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Foro especial por prerrogativa de função:

o novo art. 84 do Código de Processo Penal

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01/03/2003 às 00:00
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7. Considerações finais

Comentando o tema sob análise Hugo Nigro Mazzili asseverou, com a inteligência de sempre, que: "Não se pode esconder que o objetivo desse jogo de força é tentar jogar para o Procurador-Geral da República e as maiores Cortes, de investidura política (indicação do Presidente da República e aprovação do Senado), a decisão sobre o processo e julgamento das mais altas autoridades... Acresce que, em vista da notória incapacidade material dessas Cortes de processarem e julgarem os milhares de casos de improbidade neste País, estariam assim, até involuntariamente, contribuindo para a ineficácia da lei". [26]

Trata-se, a bem da verdade, de um duro golpe contra os princípios republicanos de igualdade; fomento à criminalidade política, à corrupção, e é sabido que muitos têm se valido de prerrogativas asseguradas pelas funções para delinqüir impunemente.

A Lei 10.628/02 contraria a Constituição Federal; todo e qualquer senso de Justiça; princípios constitucionais basilares; o interesse social, e não corresponde, em absoluto, com as idéias e ideais da sociedade brasileira contemporânea, representando, sem sombra de dúvida, ranço primitivo e ditatorial, e os homens primitivos, conforme Lucien Lévy-Bruhl, "vivem, pensam, sentem, se movem e agem num mundo que em numerosos pontos não coincide com o nosso". [27]

Não se deve esquecer a lição de Niklas Luhmann no sentido de que "apesar de toda a autonomia e do desenvolvimento continuado das diferentes noções jurídicas, as mudanças fundamentais do estilo do direito permanecem condicionadas pela mudança estrutural da sociedade, ou seja: são por ela incentivadas e possibilitadas". [28]

É preciso estar atento à vontade coletiva, de que falava Hans Kelsen. [29]

Como escreveu Jean-Jacques Rousseau: "Enfim, quando o Estado, próximo de sua ruína, subsiste apenas por uma fórmula ilusória e vã, quando o liame social está rompido em todos os corações, quando o mais vil interesse se apossa afrontosamente do nome sagrado do bem público, então a vontade geral torna-se muda, todos, guiados por motivos secretos, não mais opinam como cidadãos, como se o Estado jamais tivesse existido, e são aprovados, falsamente sob o nome de leis, decretos iníquos que apenas visam o interesse particular". [30]

No Brasil, é cada vez mais acertada a afirmação de John Kenneth Galbraith no sentido de que a mudança socialmente desejável é regularmente negada devido a interesses pessoais bem conhecidos. [31]


Notas

01. Elementi di procedura penale, 3ª ed., Florença, 1908, p. 209.

02. Trattato di Diritto Processuale Penale Italiano, 6ª ed., Torino: UTET, v. II, 1968, p. 37.

03. Processo Criminal Brazileiro, Livro III, p.163

04. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, 5ª ed., Rio de Janeiro: Borsoi, v. II, p. 51.

05. Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941.

06. Trattato di Diritto Processuale Penale Italiano, 6ª ed., Torino: UTET, v. II, 1968, p. 37.

07. Do Supremo Tribunal Federal.

08. Desaforo privilegiado, Conamp em Revista, out./dez. 2002, n.º 1, 1ª ed., p. 29.

09. "A tramitação do foro privilegiado na Câmara foi beneficiada por um acordo firmado entre o PT – que tinha interesse na aprovação da Medida Provisória 66 – e o governo, que pretendia evitar futuros problemas políticos para o presidente Fernando Henrique Cardoso", conforme escreveu Paulo de Tarso Lyra em artigo publicado no "Jornal do Brasil", em 13.13.02, p. A-4.

10. Embora difíceis de se encontrar.

11. Senadores aprovam urgência para votação do foro privilegiado, 13.12.02, p. A-12.

12. Cf. A Mobilização contra o foro privilegiado, Conamp em Revista, out./dez. 2002, n.º 1, 1ª ed., p. 24.

13. "Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício".

14. Privilégios Antidemocráticos, Conamp em Revista, out./dez. 2002, n.º 1, 1ª ed., p. 26.

15. Privilégios Antidemocráticos, Conamp em Revista, out./dez. 2002, n.º 1, 1ª ed., p. 27.

16. Privilégios Antidemocráticos, Conamp em Revista, out./dez. 2002, n.º 1, 1ª ed., p. 27.

17. Reformas penais : foro por prerrogativa de função. Disponível na internet: http://www.ibccrim.org.br, 24.12.2002.

18. Desaforo privilegiado, Conamp em Revista, out./dez. 2002, n.º 1, 1ª ed., p. 29.

19. Art. 102, inc. I, alínea b, da CF.

20. Mesmo assim o Ministro Nelson Jobim, ex-Ministro da Justiça no Governo Fernando Henrique Cardoso, concedeu a liminar acima mencionada, suspendendo a eficácia da sentença condenatória proferida na ação de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público Federal contra o Ministro Ronaldo Sardenberg, abrindo o caminho para o infeliz Projeto que deu origem à Lei 10.628/02, que inseriu o § 2º no art. 84 do Código de Processo Penal.

21. Cf. Marino Pazzaglini Filho, Lei de improbidade administrativa comentada, São Paulo: Atlas, 2002, p. 173-175.

22. TRF – 1ª Região, Ag. 01000132274-DF, DJ 4-5-2001, p. 640.

23. Probidade administrativa, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 369.

24. Lei de improbidade administrativa comentada, São Paulo: Atlas, 2002, p. 174.

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25. D.O.E. 03 de janeiro de 2003, p. 22.

26. Privilégio para julgar corruptos, Conamp em Revista, out./dez. 2002, n.º 1, 1ª ed., p. 32.

27. La mentalité primitive, 14ª ed., Paris, 1947, p. 47.

28. Sociologia do Direito I, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, trad. de Gustavo Bayer, 1983, p. 225.

29. Problemas capitales de la teoria jurídica del Estado, trad. de Wenceslao Roces, México: Porrúa, 1987, p. 139.

30. Do contrato social, trad. de Márcio Pugliesi e Norberto de Paula Lima, 7ª ed., São Paulo: Hemus, s/d., p. 112.

31. Sociedade justa, trad. de Ivo Korytowski, Rio de Janeiro: Campus, 1996, p. 5.

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Sobre o autor
Renato Marcão

Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito. Professor convidado no curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Rede Luiz Flávio Gomes. Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP). Autor dos livros: Tóxicos (Saraiva); Curso de Execução Penal (Saraiva); Estatuto do Desarmamento (Saraiva); Crimes de Trânsito (Saraiva); Crimes Ambientais (Saraiva); Crimes contra a Dignidade Sexual (Saraiva); Prisões Cautelares, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Restritivas (Saraiva); dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCÃO, Renato. Foro especial por prerrogativa de função:: o novo art. 84 do Código de Processo Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3861. Acesso em: 4 mai. 2024.

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