A diferença entre transgressão militar e crime militar

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29/04/2015 às 16:33

Resumo:


  • Transgressão militar é uma infração às normas de comportamento no ambiente militar, não sendo classificada como crime, mas como violação dos princípios de ética, hierarquia e disciplina.

  • Crime militar é uma ação tipificada como delito no Código Penal Militar, que afeta diretamente os princípios basilares da instituição militar, como a hierarquia e a disciplina, sendo de competência da Justiça Militar.

  • O Código Penal Militar estabelece a diferenciação entre transgressões e crimes militares, e a Constituição Federal define a competência para julgamento dos crimes militares, que podem ser cometidos tanto por militares quanto, em certos casos, por civis.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Trata-se de um artigo que visa esclarecer os pontos diferenciais entre o crime militar e a transgressão militar, pois existem pontos a serem debatidos relacionado ao tema.

A DIFERENÇA ENTRE TRANSGRESSÃO MILITAR E CRIME MILITAR
  1. TRANSGRESSÃO MILITAR

      Para um perfeito funcionamento do quartel ou da administração militar, o ambiente a qual os militares se encontram deve estar em observância de certas regras de comportamento. Esses comportamentos estão disciplinados nos Regulamentos Disciplinares de cada Força.                                          Todas as condutas praticadas pelo militar devem seguir rigor e respeitar os princípios basilares da ordem castrense, hierarquia e disciplina. O desrespeito de tais fundamentos compromete a qualidade do serviço. São as lições de José Armando da Costa “deve-se levar em conta que a desobediência a determinadas normas de comportamento, além de gerar um ambiente de indisciplina interna, repercute negativamente na qualidade do serviço prestado pela repartição”.[1]   

          É sabido que o desrespeito de algumas normas no serviço público constitui infração, dentre elas, no âmbito militar, configura-se transgressão militar.              

        Há variações dos termos utilizados pelos doutrinadores quanto à transgressão disciplinar, dentre elas são utilizadas ilícito disciplinar; infração disciplinar; delito disciplinar e/ou falta disciplinar.                                         

Com efeito, a transgressão traduz em ato ou efeito de transgredir, cometer ou violar uma infração. No âmbito castrense, a transgressão corresponde a praticar qualquer ação ou omissão diferentemente de crime militar.  Além disso, a transgressão militar constitui em violação dos princípios da ética, dos deveres e das obrigações militares. Nesse sentido, Jorge Luiz Nogueira de Abreu afirma:

Contravenção ou transgressão disciplinar é toda ação ou omissão que não constitua crime militar, ofensiva à ética, às obrigações ou aos deveres militares, ou, ainda que a afete a honra pessoal, o pundonor militar, o decoro da classe, e, como tal, é classificada pelos regulamentos disciplinares das Forças Armadas.[2]

            Ademais, seguindo preceitos constitucionais, o art. 5º, inciso II, reza o princípio da legalidade ou da reserva legal, no qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, logo, a transgressão disciplinar será punida na forma da lei. Nas palavras de Julio Lopes “desta forma, somente pode ser considerada transgressão disciplinar as condutas expressamente disposta em lei, sendo incabível a sua extensão, analogia ou proximidade”.[3]                              

           Além disso, Jorge Cesar Assis esclarece o princípio da reserva legal quanto à transgressão militar, “dispositivo constitucional está admitindo a existência de um Regulamento Disciplinar, já que são exatamente os regulamentos que contêm o rol das transgressões disciplinares militares”.[4]                                                                    A transgressão militar aparentemente confunde-se com o crime militar, mas, no entanto, não é possível fazer tal experimento, de forma que o Direito Penal e o Direito Disciplinar são institutos que se encontram bem distantes um do outro, são categorias de ilicitude diferentes, mesmo que pertença a mesma finalidade jurídica: punição e prevenção contra o delito.    

    Vê-se tal afirmação nas palavras de Hely Lopes Meirelles:

Não se deve confundir o poder disciplinar da Administração com o poder punitivo do Estado, realizado através da Justiça Penal. O poder disciplinar é exercido como faculdade punitiva interna da Administração, e, por isso mesmo, só abrange as infrações relacionadas com o serviço; a punição criminal é aplicada com finalidade social, visando à repressão de crimes e contravenções definidas nas leis penais e por esse motivo é realizada fora da Administração ativa, pelo Poder Judiciário.[5]

             De todo modo, pode-se destacar que a transgressão disciplinar possui elementos próprios de modo que não se deve ser confundida com o crime militar. Assim, a transgressão não necessariamente irá exigir uma anterior definição legal, salvo em casos que ocorram punições mais severas.             

            Ademais, a transgressão disciplinar afeta somente a área funcional a que pertence ao militar transgressor, tendo como punição uma pena mais branda. Com efeito, não há a necessidade de procedimento complexo para a apuração da falta disciplinar, como o inquérito policial militar – IPM.

            Por fim, a transgressão disciplinar militar é amparada pela administração castrense para a investigação da falta. Nesse sentido diz José Armando da Costa:

A falta disciplinar é apurada e sancionada pela própria administração, cujos componentes não têm as mesmas garantias dos membros da magistratura, não dispondo, consequentemente, da mesma independência do Poder Judiciário.[6]

          Impõe-se destacar que dentro do direito disciplinar o elemento tipicidade, não vislumbra-se primordialmente nas faltas militares, vez que cabe ao poder hierárquico dispor sobre tal instituto. No entanto, pode-se ressaltar que essa tipicidade é considerada relativa sobre a vertente das transgressões disciplinares. José Armando da Costa faz sua consideração quanto à tipicidade relativa:

Advirta-se, desde já, que a regra da relativa tipicidade — predominante na área do Direito Disciplinar —, é aplicável apenas nos casos de punições mais leves. E, mesmo assim, isso não significa que o funcionário possa ser punido arbitrariamente. Apenas traduz que os motivos da punição não necessitam de estar, prévia e rigorosamente, revistos na lei.[7]

        Percebe-se que o liame entre o crime militar e a transgressão militar é conferido na intensidade da violação dos preceitos e deveres do falta disciplinar.       O Direito Disciplinar Militar é tratado nos Regulamentos de cada Força, notoriamente elencando as condutas que ferem a ética, os valores e deveres bem como a disciplina da caserna.                                                                                                   O Regulamento Disciplinar conferido a cada Força define a transgressão ou contravenção militar, vejamos:                                                                   Regulamento Disciplinar do Exército (RDE):

Art. 14.  Transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe.[8]

            Regulamento Disciplinar da Aeronáutica (RDAer):   

Art. 8º Transgressão disciplinar é toda ação ou omissão contrária ao dever militar, e como tal classificada nos termos do presente Regulamento. Distingue-se do crime militar que é ofensa mais grave a esse mesmo dever, segundo o preceituado na legislação penal militar.[9]

            Regulamento Disciplinar da Marinha (RDMar):            

Art. 6º Contravenção Disciplinar é toda ação ou omissão contrária às obrigações ou aos deveres militares estatuídos nas leis, nos regulamentos, nas normas e nas disposições em vigor que fundamentam a Organização Militar, desde que não incidindo no que é capitulado pelo Código Penal Militar como crime.[10]

            Visto isso, é de se notar que não há distinção conceitual entre os Regulamentos Disciplinares quanto à transgressão.

            Por seu turno, Jorge César Assis ensina:

As definições se equivalem, conquanto a do RDAer seja mais enxuta, todas elas têm, um amplo sentido de alcance, cuja linha de separação, de difícil delimitação, é a caracterização do crime militar. Alguns conceitos que sempre balizaram a noção de violação da disciplina militar sempre foram subjetivos, v.g., atos atentatórios à moral, ao pundonor militar e o que caracteriza, exatamente, a conduta tida como irregular.[11]

            A Marinha do Brasil, diferentemente, define a transgressão disciplinar como contravenção militar.  Jorge Luiz Nogueira de Abreu aponta:

 A Marinha, tradicionalmente, tem adotado a expressão “contravenção disciplinar” para indicar os atos contrários à disciplina castrense. Por outro lado, tem sido tradição no Exército e Aeronáutica adotar a expressão “transgressão disciplinar”.[12]

          O entendimento acerca da transgressão disciplinar é que, são infrações cometidas pelo militar caracterizando uma conduta irregular, podendo ser considerada um desregramento ou uma postura inadequada perante aos seus pares, podendo ser “reincidente em faltas disciplinares de natureza grave, mostrando-se refratário à disciplina”.[13]    

        Importante frisar que dentro dos Regulamentos existe a classificação das faltas disciplinares em graves, médias, leves, à exceção da Marinha que define em graves e leves. Conquanto, a infração ofende à determinada força princípios e regras.             

        Visto isso, o Código Penal Militar expressamente, em seu art. 19, afasta a transgressão militar de sua seara, sendo que, a mesma será abarcada pelos respectivos Regulamentos, in verbis:

Art. 19. Este Código não compreende as infrações dos regulamentos disciplinares.[14]

1.2 CRIME MILITAR

          Crime é toda ação típica e antijurídica. Além disso, pode-se destacar que parte da doutrina acrescenta à definição de crime o elemento culpabilidade, conhecida como teoria tripartida.                                                    

Seguem considerações de Rodrigo Larizzatti quanto à definição de crime:

Crime, assim, é toda ação típico e antijurídica. Típica porque deve ser uma conduta humana prevista como infração penal; e antijurídica porque deve, ainda, ser contrária ao ordenamento jurídico vigente [...] Todavia, existe farta corrente doutrinária que defende a denominada teoria tripartida, incluindo a culpabilidade no conceito analítico do delito.[15]  

            Nesse panorama, o crime militar não foge à regra do conceito de delito. No entanto, o que diferencia o crime castrense do crime comum é o bem jurídico a ser resguardado. O crime militar leva em conta os princípios basilares da caserna, hierarquia e disciplina, e a administração militar.    

            Para que se configure crime militar é imprescindível que tal ação típica e antijurídica (culpável) esteja taxativamente descrita no Código Penal Militar – CPM. Assim, o Códex castrense em seu arts. 9º e 10 descrevem os crimes militares, em paz e em guerra respectivamente.  

           Frisa-se que a Constituição Federal deu ao crime militar pequenos aspectos de definição, citando apenas superficialmente o instituto típico e antijurídico no art. 5º, LXI; art. 124; art. 125, § 4° e o art. 144, § 4°:[16]

Art. 5º (...)

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

Art. 124. à Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.

Art. 125 (...)

§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

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Art. 144 (...)

§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

            Nesse panorama, quanto ao sujeito ativo, que é o principal motivo para configurar o crime castrense, é considerado pelo legislador aquele que está incorporado às Forças Armadas – FFAA, e sujeito à disciplina militar. É a inteligência do art. 22 do CPM, in verbis:

Art. 22. É considerada militar, para efeito da aplicação deste Código, qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja incorporada às forças armadas, para nelas servir em posto, graduação, ou sujeição à disciplina militar.[17]

           Por outro lado, não só os militares pertencentes às Forças Armadas são considerados militares, há de acrescentar os Policiais Militares e os Bombeiros em questão. A Constituição Federal em seus arts. 42 e 125 § 4º[18] ampliou o conceito de militar, abarcando os militares de Estado e do Distrito Federal, in verbis:

Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios

Art. 125 (...)

§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. 

            No que tange ao delito, para Jorge César Assis, o crime militar “é toda violação acentuada ao dever militar e aos valores das instituições militares” [19]. No crime militar os princípios da hierarquia e disciplina são os bens jurídicos a serem respeitados, e a contravenção desses, gera o crime militar.                                               Destarte, o crime militar possui sua vertente maior elencado no art. 9º no Código Penal Militar. Nele, é rotulado os critérios legais para a definição do crime da caserna, em tempo de paz.                                                                                             Não bastando a lei (ratione legis) para a definição do crime, a doutrina delineou em alguns critérios a mais, dentre eles, em razão da matéria (ratione materiae), em razão da pessoa (ratione personae), razão do tempo (ratione temporis). Contudo, levando em conta a extensão e amplitude do art. 9º, do CPM, o critério adotado é o ratione legis, assim Assis aponta que “é crime militar aquele que o Código Penal Militar diz que é, ou melhor, enumera em ser art. 9º”.[20]                        

             Ademais, apesar desses critérios, o crime da caserna se desdobra em dois tipos de delito: o propriamente e o impropriamente militar.    

             No entendimento de Alexandre Saraiva, há dificuldade em se entender o crime militar próprio:

Há uma rumorosa impaciência doutrinária quando se tenta conceituar crime propriamente militar. Geralmente, os estudiosos apontam como sua principal característica o fato de serem previstos apenas na lei penal militares ou serem praticados somente por militares.[21]

            Paralelamente, Célio Lobão, ao conceituar crime militar, enalteceu o doutrinador Esmeraldino Bandeira, no qual faz a seguinte afirmação:

Ainda o mestre de Direito Penal castrense oferece definição para o crime propriamente militar, que, segundo ele, ‘são os que consistem nas infrações específicas e funcionais da profissão do soldado’. Continuando, esclarece: para formular essa definição fizemos funcionar o critério ratione materiae, caracterizando o delito militar pela violação do dever funcional’. Finaliza enfatizando: ‘essa é a única espécie de delito que deveria ser considerada militar.[22]

            Para o mestre Assis o “crime militar próprio é aquele que só está previsto no Código Penal Militar e que só pode ser praticado por militar”[23]. Além disso, Alexandre Saraiva afirma que o crime propriamente militar “é um tipo penal especialmente criado para proteger um interesse próprio, particular e característico da ambiência militar (...) via de regra, praticado por militares”.[24]

            Na mesma linha, Enio Luiz Rossetto elucida, também, que:

Considera na categoria de crime propriamente militar o cometido pelo militar, um crime funcional, uma infração do dever militar, por exemplo, a deserção, a desobediência, insubordinação, que ofendem a própria instituição militar.[25]

            Por outro lado, quanto ao crime impropriamente militar pode-se definir que são aqueles que possuem uma natureza híbrida, pois são comuns, no entanto, estão delineados em ambos os códigos repressivos. Desse modo, Jorge César Assis afirma que “são aqueles que estão definidos tanto no Código Penal Castrense quanto no Código Penal Comum”[26].            

           Nesse sentido, o crime impropriamente militar destaca-se por se encontrar tanto na legislação penal comum, tanto na legislação penal militar.      

           Nos dizeres de Benevides Fernandes Neto:

Os crimes impropriamente militares, ou acidentalmente militares, por sua vez, podem ser cometidos pelos militares e, em situações excepcionais, também por civis, abrangendo os crimes definidos de modo diverso ou com igual definição na legislação penal comum.[27]

            Renan Francisco Paiola corrobora, então, que os crimes impropriamente militares:

São aqueles que, comuns em sua natureza, podem vir a serem cometidos por qualquer sujeito, seja civil ou militar. Porém, há de se destacar que ao serem cometidos por militar, em determinadas condições, são caracterizados legalmente de crimes militares, isso porque estão previstos no Código Penal Militar. Para exemplo desse tipo de delito temos o furto (art. 240, do CPM),homicídio (art. 205, do CPM), constrangimento ilegal (art. 222, CPM), etc.[28]

            Ademais, conforme ensinamentos de Célio Lobão, o crime impropriamente militar é aquele que não é do caráter da profissão do sujeito que serve às Forças Armadas, Policia Militar e Corpo de Bombeiros, no entanto macula os interesses da ordem castrense.

Em conformidade com direito material brasileiro, crime impropriamente militar é a infração penal prevista no Código Penal Militar que, não sendo “específica e funcional da profissão do soldado”, lesiona bens ou interesses militares relacionados com a destinação constitucional e legal das instituições castrense.[29]

           Desse modo, é certo que as reprimendas estejam elencadas nos dois códigos repressivos, Código Penal (comum) e Código Penal Militar, entretanto, recebem a roupagem do art. 9º, II, que o tornam o crime em militar. Nesse contexto, a reprimenda talvez não seja idêntica, mas se assemelham, assim Alexandre Saraiva diz que “são crimes acidentalmente militares. Aos olhos de um ‘profano’, parecem crimes comuns, mas aos aplicadores do direito, destacam-se os adornos distintivos que lhes transfiguram a natureza”.[30]                                                                                              Nos ensinamentos de Ronaldo João Roth, verbis:         

Assim, não basta existir o crime no CPM e ser praticado pelo militar. Mas tal crime será militar se houver o preenchimento de uma das circunstâncias das alíneas do art. 9º, mas este pode ser uma crime comum ou eleitoral.[31]

            Delineando o art. 9º do CPM e seus incisos:

  Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

        I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial.

            Tal inciso revela-se no cometimento de crime militar, com previsão somente no CPM, em “que nas hipóteses em que o CPM trata de um crime de forma diferente a lei penal comum, a resultante é um tipo exclusivo da lei penal militar”[32], afirma Saraiva.

       II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:

        a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;

        b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

         c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;

        d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

        e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;

       De tal sorte, quanto ao inciso II e suas alíneas, Enio Rossetto faz suas considerações de que “(...) o legislador adotou critérios ratione personae (alínea a [...]), ratione loci (alínea b [...]), ratione materiae (alínea e [...]), e propter offcium (alínea c [...]). Sem embargo de que em certas alíneas sejam adotados dois ou mais critérios”.[33] (grifo do autor)                                                                                                          

        Quanto à alínea “d”, Rossetto faz sua consideração de que “a doutrina critica dispositivo em exame porquanto as situações nele contidas são absorvidas pela alínea c, eis que durante o período de manobras ou exercícios o militar, está, necessariamente, em serviço”.[34]

        III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

        a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

            No inciso III, Enio Rossetto menciona os ensinamentos de Silvio Martins Teixeira no sentido que os crimes contra as instituições militares “afetam a organização das Forças Armadas do País, suas instituições. Os que afetam a administração militar e o patrimônio destinado à finalidade das Forças Armadas do País, ou bens sujeitos à administração militar”[35].

        b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;

        c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;

            A alínea “b” dispõe do critério em razão da pessoa e em razão do lugar, e fica sujeito ao crime praticado militar contra militar em administração militar; já alínea “c” comporta várias situações em que o militar deve-se encontrar, dentre elas em vigilância em prontidão, exercício etc.

        d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior

.

            Aqui foi adotado o critério ratione materiae, no qual a “hipótese é a de crime ser cometido pelo militar da reserva ou reformado ou por civil contra militar em função da natureza militar ou em desempenho de serviço de vigilância”[36], assim, pontua Rossetto.

            No que tange ao parágrafo único do mesmo artigo:

Parágrafo único.  Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica.[37]

            Por fim, houve muita discussão acerca desse instituto, vez que não se sabia ao certo se era cabível a competência militar para o julgamento de crimes dolosos contra a vida de civil cometidos por militares em razão da função. No sentido Enio Rossetto afirma:

Com efeito, o delito de homicídio continua sendo considerado crime militar na legislação infraconstitucional (CPM) e, como tal, por expressa disposição constitucional, compete à Justiça Militar processar e julgar crime militar definido em lei, no caso, o Código Penal Militar. A lei ordinária não poderia alterar a competência da Justiça Militar fixada pela Constituição Militar para processar e julgar os crimes militares definidos em lei, entre eles o homicídio doloso.[38]

          Após tal análise é cediço que para a configuração do crime militar levam-se em conta muitas questões, principalmente requisitos essenciais para atribuir a competência da Justiça Militar .De tal sorte, é imprescindível o preenchimento dos requisitos no art. 9º para ensejar crime militar.

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