:

A finalidade do processo cautelar consiste em obter segurança que tome útil e possível à prestação jurisdicional de conhecimento ou de execução. Nesta perspectiva, três necessidades podem surgir: a de garantir-se a prova, a de assegurar-se a execução quanto aos bens e a de outorgar-se desde logo a antecipação provisória necessária. (2011, p. 724)

                    

Apesar dessa abordagem da medida cautelar numa visão mais civilista, no parâmetro da teoria geral do processo cautelar, observa-se que no campo do processo penal, a medida cautelar irá garantir a execução da pena quando a “antecipação provisória” desta se fizer necessária. A necessidade é um dos pressupostos para aplicação das medidas cautelares, sendo este abordado como maior destaque no decorrer deste estudo.

Não há como se falar em medida cautelar sem mencionar a prisão cautelar, pois esta se trata de uma espécie daquela. Mais especificamente, a prisão atinge o indivíduo, restringindo a sua liberdade de ir e vim, sem mesmo que haja sentença condenatória transitada em julgado. (RANGEL, 2011, p. 725)

Entretanto, as medidas cautelares não só recaí sobre as pessoas, como é o caso da busca e apreensão e do sequestro, por exemplo. Contudo, não é o objeto do presente trabalho, sendo assim, o destaque deve ser dado às prisões cautelares.

Assim, Tourinho aclara as modalidades das prisões de caráter pessoal:

No Direito Processual Penal, ou prisão cautelar de índole processual, apresenta-se sob aquelas quatro modalidades: prisão preventiva, prisão em flagrante, prisão domiciliar e prisão temporária. As prisões decretadas quando da pronúncia ou sentença penal condenatória recorrível não são espécies do gênero prisão processual, mesmo porque só se decreta a prisão quanto da pronuncia ou sentença condenatória recorrível, se cabível a prisão preventiva. Logo, daquelas decisões o que pode ocorrer é a decretação da preventiva. (2013, p. 450)

Assim, desta brilhante colocação, extraísse o sentido do significado da prisão cautelar, pois mesmo que haja sentença penal, se essa ainda não transitou em julgado, a única prisão cabível é a cautelar, neste caso mais especificamente a prisão preventiva. Quanto às modalidades pessoais das referidas prisões, estas serão estudadas com mais afinco no capítulo posterior.

Quanto as parte legitimadas ao requerimento das medidas cautelares, observa-se o disposto no artigo 282, §2º do CPP, que diz: 

As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público. (BRASIL, Código de Processo Penal, 1941)

O que significa dizer que, as medidas cautelares poderão ser proferidas pelo juiz sem a instigação das partes, sendo importante destacar que na fase de investigação compete somente a Autoridade Policial (Delegado de Polícia) a capacidade de requerer a aplicação das medidas cautelares, pois ainda não foi instaurado o processo, ainda não tendo o Ministério Público tomado conhecimento sobre o fato criminoso.

Neste sentido, percebe-se que o Código de Processo Penal vigente não trás a possibilidade de processo cautelar no processo judicial, pois não cabem ao Ministério Público ou querelante no caso de ação penal privada, postular para que sejam tomadas tais providências, tendo tal legitimidade da polícia judiciária na fase de investigação. Isso quer dizer que, cabe a Autoridade Policial requerer, a medida cautelar cabível ao caso concreto, perante o Juiz competente, que analisará o cabimento desta, analisando a adequação dos seus pressupostos para tal decretação, expedindo decisão motivada.

Dito isto, cabe falar sobre os pressupostos para a concessão das medidas cautelares, que deve o juiz analisar de maneira genérica. Paulo Rangel, apud Aury Lopes Junior ressalta que, “mister se faz que haja um perigo na liberdade do réu a justificar sua prisão e não perigo na demora da prestação jurisdicional” (Sistema de intervenção preliminar no processo penal, Rio de janeiro: Lumen Jus, 2001) (RANGEL, 2011, p. 729).

Esta colocação do autor, demostra o seu apoio a corrente moderna acerca do tema, qual reconhece que a expressão periculum in mora no processo peal deve ser trocada pela periculum libertatis. Isto porque, o que motiva a prisão do acusado é o perigo que ele trás para a sociedade ou até mesmo para o regular andamento do processo, e não pelo perigo dele não cumprir a pena, até mesmo porque se assim fosse, haveria uma antecipação da condenação, algo completamente repudiado pelos princípios constitucionais que permeiam a legislação processual penal, como os princípios da presunção de inocência, do contraditório e da ampla defesa e principalmente do devido processo legal.

Quanto ao fumus boni juris, esta se transforma em fumus comissi delicti, pois a conhecida fumaça do bom direito do ramo do processo civil, aqui serve tanta para condenar como para absolver o réu, além de poder extinguir a sua punibilidade (RANGEL, 2011, p. 729). Assim, tendo em vista que as medidas cautelares são para garantir o conhecimento e execução do processo, de maneira a impedir que o réu obste que isso ocorra, não há no que se falar em fumaça de bom direito em relação a ele.

O que significa que, no processo penal, a fumaça relaciona-se ao cometimento do delito, ou seja, as medidas cautelares somente serão aplicadas se houverem fundadas razões da ocorrência do delito, sendo elas de autoria e materialidade, como serão vistos.

Dessas duas expressões, ainda segundo Paulo Rangel, deve-se destacar duas palavras, que compõe cada uma delas. A primeira é periculum, desta palavra derivada do latim, da qual significa perigo, como já dito, se extrai o binômio urgência e necessidade. Já da segunda expressão, se destaca a palavra fumus, traduzindo, fumaça, aqui vislumbra-se mais um binômio, prova de existência de um crime e indícios suficientes de autoria.

Para Capez, com a promulgação da lei 12.403/2011, a necessidade que deve ser vislumbrada para a aplicação da medida Cautelar passou a ser muito mais exigida, por isso, não é só a mera necessidade, mas sim a comprovação de imprescindibilidade, nas próprias palavras do Professor Capez:

A custódia cautelar tornou-se medida excepcional. Mesmo verificada a sua urgência e necessidade, só será imposta se não houver nenhuma outra alternativa menos drástica capaz de tutelar a eficácia da persecução penal.(2013, p. 341)

O referenciado autor discorreu sobre a imprescindibilidade que é exigida para a prisão cautelar, pois com a nova lei, objeto deste estudo, criaram-se medidas cautelatórias diversas da prisão. Sendo assim, as prisões cautelares somente serão aplicadas se não estarem outra medida que possa substituí-la, sem causar prejuízos ao processo, muito menos a uma possível execução penal.

Além da necessidade e da urgência, o Código de Processo penal usa como referência para aplicação das medidas cautelares a adequação. Segundo Pacelli, a adequação tem ligação direta ao princípio da proporcionalidade, pois a medida cautelar imposta precisa ser proporcional ao caso concreto, levando-se em conta a gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do acusado.

Quanto às provas relacionadas à materialidade e autoria, não há como imputar uma medida que restringe direitos fundamentais do indivíduo, sem que se tenha o mínimo de indícios da ocorrência de um tipo penal e de quem o tenha cometido, respeitando a pessoalidade e legalidade exigidas pela legislação brasileira, quanto ao processo penal.

Outro aspecto importante a se destacar é que o magistrado poderá revogar, substituir ou voltar a decretar as medidas. Tal discrição é encontrada no § 5º do artigo 282 do CPP, que dispõe:

O juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que a subsista, bem como voltar a decreta-la, se sobreviverem razões que a justifiquem. (BRASIL, Código de Processo Penal, 1941)

Isso significa dizer, que para a tomada de tais medidas, o juiz mais uma vez poderá agir de ofício, sem a necessidade de qualquer requerimento das partes, desde que de maneira motivada. O referido assunto também está disposto no art. 282 do CPP, em seu § 4º e prevê que em caso de descumprimento das obrigações impostas em sede de medida cautelar, faculta ao juiz de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, cumular outra medida cautelar ou até mesmo decretar a prisão preventiva, se for imprescindível, a depender do caso.

Assim, vê-se que essa sanção somente disciplina as medidas cautelares diversas da prisão. Esta afirmativa se reforça pela redação do parágrafo único do art. 312 do código em referência, que prediz: “A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares”. (BRASIL, Código de Processo Penal, 1941)

Assim, em caso de não cumprimento do mandado de prisão, por não ser encontrado do réu, por exemplo, este é considerado foragido da justiça e assim que capturado, deverá cumpria a medida já imposta, até mesmo porque a prisão preventiva é dentre as medidas cautelatórias a mais severa, por isso deve ser aplicada se não restar a possibilidade de ser aplicada outra medida, como observa-se na disposição do §6º do art. 282 do CPP.

Tendo em vista esta abordagem mais ampla das medidas cautelares, o próximo capítulo tratará sobre as medidas de maneira particular, dando-se destaque a prisão preventiva, por ser tema deste estudo e por ser a que mais fere direitos individuais.                   

4 PRISÃO PREVENTIVA E AS MEDIDAS CAUTELARES EM GERAL CONFORME A LEI 12.403/2011.

Este capítulo é o mais importante de todo o trabalho acadêmico, tendo em vista que serão abordadas as espécies de medidas cautelares, aclarando as suas particularidades, atendo-se as alterações trazidas pela lei 12.403/11, inclusive abordando as medidas que surgiram com ela, que são as medidas diversas da prisão.

 

4.1 Prisão Preventiva: Considerações Iniciais

Em regra, toda prisão que possa ser anterior a uma condenação definitiva é de natureza preventiva. A prisão preventiva é derivada do gênero prisão cautelar de natureza processual, e divide-se em Preventiva stricto sensu e Preventiva lato sensu.

A prisão preventiva relevante para o presente estuda é a em Stricto sensu, que está prevista nos artigos 311 a 316 do CPP, através da nova redação da lei n° 12.403/2011, essa modalidade processual de prisão cautelar só pode ser unicamente concedida pelo juiz e para que esta seja considerada legal são necessários alguns pressupostos e requisitos, que serão vistos nos próximos tópicos.

A nova redação da Lei n° 12.403/2011 tem como obrigatoriedade que para que haja a aplicação da prisão preventiva a observância da necessidade e adequação desta. Observava-se que, a função da preventiva havia perdido a sua finalidade, pois tornou-se banalizada a sua aplicação, e na vida prática, por muitas vezes via-se pessoas que deveriam ter sua prisão preventiva decretada não tem e outras que deveriam estar em liberdade estão presas.

Para ressaltar tal pensamento, disse Eugênio Pacelli:

Referida modalidade de prisão, por trazer como consequência a privação da liberdade antes do trânsito em julgado, somente se justifica enquanto e na medida em que se puder realizar a proteção da persecução penal, em todo seu iter procedimental, e mais quando se mostrar a única maneira de satisfazer tal necessidade. (2012, p. 542)

Neste sentido, o doutrinador reforça que a prisão preventiva só pode ser decretada ou se manter, enquanto se fizer indispensável para a proteção do direito penal e também processual penal, a legislação aborda esta afirmativa em seu art. 282, § 5º e 6º do CPP, já mencionados no capítulo anterior, quando abordado de forma genérica as medidas cautelares.

Tourinho apud Carrara explana que “a prisão preventiva (lato sensu) deprime e abate o sentimento de dignidade pessoal de quem é ferido por uma mancha imerecida, depois de haver levado uma vida honesta e inocente.” (opusculli, v, 4, p.299) . (2013, p. 544)

O doutrinador Carrara pregava que fere o principio da dignidade da pessoa humana, quando lhe é decretada à prisão sem que mesmo tenha uma condenação, gerando uma mancha que jamais conseguirá apagar.

Quando não observados os autos de uma prisão em flagrante, de um inquérito ou mesmo de um processo com a devida preocupação de analisar o cabimento ou não de tal medida, recorrendo sempre aos referenciais legais, os seus requisitos e pressupostos, pode-se manter uma pessoa inocente em cárcere ou até mesmo, pode-se aplicar uma medida injusta, muito mais grave do que o próprio delito cometido.

De maneira mais radical, Tourinho ao citar os doutrinadores Filangieri e Mário Salas, trás o ideal destes em excluir da prisão preventiva do ordenamento jurídico, ou seja, a extinção total da referenciada medida cautelar processual, levando-se em conta que os presos preventivamente, ainda não condenados e por isso, considerados inocentes em princípio, irão ficar em celas juntos com os outros detentos que já possuem prisão-pena definitiva, podendo-se assim, se contaminarem com o meio. (2013, p. 544)

Diante todo o exposto, conclui-se porque a nova lei deu maior respaldo para a prisão preventiva, relativizando a sua aplicação e exigindo o preenchimento de certos requisitos para a sua decretação legítima, desde que não reste possível medida diversa que seja menos gravosa.

É importante ressaltar, que havia uma divergência entre os magistrados quanto à necessidade da expedição do mandado de prisão, ou se a prisão preventiva se converte automaticamente quando da homologação da prisão em flagrante, porém, o artigo acima citado demonstra que é necessário o mandado até mesmo para que possa haver um controle dos órgãos.

De acordo com o art. 289-A do CPP, in verbis: “O juiz competente providenciará o imediato registro do mandado de prisão em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça para essa finalidade”.(BRASIL, Código de Processo Penal, 1941)

Logo, não há dúvidas da exigibilidade do mandado de prisão preventiva, até mesmo porque hoje é necessário que o juiz conheça da prisão em flagrante e a relaxe ou homologue em 24 horas, devendo neste momento apreciar a necessidade da decretação da medida cautelatória, como será visto ao falar em prisão em flagrante posteriormente.

O controle pelos órgãos, conforme mencionado, é muito importante, até mesmo porque o indivíduo sobre o qual recai mandado de prisão, torna-se de responsabilidade do Estado, devendo este ter controle sob os custodiados, até mesmo por motivo de organização do sistema penitenciário, procurando garantir o mínimo existencial deles, conforme a condição a qual eles se encontram, pois mesmo suprimidos alguns de seus direitos, deve-se salvar a dignidade da sua condição de seres humanos.

4.1.1 Requisitos e Hipótese para a Decretação da Prisão Preventiva

Para começar a discorrer sobre os requisitos para decretação da prisão preventiva, vale referenciar o artigo 312 do Código de Processo Penal, que dispõe:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (BRASIL, Código de Processo Penal, 1941)

Este dispositivo processual elenca as circunstâncias pelas quais poderão ser motivadas as prisões preventivas, quais são elas: pela garantia da ordem pública, pela garantia da ordem econômica, pela conveniência da instrução criminal e por fim, para assegurar a aplicação da lei penal e serão elas analisadas com afinco neste tópico.

A garantia da ordem pública esta relacionada diretamente com o periculum in mora do processo penal cautelar geral, qual a expressão comparada no direito é o periculum libertatis, conforme já explicada no capítulo anterior.

A referida medida garante a ordem pública, quando devido à morosidade do julgamento penal resulta insegurança na sociedade (CAPEZ, 2013, p. 342). Em outras palavras, quando demonstrado que um indivíduo que está sendo investigado através de inquérito policial ou já esteja sendo processado criminalmente fornece perigo se estando solto, a prisão preventiva se faz necessária para evitar que ele volte a delinquir.

Conforme entende Paulo Rangel:

Por ordem pública, deve-se entender a paz, e a tranquilidade social, que deve existir no anseio da comunidade, com todas as pessoas vivendo em perfeita harmonia, sem que haja qualquer comportamento do modus vivendi em sociedade. Assim, se o indiciado ou o acusado em liberdade continuar a praticar ilícitos penais, haverá perturbação da ordem pública, e a medida extrema é necessária se estiverem presentes os demais requisitos legais”. (2011, p.765 e 766)

O Conceito de ordem pública trazido pelo ilustre professor é bastante completo, fazendo concluir que essa visa à segurança e harmonia social, ou seja, uma sociedade baseada na ordem pública é uma sociedade segura, permeada pela solidariedade e reciprocidade entre a comunidade.

A questão polêmica abordada ainda por Paulo Rangel é a demonstração da necessidade da segregação cautelar para garantir a ordem pública nas decisões prolatadas pelos magistrados, pois o simples fato de alguém infringir uma norma típica do direito penal, não significa dizer a sua liberdade põe em risco a segurança dos cidadãos. Por isso, para tanto deve-se utilizar a adequação, necessidade e proporcionalidade. (2011, p. 766)

No entendimento de Tourinho Filho (2013, p. 552), a decretação da prisão preventiva para assegurar a ordem pública ou mesmo econômica é uma maneira de antecipação da pena e por isso seria ilegal. Melhor dizendo, prender alguém sem sentença penal transitada em julgado pelo fato de pré-julgar tal pessoa como sendo perigosa se em convício social, é julga-la antecipadamente, não respeitando assim, o devido processo legal e desconsiderando o princípio da presunção da inocência.

Em relação à autorização da prisão preventiva em decorrência da conveniência da instrução criminal, deve-se destacar que mesmo usando-se a palavra conveniência, esta deve ser lida como necessidade, pois como visto a prisão preventiva tem caráter excepcional. (CAPEZ, 2013, p. 343)

O Autor Paulo Rangel compartilha do mesmo pensamento de capez e ainda vai mais além, conforme diz que:

A instrução criminal não é conveniente, mas sim, necessária, pois diante dos princípios da verdade processual, do contraditório e do devido processo legal, a instrução criminal é imprescindível para que se possa assegurar ao acusado todos os meios constitucionais de defesa, demostrando existir um verdadeiro Estado Democrático de Direito. (2011, 766)

Assim, a liberdade só será seciada, quando o seu detentor e parte indiciada ou acusada tentar frustrar de alguma forma a verdade sobre os fatos, seja através de ameaças pessoais às testemunhas, ou pela subtração de documentos importantes para a investigação, por exemplo.

Neste caso, a liberdade do réu colocará em rico a instrução criminal, impedido o regular andamento do processo, procurando conter as condutas ilícitas provenientes de atos dos suspeitos. Assim, pode-se concluir que a prisão preventiva nestes casos tem a finalidade de tutelar as provas.

Ainda, destaca-se que o fato do suspeito não contribuir com a investigação criminal, no sentido de recusa de falar em juízo ou na fase policial, não pode justificar a prisão preventiva do mesmo, tendo em vista que é um direito constitucional dele permanecer em silencio e não produzir provas contra si.

Já a autorização da segregação cautelar pela garantia da lei penal, está relacionada a evitar a fuga do supostamente criminoso do distrito da culpa e impedir que se este for condenado não seja encontrado para cumprir sua pena.

A garantia da aplicação da lei penal poderá também ser uma circunstancia para a medida preventiva, versa Capez acerca disso:

No caso de iminente fuga do agente do distrito da culpa, inviabilizando a futura execução da pena. Se o acusado ou indiciado não tem residência fixa, ocupação lícita, nada enfim, que o ratifique do distrito da culpa, há um sério risco para eficácia da futura decisão se ele permanecer solto até o final do processo, diante de sua provável evasão. (2013, p. 342)

Neste liame, como pode-se ver, a prisão prevenirá que no caso de condenação esta não possa ser cumprida em decorrência da fuga do indivíduo condenado. Ainda, vê-se que a decretação da prisão sem a devida comprovação da possibilidade do réu evadir-se do local em que será julgado e possivelmente cumprirá sua pena, seria arbitrária, pois cabe-se analisar as condições pessoais do réu, não podendo generaliza-lo.

Tourinho Filho complementa este pensamento quando diz:

Mera suspeita, não. Presunção, também não. É preciso um mínimo de prova sensata no sentido de que ele estar se desfazendo de seus bens, e de que deu demonstração de que vai mudar-se para ligar ignorado, de que está prejudicando a instrução. (2013, p. 546)

Assim também posiciona-se o ilustre doutrinador Paulo Rangel: “A fuga não pode ser presunção judicial, mas sim, fruto de elementos nos autos do processo que demonstrem cabalmente, que o acusado deseja se subtrair à ação penal.” (2011, p.767)

Simplificando, a segregação motivada pela garantia da aplicação da lei penal só deve sobreviver se vislumbradas provas para tal anseio de fuga. É comum usar-se desse argumento quando o réu não possui residência fixa, como no caso dos moradores de rua ou profissionais itinerantes. O desfazimento dos bens do réu ou indiciado sem justificativa e as presas, também é uma prova de ele pode estar pretendendo frustrar a sistema processual penal.

Cabe aclarar o auxílio que trouxe a lei 12.403/11, quanto ao criar as medidas cautelares diversas da prisão, autorizou a retenção do passaporte do réu em juízo para tentar evitar sua possível fuga.

Tal novidade é encontrada no artigo 320 do CPP e dispõe:

 A proibição de ausentar-se do país será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o seu passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro horas). (BRASIL, Código de Processo Penal, 1941)

Quanto a este dispositivo legal, Paulo Rangel faz uma crítica:

Típico dispositivo legal inócuo e elitizado. Dos cerca de 500 mil presos do sistema penitenciário 220 mil são cautelares. Pergunta-se: destes quantos tem passaporte a ponto de poderem se furtar a aplicação da lei penal fugindo do país? E mais: a saída do país pode se dar pelo transporte viário e aí não tem controle. E ainda: entre os países do Mercosul não se exige passaporte entre os seus integrantes. O acusado se quiser pode sair pela Argentina e pedir novo passaporte na Embaixada brasileira naquele país. Logo, será necessário comunicar a todas as Embaixadas afim de que não emitam passaporte em nome daquele réu e o detenham, se possível for, diante das regras internacionais de direito público.(2011, p. 767)

Com este posicionamento, o referenciado autor trás a ineficácia prática deste dispositivo, tendo em vista a realidade da maioria da população penitenciária brasileira, formada em sua maioria por pessoas humildes, de pouca instrução e que muitas vezes nunca saíram nem se quer de seu Estado-nação. Como citado, também há muitas outras formas de sair do país sem necessitar utilizar o passaporte, além do mais, existe a necessidade de uma maior solidariedade internacional para reprimir esses tipos de caso, lembrando ainda das barreiras pelas regras de extradição de cada país e das próprias normas que regem as relações internacionais.

Por fim, o risco de abalo na ordem econômica é outro requisito que autoriza a decretação da modalidade de prisão estudada. Este é uma espécie da garantia da ordem pública e visa prevenir que o indivíduo que deu causa a um grave transtorno econômico, seja em um banco ou até mesmo em um núcleo do Estado, continue no convívio social, como se vê comumente quando envolvidos em crimes desta natureza.

Faz pertinente ainda, destacar as palavras de Nucci:

Equipara-se o criminoso do colarinho branco aos demais delinquentes comuns, na medida em que o desfalque em uma instituição financeira pode gerar maior repercussão na vida das pessoas, do que um simples roubo contra um indivíduo qualquer (...). Não é possível permitir a liberdade de quem retirou e desviou enorme quantia dos cofres públicos, mas a satisfação de suas necessidades pessoais, em detrimento de muitos, pois o abalo da credibilidade da justiça é evidente. (NUCCI, 2009, p. 607).

Logo, se observa que os crimes contra a ordem econômica atingem a todos. Esses geralmente são delitos cometidos por indivíduos de alto poder aquisitivo e que ocupam importantes cargos em parâmetro nacional, conseguindo por isso, grande parte das vezes, responder a todo o processo em liberdade, enquanto que um réu que está sendo investigado por um furto qualificado, por exemplo, que atinge a uma só pessoa, fica preso preventivamente até a sentença, o que deixa a sociedade com uma sensação de impunidade em relação a esses crimes.

Quanto às hipóteses tuteladas pelo processo penal na esfera da medida cautelar em referencia, deve-se analisar de imediato o disposto no artigo 313, do CPP, após alterações trazidas pela lei 12.403/11:

Art. 313.  Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: 

I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; 

II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; 

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;

IV – (Revogado pela lei 12.403/11)

Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. (BRASIL, Código de Processo Penal, 1941)

Observa-se a partir da leitura deste dispositivo legal, que as hipóteses para a autorização da Prisão Preventiva vieram restringir o número de crimes que admitem tal modalidade de prisão cautelar, consequentemente, vê-se que a lei 12.403/11, como destaca Paulo Rangel: “é nitidamente descarcerizador, isto é, diminui o número de pessoas no cárcere, diante da super população carcerária”. (2011, p. 768)

Neste sentido, de início, mais especificamente no inciso I do referido artigo, já vislumbra-se a primeira limitação para aplicação de tal prisão, pois só deverá ser decretada na ocorrência de crimes dolosos, cuja pena máxima seja superior a quatro anos e privativa de liberdade. Anteriormente a nova redação trazida pela lei em questão, esta limitação se restringia a crimes punidos com detenção ou reclusão.

Contudo, o ilustre Paulo Rangel, fala ainda que não é admitida a prisão preventiva em crimes apenados com detenção, pois com a limitação deste inciso a sua decretação à apenas crimes com pena máxima superior a quatro anos e tendo como base o ordenamento jurídico penal brasileiro atual, observa-se que a maioria dos crimes com essas características são punidos com reclusão. (2011, p. 769Também, se analisado que o crime punido com detenção, mesmo após a condenação do réu é cumprido no regime semiaberto ou aberto, não seria razoável que antes da sentença penal transitada em julgado, o indivíduo ficasse preso preventivamente, pois mesmo depois de condenado sua pena será mais branda do que esta medida cautelar que segrega totalmente a liberdade.

Passando para a análise do inciso II do artigo 313 do CPP, vê-se que tratando-se de crime doloso, mesmo com pena não superior a quatro anos, a prisão preventiva pode ser autorizada se o acusado ou indiciado é reincidente em crime também doloso. Assim:

Tornar a cometer delito doloso, com transito em julgado, por crime doloso, permite a decretação direta da prisão preventiva, desde que não se atinja o período de depuração, vale dizer a condenação anterior, quando cumprida ou extinta a punibilidade, não deve ter período superior a cinco anos (art. 64, inciso I, CP). Observa-se a clara opção do legislador somente pela reincidência, desprezando-se os maus antecedentes para esse fim. (NUCCI, Código Comentado, 2013, p. 674 e 675)

Então, deve-se observar que apenas a reincidência autoriza a decretação da prisão preventiva, quando um indivíduo comete crime doloso com pena inferior a quatro anos. Contudo, não é autorizada tal medida pela simples existência de maus antecedentes, ou seja, mesmo que este réu responda a outros processos, desde que ainda não possua sentença penal transitada em julgado, não terá sua liberdade restringida.

Ainda, quanto à reincidência, deve-se ater ao contido no artigo 64, inciso I do CP, in verbis:

Art. 64 - Para efeito de reincidência: I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação. (BRASIL, Código Penal, 1940)

Logo, para efeito de reincidência, não pode ter decorrido cinco anos entre a data do cumprimento ou extinção da pena quando cometimento do novo crime doloso. Quanto a este assunto, Paulo Rangel trás uma crítica: “Reincidência é a instituição do bis in idem”. (2011, p. 769).

As palavras do referido doutrinador está baseada na Convenção Americana dos Direitos Humanos, mais conhecido como Pacto de São José da Costa Rica. O a expressão bis in idem, nada mais é que ser punido duas vezes pela mesma conduta, isto porque, se o réu foi condenado anteriormente e teoricamente cumpriu ou está cumprindo a sua pena, prende-lo, mesmo que preventivamente, por esse fato seria condena-lo duas vezes, já que o novo crime pela regra geral (313, inciso I, CPP), por si só não autoriza a medida cautelar.

Por outro lado, se o anteriormente condenado não conseguiu assimilar a função coercitiva e disciplinar da pena, voltando assim a delinquir, este é um indivíduo que está pondo em risco a sociedade, como dito anteriormente quando falou-se em garantia da ordem social e por isso deve ser afastado do convívio comunitário, visto inclusive a sua capacidade de corromper outras pessoas a prática de delitos.

Na terceira hipótese, a prisão preventiva é admitida quando o crime envolver violência doméstica e familiar seja contra as mulheres, crianças, adolescentes, idosos, enfermos ou até pessoas com deficiência, ou seja, contra os grupos vulneráveis.  Com se extrai do próprio inciso que o aborda, a medida cautelar nesses casos, garantirão a proteção das vítimas, que devido à relação familiar, ficam a mercê dos agressores durante anos e que estes após serem denunciado por vingança de o terem denunciado, chegam até a matar as vítimas.

A antiga redação deste inciso, apenas autorizava a prisão preventiva aos crimes praticados contra as mulheres, mas com a chegada da nova lei, que versa sobre as medidas cautelares, este rol de proteção foi ampliado, estendendo-se a outros grupos considerados vulneráveis, como citados anteriormente.

Contudo, Guilherme Souza Nucci destaca:

Não se deve decretar a preventiva enfocando todo trâmite processual, pois muitos delitos de violência doméstica e familiar possuem penas de pouca monta, incompatíveis com a extensão duração da segregação cautelar. Ilustrando, a lesão corporal simples atinge o máximo de um ano de detenção, o que é inconciliável coma prisão preventiva perdurando até o trânsito em julgado de decisão condenatória, sob pena de cumprir o réu mais do que o devido em regime fechado. (Código Comentado, p. 675)    

Conforme o entendimento do ilustríssimo doutrinador acima citado, a prisão preventiva nestes casos, deve atender a finalidade de proteger a vítima quando as medidas de urgência delineadas pelos juízes forem desrespeitadas. Ademais, seria desproporcional manter a segregação de um indivíduo cujo tipo penal infringido por ele não ultrapassasse pena de quatro anos, visto que passaria mais tempo recluso preventivamente do que o máximo permitido se já houvesse sido condenado, partindo do pressuposto de que ficasse preso durante toda instrução processual.

Contudo, se descumpridas as medidas protetivas e demostrada a periculosidade do indiciado ou acusado, constatando que este pode colocar em risco a integridade física e até mesmo a vida da pessoa vulnerável, independente da pena culminada ao crime ou que reincidente ou não, a sua prisão se faz imprescindível para a garantia da ordem pública.

Nesse sentido versa o entendimento jurisprudencial, in verbis:

HABEAS CORPUS. PRISÃO POR DESRESPEITO À MEDIDA PROTETIVA. ORDEM PÚBLICA. ORDEM DENEGADA. 1. Evidenciada a hipótese prevista no artigo 313, inciso III, do Código de Processo Penal e havendo o descumprimento, por parte do paciente, das medidas protetivas estipuladas, demonstrada está a imprescindibilidade da sua custódia cautelar, especialmente a bem da garantia da ordem pública, dada a necessidade de resguardar-se a integridade física e psíquica da suposta vítima. 2. Acolhido parecer da d. Procuradoria de Justiça. 3. Ordem denegada. (TJDF; Rec 2012.00.2.001227-4; Ac. 567.344; Segunda Turma Criminal; Rel. Des. Silvânio Barbosa dos Santos; DJDFTE 05/03/2012; Pág. 233). (Internet, 2012)

Por último, incluído pela lei 12.403/11, o parágrafo único do artigo em referência (art. 313, CPP), versa sobre a identidade civil do acusado. Este parágrafo foi incluindo para auxiliar a aplicação da lei penal, pois quando há duvidas ou até mesmo não existe a identificação do réu, a prisão preventiva deve ser decretada até que isso ocorra.

O réu não identificado deve ficar a disposição da justiça, visto que nestas condições seria impossível encontra-lo para responder ao processo e até mesmo se condenado para cumprir a pena. Assim, este dispositivo tem bastante ligação com o requisito do art. 312, do CPP, quando da necessidade da medida cautelar para assegurar a aplicação da lei penal.

Mas, é de suma importância destacar que apresentados documentos idôneos, capazes de identificar o indivíduo deve-se revogar imediatamente à prisão, claro que se não preenchidas as hipóteses e requisitos que autorizam a autorizam, visto não ser mais necessária em tese.

Para finalizar, deve-se destacar que a prisão preventiva não possui prazo, conforme o art. 316 do CPP, ela só será revogada se não existirem mais os motivos que a autorizou. Logo, não sobrevivendo tais fundamentos, melhor dizendo, os requisitos do art. 312 do CPP, o réu deverá ser posto em liberdade. Entretanto, se após novos motivos sobrevierem, deve o juiz voltar a decreta-la.

Diante de todo o exposto neste tópico, conclui-se que para a decretação da prisão preventiva, o magistrado deverá incialmente analisar se a legislação autoriza, conforme as hipóteses do art. 313 do Código de processo penal brasileiro, em seguida analisar se há provas da existência do crime e indícios suficiente para imputar autoria, melhor dizendo, se há fumus comissi delict e por último observar a existência do periculum libertatis, ou seja, ver se no caso concreto configura-se algum dos requisitos do art. 312 do CPP, conforme delineados anteriormente. Lembrando que é imprescindível a fundamentação da prisão preventiva pelo magistrado.

4.2 Prisão em Flagrante

 

Primeiramente, sobre a prisão em flagrante a de se destacar o seu conceito jurídico e assim trousse em sua obra Paulo Rangel, explicando que:

É O delito no momento do seu cometimento, no instante em que o sujeito percorre os elementos objetivos (descritivos e normativos) e subjetivos do tipo penal. É o delito patente, visível, irrecusável do ponto de vista da sua ocorrência. (2011, p. 731)

O que o doutrinador quis dizer é que a prisão em flagrante é aquela que ocorre no instante em que o sujeito está em vias de fato do tipo penal, ou seja, cometendo o crime descrito na legislação penal, seja do Código penal ou de legislação extravagante, praticando uma conduta antijurídica, independente da consumação.

Desse conceito, extraísse dois pontos destacáveis, pois percebe-se que para a decretação da prisão em flagrante deve haver atualidade e visibilidade. Conforme ainda Paulo Rangel, a atualidade, está atrelada a própria situação, ou seja, tem que o crime estar acontecendo ou ter acabado de acontecer, já a visibilidade, refere-se ao flagra do crime por alguém, sendo este testemunha da ocorrência do crime. (2011, p. 731).

Quanto à função da prisão em flagrante, destaca-se:

Pretende-se, com a prisão em flagrante, impedir a consumação do delito, em caso em que a infração está sendo praticada (art. 302,I, CPP), ou do seu exaurimento, nas demais situações, isto é, quando a infração acabou de ser praticada (art. 302, II, CPP), ou logo após a sua prática, tenha se seguido a perseguição (art. 302, III, CPP), ou o encontro do presumido autor (art. 302, IV, CPP). (PACELLI, 2012, p. 534)

De logo, vislumbra-se as diversas maneiras de considerar-se a ocorrência de um flagrante, conforme elencadas nos incisos do artigo 302 do CPP. A doutrina divide estes incisos em três modalidades, nos incisos I e II visualiza-se a modalidade de flagrante próprio, no inciso III, o flagrante impróprio e no inciso IV, o flagrante presumido.

O Flagrante próprio se dá quando presenciado o momento da ação criminosa ou quando alguém acabara de cometer o delito e existam evidências consubstanciadas da conduta e autoria do crime. O flagrante impróprio é marcado pela perseguição de um indivíduo que presume-se ser o autor do fato delituoso, neste caso, deve-se ter bastante cuidado, pois o que existe é uma presunção de flagrância, visto o crime não haver sido presenciado.

Segundo Pacelli, o flagrante presumido poderia estar embutido no flagrante impróprio, pois em ambos sobrevivem a presunção, ele destaca que a diferença entre eles seria apenas o fato de no impróprio haver a perseguição e no presumido o encontro, que se daria em deparar-se com um indivíduo portando objetos que se relacionam com as características do crime ocorrido, seja uma arma utilizada, pertences subtraídos ou evidências de agressões recentes. (2012, p. 526)

É importante ressaltar que a prisão em flagrante delito pode ser efetuada por qualquer do povo, como estabelecido no artigo 301 do CPP, que dispõe: “Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”. (BRASIL, Código de Processo Penal, 1941)

Além das formas de flagrante elencadas no Código de processo penal, a doutrina trás mais algumas modalidades, das quais é de relevância destacar o flagrante esperado, preparado e forjado. Segundo Paulo Rangel, o flagrante esperado, também chamado de diferido ou retardado:

Trata-se do procedimento policial que tem como escopo manter observação e acompanhamento de determinada empreitada criminosa, praticada por organização ilegal, visando o momento oportuno e conveniente para realizar a prisão em flagrante, obtendo assim provas e informações sobre o atuar da quadrilha ou organização. (2011, p.749)

Logo, percebe-se que o flagrante esperado, é quando a polícia tem informações de uma organização com finalidade criminosa e começa a investigar passo a passo da sua atuação, até mesmo para conseguir provas suficientes, esperando o melhor momento para o flagrante.

Contudo, deve-se haver uma razoabilidade neste tempo de investigação e acompanhamento pela polícia para evitar a configuração de crime de prevaricação, qual está disposto no art. 319 do CP e prevê que retardar ou praticar atos que vão de encontro com a legislação para satisfazer interesse de cunho pessoal gera pena de três meses a uma no de detenção e multa. O flagrante esperado também pode ser denominado de ação controlada.

O flagrante preparado é vedado pelo ordenamento jurídico pátrio, como demostra a súmula 145 do Supremo Tribunal Federal, que diz: “Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. Contudo, observa-se que para não haver crime, muito menos flagrante, necessita-se vislumbrar a preparação e a não consumação do delito. Logo significa dizer que, se o crime se consumar, mesmo demostrado tratar-se de flagrante preparado, poderá ser levado a prisão em flagrante o infrator. (RANGEL, 2011, p. 747)

Para entender como se dá o referido flagrante:

No flagrante preparado, há toda uma montagem de um palco, onde o agente é o artista principal, porém desconhecendo que o seja. Somente ele não sabe que, no cenário que escolheu para praticar o crime, se passa uma peça teatral, onde os policiais (ou terceiras pessoas) vão impedir a lesão ao bem jurídico. (RANGEL, 2011, p.747)

A vedação de tal prática, conforme a súmula exposta se dá pelo fato de que se não houvesse essa intervenção por terceiros o crime não haveria acontecido. Ainda no entendimento de Paulo Rangel, não pode-se punir os policiais por preparar a captura de infratores, visto  a ausência de dolo nesta conduta, pois a finalidade é de prender de prender o criminoso e não de cometer crime.

Já no flagrante forjado, o que há é um abuso do poder que é conferido a polícia, pois a prova que autoriza o flagrante é implantada. Exemplo disso ocorre quando durante umas revistas a um veículo, policiais colocam entorpecentes neste automóvel para forjar um flagrante inexistente. Neste caso, assim que comunicado a autoridade judicial as formas desse flagrante, a prisão deve ser imediatamente relaxada, tendo em vista a sua ilegalidade.

Cabe ressaltar por fim que, o artigo 306 da CPP, que aborda:

Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.

§ 1o Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.

§ 2o No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas. (BRASIL, Código de Processo Penal, 1941)

A lei 12.403/11 trouxe uma das alterações mais importante sobre as medidas cautelares, que foi a nova redação conferida ao parágrafo segundo do artigo transcrito. Agora o Código de Processo Penal trás o prazo em que deve ser comunicado a prisão em flagrante ao juiz, qual seja de 24 horas após o flagrante, além da obrigatoriedade da comunicação a defensoria pública, caso o flagranteado não tenha constituído advogado.

Neste sentido, também foi dada nova redação o artigo 310 do CPP, qual revela quais as medidas que poderão ser tomadas pelo Juiz ao receber a comunicação da prisão em flagrante. Dispõe o art. 310 do CPP:

Art. 310.  Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:

I - relaxar a prisão ilegal; ou 

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou 

III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. (BRASIL, Código de Processo Penal, 1941) 

Com essa alteração, conclui o doutrinador Fernando Capez:

Ninguém mais responde a um processo criminal por estar preso em flagrante. Ou o juiz converte a prisão em preventiva, ou concede a liberdade provisória (provisória ou por relaxamento em decorrência de vício formal). (2013, p. 339)

Vê-se então, que a prisão em flagrante só poderá sobreviver durante 24 horas. Durante este prazo, ela será remetida para o juízo competente, o qual irá através das provas colhidas com os procedimentos do flagrante que lhe forem encaminhados, homologar esta prisão, relaxa-la se ilegal, converte-la em preventiva ou conceder a liberdade com ou sem fiança. Assim, a grande alteração é que nenhum indiciado ou acusado poderá responder a processo criminal preso em flagrante.

Deve-se evidenciar que a lei autoriza em alguns casos, que a autoridade policial arbitre fiança ao flagranteado, pondo-o solto assim que comprovado o pagamento dessa. Tal previsão legal encontra-se no artigo 322 do CPP, desde que respeitados os artigos seguintes. Contudo, mesmo nesses casos, deve o auto de prisão em flagrante ser encaminhado ao juiz para que o homologue.

4.3 Prisão Temporária

A prisão temporária é modalidade de medida cautelar, pois sua decretação é em fase de inquérito, apesar de não possui “fumus boni Iuri” e o “periculum in mora” foi instituída com o advento da Carta Magna de 1988.

Segundo o ilustre doutrinador Fernando Tourinho a prisão temporária se torna inconstitucional “em face do principio de que ninguém pode ser considerado culpado enquanto não transitar em julgado a sentença penal condenatória”. (2013, p. 535).

Para que a mesma não seja considerada inconstitucional, conforme este ponto de vista é necessário que a restrição da liberdade seja através da real demonstração de necessidade da prisão, pois não há de fato um cidadão culpado ainda.

Como relata o doutrinador Tourinho, em meados dos anos de 1970, o legislador Francês sofria com a seguinte dúvida, se o cidadão deveria continuar em liberdade ou se já na fase procedimental já deveria ser preso, permanecendo encarcerado até a resolução final do processo. (2013, p.536)

O que existia na verdade eram dois grandes dilemas, de um lado o combate à criminalidade e do outro a liberdade individual do ser humano ainda não considerado culpado.

A lei Francesa de 17/07/1970 instituiu um “controle judiciaire” para conciliar todo o empasse já anteriormente mencionado. Esse controle procurou balancear a liberdade individual e a prisão, com o intuito de limitar esta, conforme o perfil do delinquente, a gravidade e intensidade do delito. (TOURINHO, 2013, p. 538).

A legislação brasileira somente admite que o Juiz decrete a prisão temporária, mediante requerimento pela autoridade Policial ou Ministério Público. A duração dela deve ser de 05 dias no máximo, cabendo prorrogação por igual período, desde que, seja de extrema necessidade e de forma comprovada a sua permanência, salvo nos crimes hediondos, crime de Tortura, Terrorismo, Tráfico de entorpecentes e drogas afins, onde a duração da prisão temporária é de 30 dias, também podendo ser prorrogada por igual período, desde que comprovada a necessidade extrema.

Com advento da lei 12.403/2011 foi alterado o art. 300 do CPP. Antes dessa mudança, era facultado que a prisão temporária fosse cumprida em cela separada dos presos que já estivessem cumprindo pena definitiva. Porém, essa previsão já existia desde 1989, com a promulgação da lei que trata da prisão temporária, vindo apenas reforçar a aplicação da obrigatoriedade da separação dos indivíduos ainda não julgados. Como se vê no artigo 1º da Lei 7.960/89:

O art. 1° da lei 7.960/1989 trás em seu texto as seguintes hipóteses:

Art. 1° Caberá prisão temporária:

I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;

II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;

III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:

a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);

b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);

c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);

e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único);

i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);

j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);

l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;

m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;

n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);

o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).

Tendo em vista o art. acima colacionado, vale mencionar que os incisos I e II trata-se de toda e qualquer infração, porém o inciso III trás os crimes específicos para o cabimento da prisão temporária.

Apesar de toda prisão cautelar exigir a fumaça do bom direito e o perigo na demora, no tópico em análise, esses pressupostos não são cruciais, pois o próprio texto legal diz que a prisão temporária poderá ser decretada na superveniência de “fundadas razões baseadas em qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado” (BRASIL, Código de Processo Penal, 1941), ou seja, bastam apenas as fundadas razões com base em qualquer prova para decreta-la, não exigindo a prova de existência de crime, nem indícios de autoria ou participação.

O periculum libertatis, também não é requisito para a decretação da prisão temporária, pois, não é imprescindível que o indiciado permaneça por 05 dias preso para que possa ser verificado a sua identificação dactiloscópica e fotográfica, sendo apenas necessário notificação de comparecimento. (TOURINHO, 2013, p. 540)

4.4 Prisão Domiciliar

A prisão domiciliar é uma modalidade da medida cautelar, pois trata-se de uma prisão, mesmo que seja na residência do indiciado ou acusado. A medida foi instituída pela lei n. 12.403/2011, conforme aduz o art. 317 do CPP: “Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial”. (BRASIL, Código de Processo Penal, 1941)

Para que um indiciado possa se valer da prisão domiciliar é importante observar o preenchimento de algum dos requisitos descritos no art. 318 do CPP, conforme possa ser estudado abaixo:

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:

I - maior de 80 (oitenta) anos;

II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;

III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;

IV - gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.

Parágrafo único.  Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo. (BRASIL, Código de Processo Penal, 1941)

Com a nova redação do artigo transcrito acima, ficou estabelecido circunstancias que são necessárias para que possa haver a transferência da prisão preventiva para a domiciliar. É importante frisar que o artigo 317 do CPP não estabeleceu limite de pena para sua aplicabilidade.

Segundo Tourinho, há dois posicionamentos quanto a prisão temporária. O primeiro, de que ela foi criada apenas para que pudesse ser substituir a prisão preventiva, porém, há quem entenda que em observância aos princípios da adequação e proporcionalidade, pode o magistrado, sem que haja um dos requisitos do art.318 do CPP decretar a prisão domiciliar de maneira direta. (2013, p.577)

Por fim, vale mencionar a lei n. 5.256/67, que trata de prisão especial, que já previa a possibilidade de que o indiciado ou condenado que tivesse direito essa modalidade de prisão, caso não tivesse local para cumpri-la, está poderia ocorrer no seu domicilio, mas se houvesse o descumprimento, o réu perderia esse direito, ficando preso com os demais condenados.

4.5 Medidas cautelares diversas da Prisão

As medidas cautelares diversas da prisão foram uma das inovações da lei 12.403/11 para o CPP. A referida lei criou dez novas medidas, quais estão previstas nos artigos 319 e 320 do Código de Processo Penal e serão expostas uma a uma neste momento.

Ante de adentrar ao assunto, deve-se saber que, como ocorre com as demais medidas cautelares, para a aplicação dessas medidas necessita-se vislumbrar a necessidade e adequação, não podendo ser usadas indiscriminadamente e de maneira automática. Além do mais, a Código de Processo Penal prevê que, uma vez instituídas e não cumpridas, autorizam a decretação da prisão preventiva pelo magistrado (art. 282, §4º).

Isso exposto, para aprofundar o estudo sobre tais medidas, deve-se observar inicialmente a redação do artigo 319 do CPP, que dispõe:

Art. 319.  São medidas cautelares diversas da prisão:

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; 

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; 

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; 

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; 

 V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; 

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;

IX - monitoração eletrônica.

§ 1o  (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 2o  (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 3o  (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 4o  A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título, podendo ser cumulada com outras medidas cautelares”. (BRASIL, Código de Processo Penal, 1941)

A partir deste artigo, passa-se a analisar seus incisos. De imediato o inciso I, aclara que o indiciado ou acusado deve comparecer periodicamente em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo magistrado, para informar e justificar suas atividades. Logo, observa-se que há dois objetivos com a imposição desta medida, o primeiro, diz respeito quando fala-se em informar suas atividades, visa garantir que o infrator fuja do distrito da culpa, no segundo, da expressão justificar suas atividades, visa-se saber se o mesmo está desenvolvendo alguma atividade digna e lícita ou se há a possibilidade desta ainda está delinquindo. (NASCIMENTO E TAL, 2012, p. 84­)

Vale ressaltar que está imposição já é antiga conhecida do sistema penal pátrio, pois já há sua previsão quando do cumprimento de suspensão condicional do processo, previsto pela lei 9.099/95, mais especificamente em seu art. 89. Entretanto, nesse caso, a referida lei determina que o comparecimento ocorra a cada trinta dias e na medida cautelar não há qualquer imposição temporal delineada, dando o legislador autonomia ao juiz para que o defina.

O inciso II do artigo em referencia, aborda a medida cautelatória diversa da prisão que proíbe o acesso ou frequência a determinados locais, por circunstâncias encontra-se ao fato, deva o réu permanecer afastados desses lugares com intuito de evitar que ele cometa novo delito. Geralmente, essa medida é aplicada quando o crime fora cometido, por exemplo, em bares noturnos, muitas vezes em decorrência de brigas passionais. Assim nesse caso, a medida proibirá que o infrator frequente bares, com intuito de evitar que este se envolva novamente em crimes desse tipo.

Mais uma vez, esta imposição não é de exclusividade das medidas cautelares, e neste sentido relata Nucci:

Essa medida cautelar figura como condição de outros benefícios penais (livramento condicional, sursis, etc.) e, em particular, como pena alternativa. Esta última apresenta um autêntico desastre em matéria de política criminal, pois denota consagrada inutilidade e ausência de compromisso com o sistema penal eficiente (...). Entretanto, na seara da cautelaridade pode apresentar-se viável. O acusado sempre terá maior cuidado em cumprir o determinado pelo juiz, para permanecer em liberdade, temendo a prisão preventiva. (Código Comentado, 2013, p. 681)

Logo, o doutrinador ressalta a eficiência desta imposição como medida cautelar, tendo em vista que poderá ser decretada a sua prisão preventiva caso essa for descumprida, como já relatado. Em contra partida, quando usada essa restrição como pena alternativa, esta resta ineficaz devido à ausência de mecanismos de fiscalização.

À medida que proíbe o contado do acusado com determinada pessoa, está prevista no inciso III do art. 319 do referido código, essa geralmente relaciona-se a distancia que o réu deve ter da vítima, visando assim protege-la e evitando que ocorra até mesmo um delito de maior gravidade. Essa distância também pode ser determinada em relação à testemunha, o que significa dizer que essa determinação depende do caso concreto, ou melhor, da pessoa específica a quem recai o perigo causado pela liberdade do réu.

O juiz tem discricionariedade para determinar a distancia que deve o acusado manter da pessoa que esta sendo protegida com a medida, devendo apenas se ater a uma distancia razoável, qual evite o objetivo principal da determinação, ou seja, que o acusado não encontre a vítima ou testemunhas evitando assim, atritos ou consequências mais graves.

Entende-se que a fiscalização deve ser realizada pela vítima, visto que o simples fato da comunicação aos órgãos policiais não consegue protege-la, ficando essa responsável por informar a autoridade policial qualquer descumprimento da medida ou até mesmo uma mera tentativa. Tal medida já havia sido trazida pela Lei Maria da Penha, em seu artigo 22, inciso III.

A quarta medida é a proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para investigação ou instrução. Logo, observa que se exige a comprovação da necessidade em manter o acusado na comarca competente ao julgamento do processo para que isso não gere problemas as investigações ou no desenrolar processual.

Nesse sentido, também se observa que terminada a instrução, a medida não restará mais necessária, o mesmo ocorre da suspensão do processo, visto que não está se realizando qualquer ato processual. (RANGEL, 2011, p. 869).

Quanto à fiscalização do cumprimento desta medida, se dá pelo ato processual que deseja realizar, pois tendo em vista que se o réu não comparecer a qualquer ato para qual foi intimado, sem comprovado motivo, já seria possível revogar a medida e expedir mandado de prisão preventiva, conforme decisão judicial exarada.

O inciso V prevê o recolhimento domiciliar noturno e nos dias de descanso do réu, quando este possua residência e labor fixos. A lei não trás uma definição de horário desse período noturno, então fica a cargo do entendimento do juiz pelo que seria esse período.

Tal medida deverá ser cumprida na residência do indiciado ou acusado e em casos isolados e esporádicos, após analisado pedido pelo magistrado, este poderá sair no período do repouso, a não seu que seja caso de saúde, como transporta-lo para atendimento em hospital.

Paulo Rangel ressalta uma importante observação quanto essa medida, ele diz: “Tratando-se de medida de extrema gravidade à liberdade de locomoção deve ser submetida à detração penal (art. 42, CP) com o escopo de ressorcializar-se o apenado”. (2011, p. 870)

O que o referenciado professor quis dizer é que devido à privação de locomoção, mesmo que em um período mais curto e não de maneira total, essa ainda é uma medida bastante severa e por isso, caberá caso o réu seja condenado, utiliza a prerrogativa da detração para diminuir o tempo da pena definitiva, se não caso contrário, estará violando a individualização da pena.

A suspensão do exercício da função pública ou da atividade de natureza econômica ou financeira poderá ser uma medida cautelar, quando sobreviver justo receio de sua utilização para a realização de crimes. Essa medida cautelar pretende interromper provisoriamente as atividades profissionais exercidas por pessoa acusada de usar de suas atribuições laborais para infringir a legislação penal.

Como percebe-se, o afastamento relaciona-se tanto a agentes públicos, quanto a particulares que exerçam cargo em atividades financeiras. Nesse ultimo caso, a medida garantirá a saúde econômica nacional, protegendo o mercado financeiro, para que outros prejuízos não sejam mais causados.

A legislação também não prevê esse período de afastamento, cabendo ao magistrado arbitrar um prazo com base na razoabilidade. Lembrando que, em caso de absolvição, o acusado afastado das suas atribuições profissionais, deverá ser reconduzido ao cargo e terá todos os seus direitos resguardados, inclusive os que teria direto durante o seu período e que esteve suspenso.

A medida disposta no inciso VII atinge apenas aos supostos criminosos considerados inimputáveis ou semi-inimputaveis, após conclusão pericial, prevendo a internação provisória desses, em caso de cometimento de crimes com violência ou grave ameaça. Logo se vê que é imprescindível à comprovação da insanidade mental por laudo pericial e o cometimento de crime com violência ou grave ameaça para que essa medida seja aplicada ao caso.

Essa na verdade pode ser chamada de medida de segurança, pois a finalidade é a manutenção da ordem pública. O que intriga nessa medida cautelar diversa da prisão é o tempo que ela deve perdurar. Como sabe-se a Constituição Federal veda a pena de caráter perpétuo ( art. 5º, XLVII, “b”), então conclui-se que a medida não poderá durar até a morte do indivíduo que a sofre. Contudo, mesmo que ele não se reestabeleça para o convício social deverá ser liberado da internação, que acontece geralmente em clínicas psiquiátricas.

Quanto a isso, Paulo Rangel pronuncia-se que a referida medida deve perdurar durante um prazo razoável ao processo para evitar mais constrangimento do que o já sofrido pelo réu. (2011, p. 873)

O inciso VIII, ressalta a fiança como medida cautelar para assegurar o comparecimento a atos processuais, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada a ordem judicial. Acompanhando essa medida o parágrafo quarto desse mesmo artigo prevê que a fiança será aplicada da maneira que prediz o capítulo IV do CPP, podendo ser aplicada cumulativamente a outra medida cautelar.

Essa ultima afirmação foi também uma das mudanças advindas da lei 12.403/11, pois agora a fiança poderá ser aplicada independente ou conjuntamente a outra medida cautelar.

O IX e último inciso, refere-se á monitoração eletrônica, Quanto a esta imposição, extraísse da obra de Nucci:

Surgiu em nossa legislação para saídas temporárias, durante o cumprimento da pena, bem como para o regime aberto. Estende-se agora, para fase processual, o que nos parece lógico e razoável. Tudo depende, naturalmente, dos recursos do Estado. Quando eficiente, o monitoramento pode dar bons resultados; se ineficaz ou inexistente, por certo a medida cautelar tende ao absoluto fracasso. Em face da lacuna legal, deve-se estabelecer, paralelamente, à monitoração eletrônica o recolhimento domiciliar, a proibição de acesso ou frequência a certos lugares ou medida similar. Afinal, sozinha a monitoração não serve para nada. (Código Comentado, p. 681 e 682)

Em outras palavras, teoricamente o monitoramento é uma excelente ideia para fiscalizar se o acusado está cumprindo as imposições judiciais, contudo o recurso é bastante dispendioso financeiramente, o que implica na sua pouca utilização apesar de previsto no CPP. Ademais, a lei 12.403/11 foi bastante simplória ao trazer esta medida para o referido código, não descrevendo como deverá ser esta utilizando, fazendo presumir que a sua utilização depende da imposição de outras medidas, pelos quais serão controladas através desse recurso.

Finda as medidas diversas da prisão encontradas no artigo 319 do Código de Processo Penal, observa-se a prevista no artigo subsequente que se relaciona a retenção do passaporte do indiciado ou acusado para evitar que este saia do país e obste a aplicação da pena, caso ele seja condenado ao final do processo. Entretanto, tal medida já fora exposta neste trabalho, inclusive demostrando a sua escassa aplicabilidade, tendo em vista a realidade brasileira e as diversas outras maneira que um sujeito possui para sair do país sem necessitar de passaporte.

Diante todo exposto, conclui-se que, as medidas cautelares diversas da prisão fortalece o objetivo principal da lei 12.403/11, que como visto durante todo o trabalho acadêmico, veio trazer um caráter descarcerizador as medidas cautelates. Diante do estudado, vê-se que a liberdade é a regra, só podendo alguém ter esse direito mitigado em situações extremas e previstas em leis que estejam em consonância com a Magna Carta. 

CONCLUSÃO

Do trabalho acadêmico presente, conclui-se que a prisão preventiva deverá ser a última alternativa a ser aplicada no âmbito das medidas cautelares. Tal prerrogativa se deu com a aprovação da lei 12.403/11, que adequou o direito processual penal a Constituição vigente, visto aquele código ser anterior à carta Magna.

Logo, observou-se que o processo penal brasileiro constitucionalizou-se com esta nova lei, priorizando os princípios constitucionais, como a ampla defesa, o contraditório, o princípio da presunção de inocência, bem como a liberdade de locomoção e a supremacia da dignidade da pessoa humana, na busca pela verdadeira efetivação do Estado Democrático de Direito.

Na perspectiva das mudanças que a lei trouxe para as medidas cautelares, em relação à prisão preventiva, destaca-se a delimitação de ocorrência de crime doloso com pena superior a quatro anos, para que esta seja admitida. Além da exposição dos fundamentos legais que a autorizam pelo magistrado quando da sua decretação.

Em relação a outras mudanças ocorridas no Código de processo penal brasileiro com a promulgação da lei 12.403 de 04 de maio de 2011, merece respaldo a instituição das medidas cautelares diversas da prisão, que poderão ser usadas de maneira isolada ou cumulativa, o que só será definindo depois de vislumbrado o caso concreto.

Logo, a lei em questão veio confirmar algo que a Constituição já preconizava há muito tempo, que é a excepcionalidade da prisão preventiva, tendo em vista a superveniência da dignidade da pessoa humana em relação a degradante situação que trás o cárcere. Determinando que a liberdade só poderá ser oprimida se devidamente demonstrada a sua necessidade e adequação. 

 

 

 

 

 

 

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ROCHA, José Wilson da Silva. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA APLICAÇÃO MODERNA. Disponível em http://www.overmundo.com.br/banco/o-principio-da-dignidade-da-pessoa-humana-e-sua-aplicacao-moderna-1. Acesso em: 04 out. 2014.

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Sobre a autora
Silvia Valeria Farias Cruz

Advogada, graduada em Direito pela Universidade Tiradentes-SE.

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Monografia apresentada a Universidade Tiradentes como um dos pré-requisitos para obtenção do grau de bacharel em Direito.

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