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Produção e consumo versus resíduos sólidos.

A lenda do Phoenix ressuscitada hoje

01/03/2003 às 00:00
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Desde a aparição do homo sapiens na face do Planeta Terra, ao estágio de agregação deste em comunidades clãs, das atividades agropastoris do período paleolítico ao neolítico, até o advento de organizações gigantescas e sólidas socialmente – em relevo a nossa contemporânea – a relação social entre o Homem e a utilização dos recursos ambientais caminhou da comunhão primitiva à colisão hodierna, no que toca à recaptura dos refugos da civilização pelos ciclos biogeoquímicos.

A razão desse descompasso ecológico, definido pela contenda "a frequência crescente de produção de resíduos sólidos versus decrescente capacidade energética de neutralização dos ecossistemas para com a matéria cita", transcende o domínio das relações humanas em todas as suas manifestações ao longo de sua evolução.

A humanidade, da primitiva subsistência à ganância do lucro insustentável, se organizou à revelia de mínimo gerenciamento e gestão da capacidade das cadeias energéticas biogeoquímicas, fato que imbricou em um núcleo econômico de uso dispendioso de energias e recursos naturais, em companhia a ideológica-social do consumo do supérfluo, binômio de volume de resíduos dispares em quantum e qualidade com os processos de reintegralização naturais.

O avolumar dos resíduos sólidos em decorrência desse binômio se faz em quantum pela separação do tempo diferido ecológico comparado ao tempo real,

veloz e imediatista dos restos dos usos humanos, oriundos da produção e instilação do consumo frívolo das massas. E, em qualidade pelo alto alcance tecnológico da variabilidade dos produtos modernos, incapacitando a desintegralização dos seus refugos pelos ecossistemas, devido a falta de cadeias químicas recombinantes à compatibilidade, ou à exaustão energético-produtivo do lucro aviltante, que fez contribuir para com a mitigação ou estabilização da homeostase dos ciclos fisiológicos dos biomas planetários.

Da comunhão da relação homem-natureza à anomia pós-industrial vivente, a ética-utilitária capitalista distanciou o Homem como parte da sinfonia da evolução ambiental. Esta funda a atomização humana embrenhada na tacanhez da disposição infinda de energias e recursos naturais para ávidas taxas de lucros e desmesurado consumismo. Falsa crença geradora de ressacas ecológicas pela falência ecossistêmica da recaptura dos refugos, então, refastelados a céu aberto ou inertes na qualidade de bens pós-utilizados de forma descuidada, tão-somente pela irracionalidade do domínio humano em sintonizar as prioridades de seu nicho com os demais nichos ecológicos circunvizinhos.

Les déchets sont actuellement presque toujours présentés comme des évidences, comme des réalités de nature technique. La pollution est devenue une dimension objective de la production industrielle et de la consommation de masse, et des déchets sont devenus des choses que l’on peut mesurer, valoriser, comparer, additionner ou retrancher, comme des biens ou des services. [1]

Rumo à patologia ambiental deflagrada pela economia humana reprodutora em torno de si própria, trivial que a parcimônia para com a maneira de gerenciar a equação de custo-benefício eco-fisiológico ( produção e consumo uníssono à capacidade qualitativa e quantitativa de absorção dos ecossistemas terrestres ) somente dar-se-ia ao quadro da desproporção com o implemento da mecânica simbólica das primeiras fábricas capitalistas do século XVIII., como salutar sociológica intrínseca ao grau de desarmonia "ecocêntrica", condicionada pelo modo de produção e estrutura de classes, organização do aparato tecnológico e o universo cultural nos tempos.

Dada plena luz à primogenitura capitalista, a epidemia da insustentabilidade dos refugos oriundos dos padrões de produção e consumo exasperar-se-ia na produção "fordista" após segunda guerra e, em comando, por ser o seu sustentáculo singular, na ditadura do consumo social e cultural à moda "american way of life", propugnante a lograr meros luxos em fantasiosas necessidades cotidianas, através do ardil do "markenting".

A "eco-normatividade" do "fordismo" e "american way of life" é financiada pela tecnologia dura que, reflexo de uma sociedade urbano-industrial, se cimenta sobre grandes gastos de energia e recursos ambientais, voltados à mantença de redes de devastação ambiental a difuso, modificadas do meio e eternizadas em malus pela perpétua falta de manejo ecológico das forças produtivas.

Institucionaliza-se como símbolo da ordem econômica a contra-produtividade capitalista em escala de medição ambiental, fenômeno que, de per si, simboliza a carência da solidariedade orgânica entre os homens e, entre estes e nas suas formas de se organizar e suster no "óikos" terreno, em simbiose com as forças energéticas e cadeias químicas – as quais se auto-reproduziriam e se auto-reciclariam na rítmica ecológica, se não fosse a aplicação resoluta da álea produtiva e consumista.

Rival do meio ambiente e longe de dominar a sua expansão, caracterizada a qualquer maneira, a apologia à "american way of life" se finca a partir de uma reprodução partogênica, no sentido de que parte de si em direção a si própria à margem de qualquer agente externo que não objetive ao lucro desmedido e, ao superávit da pilhagem acelerada de resíduos não-renováveis sob o ciclo ecossistêmico.

À ilustração, a instituição do consumo àquela "moda" se perfaz por subterfúgios que, inerentes a esta ritualística a serviço da produção capitalista, alimentam a variabilidade dos resíduos sólidos, na maioria inorgânicos. Temos:

a)obsolescência planejada dos produtos oferecidos às massas, política que se resume em diminuir ou pelo menos não aumentar o tempo útil dos produtos, de forma a forçar a sua constante substituição. Nessa teia, símbolo maior são os produtos de embalagens descartáveis que a pretexto de maior "praticidade" criam um fluxo mercantil esbanjador e lucrativo;

b)artifício de imprimir sobre as atitudes humanas subjetivas a idéia cultural da necessidade de procura por espaços mercantilizados, sob a falácia de que o homem, a cada dia, se veria cada vez menos autônomo, polivalente e, logo, sua capacidade diminuir-se-ia em resolver problemas em cunhos sociais minimizados, fator que o manipularia a compra e paga de planos de saúde, espaços de lazer, recreação e, outras invenções "necessárias"; e,

c)por último, o artifício mais diuturno: trata-se da produção opulenta, desumível na criação de artigos caros e sofisticados para o consumidor médio, parcela que contribui para os resíduos dos bens pós-utilizados.

Outra faceta contígua da "american way of life" se reverencia a partir do paradoxo da opulência e da miséria no que tange aos padrões de consumo de massa, agravando sobremaneira a deposição dos excessos no meio. A opulência, oriunda das elites, faz criar uma gama de resíduos sólidos depositados com freqüência em um espaço pequeno e a cargo de neutralização de um sistema ecológico insipiente para reabsorção destes restos industrializados pelo Homem moderno, em razão de que:

a)são frutos de uma cadeia química extremamente diferenciada daquele elemneto extraído na fonte;

b)a velocidade em que estes dejetos são produzidos não acompanham o tempo de absorção ecológica;

c)em agravo, a realidade da escassez energética pela utilização desmedida de matérias-primas delapidadoras, dia-a-dia, diminuindo o sistema de recapturação dos resíduos produzidos pelo consumo, os tornando inertes e estáticos sob o prisma de reaproveitamento de energia. Tendo como exemplo a utilização de petróleo, levado à escassez futura e, logo, á incapacidade de se compactar energia para eliminar resíduos criados por esta mesma fonte energética, ora porque insuficiente, ora pelo gasto de investimentos, muitas vezes, maiores que o próprio custo-benefício total da produção.

A miséria, oriunda do fenômeno da macrocefalia urbano-industrial, gestada pela dinâmica capitalista e primogênita do acirramento da divisão social do trabalho industrial, se permeia sob a classe dos cidadãos marginalizados do consumo das elites que vivem no macrocosmo da oclusão do acesso ao nível mínimo de vida – sistema de esgoto, abastecimento, saúde e alimentação – dinâmica que milita pela produção de resíduos sólidos, cuja problemática maior não se tange à miséria a ser neutralizada, na maioria orgânica, mas sobretudo, pelo fato de estar tais resíduos sólidos fora do seu lugar de chegada e, assim, ser estranhos às propriedades de reciclagem do meio.

Notabiliza-se, como decorrência da macrocefalia, o agravante do reaproveitamento dos resíduos sólidos das "elites" pelos "cidadãos do lixo", os quais concentrados emn certo espaço, sempre impróprio, como na margem de mananciais, propiciam uma nova integração de resíduos sólidos aproveitados por eles, a um segundo estágio de poluentes velozes, cujos efeitos se espalham no meio, dando azo à turbidez de águas fluviais, à queima localizada de detritos, à epidemia de doenças pelo contato com o lixo, além de outras insalubridades que se eternizam no espaço e se fazem perpetuar, também, pela carência de vontade política voltada ao saneamento básico de tais áreas.

Sob o macrocosmo de tal miséria, o realce à necessidade de reprimir o crescimento populacional nos grandes centros sob o enfoque da proliferação dos refugos e poluição em geral é despiciendo. Neste vetor, não se perquire ao crescimento, fator pontual, porém às condições de saneamento e de reorganização da desordem nas megalópoles, instituída e acirrada pela autonomia sistêmica capitalista na História.

Urge a expectativa e efetiva redistribuição político-social e econômica para mitigar mazelas marcadas pelo processo histórico urbanístico pós-industrialização. Medida de ajuste plausível – quiçá utópica, mas digna de nota – pautar-se-ia pela descentralização dos grandes centros nas pequenas e médias cidades, as quais se articulariam com o espaço rural que as rodeia, em um entrosamento de cooperativismo e auto-gestão, levando à desconcentração da dependência daquelas ao pólo das megalópoles. Tal projeto, assim considerado e seriamente direcionado, poderia ser um paliativo, a médio prazo, da questão da circulação dos resíduos sólidos sob enfoque de reabsorção aos ciclos

biogeoquímicos, principalmente sobre o aspecto de que este estariam próximos de sua fonte-primeira.

Do exposto, se desvela inconteste truísmo: à freqüência de que o homem mercantilizado produz e consome, - porquanto há na base de tal função o uso ilimitado, quantitativo de recursos energéticos, vez que abandonou a muito a mera subsistência -, o ritmo da produção de resíduos sólidos tende à inversamente proporcional à absorção ecológica.

Ora, os resíduos dos padrões capitalistas, nos bolsões de miséria, ou no meandro das futilidades do consumo opulento das elites, não são, em sua maioria retornados a sua fonte-mãe, em parte ou na íntegra. E, se há tal volta, estes não se fazem de forma integrada em sua gênese, mas tendem a afetar todo um sistema, já que está se tratando, não de algo sozinho que paira no cosmo, mas, irrefutavelmente, de um organismo, de um ecossistema, dos biomas terrenos.

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Já no século XIX, Haeckel salientava o sistema ecológico como um verdadeiro organismo, na medida em que os elementos participantes destes, evoluíam segundo nichos interdependentes, através de relacionamentos físicos e biológicos – os chamados ciclo biogeoquímicos, nos quais a capacidade de se auto-organizarem e de se auto-reproduzirem (homeostase) estava em umbilical condicionamento a maior viabilidade de elementos de maneira a possibilitar maiores cadeias de combinações para a eliminação de dejetos não adaptáveis ao ecossistema.

Salutar que esse ciclo transcorrera permanentemente reciclável quando relacionado a grade nicho humano ao lado de outros nichos animais e vegetais, quando o homem pré-capitalista, pré-fordista e pré-consumista ávido mantinha sua organização em tempo ecológico e, sob recursos de natureza renováveis – dejetos orgânicos, vegetais e animais, os quais eram resultado da coleta de frutos e da caça e

lavoura de pequena escala, onde excessos eram aparados pelo ecossistema, deixando praticamente intactas as bases de seu funcionamento.

Não obstante a existência de alguns registros ecológicos que relatam mudanças ecológicas e erosão de solos, não só nas sociedades primitivas, mas também naquelas que já possuíam um certo grau urbano-industrial, tal como as greco-romanas, o nível de produção e consumo peculiares a estas não chegaria a inverter o panorama da homeostase dos diversos ecossistemas terrenos, quando comparável com o legado da implementação do capitalismo – signo da face pérfida sob uma mediação destrutiva "óikos" versus "homo sapiens". Em síntese, a retenção de resíduos sólidos pelos ecossistemas era proporcional à produção e consumo organizados naquela época – a produção e consumo se interagiam de forma circular com a capacidade energética da natureza em reabsorver o que dela fora tirado. Os produtos utilizados pelo homem eram de grande variabilidade frente ao aparato medíocre tecnológico.

O subjugar da Natureza aos egoísmos humanos só tornar-se-ia um fardo resoluto a partir da ideologia de produção capitalista, que de industrial à financeira, mostrar-se-ia, então, não afeita a manter o metabolismo circular, mas sim linear, qual seja, produzir em desperdício materiais não renováveis sob o ponto de vista eco-biológico e, se renováveis, em tempo não hábil para a reabsorção nos ciclos – idiossincrasia que instalada supra-individualmente, avolumou os resíduos sólidos à terra, frente aos problemas gerados quanto a sua destinação e aproveitamento energético, acompanhada da ameaça da estagnação dos recursos ambientais para agir ao nível dos resíduos sob o prisma entrópico, para financiar a despropositada evolução de produção e consumo capitalistas.

À guisa de mais uma nota a corroborar a tese exposta, a ruralização da economia na Idade Média – cujos inventários históricos narram desflorestamento e poluição do ar pela queima de carvão – não são comparáveis, também, ao índice de impacto ambiental negativo em termos de circulação de dispersão de resíduos sólidos ao

regime de lucro, embora, a peste negra tenha dizimado milhares de pessoas. No entanto, esta se dera pela falta de saneamento e não pela permanência de resíduos sólidos estáveis não circulantes, tal como ocorre nas fétidas periferias urbanas das megalópoles, em atualidade.

O dilema da destinação dos resíduos sólidos representa os padrões de produção e consumo inaugurados com a Revolução Industrial, séculos XVIII e XIX, que é fruto da falsa ideologia de que a Natureza estaria a serviço das representações sociais capitalistas. Mendaz crença da existência de recursos naturais em quantidade ilimitada para suprir o crescimento da nova sociedade que se percutia, relegando o substrato do alto e feroz consumo de energia e matérias-primas, em núcleo as geradoras em maior número de resíduos não-renováveis – da utilização de combustíveis fósseis, carvão vegetal para movimentação de engenhos monstruosos nas fábricas e, chegando ao petróleo e, quiçá, dentro poucos anos, a energia nuclear frente ao esgotamento desta última fonte. Substituição energética determinada pela esgotabilidade de fontes e, jamais, pelo racionamento ecológico.

Da exatidão de transição da força produtiva e formas de consumo em evolução no decorrer das épocas, a incapacidade do bioma em reciclar ou reutilizar as diversas etapas dos resíduos sólidos foi ditada pelo aspecto de que o homem produz levando à escassez seu potencial energético (produção "fordista"), e em laço, consumindo ao encontro de um manifesto colapso entrópico (consumo à "american way of life") [2].

Vejamos o descrito abaixo retirado da obra de Enzo Tiezzi, "Tempos Históricos. Tempos Biológicos. A terra ou a morte: os problemas de uma nova ecologia", pág. 94: o progresso é medido pela velocidade com que se produz (...) Mas este conceito ao tempo tecnológico ou econômico é exatamente o oposto do tempo entrópico. A realidade natural obedece a leis diferentes das econômicas e reconhece o tempo entrópico: quanto mais rapidamente se consomem os recursos naturais e a energia disponível no mundo, tanto menor é o tempo que permanece à disposição de nossa sobrevivência. O tempo tecnológico é inversamente proporcional ao tempo entrópico; o tempo econômico é inversamente proporcional ao tempo biológico.

Ressalta-se, as soluções para o dilema da circulação dos resíduos sólidos não passam de teorias reflexivas que invadem os discursos daqueles que primam pelo "desenvolvimento sustentável" – movimento social ecológico de capitalistas que nada mais priorizam do que manter a dinâmica da maximização do lucro, dando certo interesse a questão ecológica somente quando esta vem a ameaçar os destinos vindouros das organizações sociais capitalistas já existentes ou, quando esta se apresenta como fator altamente rentável para auferimento de novos lucros (eco-indústrias).

Depreende-se, o encarte, à lógica capitalista, da ecologia do absurdo representanda pela dissipação dos excessos negativos da produção "fordistas" e consumo à "american way of life", no que respeita aos refugos sólidos, a partir da "internalização das des-economias externas", panorama que tem como fator mediação a indústria da poluição, cujo absurdo se traduz em não se escapar às amarras do sistema, lucrar sempre.

A "internalização", sob esmerado "pseudocientificismo ecológico", prende-se a eliminar os excessos impactantes ao bioma, mas sem tocar a fundo a incapacidade do homem de dominar os ciclos naturais diante do grau atingido pela sua política de crescimento capitalista, voltada a pilhagem de desperdícios e engendrada por falsas necessidades coletivas, encrostadas como sustento do próprio padrão de produção moderno.

Instigando as atitudes de massa, a "internalização" simboliza a política ambiental "sustentável" e ideal para as negativas excedentes capitalistas, assertiva esta que faz incitar o consumo de produtos "ecológicos", segundo o ardil do "markenting ambiental", de modo a difundir nas mentes-fantoches a crença de se estar contribuindo com o ambiente quando, a bem da verdade, está as confinando à eterna debilidade mental ecológica, retratada através do comportamento conformista do Homem moderno, que delega tais questões ao Estado ou associações interessadas, acreditando tratar-se estas de "coisas" irrelevantes para sua preocupação direta.

... le déchet tecnique peut éter considéré comme le résultat de ce que l´on nomme l´internalisation des déséconomies externes. Les déséconomies externes désignent des effects négatifs sur l´équilibre de marché qui sont entrâines par une détérioration de l´environnement causée par les activités économiques elles-mêmes. L´internalisation consiste alors à donner un prix à cette deterioration, de façon à << réparer>> l´environnement. Mais cette réparation n´est nullement matérielle. Elle équivaut seulement à prendre l´environnement en compte, c´est-à-dire à en faire l´objet d´un calcul.

Or, cette prise en compte... où il existe une disposition socio-culturelle à payer [3].

Inegavelmente, as eco-indústrias buscam a lucratividade e os movimentos ecológicos, também – não se iludam – ressonam sob a mesma nota, qual seja quem polui deve pagar, e muito bem, discurso que se notabiliza através da mercantilização dos recursos ambientais. Estes se inserem no mercado de consumo, ao acesso de quem possa custeá-los – exemplo são os "créditos de poluição" compactuados entre países do Norte e Sul.

Em engajada colaboração, as políticas públicas voltadas ao implemento de técnicas de redução dos desperdícios do consumo se tornam inúteis, posto que nascem da lógica de relações sociais capitalistas e, portanto, se comportam como fetiches ao nível das populações de que haja uma verdadeira preocupação com o fator do lixo nas cidades, com deposição de resíduos sólidos, com estética urbana, com divisão dos lucros sociais e etc.

Acrescenta-se, a exemplo, o advento da legislação nº 9795, de 27 de abril de 1999, instituindo a Política Nacional de Educação Ambiental, no Brasil, a qual procura manipular uma pseudo-preocupação com a informação e conscientização ambiental em suas diversas localidades, eis que inserta na retórica político-capitalista:

Ora, se houver a implantação efetiva da educação nas diversas classes, a partir da colaboração das comunidades em todos os segmentos sociais, o que sobraria para as ecoindústrias, senão procurar a sua "matéria-prima" na própria fonte das corporações capitalistas, que en passant, já se encontram em vias de colapso entrópico?

Rutilante, então, se tal utopia realidade se tornasse, a economia produtiva capitalista seria "sócio-fágica". Em termos, o material de sustento de sua base econômica, já encontrar-se-ia em vias de falência, pela ação cancerígena dela mesma. Daí a busca de novas alternativas de sustento e adesão sociais, a partir das eco-indústrias e sua teoria do desenvolvimento sustentável, simplificado no gênero da "internacionalização das des-economias externas", in casu, a internalização dos resíduos sólidos pelo mecanismo não do prognóstico, mas do diagnóstico.

A "internalização das des-economias externas", inconteste, já se propaga sólida. Trata-se da nova vertente do expansionismo capitalista, certificada pelo conluio generalizado da concepção política da falência premeditada da incapacidade de saneamento do lixo nas grandes cidades, seja no campo de sua reciclagem ou reutilização e, mais recentemente, da necessidade de aproveitamento energético.

A descontento para o desejado equilíbrio ecológico terreno, basta inferir acerca da cultura da deposição do lixo a céu aberto e da falência das sistemas de aterros sanitários, os quais na sua maioria, além dos riscos normais como a lixiviação, desvalorização dos terrenos que o circunstanciam – em decorrência de má vontade pública – são manchetes de corrupção a serviço de interesses eco-industriais, tais como a negligência no recalque da terra ou o acirramento do perigo da combustão instantânea pela liberação do gás metano, ou mesmo, a prática da incineração rudimentar – que lança ao ar quantidades absurdas de dióxico de carbono.

Categoricamente, a consciência humana contemporânea se incute na espiral de seqüelas excedentes encrostadas pelo padrão do ideário capitalista que, buscando manter suas bases de rentabilidade e acumulação de capital para poucos e poderosos, em detrimento da profusão gigantesca da miséria de muitos, engendra na gênese das relações sociais, - à revelia de qualquer planejamento que não se restrinja a formas de reduzir custos de produção para maiores taxas de lucratividade para expansão de mercados, maneiras de manipular a ação humana para que esta viva "verdadeiros fetiches" de que todas as suas interações relacionais sociais nascem e dependem de um fator mediação, qual seja, a capacidade ávida e reduzida de adquirir todo o gênero de bens.

Tais gênero de bens, em demasia, são aqueles que integram os supérfluos, e que preencham a lacuna de uma sobrevivência alienada, tal como, a compra de sonhos, viagens, lazer, da arte, da ciência, etc, e agora, do ambiente, o qual se transforma em mais uma representação simbólica coletiva definida pelo valor dado ao dinheiro – "quem mais possui, pode pagar por sua parcela do equilíbrio ambiental". Coisificação e mercantilização das representações coletivas humanas, enfim,

... a extensão dos produtos e das necessidades traz com que o indivíduo se torne um escravo inventivo e calculista de apetites humanos, refinados, imaginários, contrários à natureza [4].

A orgânica capitalista afasta sobremaneira a solução dos resíduos sólidos na sociedade moderna, posto que os antídotos para os excessos não escapam à lógica do sistema dominante atual do lucro – cultura da produção em grande escala de qualquer maneira a partir da matéria-prima dos refugos ambientais e seus efeitos no ambiente – quando, o reivindicar por doses homeopáticas interdisciplinares seria a adequação pleiteada, vez que a disponibilidade energética é uma questão ontológica àquilo que concebemos vida.

O despertar para o futuro, convenha-se, tende ao "capitalismo verde", rumo à ecologia do absurdo, em que os resíduos sólidos tornar-se-ão a matéria-prima do famigerado sistema econômico da álea e, não mais uma preocupação de prevenção dos impactos no ambiente. A indagativa se revela cabível desde já: Seria o homem o "Phoenix" do "óikos"? Em que plano teria-se a resposta? Certo é que suas asas já se encontram em franco degelo. ■


NOTAS

01. Amphoux, Pascal, "Fragments, d´ Écologie Humaine ", éditions de l´université de Bruxelles, 1994, page 37. "Os dejetos são atualmente quase sempre apresentados como evidências, como realidades da natureza técnica. A poluição tornou-se uma dimensão objetiva da produção industrial e do consumo de massa, e os dejetos se tornaram coisas que podem ser medidas, valorizadas, comparadas, adicionadas, vendidas, como bens ou serviços.

02. Colapso entrópico desumível na falta de poderio do ambiente em se reproduzir, a partir da neutralização dos resíduos sólidos renováveis ou não, na quantidade e na velocidade exigida pela lógica do crescimento acelerado, como já posto.

03. AMPHOUX, Pascal. Fragmens d´écologie humaine. Bélgica: Éditions de L´université de Bruxelles, 1994, page 38. "... o dejeto técnico, talvez considerado como o resultado disto que se chama "internacionalização das des-economias externas. As des-economias externas designam os efeitos negativos sob o equilíbrio de mercado que foram encarnados por uma deteriorização do ambiente, causada pelas próprias atividades econômicas. A internalização consiste em atribuir um preço a certas deteriorizações, de face a << recuperar>> o ambiente. Mais esta reparação não se anula materialmente. Ela equivale somente a suster o ambiente em conta, isto é, a torná-lo objeto de um cálculo.

Ou, tal contabilidade... onde existe uma disposição sócio-cultural a pagar: é habitual que o poluidor pague.

04. HELLER, Agnes. La théorie des besoins chez Marx. Trad. Robes Dantes. Paris: Éditions 10/18, 1978.


BIBLIOGRAFIA

AMPHOUX, Pascal. Fragmens d´écologie humaine. Bélgica: Éditions de L´université de Bruxelles, 1994, page 38.

HELLER, Agnes. La théorie des besoins chez Marx. Trad. Robes Dantes. Paris: Éditions 10/18, 1978.

TIEZZI, Enzo. Tempos Históricos. Tempos Biológicos. A terra ou a morte: os problemas de uma nova ecologia. Porto Alegre: Editora Céu e Terra, 1995.

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Sobre a autora
Patrícia Bressan da Silva

advogada em São Paulo, acadêmica de Filosofia na Universidade de São Paulo (USP), pós-graduanda em Interesses Difusos e Coletivos da Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo (ESMP), pós-graduanda em Educação Ambiental (USP/FDP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Patrícia Bressan. Produção e consumo versus resíduos sólidos.: A lenda do Phoenix ressuscitada hoje. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3890. Acesso em: 23 nov. 2024.

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