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Concurso público e os direitos dos candidatos

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Dois aspectos merecem relevo neste trabalho: o valor das taxas de inscrição e o direito de ser nomeado.

Durante décadas, desenvolveu-se sólida doutrina sustentando de um lado o poder de império e exercício da gestão discricionária da Administração Pública e, de outro, a mingua dos direitos públicos subjetivos do cidadão.

É próprio dos regimes democráticos uma nova perspectiva da visão de Estado, sociedade e cidadania, visando a harmonização e equilíbrio das relações, onde ambos os pólos devem ter compromissos com o interesse público.

Um dos temas de Direito Administrativo que mais revela essa evolução e os contornos jurisprudênciais que vêm sendo indelevelmente definidos nessa relação é o concurso público.

Dois aspectos merecem relevo neste trabalho: o valor das taxas de inscrição e o direito de ser nomeado.

A Constituição Federal de 1988, erigindo os princípios vetoriais da Administração Pública definiu, no que se refere ao ingresso no serviço público, o princípio da ampla acessibilidade aos cargos, empregos e funções públicas (art. 37, I).

Esse princípio, na prática, vem sendo frustado por editais que estabelecem restrições não essenciais ao desenvolvimento das atribuições a serem desempenhadas e, outras vezes, apenas úteis aos interesses secundários da Administração, como, por exemplo, arrecadação de valores.

Erigiu-se, no passado, com base em Lei, a permissividade para os agentes públicos fazerem do poder aquisitivo dos candidatos barreiras quase intransponíveis para o acesso a cargos, empregos e funções.

Na esfera federal, o Decreto n° 86.364, de 14 de setembro de 1981, permitiu a cobrança do valor da taxa de inscrição correspondente a 2,5% (dois e meio pontos percentuais) da remuneração fixada para a referência inicial do cargo ou emprego (1). No Distrito Federal, esse limite chegou a ser de 10% (dez por cento) (2).

O valor limite definido, por via oblíqua, constitui-se em restrição à competição em nada justificável; verdadeiramente ilegítimo.

A seleção, além dos fatores pessoais do candidato, exige uma concorrência entre esses, nem sempre sendo disponível cifras dessa ordem, que vinham impostas para permitir apenas o direito de disputar uma vaga.

Dessa forma, o poder aquisitivo resultava em meio odioso de seleção.

Competiu ao Tribunal de Contas da União, pelo seu valoroso corpo técnico, estabelecer que a taxa de inscrição em concurso deve ser fixada de modo a apenas cobrir os custos do certame (3).

A decisão não alcançou a ressonância que era de se esperar e continuaram essas taxas sendo fixadas em valores muito próximos aos limites estabelecidos em Lei.

Recentemente a Medida Provisória 1573, - em suas reedições (a propósito, o Brasil tem Congresso Nacional?) estabeleceu exatamente a mesma determinação: o valor da taxa deve ser apenas o suficiente para cobrir os custos do concurso.

São passos tímidos, mas firmes na direção de melhor definir o interesse público.

Infelizmente, é forçoso reconhecer a dificuldade que o cidadão terá para coibir a fixação das taxas elevadas, porque oneroso o questionamento junto ao Poder Judiciário.

Existe, porém, a possibilidade de argüir perante os Tribunais de Contas esse fato quando da publicação dos editais, cobrando dessas instituições o exame dos fatos e circunstâncias que levam a definição dos valores.

É que, por dever constitucional, compete a essas Cortes apreciarem não só a legalidade, mas também a legitimidade e economicidade dos atos da Administração Pública.

Outro tema relevante é o direito de ser nomeado.

Durante muito tempo em nosso País, a doutrina e a jurisprudência firmaram o entendimento de que a aprovação em concurso público gerava mera expectativa de direito a nomeação. Somente quando violada a ordem de classificação, o candidato poderia ter direito perante o Judiciário.

Levado ao extremo, esse entendimento permitiu a ocorrência de situações esdrúxulas como a de candidatos que, após intensa dedicação, obtinham a aprovação dentro do número das vagas oferecidas e amargavam o dissabor de ver expirar-se o prazo de validade de um concurso sem nomeação.

Impunha o interesse público a efetivação de medidas coercitivas desse poder discricionário verdadeiramente absurdo.

O momento é chegado.

Após o julgamento do RE n° 192568-0-PI, DJU de 13.09.96, pelo Supremo Tribunal Federal é possível reconhecer o dever da Administração Pública de nomear os candidatos aprovados para as vagas disponíveis ou oferecidas no edital.

O voto lúcido do Ministro-relator, Marco Aurélio, acompanhado dos Ministros Maurício Correa e Francisco Rezek, teve a ementa redigida nos seguintes termos:

"CONCURSO PÚBLICO - EDITAL - PARÂMETROS - OBSERVAÇÃO. As cláusulas constantes do edital de concurso obrigam candidatos e Administração Pública. Na feliz dicção de Hely Lopes Meirelles, o edital é lei interna da concorrência.

CONCURSO PÚBLICO - VAGAS - NOMEAÇÃO. O princípio da razoabilidade é conducente a presumir-se, como objeto do concurso, o preenchimento das vagas existentes. Exsurge configurador de desvio de poder ato da Administração Pública que implique nomeação parcial de candidatos, indferimento da prorrogação do prazo do concurso sem justificativa socialmente aceitável e publicação de novo edital com idêntica finalidade. "... Como o inciso IV (do artigo 37 da Constituição Federal) tem o objetivo manifesto de resguardar precedências na seqüência dos concursos, segue-se que a Administração não poderá, sem burlar o dispositivo e sem incorrer em desvio de poder, deixar escoar deliberadamente o período de validade do período de concurso anterior para nomear os aprovados em certames subsequentes. Fora isto possível e o inciso IV tornar-se-ía letra morta, constituindo-se na mais rúptil das garantias" (4).

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Na mesma linha de entendimento tem se pronunciado o Superior Tribunal de Justiça em outros casos, parecendo firme a iniciativa de tutelar o direito dos candidatos aprovados.

Se a Administração oferece no edital determinado número de vagas é evidente que os candidatos aprovados no limite tem efetivamente direito a nomeação. Se, contudo, não foi fixado o número de vagas cuja ocupação se pretende, - o que em princípio não nos parece correto, - é razoável presumir-se que o concurso se destina as vagas existentes e as que vierem a ocorrer no período de validade do concurso.

A não nomeação nessas condições viola direito líquido e certo do cidadão-candidato, passível de ser contrastado não só perante o Judiciário, mas também junto aos Tribunais de Contas.

A vista dessa evolução da jurisprudência, na qualidade de Procurador-Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal, ingressei com representação no TCDF para que essa Corte firme entendimento sobre essas questões, entre outras, promovendo recomendações aos órgãos jurisdicionados, e, assim, tornando eficazes os princípios constitucionais consagrados.


NOTAS

1. Cf. Alteração promovida pelo Dec. 88.376, de 10.07.83

2. Proc. TC-012.919/94 - 2 , DOU, de 15.04.96

3. Proc. TC-012.919/94-2, DOU, de 15.04.96

4. Celso Antonio Bandeira de Melo in Regime Constitucional dos servidores da Administração Direta e Indireta, página 74.

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Sobre o autor
Jorge Ulisses Jacoby Fernandes

É professor de Direito Administrativo, mestre em Direito Público e advogado. Consultor cadastrado no Banco Mundial. Foi advogado e administrador postal na ECT; Juiz do Trabalho no TRT 10ª Região, Procurador, Procurador-Geral do Ministério Público e Conselheiro no TCDF.Autor de 13 livros e 6 coletâneas de leis. Tem mais de 8.000 horas de cursos ministrados nas áreas de controle. É membro vitalício da Academia Brasileira de Ciências, Artes, História e Literatura, como acadêmico efetivo imortal em ciências jurídicas, ocupando a cadeira nº 7, cujo patrono é Hely Lopes Meirelles.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Concurso público e os direitos dos candidatos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 32, 1 jun. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/389. Acesso em: 23 dez. 2024.

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