A Constituição Federal de 5 de outubro de 1988 erigiu os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade como norteadores da pública administração no Brasil, a qual se insere em um sistema nacional, de que participam a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, conforme o disposto no seu artigo 37, caput.
Como exigência da moralidade e da impessoalidade, vislumbrou o Constituinte a necessidade de impor a prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como requisito indispensável à admissão de qualquer pessoa ao serviço estatal, quer como ocupante de cargo ou emprego. Excepcionado dessa regra ficou o provimento de cargos em comissão, tendo em vista, em primeiro lugar, a confiança que deve presidir a escolha do nomeando, em segundo, a temporariedade do exercício e, em terceiro, a demissibilidade "ad nutum" dos ocupantes de tais cargos.
Em termos literais está assim disposta a prescrição constitucional:
Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:
I - ..........................................
II - a investidura em cargo ou emprego público depende
de aprovação em concurso público de provas
ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações
para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação
e exoneração;
A simples leitura do dispositivo acima dá-nos algumas indicações dos propósitos do constituinte de 1988 e da abrangência por ele atribuída à norma em apreço.
Inicialmente, é de salientar que a obrigação se dirige tanto para o provimento de cargos quanto para o preenchimento de empregos. Trata-se, como se sabe, de inovação da Carta Magna em vigor. Os textos constitucionais anteriores determinavam a realização de concurso público apenas para os cargos públicos. Os empregos eram providos livremente pelos administradores. Hoje, os empregos, em qualquer setor da administração, também se sujeitam a concurso público, com o que se depreende a maior amplitude dada pela Constituição à exigência do artigo 37, II.
Verifica-se, outrossim, como acima já fizemos ver, que a sujeição da admissão ao serviço estatal à prévia aprovação em concurso público satisfaz aos princípios da moralidade e da impessoalidade, porquanto:
a) evita o favorecimento de afilhados ou terceiros, o que ocorre sempre em detrimento daqueles que, embora capazes, não tenham aproximações com o administrador e não possam beneficiar-se de seus favores;
b) privilegia o mérito, apurado de maneira impessoal e comprovado mediante a aprovação em certame no qual se observem as normas comezinhas da correção, decência e transparência;
c) assegura a lealdade à administração, na medida em que o administrador só convocará os mais capazes, que demonstrem aptidão para o serviço público, rejeitados os que não preencham tais requisitos.
Por outro lado, com referência ao âmbito de aplicação da norma, fácil é constatar que toda a administração pública a ela se sujeita. Nesse sentido, quer sejam da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, quer sejam da administração, direta, indireta ou fundacional, os órgãos estatais só podem admitir servidor após sua prévia aprovação em concurso público.
Por algum tempo discutiu-se sobre a inclusão das sociedades de economia mista e empresas públicas no rol das entidades submetidas ao acatamento da disposição constitucional acima transcrita. Na discussão que se travou, nos começos da vigência da nova Constituição, pensavam uns, pouquíssimos aliás, que a administração indireta estaria excluída da exigência do concurso público para admissão de pessoal; outros consideravam que somente as empresas que prestassem serviço público se achavam obrigadas ao cumprimento daquele preceito, ficando deste desobrigados os órgãos da administração indireta que se dedicassem à exploração de atividade econômica, por força do disposto no artigo 173, § 1°, da C. F. ("a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias"); finalmente uma terceira corrente defendia o ponto de vista de que todas as entidades paraestatais, componentes da administração indireta estariam vinculadas à realização de concurso público para admissão de pessoal.
A grande maioria, porém, de cujo entendimento resultou a mansa e induvidosa jurisprudência em vigor, concluiu estarem todos os órgãos da administração indireta sujeitos ao princípio da prévia aprovação em concurso público para admissão de servidores, independentemente de suas finalidades, ou seja, destinem-se à mera prestação de serviços ou à exploração de atividade econômica.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar matéria constante do Mandado de Segurança nº 21.322-1-DF (DJ-23.04.93) determinou a realização de concurso público para admissão de empregados em empresas paraestatais, em cumprimento ao que dispõe o art. 37, II, da Constituição Federal.
No âmbito do Tribunal de Contas da União, o entendimento é tão reiterado que originou a Súmula 231, segundo a qual:
A exigência de concurso público para admissão de pessoal se estende a toda a Administração Indireta, nela compreendidas as Autarquias, as Fundações instituídas pelo Poder Público e, ainda, as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, mesmo que visem objetivos estritamente econômicos, em regime de competitividade com a iniciativa privada.
Em nosso Estado, o Tribunal de Contas foi um dos primeiros a filiar-se à corrente vencedora, ao dar pela ilegalidade da admissão de servidores pela Sociedade Anônima de eletrificação da Paraíba - SAELPA e pelo Banco do Estado da Paraíba - PARAIBAN.
Em suma, o que rege a admissão de servidores públicos,
com o advento da Constituição de 1988, sob o manto
da universalidade, é o princípio da prévia
aprovação do nomeando em concurso público.
Disso resulta que ninguém, em nenhum órgão
público, quer federal, estadual, distrital ou municipal,
quer, ainda, da administração direta, indireta ou
fundacional, poderá ser admitido ao serviço público
sem que satisfaça aquela exigência constitucional.
Ao mesmo tempo em que tornou obrigatória a prévia aprovação em concurso público, para admissão válida ao serviço estatal, a Constituição de 1988, suprindo lacuna existente nos ordenamentos políticos anteriores, determinou que os atos respectivos fossem apreciados por um órgão competente para lhes conferir registro.
Digo que a Carta Magna em vigor supriu lacuna, porque, efetivamente, essa era uma medida que se impunha e que jamais fora adotada pelas Constituições ou pelas legislações anteriores. Os atos de admissão de pessoal eram prolatados e quaisquer que fossem seus defeitos passavam a vigorar sem nenhum questionamento, justamente pela falta de um exame ou verificação, por um órgão a quem fosse dada a atribuição de analisá-los e certificar a sua correção.
De acordo, pois, com mandamento constitucional em vigor, cabe aos Tribunais de Contas apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo poder público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão.
Mais uma vez se vê que a exigência estende-se a toda a administração - direta, indireta e fundacional - de todas as esferas estatais - União, Estados, Municípios e Distrito Federal -, a todos os atos de admissão - seja em cargos ou empregos -, e a que título for.
A negativa de registro do ato pelo Tribunal de Contas decorre
da sua nulidade e acarreta uma série de conseqüências
que vão desde o seu desfazimento até a aplicação
de multa ao responsável pelo não atendimento às
determinações do Tribunal.
Como já vimos, a atual Constituição brasileira, em seu artigo 37, II, dispõe, expressamente:
a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
Importante é, sem dúvida, cotejar a dicção constitucional em vigência com a que vigorava no texto constitucional derrogado.
A Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda Nº 1, em relação à matéria aqui tratada, assim dispunha (art. 97, § 1º):
A primeira investidura em cargo público dependerá de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, salvo os casos indicados em lei.
Do enunciado supra, duas conclusões podem ser extraídas:
a) sabendo-se que são mais de uma as formas de investidura em cargo público, somente para a primeira exigia a Constituição de 1967 a prévia aprovação em concurso de provas ou de provas e títulos;
b) a própria Constituição autorizava, expressamente, que a lei criasse exceções ao princípio da prévia aprovação em concurso público.
Como está claro, o texto constitucional em vigor trilhou caminho diametralmente oposto ao anterior e, nesse passo, não limitou a exigência de concurso à primeira investidura, nem tampouco autorizou à lei indicar casos em que a mesma possa ser dispensada.
Assim, a investidura em cargo público podia-se dar através de nomeação, (primeira investidura) após aprovação em concurso público, e através dos chamados provimentos derivados, dos quais são exemplos costumeiros a transferência, a ascensão, o acesso, etc. O art. 37, II, da atual Constituição da República é enfático ao dispor que "a investidura em cargo público depende de aprovação prévia em concurso público". Ao fazê-lo, pois, não se refere, restritamente, à primeira investidura, como o fazia a Constituição anterior, mas, ao contrário, reporta-se a investidura, de maneira geral. Da dicção constitucional, a unanimidade dos intérpretes entende que o constituinte direcionou-se no sentido de considerar que o novo ordenamento constitucional não mais permite as formas derivadas de provimento de cargos públicos, salvo os casos expressamente postos no texto da Carta Magna.
Com respeito a tal matéria, veja-se a fulminante decisão do Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 231-7, na qual se diz que:
O critério do mérito aferível por concurso público de provas ou de provas e títulos é, no atual sistema constitucional, ressalvados os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração, indispensável para cargo ou emprego público isolado ou em carreira. Para o isolado, em qualquer hipótese; para o em carreira, para o ingresso nela, que só se fará na classe inicial e pelo concurso público de provas ou de provas e títulos, não o sendo, porém, para os cargos subseqüentes que nela se escalonam até o final dela, pois para estes, a investidura se fará pela forma de provimento que é a "promoção".
Estão pois banidas das formas de investidura admitidas pela Constituição a ascensão e a transferência, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso, e que não são, por isso mesmo, ínsitas ao sistema de provimento em carreira, ao contrário do que sucede com a promoção, sem a qual obviamente não haverá careira, mas, sim, uma sucessão ascendente de cargos isolados.
- O inciso II do artigo 37 da Constituição Federal também não permite o "aproveitamento", uma vez que, nesse caso, há igualmente o ingresso em outra carreira sem o concurso exigido pelo mencionado dispositivo.
No corpo do Acórdão proferido na supracitada ADIN, esclarecem-se melhor os seus fundamentos, inclusive com apelo à justificativa dada aos dispositivos correspondentes, durante os trabalhos constituintes:
Não mais aludindo a atual Constituição, em seu artigo 37, II, à "primeira" investidura, nem admitindo que a lei possa dispensar o concurso público de provas ou de provas e de título, é evidente que caíram por terra os argumentos que compatibilizavam os institutos da transferência e da ascensão (ou acesso) com o artigo 97, § 1°, da Emenda Constitucional nº 1/69, por exigir este concurso público, e serem aqueles institutos formas de provimento derivado de quem já fora investido, originariamente, em cargo público por concurso.
Essa interpretação que decorre, inequivocamente, do próprio texto constitucional, independentemente do elemento histórico de sua formação, é corroborada categoricamente por este, que demonstra que se trata de modificação consciente e que visou exatamente - como resulta da justificativa da emenda que suprimiu o adjetivo "primeira" que qualificava a "investidura" - a impedir o que a expressão "primeira investidura" permitia, ou seja:
"O texto, da forma como está redigido, permite o ingresso no serviço público através de um concurso público para carreira cujas exigências de qualificação profissional sejam mínimas como mero trampolim para, por mecanismos internos, muitas vezes escusos, se atingir cargos mais especializados.
Da mesma forma, por este dispositivo, nada impede que alguém ingresse por concurso em um órgão "x", onde não há grande concorrência, e isto sirva como justificativa para admissão em outro órgão sem qualquer concurso". (emenda supressiva 2T00736-1, apresentada em 11.07.88 e aprovada em votação plenária).
Lembra, porém, o Supremo Tribunal Federal ainda persistirem algumas formas de provimento derivado, porquanto expressamente admitidas no texto constitucional, a exemplo do "aproveitamento" para os casos de servidores em disponibilidade que devam voltar ao serviço ativo (art. 41, § 3°) e a "promoção", por merecimento ou antigüidade. A promoção é imprescindível, tendo em vista que a Constituição prevê a existência de carreira no serviço público e esta, segundo o entendimento da Suprema Corte, sem a promoção seria uma mera "sucessão ascendente de cargos isolados".
Lembraríamos, ainda, que a Constituição autoriza, expressamente, outras formas de provimento derivado, tais como, a reintegração e a recondução, a primeira quando invalidada por sentença judicial a demissão de servidor estável; a segunda quando, na mesma ocasião, o eventual ocupante daquela vaga tiver de ser reconduzido ao cargo de origem. Nenhuma outra forma de provimento derivado é permitida.
Também alijou-se a possibilidade de a lei estabelecer exceções ao princípio de que ora tratamos, como permitia a Carta Magna derrogada, através de enquadramentos, inclusões, aproveitamentos etc.
Em resumo, apenas mediante prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, pode alguém ser investido em cargo público.
Em que pese a expressa vedação constitucional à admissão de servidores sem a satisfação dessa exigência, inúmeros são os exemplos de atos violadores do preceito constitucional, acarretando a corrida ao Poder Judiciário daqueles que se vêem prejudicados em face de medidas saneadoras tomadas por órgãos encarregados de fazer prevalecer a Constituição e a lei.
As irregularidades mais encontradas, em tal matéria, dizem respeito à:
a) admissão sem a prévia aprovação em concurso público;
b) admissão mediante aprovação em concurso público em cuja realização não se seguiram os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade;
c) admissão mediante aprovação em concurso público regularmente instituído e realizado, mas violando a ordem de classificação oficialmente divulgada;
d) admissão mediante aprovação em concurso público regularmente instituído e realizado, mas procedida após decorrência do prazo de validade do certame, com violação ao disposto no artigo 37, III;
e) admissão mediante qualquer uma das antigas formas
derivadas de provimento, tais como, transferência, enquadramento,
ascensão etc.
ADMISSÃO IRREGULAR AO SERVIÇO PÚBLICO
Chegados a este ponto, cabe-nos indicar as conseqüências jurídicas da admissão irregular ao serviço público.
A própria Constituição Federal já prescreve, de maneira taxativa, o resultado desse procedimento anômalo. Segundo o texto constitucional (art. 37, § 2º),
a não observância do disposto nos incisos I e II implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei.
Assim sendo, as conseqüências da admissão irregular de servidores, com infringência do artigo 37, II e III, da Constituição, se centram em dois pólos: nulidade do ato e punição da autoridade responsável.
Tocante ao primeiro deles, cabe observar que, sendo o ato nulo, nenhum efeito ocasionará. E a nulidade, no caso, tem sede constitucional, o que representa um dado fundamental para análise da questão. A violação ao preceito maior fulmina de nulidade o ato, impedindo-o de gerar efeitos.
A jurisprudência tendente a determinar a nulidade dos atos irregulares de admissão de pessoal é copiosa, avolumando-se dia a dia. E não poderia ser diferente. Tratando-se de questão eminentemente de ordem pública, reconhece-se até que tem prevalência sobre certos aspectos de ordem individual.
Uma visão, perfunctória embora, do decisório jurisprudencial dá-nos uma idéia de como o problema tem sido visto pelos Tribunais:
1) A primeira medida que o ato irregular de admissão de pessoal exige é o seu desfazimento pela própria administração. Se o administrador não o faz sponte sua, haverá de fazê-lo por decisão judicial, por determinação de autoridade superior ou por deliberação do Tribunal de Contas correspondente, quando do exame do ato, nos termos do artigo 71, III, da Constituição Federal.
É entendimento pacífico, aliás, sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, que à administração cabe anular seus próprios atos, quando se mostrarem irregulares. Mas se ela não o faz, espontaneamente, haverá de fazê-lo compulsoriamente, por imposição de qualquer dos órgãos acima mencionados, sob pena de sujeitar-se a cominações de natureza administrativa, penal ou civil.
2) Se o caráter irregular da admissão de pessoal decorre de vícios que contaminaram o concurso público correspondente, nasce para a administração a necessidade imperiosa de, anulando o certame, anular igualmente as admissões dele decorrentes.
É entendimento assente e revelado em sucessivas decisões de nossos Pretórios. A propósito, é tão relevante a questão, do ponto de vista do interesse público, sobrepondo-se ao interesse individual, que o Supremo Tribunal Federal já deliberou no sentido de que a anulação de concurso público viciado dispensa a notificação dos interessados e beneficiários dos atos nulos originados de certame inválido.
No julgamento do RE nº 85557-SP, que assim decidiu, o Ministro Moreira Alves enfatizou:
2. Decidiu o acórdão recorrido que a Administração Pública pode declarar a nulidade de concurso público em virtude de ilegalidades ocorridas na sua realização, independentemente de ouvir, em processo administrativo, os candidatos nomeados em virtude dele, e em período de estágio probatório.
E, a meu ver, decidiu corretamente:
Com efeito, dispõe a Súmula nº 346 que a administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.
E, declarada a nulidade do ato - que opera ex-tunc - não há que se falar em direitos dele decorrentes.
A circunstância de os candidatos nele aprovados já terem sido nomeados e se encontrarem em estágio probatório em nada modifica a questão. Nulo o concurso, nulas as nomeações e investiduras.
Hipótese, evidentemente, diversa daquela a que se refere a Súmula nº 21:
Funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado nem demitido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua capacidade".
A exoneração ou a demissão pressupõem investidura válida, sendo formas de ruptura de vínculo preexistente entre a Administração Pública e o servidor. Por isso, para que se apure a falta ou a incapacidade alegada como fundamento dessa ruptura, é mister, nos termos da Súmula nº 21, que haja processo administrativo em que se possa defender o servidor regularmente investido.
O mesmo, porém, não ocorre quando se trata de nulidade do ato administrativo em virtude do qual houve a investidura do servidor. Neste caso, como sucede com qualquer outro ato administrativo - que também pode causar prejuízo ao seu beneficiário - o que há é o simples restabelecimento da ordem jurídica, violada pela administração pública, e passível de ser restaurada por ela mesma. Não teria sentido a exigência de processo administrativo em que tomassem a defesa, não de si mesmos - não se trata de falta pessoal ou de incapacidade profissional -, mas do ato impugnado como nulo, por ilegalidade, pela própria administração que o praticou e que posteriormente reconheceu sua falha, os beneficiários do ato. Ademais, é de considerar-se que a declaração de nulidade do concurso é ato impessoal, já que atinge a todos os classificados nele e não a este ou àquele candidato.
Por outro lado, os prejudicados com a nulidade poderão atacá-la judicialmente, para demonstrar que ao contrário do que entendeu a administração pública, o ato declarado nulo não o era por inexistirem as razões em que esta se fundou para caracterizar a nulidade.
3) Se nula é a admissão de pessoal, quer pela nulidade do certame, quer pela falta deste, evidentemente nenhum efeito dela decorrerá. Daí resulta que nenhum direito, inclusive pecuniário, têm os servidores admitidos irregularmente.
A questão apresenta uma importância significativa em relação à Justiça do Trabalho, cujos integrantes, em sua grande maioria, abraçam o entendimento de que nenhum direito possuem, em tais casos, os interessados, no tocante às diferentes parcelas asseguradas pela legislação laboral aos empregados.
Entendemos inteiramente procedente a orientação adotada.
Se nulo é o ato de admissão, incapaz se mostra de gerar efeitos. Mesmo frente a direitos trabalhistas, tutelados por justiça especializada. Com respeito a isso, é de todo colacionável o judicioso pronunciamento da 3a. Junta de Conciliação e Julgamento de João Pessoa, onde se lê:
É certo que o Direito do Trabalho revela um inquestionável caráter tutelar, almejando proteger o hiposuficiente em face à maior força econômica da entidade patronal, e é igualmente verdade que o trabalho é um elemento infungível, sendo impossível retornar ao status quo ante após a prestação ao serviço (motivo pelo qual o trabalhador teria direito a uma contraprestação ou indenização pelas tarefas executadas). Assim, uma parte considerável dos juslaboristas defende a tese de que no âmbito trabalhista inexiste a nulidade do contrato de trabalho, mas apenas a sua anulabilidade com efeitos ex nunc, sendo anulado o pacto sem retroagir a ineficácia à data da sua celebração (sob pena de permitir o enriquecimento ilícito do tomador dos serviços).
O presente caso concreto, no entanto, revela uma peculiaridade: a nulidade encontra-se expressamente estabelecida em dispositivo constitucional. O parágrafo segundo do artigo 37 dispõe explicitamente sobre a nulidade do ato da contratação. Não se refere a anulabilidade do ato. A primazia da norma constitucional expressa, assim, é indubitável. A contratação de servidor celetista após 05.10.88, sem a observância de suas regras, torna o elo de emprego nulo de pleno direito. E, registre-se, não pode o obreiro alegar o desconhecimento da norma em seu benefício (artigo 3º da Lei de Introdução ao Código Civil: "Ninguém escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece").
Tal é o entendimento dominante no E. TRT da 13ª Região, conforme revela a seguinte ementa: CONTRATO NULO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. Nulo é o contrato de trabalho celebrado com infração às disposições do artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, não gerando qualquer efeito na ordem jurídica. Remessa oficial conhecida e provida para decretar a improcedência do pedido. (TRT 13ª R-Acórdão num. 16048-REO 452/93 - Relator: Juiz Tarcísio de Miranda Monte - DJPB 21.08.94).
Como conseqüência de tais constatações, incumbe a este colegiado declarar a nulidade absoluta do contrato de trabalho celebrado pelas partes, motivo pelo qual improcede na íntegra a reclamatória quanto às postulações do demandante.
A propósito da observação acima, de que não pode o obreiro alegar o desconhecimento da norma, devemos atentar também para outro aspecto. É que, quando se trata de atos de corrupção, de suborno, inclusive, nós temos o vezo de censurar apenas aquele que se deixa corromper ou subornar, e nos esquecemos da figura do corruptor ou subornador, quase sempre deixado ao abrigo de acusações. Recentes episódios de repercussão nacional deixaram bem clara essa tendência. É necessário, pois, que tanto um quanto o outro sejam censurados e punidos.
O mesmo ocorre no caso de que ora tratamos, quando há necessidade de punir tanto o agente público, do que falaremos adiante, como o beneficiário do ato irregular. Ambos são responsáveis pela violação à norma constitucional. Não há falar, no caso em hiposuficiência do contratado. Inúmeros são os casos em que os beneficiário do ato irregular são pessoa de nível superior de escolarização, bem cientes, por conseguinte, do caráter irregular de sua contratação.
Alguns Pretórios trabalhistas têm entendido serem devidos os salários, se constantes da reclamação ajuizada. O contrário, porém, parece-me mais aceitável, porquanto se o contrato laboral é nulo, não há de gerar qualquer efeito.
Nesse sentido, veja-se decisão do Tribunal Regional do Trabalho, 8ª Região:
A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. A não observância desse dispositivo constitucional implicará a nulidade do ato de contratação e a punição da autoridade responsável (art. 37, II e seu par. 2º da Constituição Federal). Tratando-se de nulidade absoluta, a sua declaração judicial independe de provação dos litigantes. Os seus efeitos são "ex tunc". Incabível, portanto a condenação mesmo a título de verbas salariais, eis que a nulidade, no caso, decorre de norma constitucional, cuja sanção prevalece sobre a doutrina clássica do direito do trabalho. Apenas por eqüidade não se determina a devolução dos salários e vantagens já percebidas pelo reclamante, ante a impossibilidade de restituição da força de trabalho. O princípio da moralidade pública, consagrado no texto constitucional, deve ser observado". (Ac. Unânime, TRT 8ª Região, 2ª T. REX-OF-RO-7457/93, Rel. Juiz Vicente José Malheiros da Fonseca, 16.03.93, LTR, 58-09/1104).
O Ministro Nogueira de Brito, em voto lapidar, assim se manifesta:
A natureza e importância do princípio constitucional posto em evidência tem, sem dúvida, significado especialíssimo. Não se está aqui examinando uma relação pura e simples entre patrão e empregado, mas sim uma relação entre Estado, lato sensu, e o cidadão. E aqui as normas de ordem pública assumem especial relevância. Se a Constituição, no caso específico da investidura em cargo ou emprego publico, penaliza com a nulidade o ato praticado sem observar o requisito por ela estabelecido - o concurso publico - não podemos nós, a pretexto de resguardar suposto direito empreender novo tipo de conspiração a Lei Maior, suavizando os efeitos da penalidade nela contida. Se o ato é nulo, assim deve ser considerado.
Ao defendermos o ponto de vista de que nem o pagamento de salários deve ser reconhecido em favor do empregado irregularmente admitido, não queremos com isso defender a idéia de que o Estado, em sentido lato, possa se locupletar à custa do trabalho alheio. Se o empregado prestou serviços ao ente público, este tem obrigação de pagar-lhe por essa prestação, mas não a título de salário. Salário é a remuneração paga ao trabalhador legalmente contratado. Na hipótese, como não há contrato válido, não há direito a salários. No entanto, se o contratado prestou serviços, há de ser remunerado pela prestação desses serviços, do mesmo modo como são remunerados todos os prestadores de serviço que usualmente contratam com a administração, sem ter, contudo, tal retribuição caráter salarial.
Tal orientação consubstancia, aliás, o entendimento do Tribunal de Contas da União, "no sentido de dispensar o recolhimento dos valores despendidos a título de remuneração dos empregados irregularmente contratados, uma vez que tais valores correspondem ao pagamento de serviços prestados e, por isso devidos" (Acórdãos 78/95 e 182/96 - Plenário).
A outra decorrência constitucional da admissão irregular de servidor público é, ao lado da sua nulidade, a punição da autoridade responsável, nos termos da lei.
As punições aplicáveis ao responsável pela admissão irregular de servidores públicos vão desde a aplicação de sanções administrativas, até a aplicação de pena, se configurado algum tipo delituoso, assim definido em lei.
As decisões dos Tribunais de Contas, por exemplo, compreendem o julgamento irregular das contas, por configurar-se, no caso, a prática de gestão ilegal, e a aplicação de multa ao responsável, com todos os seus consectários, dentre os quais a possível declaração de inelegibilidade pela Justiça Eleitoral, conforme dispõe a legislação própria. Da mesma forma, a admissão irregular de servidor público, representando um ato que viola os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, pode configurar improbidade administrativa, nos termos da Lei 8.429, de 2 de junho de 1992.
Não se têm as Cortes de Contas manifestado pela devolução aos cofres públicos, pelo responsável, das quantias pagas, a título de vencimentos, aos servidores admitidos irregularmente, por entenderem, como já dissemos acima, que os valores pagos correspondem aos serviços prestados e, por isso, devidos.
Tocante, particularmente, aos Prefeitos, há legislação específica (decreto-lei 201/67) que tipifica como crime de responsabilidade, de apuração privativa do Poder Judiciário e punível com pena, principal, de detenção, de três meses a três anos, e com pena acessória de perda do cargo e inabilitação para o exercício de cargo público, eletivo ou de nomeação, o ato de "nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei".
Do mesmo modo recai sobre os administradores municipais a possibilidade
de seu enquadramento como gestores ímprobos, na forma do
disposto na lei acima mencionada.
Do que até aqui expusemos, podemos concluir que:
1) as admissões de servidores em cargos ou empregos, nos órgãos da administração direta, indireta e fundacional, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, só se podem efetuar mediante a prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos;
2) em vista da dicção constitucional em vigor, não mais se permitem as formas derivadas de provimento de cargos públicos, tais como, transferência, ascensão, acesso, somente permitidas aquelas expressamente autorizadas pela Constituição: aproveitamento de disponíveis, promoção por antigüidade ou merecimento, reintegração e recondução, nas hipóteses de invalidar-se por sentença judicial a demissão de servidor estável;
3) todos os atos de admissão de pessoal, a qualquer título, têm de ser apreciados pelo Tribunal de Contas correspondente, o qual, para fins de registro, apreciará a sua legalidade;
4) os atos irregulares de admissão de pessoal, por expressa disposição constitucional, são nulos de pleno direito, não gerando quaisquer efeitos, acarretando a sua prática a punição da autoridade responsável, do ponto de vista penal, administrativo, civil e até mesmo político.